Aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor do

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Aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor do usuário de plano de saúde, que já estando em
tratamento se vê privado da assistência profissional de médico até então credenciado. Lacuna da lei que
regula os planos de saúde quanto ao descredenciamento de profissionais, cuidando apenas das hipóteses de
descredenciamento de entidade ou unidade de atendimento.
ESTUDO
Trata-se de solicitação de apoio formulada pela Dra. Graziela
Borzani, 4ª Promotora de Justiça Substituta de Mogi das Cruzes, sobre o
direito de cobertura ao consumidor de plano de saúde, referentemente a
serviços médicos prestados por profissional descredenciado durante o
tratamento e antes de cirurgia cardíaca delicada (colocação de stent).
À falta de dados aprofundados sobre a controvérsia que gerou a
consulta, foram adotados os parâmetros mais comuns – plano individual,
com cobertura hospitalar e firmado posteriormente à Lei dos Planos de
Saúde (Lei nº 9.656/98).
O art. 17 da Lei prevê que o consumidor tem direito à manutenção do
padrão de atendimento, já que se trata de um contrato de longa duração e
que deve ter preservado o equilíbrio entre as partes. Em caso de mudança
ou descredenciamento de hospital, o associado deve ser previamente
comunicado e tem direito a ser mantido internado durante a necessária
convalescença.
Lamentavelmente, o dispositivo refere-se somente à manutenção de
hospital e não cuida da continuidade de laboratórios e médicos, o que não
escapou à crítica da doutrina especializada:
“Outra fragilidade da Lei 9.656/98 diz respeito ao descredenciamento
dos prestadores de serviço, conforme previsão do seu art. 17. Por esse
dispositivo, apenas o descredenciamento de entidade hospitalar está
condicionado à substituição por outro equivalente, quando o mais adequado
e consentâneo com os postulados da proteção contratual ao consumidor
seria que tal condição se estendesse a todos os prestadores de serviço, tal
como havia sido na Lei até a edição da MP 1.685-5, de 26.10.1998” (Maria
Stella Gregori, Planos de saúde – a ótica da proteção do consumidor, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 171).
A própria doutrina, entretanto, não afasta a possibilidade de o direito
de manutenção ser estendido à figura do médico, com base nos objetivos
protetivos que regem a legislação tratada:
“O legislador provavelmente pretendeu a criação de uma rede estável
de contratados, credenciados e referenciados, como meio de evitar os
sofrimentos óbvios do cliente de um plano de saúde que forma um ciclo de
médicos em que adquire a confiança e dos quais se torna bastante próximo,
fenômeno que a técnica médica denomina longitunariedade. Isto é
conveniente para um melhor atendimento, que seria prejudicado se de
repente, sem maiores explicações, aquele médico fosse descredenciado pela
ruptura do contrato que mantinha com a operadora ou seguradora,
provocando uma mudança no atendimento habitual” (Maury Ângelo
Bottesini e Mauro Conti Machado, Lei dos planos e seguros de saúde, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 128).
Se o legislador vislumbrou razões suficientes para prever o direito à
estabilidade dos serviços prestados ao consumidor no tocante aos hospitais
conveniados, como muito mais veemência deve ser aplicado o mesmo
direito para a manutenção do médico, diante da relação intuito personae
construída com o paciente, que costumeiramente nele deposita extrema
confiança. Afinal de contas, citando o brocardo romano, ubi idem ratio, ibi
idem jus.
A falta de previsão específica na lei especial não prejudica a
fundamentação jurídica baseada nos princípios estabelecidos no Código de
Defesa do Consumidor, como ensina Cláudia Lima Marques:
“Esta exigência de boa-fé qualificada, em face da massificação deste
contrato que atinge mais de 46 milhões de consumidores, reflete-se em uma
interpretação conforma a boa-fé e sempre a favor do consumidor ex vi art.
47 do CDC (...).
Em resumo, os contratos de planos e seguro-saúde são contratos
cativos de longa duração a envolver por muitos anos um fornecedor e um
consumidor, com uma finalidade em comum, assegurar para o consumidor
o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a saúde
deste, de sua família, dependentes ou beneficiários. A Lei 9.656/98
expressamente menciona a aplicabilidade do CDC (art. 3º da antiga versão
da lei e 35-H da versão atual) e especificava a necessidade de que a
aplicação conjunta do CDC e da lei especial ‘não implique prejuízo ao
consumidor’ (§2º do art. 35 da Lei 9.656/98 versão antiga)” (Contratos no
código de defesa do consumidor, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 401 e 409).
O
consumidor
não
é
informado
do
procedimento
de
descredenciamento quando da oferta. Ele acaba assinando um contrato de
adesão de alta complexidade técnica e não merece ser punido pelo dever de
informar que é de incumbência do fornecedor, como prossegue Cláudia
Lima Marques:
“A lição do STJ tem sido seguida pelos Tribunais estaduais, segundo
os quais a obrigação de bem explicar o plano é do profissional (caveat
emptor) e não é ônus imposto ao consumidor leigo e especialmente
vulnerável, se estiver doente, afirmando que ‘a ausência de explicação
conceitual, ao nível do homo medius’, não deve ser tolerada pelo Judiciário
nos planos antigos e novos” (ibi idem, p. 401/402).
Ademais, o consumidor não foi previamente avisado pelo plano de
saúde do descredenciamento do médico que o assiste, sendo injusto que de
chofre seja obrigado a providenciar outro profissional no combate à doença
que o acomete.
Atento aos ditames estabelecidos no art. 5º da Lei de Introdução ao
Código Civil (“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum.”), o Tribunal de Justiça de São
Paulo acolhe a tese do direito de manutenção do médico no atendimento
coberto pelo plano de saúde, se o profissional for descredenciado durante o
tratamento, conforme demonstram as ementas abaixo:
PLANO DE SAÚDE - Prestação de serviços médico-hospitalares Cuidados pré-natais iniciados com médico credenciado - Posterior
descredenciamento - Continuidade do acompanhamento - Reembolso dos
gastos - Usuário que não está sujeito às alterações unilaterais da entidade de
assistência - Aplicação do Código de Defesa do Consumidor - Ação
procedente - Recurso não provido JTJ 211/57
PLANO DE SAÚDE - Médico - Descredenciamento - Associada no
oitavo mês de gestação, por esse acompanhada desde a concepção - Direito
a ser por ele assistida no parto, devendo a administradora do plano suportar
as despesas - Recurso não provido JTJ 220/111
CONTRATO - Plano de saúde - Descredenciamento de médico Pretensão ao prosseguimento do tratamento iniciado anteriormente Admissibilidade - Valores cobertos que deverão corresponder aos pagos aos
médicos credenciados - Recurso não provido – JTJ 270/294
Em caso de grave quadro de saúde do paciente, a exigir tratamento
diferenciado, ou mesmo na hipótese de realização de cirurgias necessárias e
arriscadas (como ocorre nas cirurgias cardíacas), é possível, inclusive, a
obtenção de tutela específica para obtenção efetiva do resultado almejado,
de acordo com o aresto cuja ementa é a seguir transcrita, também do
Tribunal de Justiça paulista:
CONTRATO - Prestação de serviços - Plano de Saúde - Paciente
acometido de câncer de próstata - Descredenciamento de médico no curso
do tratamento - Suspensão dos serviços - Impossibilidade - Conduta abusiva
- Verificação - Continuidade da assistência até a alta médica - Manutenção Reconhecimento - Decisão mantida - Recurso improvido (Apelação Cível
com Revisão n. 152.592-4/0-00 - Santo André - 7ª Câmara “A” de Direito
Privado - Relator: Carlos Roberto de Souza - 26.04.06 - V. U. - Voto n.
519).
Em conclusão, o consumidor tem abrigada pelo ordenamento sua
pretensão de continuar sob tratamento do médico que foi descredenciado do
plano de saúde, para que siga na realização da cirurgia cardíaca agendada,
estendendo-se ao pós-operatório e com direito de cobertura de seus serviços
até o pleno restabelecimento da sua saúde.
São Paulo, 12 de setembro de 2007.
JOSÉ LUIZ BEDNARSKI
Promotor de Justiça Assessor
CAO do Consumidor
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