ENSINO DE FILOSOFIA POR IMAGENS: PERSPECTIVAS ATUAIS Elen Maisa Alves da Silva1 Amarildo Luiz Trevisan2 O presente trabalho constitui parte de uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Santa Maria, segundo o projeto de pesquisa intitulado “Ensino de Filosofia por Imagens”, que visa através do ensino de Filosofia, desaprisionar a aprendizagem da racionalidade instrumental e abstrata imposta pelo moderno Estado capitalista. Para tanto, tem em vista a necessidade de ampliar os espaços de discussão/reflexão do ensino de Filosofia, resgatando a perspectiva de Theodor W. Adorno depositada na idéia da contra-imagem utópica da formação cultural (Bildung). Sob este viés, vislumbra-se um caminho imagético de análise comprometido com a reflexão sobre a cultura das imagens e com a formação de uma opinião pública crítica nas diferentes relações sociais. Palavras chave: ensino de filosofia, imagem, agir comunicativo. 1 2 Acadêmica do curso de Pedagogia CE/UFSM Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação CE/UFSM e Pesquisador do CNPq Considerações Iniciais Nos últimos tempos, questiona-se o conhecimento nocional e imutável das ciências como substrato da educação, pois se percebe que as ciências expelem os elementos pertencentes as diferentes imagens do mundo, negando-se a interpretar a natureza e a história como um todo. Observa-se a relação entre educação e política, sendo a escola um instrumento para reproduzir as diferentes formas de circulação e consumo da cultura; atendendo, assim, as necessidades de acumulação do sistema. Logo, torna-se necessário interpretar as imagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa, promovendo as dimensões da criatividade e da criticidade a fim de libertar os sujeitos da razão cientificista. Dentro do proposto por uma Pedagogia das Imagens Expressivas (Trevisan, 2002) deve se opor a reflexão ao processo consumista da cultura, promovendo uma íntima relação do aluno com as diferentes produções culturais, a fim de desenvolver no educando a crítica e a reflexão sobre a inculcação ideológica da indústria cultural. O ensino de Filosofia e a face oculta da imagem Savater (1995) coloca a polêmica de como ensinar filosofia, resgatando em seu debate as críticas a uma filosofia sistêmica que retira das instituições educativas o potencial criativo. O autor ressalta a dicotomia entre aprender filosofia ou aprender a filosofar; dualidade esta que esquece do proposto por Nietzsche (1995, p.18) que a “filosofia é a vida voluntária; a busca de tudo o que é estranho e questionável no existir, de tudo o que a moral até agora baniu”. Percebe-se, portanto, que ensinar filosofia é um exercício de acesso a questões fundamentais da existência humana. Por conseguinte, a aprendizagem é um processo dinâmico e flexível, sobre o qual não se poder ter controle. Não há um método para aprender, mas uma cultura ou “Paidéia” que percorre toda a vida do indivíduo, dando um encadeamento à sensibilidade, à memória e ao pensamento. No Brasil, o ensino de Filosofia afastou-se de suas pressuposições teóricas, recaindo sua discussão sobre o aspecto didático-metodológico do “saber-fazer”. No Prefácio à Fenomenologia do Espírito, Hegel adverte que o “conteúdo é o que determina o método” e não o contrário. Nesse caso, faz-se necessário uma pedagogia preocupada com estratégias de ensino diferenciadas, promovendo a dissolução dos rígidos controles das conceituações sobre o real. O discurso sobre a formação cultural deve perpassar um processo de autotransformação do sentido, colaborando na produção de uma nova linguagem da pósmodernidade. No mundo objetivo impera a força do culto da imagem como substrato essencial para a formação cultural do homem. O contexto pós-moderno legitima o capitalismo e seus diversos mecanismos de alienação, burocratização e repressão, reorganizando as diferentes formas de acesso, circulação e consumo da cultura. Esse processo é viabilizado pela revolução tecnológica-industrial, que permite a reprodução ‘ad infinitum’ de uma sociedade globalizada e em crescente degradação da qualidade de vida. A indústria cultural é, portanto, a forma ‘sui generis’ pela qual a produção artística e cultural é lançada ao mercado, tornando-se um mero valor de troca. A cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa não permite uma posição crítica face à realidade, misturando a realidade com suas formas de representação e anulando os mecanismos de reflexão e crítica para acionarem a percepção e os sentidos. (Freitag, 1987, p.73) Segundo Benjamin, um dos pensadores da Escola de Frankfurt, a banalização das imagens remete à idéia de politização, isto é, utiliza-se a dimensão artística para provocar mudanças na percepção e atitudes dos consumidores. Lyotard (1988) ressalta que a comunicação virtual e instantânea não necessita do cultivo do “espírito”; não existe a necessidade do esclarecimento (Aufklärung). A formação cultural torna-se uma abstração e a saturação de imagens tem, por fim, sua autonomia conquistada. A imagem é um mesocosmo ou ponto intermediário dentro de um esquema platônico, fazendo a relação entre o mundo sensível e o inteligível. (Trevisan, 2002, p.63) A Dialética do Esclarecimento (1985) descreve uma dialética da razão que no início é concebida como um processo emancipatório que conduz à autonomia, mas que se torna o seu contrário, a saber, um crescente processo de instrumentalização para a dominação e repressão do homem. Adorno busca auxílio na mímesis da arte, na tentativa de transformar a dimensão comunicativa da linguagem face ao caráter reificado da comunicação. O agir comunicativo e a universalização das imagens A idéia de um ensino de Filosofia por imagens não se restringe à indústria cultural, mas tem como ponto de reflexão as imagens (metonímias, metáforas e alegorias) culturalmente produzidas para didatizar o mundo. A proliferação da imagem, enquanto instrumento de informação, aponta para a formação de um homem passivo. Como tornar a educação significativa, crítica e emancipadora? O grande desafio é fundamentar e qualificar as propostas de ensino, tendo como postulado pedagógico a emancipação, libertação do homem frente à cultura imagística. Os teóricos críticos argumentam que a teoria educacional tradicional suprime oportunidades de fortalecimento social na sociedade como um todo, sendo as escolas “agências” de reprodução de relações capitalistas de produção e de ideologias legitimadoras da vida cotidiana. Para uma Sociologia Crítica da educação torna-se imprescindível que a reflexão se estenda ao objeto de análise: à sociedade contemporânea e, também, às hipóteses, conceitos e teorias elaboradas para representá-la. A “cultura do silêncio” é rompida por práticas educativas contra-hegemônicas que suscitam a atitude de desconfiança face ao conhecimento como tal. A dialética inclui em seu conceito os elementos da contradição e da transformação, ou seja, ser ‘objetivo’ no sentido de intencionar a compreensão de cada fenômeno social singular. Conforme a dialética adorniana, a teoria é a dimensão da prática; superando a realidade cotidiana rotinizada. Dito com muita simplicidade: seria preciso estudar o que as crianças hoje em dia não conseguem mais apreender: o indescritível empobrecimento do repertório das imagens, da riqueza de imagines sem a qual elas crescem, o empobrecimento da linguagem e toda a expressão. Assim como o senhor, também pretendi discutir se a escola não pode assumir esta tarefa. (Trevisan apud Adorno, 1995, p.146) Para o esclarecimento da problemática, adotou-se a hermenêutica filosófica apontada por Jürgen Habermas e Gadamer. Busca-se a destrancendentalização da razão a partir de uma pragmática da linguagem que propõe um diálogo com vistas a recuperar as raízes históricas do conceito de formação cultural. A Pedagogia, por sua vez, torna-se um espaço utilizado para estimular a reflexão crítico-filosófica sobre as imagens produzidas no mundo cultural, repensando os procedimentos relacionados ao ensino de filosofia. Na obra Verdade y Método (1996), Gadamer exemplifica a tentativa filosófica da hermenêutica, promovendo a efetividade da arte para a vida e valorizando o pedagógico como uma forma de diálogo com o passado. Todavia, é necessário recuperar a tradição presente na historicidade do conceito, uma vez que os conceitos da tradição humanística foram relegados ao racionalismo iluminista. A hermenêutica se constitui como um pensamento pós-metafísico, revestida de experiência e confrontando, constantemente, a tradição e a linguagem. Essas disposições cogitam o “outro” através de sendas abertas pelo diálogo. A formação passa a ser algo muito estreitamente vinculado ao conceito da cultura e designa em primeiro lugar o modo especificamente humano de dar formas às suposições e capacidades naturais do homem. (Trevisan apud Gadamer, 1996, p.36) Cabe salientar que recuperar a expectativa semântica na educação propicia um aprofundamento da hermenêutica, despertando a racionalidade pedagógica para o estético, logo, uma hermenêutica no sentido expressivo do conceito. Dessa forma, Gadamer procura romper com uma imagem monológica da formação cultural, refletindo sobre um conjunto de imagens da formação. Em prol de uma instância formativa na educação, Habermas defende a Teoria da Ação Comunicativa que reformula o conceito de Bildüng a partir das transformações ocorridas no campo do conhecimento. Tem como ponto de partida de seus estudos o legado da Escola de Frankfurt, defendendo uma concepção expressiva da estética e introduzindo um novo paradigma de compreensão: a intersubjetividade. A razão comunicativa é o ponto de intersecção entre o mundo objetivo das coisas, o mundo social das normas e o mundo subjetivo dos afetos. O saber passa a ser alicerçado no âmbito comunicativo, nas interações espontâneas, adquirindo valor através do discurso argumentativo. O diálogo é, assim, um processo de autoconsciência e compreensão do mundo. La acción comunicativa se basa em un proceso cooperativo de interpretación em que los participantes se refieren simultáneamente a algo en el mundo objetivo y en el mundo subjetivo. Hablantes y oyentes emplean el sistema de referencia que constituyen los tres mundos como marco de interpretación dentro do cual elaboran las definiciones comunes de su situación de acción. (Habermas, 1987, p. 171) Nesse sentido, urge a questão abordada por Trevisan (2000, p.30): “Que efeito pedagógico da mímesis se manifesta na teoria do agir comunicativo?” O esclarecimento da questão requer uma reviravolta lingüística que substitui a teoria do conhecimento pela filosofia da linguagem, possibilitando uma reconciliação entre os seres humanos e, conforme o proposto por Adorno, uma reconciliação entre razão e natureza. O mundo da vida passa a ser compreendido na relação linguagem-mundo e o processo educativo ocorre mediante as práticas diárias de comunicação. A tentativa habermasiana é “fazer falar” (Trevisan, 2002, p.102) a esfera da arte e da estética, corrigindo a força subversiva da razão instrumental e transformando o entendimento superficial em saber cultural construído coletivamente a partir da comunicação. O núcleo racional dessas realizações miméticas só se deixa descobrir quando se abandona o paradigma da consciência, ou seja, o de um sujeito que representa os objetos e nele se esfalfa, em proveito de um paradigma da filosofia da linguagem, do entendimento intersubjetivo ou da comunicação, e se subordina o aspecto cognitivo-instrumental a uma ampla racionalidade comunicativa. (Mühl apud Habermas, 1987, p.497) A leitura reflexiva e filosófica da cultura das imagens volta-se ao sentido estético e ético da vida, fazendo com que o sujeito repense seus conceitos e atitudes perante as relações. Os processos discursivos determinam o sentido investigativo do ensino, estimulando a compreensão intersubjetiva dos fatos sem recair no autoritarismo do conceito imposto pelo mundo sistêmico. A racionalidade comunicativa contém, em si própria, um telos emancipador que estabelece entendimentos racionais e, no uso pragmático da linguagem, constitui as estruturas do mundo da vida. Entende-se que a escola é um contexto que abarca tanto as estruturas sistêmicas quanto os elementos que afluem do mundo da vida. O desafio lançado por Habermas é a procedência de uma análise efetivamente crítica e transformadora. Por meio de uma teoria da racionalidade comunicativa, a escola engaja-se num processo capaz de mediara racionalidade sistêmica e a racionalidade comunicativa. O método hermenêutico- reconstrutivo- crítico se define pela relação com a práxis do mundo da vida, (...), entende a relação teoria-prática como uma práxis comunicativa, como um processo concreto que é vivenciado de forma efetiva na vida diária de cada indivíduo, motivado por interesses e necessidades naturais e histórico-sociais. (Habermas, 1990, p.293) É nesse sentido que se discute a relevância das imagens culturais para a reflexão do ensino de filosofia, fomentando a vivência interpretativa dos conceitos produzidos pela história. Conseqüentemente, a leitura de imagens pode auxiliar a repensar filosoficamente os valores pedagógicos fundamentados na tradição e cultura e recuperando a dialeticidade das noções de imagem. Em última instância, a intenção do trabalho proposto é de auxiliar os professores a decodificar as imagens culturais da modernidade, renovando métodos e processos de ensinar e aprender. Considerações Finais A liberdade humana reside, portanto, no conhecimento da necessidade objetiva, frente a um “olhar crítico”, permeado de subjetividade e num espaço onde as relações entre os diferentes promovam a abertura ao outro. A razão instrumental do mundo abstrato, dessa maneira, é superada através da dialética, que se articula ao processo histórico do ser humano; implicando em um homem consciente de sua própria existência. Efetivamente, a escola deve ser uma esfera pública de acesso ao saber que prima pela democratização e emancipação do homem. Contudo, esse processo deve basear-se nas ações pedagógicas; sedimentadas no agir comunicativo. Bibliografia ADORNO, T. Dialética negativa. Madrid: Taurus, 1986. _____. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 119-138. _____; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. _____. Teoria da semicultura. In: Educação & Sociedade. Revista de Ciência da Educação. Campinas – São Paulo: Papirus, 1996, ano XVII, p. 388-411. _____. Teoria estética. São Paulo: Martins Fontes, 1988. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. CATANI, Denice Bárbara. A formação de professores e o desempenho pedagógico In: FISCHMANN, Roseli. Escola Brasileira: Temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987. CHARLOT, Bernard. A Mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. DEMO, Pedro. Cidadania e emancipação In: Cidadania/Emancipação. 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