Maria L Guerra - Textos De Psicologia - Livros(6)

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TEXTOS DE PSICOLOGIA
MARIA LUISA GUERRA
TEXTOS DE PSICOLOGIA
PORTO EDITORA
A Filosofia fresta na inquietação humana.
1
DA FILOSOFIA
«Foi a admiração que incitou os
homens a filosofar.»
(Aristóteles)
SUMÁRIO
1 - Filosofar é estar a caminho - (Karl Jaspers)
2 - Filosofar é despertar - (Karl Jaspers)
3 - Filosofar é interrogar -’ (Bertrand Russell)
4 - Filosofar é criticar - (Merleou-Ponty)
5 - Filosofar é unificar - (Ed. Le Roy)
6 - Filosofar é duvidar - (Antero de Quental)
1 -FILOSOFAR É ESTAR A CAMINHO
Não se pode fugir à filosofia. Pode apenas perguntar-se se é consciente ou inconsciente, boa ou má,
confusa ou clara. Aquele que a rejeita está já afirmando uma filosofia de que não tem consciência.
Que é então esta filosofia, tão universal e que se manifesta de formas tão estranhas ?
A palavra grega filósofo (philosophos) formou-se em oposição a sophos. Designa o que ama o saber,
em contraposição com aquele que, possuindo o saber, se chama sábio. Este sentido persiste ainda
hoje: a essência da filosofia é a procura da Verdade e não a sua posse [ ... ].
Filosofia é estar a caminho. As perguntas, em filosofia, são mais importantes do que as respostas e
cada resposta é uma nova pergunta.
(Karl Jaspers - Introdução à Filosofia - Plon - pág. 8)
2 - FILOSOFAR É DESPERTAR
1 - Platão disse que a origem da filosofia é o espanto. A nossa vista faz-nos «participar do
espectáculo das estrelas, do Sol e da abóbada celeste» . Este espectáculo «incitou-nos a estudar todo
o Universo». Por isso nasceu para nós a filosofia, o mais precioso dos bens que os deuses
concederam à raça dos mortais [ ... 1.
Espantar-se é tender para o conhecimento. Espantando-me, tomo consciência da minha ignorância.
Procuro saber, só por saber e «não para satisfazer alguma exigência vulgar».
Filosofar é despertar, escapando com isso aos laços da necessidade vital. Este despertar realiza-se
quando lançamos um olhar desinteressado sobre as coisas, o céu e o mundo, quando perguntamos a
nós mesmos:
O que é isto? De onde vem tudo isto ? Não se espera que as respostas a estas perguntas tenham
qualquer utilidade prática mas que sejam em si próprias satisfatórias.
2 -Pacificado o espanto e a admiração pelo conhecimento do real, surge a dúvida. Os conhecimentos
acumulam-se mas um breve exame crítico leva-nos a concluir que nada é certo. As percepções
sensíveis são condicionadas pelos nossos órgãos e eles enganam-nos ou, pelo menos, não coincidem
com o que existe em si, fora de nós, independentemente da percepção que dele temos. As formas do
nosso pensamento pertencem ao nosso entendimento humano [ ... I.
A célebre fórmula de Descartes «penso, portanto existo», apareceu-lhe como indubitável no
momento em que duvidava de tudo o resto [
... 1.
A dúvida, quando se torna metódica, arrasta um exame critico de todo o conhecimento.
sem dúvida radical não há verdadeira filosofia.
Por isso,
(Karl Jaspers-Introdução à Filosofia - Plon - pp. 15-18)
3 - FILOSOFAR É INTERROGAR
O valor da filosofia reside, sobretudo, na sua própria incerteza. Aquele que não tem qualquer luz de
filosofia atravessa a existência, prisioneiro dos preconceitos derivados do senso comum, das crenças
correntes no seu
tempo e no seu país, das convicções que cresceram nele sem a cooperação nem o consentimento da
razão.
Para um tal indivíduo, o mundo tende a tornar-se definido, finito, evidente; os objectos vulgares não
fazem nascer problemas e as possibilidades pouco familiares são rejeitadas com desprezo. Pelo
contrário, logo que começamos a pensar de acordo com a filosofia, verificamos que mesmo as
coisas mais simples da vida quotidiana põem problemas para os quais se não encontram respostas
completas. A filosofia, se bem que não possa dar, com
certeza, resposta às dúvidas que nos assaltam, pode, pelo menos, sugerir possibilidades que alargam
o campo do nosso pensamento e o libertam da tirania do hábito. Abalando a nossa consciência na
natureza do que nos rodeia, aumenta enormemente o nosso conhecimento de uma realidade possível
e diferente; faz desaparecer o dogmatismo arrogante dos que nunca percorreram a região da dúvida
libertadora e guarda intacto o sentimento de admiração que nos jaz descobrir as coisas familiares sob
uma nova luz.
(Bertrand Russell - Problemas de Filosofia - Payot - pp. 181-182)
10
4 - FILOSOFAR É CRITICAR
O filósofo reconhece-se pela posse inseparável do gosto da evidência e o sentido da ambiguidade.
Quando se limita a suportar a ambiguidade, esta chama-se equívoco. Para os maiores filósofos
torna-se tema e contribui para
-a .fundar certezas, em vez de as pôr em causa. É preciso,
portanto, distinguir entre má e boa ambiguidade. Sempre aconteceu que, mesmo aqueles que
pretenderam construir uma filosofia positiva, só conseguiram ser filósofos quando se recusaram o
direito de se instalarem no saber absoluto f... 1.
O que caracteriza o filósofo é o movimento que leva incessantemente do saber à ignorância, da
ignorância ao saber e um certo repouso neste movimento... (Merleau-Ponty -Elogio da Filosofiapág. 2)
5 - FILOSOFAR É UNIFICAR
1 - «Segundo o uso comum, a filosofia não é tanto um edifício de teses coordenadas mas uma
disposição da alma e uma qualidade da inteligência; deste ponto de vista três elementos principais
concorrem para fazer o filósofo...
Em primeiro lugar, chama-se filósofo ao homem que luta, em qualquer campo, contra os
preconceitos; que se esforça pela plena consciência e autonomia do juízo; que desejaria levar a luz
da reflexão crítica até à própria raiz do seu ser e do seu pensamento, até ao princípio mais secreto
das suas afirmações, dos seus estados e das suas buscas; que se propõe compreender e apreciar o
acto pelo qual é elaborada a ciência ou constituído o senso comum; que tende a resolver numa
unidade superior a dualidade do sujeito e do objecto.
2 - Também se chama filósofo - e é o sentido mais vulgar do termo
- ao homem que se entrega aos labores do conhecimento puro, do conhecimento perfeitamente
verdadeiro, liberto de toda a preocupação que não seja a de saber [ ... ].
Filósofo é o homem que gosta das sínteses bastante largas para não sacrificar nem desprezar
riquezas da razão ou da experiência [
... 1. Para tudo dizer numa palavra, filósofo é o que se
esforça por resolver numa unidade superior a dualidade do percebido e do concebido, do sensível e
do racional.
(Ed. Le Roy - O Pensaniento Intuitivo Ed. Boivin - pp. 2-4)
11
6 - FILOSOFAR É DUVIDAR
A filosofia alimenta-se das suas próprias dúvidas. Duvidar não é só urna maneira de propor os
grandes problemas: é já um começo de resolução deles, porque é a dúvida que lhes circunscreve o
terreno e que os define; ora, um problema circunscrito e definido é já uma certa verdade adquirida e
uma preciosa indicação para muitas outras verdades possíveis. É pela dúvida que a filosofia
concebe, é a dúvida que a torna fecunda e a sua relatividade é, afinal, toda a sua razão de ser.
Iludem-se então os que procuram a Verdade na filosofia? Sim e não. Iludem-se, por certo, se
procuram na filosofia a Verdade total e definitiva, a fórmula completa, nítida e inalterável da lei
suprema das coisas, esse segredo transcendente, que, uma vez conhecido, se isso fosse possível, os
tornaria deuses, segundo a expressão bíblica, ou segundo o nosso modo de ver, os tornaria inertes,
ininteligentes [... 1.
O que é então filosofia? É a equação do pensamento e da realidade numa dada fase do
desenvolvimento daquele e num dado período do conhecimento desta: equilíbrio momentâneo entre
a reflexão e a experiência: a
adaptação possível em cada momento histórico (da história da ciência e do pensamento) dos factos
conhecidos às ideias directoras da razão [
... 1.
(Antero de Quental -Prosas- Vol. 111-pp. 2-64)
12
A FILOSOFIA E OS SEUS CAMINHOS
«O filósofo é essencialmente o homem de um tríplice esforço:
1 o esforço de crítica para a plena
clareza da consciência;
2. o esforço de especulação para um
conhecimento profundo, íntimo e
desinteressado do real;
3.O - esforço de sabedoria para o discernimento das realidades espirituais e para a realização de
valores ideais.»
(Ed. Le Roy)
7 - A filosofia põe problemas específicos - (B. Russell)
8 - A filosofia reflecte sobre a totalidade do real-(Jean Piaget)
9 - A filosofia é uma forma de protesto - (E. Bréhier)
10 -A filosofia continua- (Merleau-Ponty)
7- A FILOSOFIA PõE PROBLEMAS ESPECÍFICOS
A filosofia compreende numerosas questões do maior interesse para a nossa vida espiritual. Essas
questões (tanto quanto é possível prever) ficarão sempre insolúveis, a menos que se modifiquem as
faculdades do espírito humano.
O Universo comporta urna unidade de plano e de fim, ou é apenas um encontro fortuito de átomos?
O conhecimento faz parte do Universo a título permanente permitindo a esperança num acréscimo
indefinido de sabedoria, ou é um acidente transitório, próprio de um pequeno planeta onde a vida se
tornará certamente impossível mais tarde?
O bem e o mal têm importância para o Universo ou apenas para o homem ?
Estas questões, postas pela filosofia, são resolvidas de maneiras diferentes por filósofos diferentes.
(Bertrand Russell - Problemas de Filosofia - Payot - pp. 179-180)
8-A FILOSOFIA REFLECTE SOBRE A TOTALIDADE DO REAL
1 -A filosofia é uma tomada de posição raciocinada em relação à totalidade do real. O termo
«raciocinado» opõe a filosofia às tomadas de posição puramente práticas ou afectivas e ainda às
crenças admitidas sem elaboração reflexiva: pura moral, fé, etc. O conceito de «totalidade do real»
comporta três componentes. Em primeiro lugar, refere-se ao conjunto das actividades superiores do
homem e não exclusivamente ao conhecimento: moral, estética, fé (religiosa ou humanista), etc. Em
segundo lugar, implica a possibilidade, do ponto de vista do conhecimento, de que exista uma
realidade última, uma coisa em si, um absoluto sob as aparências fenomenais e os conhecimentos
particulares. Em terceiro lugar, uma reflexão sobre a totalidade do real pode conduzir naturalmente a
uma abertura sobre o conjunto dos possíveis (Leibniz, Renouvier, etc.).
14
2 -Existem filosofias para quem a coisa em si é incognoscível [
... ]. Outras filosofias, corno o
materialismo dialéctico, parecem limitar esta totalidade ao Universo sensível ou espácio-temporal.
Mas o termo do materialismo significa de facto a crença na existência do objecto,
independentemente do sujeito ou do conhecimento e não a crença num conhecimento possível do
objecto independentemente do sujeito: o objecto é assim reconhecido muitas vezes pelo
«materialista» como um limite no sentido matemático [ ... ].
Há apenas uma filosofia que toma uma posição limitativa em relação à nossa definição: é o
positivismo, não o de Comte que bania a metafísica para a substituir em seguida por uma «síntese
subjectiva», mas o «positivismo lógico» contemporâneo, para o qual a totalidade do real se reduz
aos fenómenos físicos e a uma linguagem.
(Jean Piaget - Sageza e Ilusões da Filosofia P. U. F. - pp. 57-58)
9-A FILOSOFIA É UMA FORMA DE PROTESTO
Pouco depois da Guerra de 1914 ouvi um embaixador de uni país do Extremo Oriente felicitar a
Europa, numa cerimónia pública, pelo seu admirável desenvolvimento das técnicas materiais.
Julgava partilhar a tarefa da Humanidade em duas partes. O Ocidente dava ao homem condições de
vida. O Oriente trazia-lhe a sabedoria e a finalidade. Deste modo, encarava apenas o lado material
da nossa civilização.
Se reflectirmos sobre a filosofia, compreenderemos o que ela é verdadeiramente: um admirável
esforço para manter o equilíbrio entre estes dois tipos de conhecimento e para mostrar que só o
primeiro pode dar sentido ao
segundo. A filosofia é o protesto constante do espírito contra o enquistamento na rotina das técnicas.
Descartes procurou melhorar as condições materiais da vida humana mas concedeu a primazia ao
espírito. Kant afirmou o
determinismo universal apenas para os fenómenos materiais e viu na lei moral o sentido do nosso
destino e do nosso fim.
Este protesto pode chocar alguns espíritos positivos que procuram, nas aplicações das ciências,
solução para todos os problemas humanos.
No entanto continua, apesar das dificuldades e dos erros, na filosofia actual.
(E. Bréhier - Os Tentas Actuais da Filosofia - P. U. F. - pág. 5)
15
10- A FILOSOFIA CONTINUA
Perguntar-se-á, porventura, o que fica da filosofia depois de perder os seus direitos ao a priori, ao
sistema, à construção e depois de cessar de
sobrevoar a experiência.
Fica quase tudo porque o sistema, a explicação e a dedução nunca foram o essencial. Estes arranjos
exprimiam - e escondiam - uma relação com o ser, os outros, o mundo. Apesar da aparência, o
sistema nunca foi senão uma linguagem [ ... ].
A humanidade instituída sente-se problemática e a vida mais imediata tornou-se «filosófica». Não
podemos conceber um novo Leibniz e um novo
Espinoza que entrassem hoje com a mesma confiança fundamental na racionalidade. Os filósofos de
amanhã não terão ... a «mónada», o «conatus», a «substância», os «atributos», o «modo finito» mas
continuarão a aprender em Espinoza e em Leibniz como os séculos felizes tentaram submeter a
esfinge. Hão-de responder, à sua maneira, aos enigmas multiplicados que ela lhes propõe.
(Merleau-Ponty-_ Sinais - pp. 236-237)
16
A PSICOLOGIA E O SEU DOMÍNIO GERAL
«Que é o homem na natureza? Um nada em relação ao infinito, um tudo em relação ao nada, um
meio entre o nada e o tudo.» (Pascal)
SUMÁR1O
11 - O Homem - problema para o Homem - (G. Marcel)
12 - O Homem - ser em relação - (Martin Buber)
13 - O Homem - animal que fala - (Georges Gusdorf)
14 - O Homem e o outro - (J. P. Sartre)
15 -0 Homem e o Universo - (jean Rostand)
11 O HOMEM PROBLEMA PARA O HOMEM
Quem sou eu? pergunta o homem, porque é que vivo, que sentido tem tudo isto ? O Estado não lhe
pode responder. Não conhece senão os conceitos abstractos: emprego, reforma agrária, etc. O
mesmo acontece
com a sociedade em geral: o que existe para ela é a ajuda aos refugiados, os socorros de urgência,
etc. Sempre abstracções. No universo do Estado e da sociedade, este homem não apresenta nenhuma
realidade viva. É um
número numa ficha, num dossier que tem uma infinidade de outras, cada uma com seu número. No
entanto este homem não é um número; é um ser vivo, um indivíduo e, como tal, fala-nos de uma
casa, uma casa bem determinada que foi sua e dos seus (também indivíduos como ele), dos seus
animais, cada um com seu nome. É a tudo isso que o homem se refere quando põe a pergunta, sem
resposta: Quem sou eu? Que sentido tem tudo isto ?
(Gabriel Marcel - O Homem Problemático - Aubier - pp. 12-13)
12 - O HOMEM - SER EM RELAÇÃO
O facto fundamental da existência humana não é, nem o indivíduo como tal nem a colectividade.
Estas coisas, em si mesmas, não passam de formidáveis abstracções. O indivíduo é um facto da
existência, na medida em que entra em relações vivas com outros indivíduos; a colectividade é um
facto da existência, na medida em que se edifica com unidades vivas de relação. O facto
fundamental da existência humana é o homem como homem [ ... ].
O homem busca outro ser, como outro ser concreto, para comunicar com ele numa esfera comum
aos dois mas que excede o campo próprio de cada um. Esta esfera, que está enraizada na existência
do homem como homem, é a esfera do «entre». Constitui uma protocategoria da realidade humana,
embora se realize em graus muito diferentes.
(Martin Buber- Que é o Homem? - Breviários
do Fundo de Cultura Económica - pp. 156-157)
18
13 - O HOMEM - ANIMAL QUE FALA
A palavra é para o homem começo de existência, afirmação de si na ordem social e na ordem moral.
Antes da palavra só há o silêncio da vida orgânica que não é silêncio de morte, visto que toda a vida
é comunicação [... ].
A afirmação da individualidade começa quando ela toma distâncias e quando a palavra lhe confere a
dupla capacidade de evocação de si e de invocação de outro. O ser humano é um ser em participação
e a experiência da solitude é só uma certa maneira de ser sensível à ausência do outro [ ... 1.
A realidade pessoal não se constitui como uma unidade original que se opõe à multidão; dirige-se da
pluralidade vivida ao nível da comunicação até à constituição progressiva de uma consciência de si
como centro de relações.
Falar é sair do sono, é mover-se até ao inundo e até ao outro. A palavra realiza uma emergência que
liberta o homem do meio. «Abre-te, Sésamo ... » Todo o vocábulo é um vocábulo mágico que abre
uma porta de entrada ou de saída que desemboca do passado no
futuro. A palavra inaugura um novo modo de realidade (
... 1.
(G. Gusdorf-A Palavra-Col. Nova
Visão - pág. 77)
14-0 HOMEM E O OUTRO
1 - Esta mulher que vejo vir para mim, este homem que passa na rua, este mendigo que ouço cantar
da minha janela são para mim objectos. A objectividade é uma das modalidades da presença de
outrem para mim [... ]. É não só conjectural mas provável que o passante que avisto seja um homem
e não um «robot» aperfeiçoado. Isto significa que a minha apreensão do outro como objecto, sem
sair dos limites da probabilidade e mesmo por causa desta probabilidade, remete para uma apreensão
fundamental em que o outro não se descobrirá mais como objecto mas como «presença em
pessoa» [... 1.
2 -A aparição de um homem no meu universo é um elemento de desintegração deste universo. O
outro é, em primeiro lugar, a fuga permanente das coisas para um termo que apreendo ao mesmo
tempo como objecto
19
a unia certa distância de mim [ ... 1; há um espaço que se agrupa inteiro em torno de outrem e este
espaço é feito com o meu espaço; é um reagrupamento a que assisto e que me escapa. Este
reagrupamento não pára; a relva é coisa qualificada; é esta relva verde que existe para outrem; neste
sentido, a qualidade do objecto, o seu verde profundo, encontra-se em relação directa com este
homem; este verde volta para o outro uma face que me escapa Apareceu-me de repente um objecto
que me roubou o mundo.
(Jean-Paul Sartre - O Ser e o Nada Gallimard - pp. 310-313)
15-0 HOMEM E O UNIVERSO
No nosso sistema solar há apenas dois planetas -Marte e Vénus onde as condições físicas, ainda
pouco propícias, podem talvez vir a admitir o fenómeno vital. Mas o nosso sistema solar conta
muito pouco no Universo. Por excepcionais que sejam as circunstâncias que promovem um astro
banal à categoria de sol, a multidão de astros é tão numerosa que os sistemas solares devem abundar
[ ... 1.
Quer o homem terrestre seja ou não, no Universo, o único do seu tipo, quer tenha ou não irmãos
longínquos, espalhados pelos espaços, isso não afecta a maneira de encarar o seu destino.
Átomo insignificante, perdido no cosmos inerte e infinito, sabe que a sua febril actividade não é
senão um pequeno fenómeno local, efémero, sem significado e finalidade.
Sabe que os seus valores não valem senão para ele e que, do ponto de vista sideral, a queda de um
império ou mesmo a ruína de um ideal não contam mais do que o esmagamento de uma formiga
debaixo dos pés de quem passa distraído.
(Jean Rostand - O Homem - Gallimard - pp. 172-173)
20
A PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS SUAS ORIGENS
SUMÁRIO
16 - A psicologia separou-se da filosofia - (B. Russell)
17 - Notas históricas - (A. Lalande)
18-A psicologia abandonou o carácter metafísico (Karl jaspers)
19 - A psicologia tornou-se experimental - (H. Piéron)
20 - A psicologia científica trouxe uma dissolução (G. Politzer)
21 - A psicologia pretende ser positiva - (1. P. Sartre)
22 - A história da psicologia começa - (G. Politzer)
16- A PSICOLOGIA SEPAROU-SE DA FILOSOFIA
A filosofia, como todas as outras disciplinas, tem o conhecimento por fim principal; mas é um
conhecimento que confere a unidade e a ordem ao conjunto das ciências e é o resultado de um
exame crítico dos fundamentos sobre os quais estão edificadas as nossas convicções, os nossos
preconceitos
e as nossas crenças.
Não se pode todavia afirmar que a filosofia tenha conseguido dar respostas precisas aos problemas
que põe. Se perguntarmos a um matemático, a um mineralogista, a um historiador ou a outro
qualquer sábio, quais são as verdades definidas na sua disciplina particular, obteremos uma longa
resposta. Se fizermos a mesma pergunta a um filósofo, ele terá de confessar que a filosofia não
alcançou ainda os mesmos resultados positivos das outras ciências, Isto explica-se em parte porque
logo que um ramo de conhecimento se organiza, torna-se uma ciência à parte e deixa de se chamar
filosofia.
O conjunto do estudo dos astros, agora denominado astronomia, fazia parte da filosofia. Urna das
principais obras de Newton chamava-se «Princípios Matemáticos da Filosofia Natural».
O estudo do ...
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