A REINVENÇÃO DA PROPAGANDA BEM-VINDO À PROPAGANDA DE RESULTADOS EXAME OUT 2003 Por Nelson Blecher Cada vez mais seletivos, exigentes e obcecados com o retorno de seus investimentos, os anunciantes estão obrigando a publicidade a se reinventar Tudo o que parecia sólido está se fragmentando no mundo da propaganda: a maneira de criar e apresentar anúncios e comerciais, as novas mídias e as verbas, que passaram a migrar para um sem-número de atividades -- do patrocínio de eventos à internet, do marketing direto e promocional no varejo ao novo conceito das embalagens. A marcação cerrada feita pelos anunciantes está promovendo na propaganda uma transição semelhante à ocorrida no futebol -- em que a arte e o espetáculo foram substituídos pela rigidez dos esquemas táticos e do planejamento. "É uma mudança de modelo ou, se preferir, de uma nova era para o mercado publicitário brasileiro", informa o recente anuário do Grupo de Mídia de São Paulo. "Tudo fica subordinado aos resultados imediatos obtidos para cada real investido pelo anunciante." Bem-vindo à era da propaganda de resultados. Quem melhor captou o fenômeno, que está sendo chamado também de reinvenção da propaganda, é o americano Sergio Zyman. Crítico mordaz das agências, ex-diretor mundial de marketing da Coca-Cola, com uma rápida passagem pela presidência da Pepsi-Cola no Brasil, nos anos 90, Zyman é autor de A Propaganda Que Funciona. Em seu livro, ele se propõe a redefinir a propaganda. "Não é uma forma de arte", afirma Zyman. "Tratase de vender mais coisas, com mais freqüência, a mais pessoas, por mais dinheiro." Ou seja: foi-se o tempo em que se contratava uma agência de propaganda em função dos Leões de Ouro conquistados em Cannes, não havia limite para os gastos de produção dos comerciais nem se tentava avaliar se ajudavam mesmo a aumentar as vendas ou fixar a marca na mente do consumidor. Poucos publicitários brasileiros parecem estar tão sintonizados com os novos tempos da propaganda como o baiano Nizan Guanaes. Nos anos 90, Guanaes era figurinha carimbada nos festivais internacionais de publicidade, quando promovia festas e colhia prêmios -- entre eles o primeiro Grand Prix brasileiro em Cannes com um anúncio para o guaraná diet da Antarctica, que assinou em parceria com seu colega Marcello Serpa. Agora, à frente da África, sua nova agência, Nizan adotou posturas mais sóbrias, coerentes com o momento atual. "Não participo mais de festivais para que o cliente nem cogite que estou fazendo suas campanhas pensando nisso." Na África, para cada conta existe uma sala exclusiva. Há oito salas disponíveis e seis já estão ocupadas. Em todas elas, sobre um armário vê-se um cofre de louça em formato de porquinho. A cada real economizado, uma mensagem é depositada no cofre. Numa cerimônia no fim do ano, os cofrinhos serão quebrados na presença dos clientes. "É para que não se esqueçam da economia que geramos para eles", diz Nizan. Seria impensável, anos atrás, vê-lo comemorando uma conta como a da Nivea. A África não responde pela propaganda da marca. Seu trabalho foi contratado para a retaguarda promocional: cartazes de pontode-venda, folhetos, todas aquelas tarefas em outros tempos tidas como menores pelos criativos e que nem sequer eram consideradas pelas agências de primeiro nível. O caso da Nivea não é um fenômeno isolado no portfólio da África nem uma exceção no mercado. Ao contrário, mostra uma tendência que parece ter vindo para ficar. "Nas conversas com o Nizan tínhamos claro que os co merciais que visam ao sucesso de vendas nem sempre são sucesso de público", diz o executivo Nelson Mello, presidente da Assolan, fabricante de produtos de higiene e limpeza. Apoiadas por um investimento de 20,5 milhões de reais em 2003, as campanhas do mascotinho, um pacote animado que lembra os personagens de antigos comerciais dos anos 50, continuam empurrando para cima as vendas da lã de aço Assolan. Das embalagens às notas fiscais, das novas cores da fábrica e dos caminhões aos uniformes dos funcionários, tudo passa pelo crivo de Nizan. MARKETING FRAGMENTADO Como se distribui as verbas no orçamento de marketing nas maiores empresas anunciantes do país Participação das ferramentas nas verbas de marketing em 2003 Propaganda 48% Promoção 16,1% Eventos 7,5% Eventos 7,5% Merchandising 6,7% Marketing direto 6% Pesquisa de mercado 5,3% Patrocínio 4,5% Internet 3,1% Marketing social 2,3% Outros 0,5% Afinal, o que os anunciantes esperam de suas agências? A cada ano a consultoria paulistana Interscience realiza uma pesquisa com uma centena de diretores de marketing e de propaganda entre as maiores empresas anunciantes do país. Na mais recente sondagem, duas tendências se destacaram. Primeira: uma fragmentação das verbas de marketing, que hoje se distribuem por dez diferentes atividades -- entre elas a propaganda. Segundo: o desejo de uma agência que consiga dar conta de todas elas. Curiosamente, a criatividade obteve apenas 22% de respostas na pesquisa da Interscience. Criatividade, sozinha, pode não mais conquistar uma conta. Mas campanhas pouco criativas têm menos chance de conquistar clientes para as marcas. Até meados dos anos 90, o salário mensal de um criativo com menos de 30 anos podia ser equivalente ao de um carro de luxo. Há, sim, ainda hoje, alguns poucos que ganham isso. Por muitos anos, os festivais de publicidade funcionaram como vitrines para multiplicar salários. "Você voltava de Cannes já com uma nova proposta de emprego", diz o publicitário Clovis Calia, sócio da agência Calia e Assumpção. Havia também a matreirice das peças-fantasmas, como ficaram conhecidos os comerciais que jamais foram veiculados e cujo objetivo era enfeitar o currículo do publicitário e da própria agência. "Dos 14 Leões que ganhei, quatro eram fantasmas", diz Calia. "Era uma prática generalizada." Isso não significa de modo nenhum que a inspiração criativa tenha deixado de fazer parte do ofício. Ao contrário. "Criatividade genuína é sempre o coração de qualquer atividade, seja para projetar um automóvel, seja para fazer um anúncio", afirma o americano Martin Puris, um dos mais respeitados cérebros da publicidade no mundo. Prova disso é que este ano, nos Estados Unidos, grandes anunciantes, como a GM e a Coca-Cola, atropelaram suas grandes agências e saíram em busca da chama criativa de pequenas e médias agências. AS MULTINACIONAIS INVESTEM MAIS Oito em cada dez empresas nacionais investem no máximo 5% de seu faturamento em marketing e comunicação. Entre as multinacionais, 21% destinam ao marketing mais de 10% do que faturam Tamanho da verba de marketing e comunicação em relação ao faturamento: Até 5% De 5% a 10% Acima de 10% Empresas nacionais 77% 16% 7% Multinacionais 62% 17% 21% Fontes: ABA/Top Brands APOSTA NO ENTRETENIMENTO Criatividade, combinada com novas formas de conquistar o coração e a mente dos consumidores, e a medição do retorno são a base da nova estratégia de comunicação da Coca-Cola. Em fevereiro passado, Steve Heyer, vice-presidente mundial da empresa de Atlanta, lançou uma espécie de manifesto sobre os novos rumos da propaganda. "Vamos usar um variado arsenal de entretenimento para alcançar o coração e a mente das pessoas", disse Heyer. Dias depois, a Coca-Cola realizava, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, o Vibezone -- uma maratona de shows e oficinas de música, jogos eletrônicos e esportes radicais feita sob medida para recuperar o prestígio da marca entre o público mais jovem. O evento multimídia, com duração de 12 horas, estimulou o público a vivenciar experiências com os cinco sentidos. Havia desde um túnel de acesso no formato de uma garrafa gigante até uma trilha com a reprodução do som de abertura de latas de refrigerante. "Em 2004 faremos uma nova edição do Vibezone", afirma Cláudia Colaferro, diretora de marketing da Coca-Cola, satisfeita com a repercussão do evento, que atraiu 72 000 jovens. O orçamento de marketing da Coca-Cola brasileira chega a meio bilhão de reais por ano. Entre os grandes anunciantes, a subsidiária brasileira da suíça Nestlé é a que talvez melhor encarne hoje a ruptura com os paradigmas tradicionais do marketing e da publicidade. Há três anos na presidência da Nestlé, o executivo Ivan Zurita promoveu uma reviravolta nos conceitos estratégicos que orientavam essas áreas. Primeiro, eliminou 50 marcas e acelerou o processo de extensão de produtos. Feito isso, Zurita decidiu concentrar os investimentos publicitários no sobrenome corporativo. "Nossa fortaleza é o nosso nome", diz Zurita. "É com ele que estamos nos relacionando com o consumidor." A razão disso, segundo ele, é que com consumidores hoje mais bem informados que no passado a propaganda convencional de produtos perdeu o sentido. O que a Nestlé está tentando fazer se enquadra numa nova especialidade do marketing conhecida como branding, que se dedica a explorar as possibilidades que as marcas têm em se relacionar com os consumidores em diferentes dimensões. "Empresas como a Nestlé perceberam que o consumidor não se relaciona apenas com uma marca de chocolate ou iogurte. Querem o aval da qualidade", diz Ricardo Guimarães, presidente da Thymus, consultoria paulista especializada em branding. Outro motivo, segundo ele, é que administrar grandes portfólios custa tempo e dinheiro. Daí a busca de sinergias feitas por corporações como a Unilever -- que reduziu seu estoque de 1 600 para 400 marcas -- e a HP, que dispensou 127 marcas globais para adotar apenas uma, a HP Invent. O marketing social também tornou-se uma ferramenta importante para somar valor às corporações. "A cidadania de marcas será a comunicação do futuro", afirma a publicitária Cristina Carvalho Pinto, dona da Full Jazz, uma das primeiras agências a instalar uma divisão para cuidar dessa área. Essa prática tenderá a se intensificar quando o impacto comercial de programas sociais de grandes empresas se tornar mais visível. Alguns resultados já são palpáveis. Seis anos atrás, quando o marketing social ainda era incipiente no país, a Unilever decidiu acrescentar ao patrocínio do time Rexona um programa para difundir a prática do vôlei nas escolas públicas do Paraná. Desde então, mais de 10 000 crianças passaram pelos 25 centros de treinamento do projeto Rexona. Com isso, a participação das vendas do desodorante na Região Sul alcançou 38%, 8 pontos percentuais acima da média no restante do país. Associar a dimensão institucional da marca a uma campanha promocional em que os produtos aparecem como figurantes passou a ser, há três anos, a fórmula de comunicação da Nestlé. Para colocar de pé o novo esquema, Zurita se envolveu nas negociações de mídia. O pagamento do patrocínio do Show do Milhão, apresentado por Silvio Santos, no SBT, foi condicionado a um resultado de crescimento real de vendas acima de 3,5%. Ficou acima de 20%. "Pela primeira vez paguei alguma coisa feliz", diz Zurita. Tudo isso estimulou Zurita a aumentar de 250 milhões de reais para 360 milhões o orçamento de marketing -- 60% destinados à veiculação na mídia. O caso da Nestlé é interessante também por ilustrar como as empresas que passaram a conjugar o verbo relacionar, em vez de transacionar, combinam investimentos elevados na mídia com ações do tipo um-a-um. Em novembro, a Nestlé despachou 1 800 funcionários para 177 dos mais movimentados pontos-de-venda no país. Sua missão: observar o que e como os consumidores realizam suas compras quando estão diante das gôndolas. Foram todos treinados sobre como abordar e conversar com os clientes. Não se trata de uma pesquisa. "Queremos conhecer melhor nossos clientes", diz Zurita. Em troca da assinatura de uma revista que mistura temas de culinária e família, 250 000 consumidores são convidados, de tempo em tempo, a fornecer informações a respeito de seus hábitos. Há cada vez mais empresas que, como a Nestlé, utilizam diferentes ferramentas para abordar os consumidores. De acordo com a pesquisa anual da Interscience, todas as 100 empresas entrevistadas utilizam os recursos da propaganda e de eventos, seguidos por internet, marketing direto e patrocínio. Mais da metade já utiliza as técnicas de marketing social. A filial da finlandesa Nokia Celulares, por exemplo, foca a segmentação e a comunicação cada vez mais individualizada com os consumidores. A empresa aposta fortemente em eventos, comunicação dirigida e marketing direto para mapear o relacionamento com o consumidor e descobrir seus interesses. "A segmentação, nesse caso, não é de renda, mas sim de atitude", afirma César Keller, diretor de marketing da Nokia. Essa estratégia foi adotada há um ano, quando Keller dividiu os clientes em seis grupos com atitudes similares em relação à vida e à utilização de aparelhos celulares. A Nokia trabalha com quatro indicadores para medir os resultados: evolução do conhecimento da marca (awareness), consideração da marca (se o consumidor compraria um celular Nokia), preferência de marca e, mais importante, a sua participação. Com todas as disciplinas geradas pela chamada comunicação integrada -- eventos e promoções, CRM, marketing direto --, ficou mais complicado para os profissionais de marketing descobrir como aplicar a verba, e quanto, em cada ferramenta. A agência McCannErickson desenvolveu, nos Estados Unidos, um software, batizado de Fusion, que ajuda os clientes a planejar o orçamento. A McCann-Erickson, ao lado da Ogilvy, está entre as primeiras agências de propaganda multinacionais que montaram estruturas para prestar aos clientes serviços de comunicação no Brasil. Nos últimos oito anos, seu presidente, Jens Olensen, negociou participações majoritárias em 16 empresas de marketing de diferentes especialidades: relacionamento, promoção, telemarketing, saúde, branding e internet. Para tanto, foram investidos nessas aquisições cerca de 30 milhões de dólares. "Essas empresas trabalham com autonomia", diz Olensen. Por enquanto, respondem por 30% do faturamento do grupo, que no ano passado alcançou 1,3 bilhão de reais. Serão 50% nos próximos cinco a dez anos, prevê Olensen. DOMINIO GLOBAL Megagrupos globais, como Interpublic, Omnicon, Publicis, Havas e WPP (o maior deles), estão engolindo agências especializadas mundo afora, numa batalha para ver quem cresce mais rápido. Somado, o quinteto já controla 60% do mercado mundial de comunicações, o dobro de dez anos atrás. A maioria deles já obtém de 40% a 50% de suas receitas no negócio de no midia. "Se quiser me deixar chateado, chame minha empresa de agência de propaganda", disse o inglês Martin Sorrell, presidente da WPP, numa recente entrevista ao diário Wall Street Journal. Dono das agências Ogilvy e J.W. Thompson, a meta de Sorrell é em dez anos ter dois terços da receita do grupo provenientes da publicidade tradicional. De todas as ferramentas de comunicação utilizadas no Brasil pelos maiores anunciantes, a que mais prospera é o marketing promocional, que se vincula às atividades das marcas nos pontos-de-venda e representa, em média, 16% dos investimentos em marketing dos maiores anunciantes do país (veja quadro na pág. 58). Por quê? Um levantamento feito pela consultoria Top Brands para a Associação Brasileira dos Anunciantes (ABA), com 100 dos maiores anunciantes brasileiros, fornece uma pista. Ela aparece na forma de uma aparente incongruência nas respostas dos entrevistados. A maioria concorda que a marca cresceu e continuará crescendo em importância para influenciar as decisões de compra dos clientes nos próximos três anos. Eles também elegem a propaganda como a atividade de marketing que mais contribui para a construção da imagem da marca. No entanto, nos últimos três anos foram os investimentos em ações no ponto-de-venda que dispararam. Em 60% dos casos, o percentual de faturamento destinado às demais atividades de marketing ficou estável ou caiu. É um típico caso de cobertor curto. Uma parcela da verba que deveria estar apoiando campanhas publicitárias rumou para o ponto-de-venda. "Isso acontece por causa da pressão por resultados imediatos, mas traz prejuízo no longo prazo", afirma Graziela Vitiello, diretora de marketing da subsidiária brasileira da General Mills, dona das marcas Forno de Minas, Frescarini e Häagen-Dazs. DITADURA DO VAREJO O mesmo levantamento constatou que as empresas nacionais tendem a investir menos do que as multinacionais em suas marcas, preferindo ações de curto prazo. "Isso pode prejudicar a competitividade no futuro", diz Marcos Machado, diretor da Top Brands. "Sem o ativo intangível da marca, vai sobrar para as empresas nacionais o papel de coadjuvantes no mercado." Apenas oito marcas de empresas nacionais, ante 28 de multinacionais, despontaram como as mais lembradas pelos consumidores no mais recente levantamento Top of Mind, do instituto Datafolha. Um estudo feito pela consultoria Booz Allen analisando esse movimento mostra que as verbas dos fabricantes de alimentos para as atividades nas lojas haviam mais que duplicado a partir de 1998. Já as destinadas à veiculação de campanhas na mídia caíram na proporção inversa. "Com a concentração no varejo, os grandes fabricantes tiveram de reinventar seu marketing e voltaram a enfatizar a área de vendas, após 25 anos de reinado do planejamento estratégico e das gerências de produtos focadas em marcas", diz Francisco Gracioso, professor de marketing e diretor da ESPM em São Paulo. Ganharam força, na indústria, os administradores de grandes contas, também conhecidos como key account. (Na Nestlé, o key account do Pão de Açúcar é ninguém menos que Zurita, seu presidente.) O consultor americano Leslie Moeller, do escritório de Chicago da Booz Allen, chega a comparar a prática compulsiva da promoção ao vício das drogas. "É um círculo que gera volume de curto prazo, mas acaba por erodir o valor da marca", disse Moeller a EXAME. "Se a marca pára de ser promovida, os volumes de vendas caem." Diante disso, o que fazer? Determinar o retorno dos investimentos em marketing e comunicação, segundo Moeller, é uma questão que vai além de ferramentas. Exige uma profunda mudança cultural. É preciso entender, em primeiro lugar, para onde está indo o dinheiro. Com freqüência, as decisões de investimento estão espalhadas por todo canto na empresa. Depois disso, os executivos devem ser treinados no uso das ferramentas para medir o retorno de cada investimento conforme as metas estabelecidas. Em épocas recessivas, a propaganda tem sido um alvo freqüente nos programas de corte de custos. Por várias razões. Primeira: na contabilidade clássica, ainda em uso, a publicidade é rubrica de despesa, em vez de investimento. Segunda: seu orçamento é, em geral, lastreado num percentual fixo sobre as vendas do exercício anterior, em vez de ter como base o investimento realmente necessário para dar sustentação às marcas e superar as dificuldades na competição de mercado. Terceira: o pessoal de finanças costuma estar pouco familiarizado com a linguagem das técnicas empregadas para medir o retorno da publicidade, que envolvem pesquisas de foco, graus de percepção da marca, e assim por diante. "É preciso ser pragmático nesse campo", diz Moeller. Por exemplo: em vez de tentar medir o retorno de uma campanha nacional de TV, o melhor seria fazer uma comparação entre as respostas dos consumidores (vendas, participação de mercado e recall) obtidas em diferentes cidades. Com isso, segundo ele, é possível obter pistas sobre o que realmente funciona e o que precisa ser corrigido. As empresas que controlam os canais de distribuição são as que mais rapidamente conseguem checar os resultados das ações publicitárias. Veja a americana Dell, fabricante de notebooks, desktops e servidores. Seu negócio está baseado num modelo em que a compra do computador, o faturamento, o contato, a entrega, a instalação, o suporte e os serviços estão centralizados e são gerenciados pela própria empresa. Cada produto vendido pela Dell tem uma etiqueta de serviço que é uma espécie de RG. Quando o cliente contata o call center da empresa, o atendente, pelo número da etiqueta, sabe o nome da pessoa com quem está falando, quando e como seu computador foi montado e todos os detalhes sobre a máquina. A Dell tem o registro de todo o histórico do cliente e da máquina desde o momento em que ele contatou a empresa pela primeira vez pela internet ou pelo telemarketing, as duas formas de relacionamento usadas pela Dell. COMO INVESTEM OS GRANDES ANUNCIANTES O investimento em marketing cresceu... Variação do investimento em marketing e comunicação nos últimos três anos Diminuiu Ficou estável Aumentou Empresas nacionais 29% 33% 38% Multinacionais 19% 39% 42% ...a marca ganha cada vez mais importância... Evolução da importância da marca no processo decisório do cliente nos próximos três anos Diminuiu Ficar estável Aumentou Empresas nacionais 5% 33% 62% Multinacionais 0% 35% 65% ...para construí-la, é necessária a propaganda... Ferramentas que mais contribuem para a construção da imagem da marca Propaganda Promoção Ponto-de-venda Empresas nacionais* 39% 29% 18% Multinacionais* 52% 37% 27% *Respostas múltiplas ...mas a fatia do marketing promocional ganha peso Nos últimos três anos, as atividades de promoção e ou de ponto-de-venda aumentaram sua participação no mix de ferramentas de marketing e comunicação da empresa? Sim Não Empresas nacionais 91% 9% Multinacionais 83% 17% TV E REVISTA, OS PREFERIDOS PELAS MARCAS A principal mídia utilizada pela propaganda para divulgação de marcas é a televisão. No caso das multinacionais, a diferença de preferência por TV ou revista é menor Televisão Revista Jornal Outdoor ou mídia exterior Empresas nacionais 43% 27% 25% Multinacionais 48% 43% 31% *Respostas múltiplas Fontes: ABA/Top Brands MEDINDO O RETORNO A comunicação da empresa segue o mesmo modelo: procura conhecer as necessidades do cliente e falar diretamente com ele. E aproveita a mesma estrutura montada para dar vida ao modelo de venda direta. "Só investimos em veiculação na qual podemos medir o retorno", diz Daniel Neiva, diretor de marketing da filial brasileira da Dell. Todas as ações, sejam elas anúncios em jornais e revistas, malas diretas ou internet, estampam um número de telefone diferente para que a empresa possa saber qual a mídia que gerou o retorno. Além disso, a cada anúncio corresponde um novo número de telefone. Como as vendas da Dell são fechadas somente por telefone ou pela internet, fica fácil aferir a resposta. "Das pessoas que ligam, identificamos quantas efetivamente compram e qual o valor médio", diz Neiva. Isso ajuda a escolher a verba para cada mídia. Mesmo usando veículos de massa como TV e rádio, os varejistas também têm seus meios de apurar se as campanhas estão funcionando. "Se as vendas ficam abaixo da projeção, pode acreditar: o telefone tocará na minha mesa ao meio-dia", afirma o publicitário Silvio Matos, presidente da agência Bates Brasil, responsável pelas campanhas da Casas Bahia. A maior rede de varejo de móveis e eletrodomésticos do país investe na mídia o equivalente a 3% de seu faturamento anual de 5,5 bilhões de reais. Suas campanhas na televisão e em jornais vão consumir acima de 160 milhões neste ano. Não passa um dia sem que um comercial da Casas Bahia esteja na TV. E diariamente os donos da rede -- o empresário Samuel Klein e seus filhos Michael e Saul -- têm na ponta do lápis exatamente quantas peças anunciadas se materializaram em vendas. Recentemente, a direção da Casas Bahia notou que as vendas de beliches patinavam. Apenas 200 unidades por dia, menos de uma por loja. (A empresa tem 340 pontos-devenda e de ve terminar o ano com 350.) "Bastou anunciar para que passássemos a vender 1 700 beliches por dia", diz Michael Klein. A equipe conta com cerca de 50 profissionais e zela para que, em centenas de anúncios de jornal, não seja publicado nenhum produto com o preço errado. Cada gravação é supervisionada por Allan Barros, diretor de móveis da Casas Bahia. Os Klein conferem à propaganda a mesma atenção que dispensam pessoalmente a todas as outras áreas da empresa. O orçamento anual é detalhadamente controlado pelo anunciante, que também negocia os custos da produção. "O Michael sempre quer pagar mais barato e consegue", diz Matos. Essa preocupação em controlar o orçamento e a execução dos gastos com propaganda é hoje generalizada entre os grandes anunciantes. Definitivamente, ficou para trás o mundo no qual uma agência torrava até 800 000 dólares com tomadas internacionais, como fez a Souza Cruz nos anos 80 com uma série produzida para a marca de cigarros Hollywood. Os processos de racionalização de custos compeliram as empresas a tomar as rédeas também da execução da propaganda -- atividade que, até poucos anos atrás, era tarefa exclusiva das agências de publicidade. Grandes anunciantes, Nestlé e Unilever entre eles, passaram, até mesmo, a selecionar e a contratar as produtoras. "Desde o ano passado tiramos de nossas agências a responsabilidade por qualquer tipo de relacionamento com as produtoras", afirma Orlando Lopes, diretor de mídia da Unilever. A razão disso, segundo ele, era o excessivo rodízio de produtoras que interrompia a troca de experiências desse pessoal com os executivos da Unilever. "Perdíamos tempo e não tínhamos nenhum controle na produção", afirma Lopes, que diz estar hoje satisfeito com a melhora de qualidade dos comerciais e a economia de custos. O novo modelo, trazido da filial argentina, reúne um pool de produtoras, supervisionado por um diretor da Unilever com experiência na área de comerciais. A Kraft é outra corporação que pratica um controle rígido -- obedecendo a tabelas com teto de gastos -- sobre a produção de comerciais em toda parte do mundo. Mais: com a globalização de suas marcas, a Kraft passou a manter um staff encarregado de garantir o padrão de integridade na comunicação. Recentemente, um guardião da marca do queijo Philadelphia, baseado em Londres, veio ao Brasil com a missão de supervisionar as gravações dos comerciais da campanha de lançamento do produto em São Paulo. Outra norma da Kraft é realizar pré-testes de comerciais por meio de esquetes submetidos a consumidores potenciais antes mesmo da gravação. "Qualquer ação no ponto-de-venda deve estar em harmonia com a linha de todo o pacote de comunicação coordenado pela área de marketing", diz Eduardo Campos, diretor da Kraft. Segundo ele, até o aluguel de um freezer no supermercado ou uma demonstração aos consumidores de uma novidade demanda um estudo de custo e benefício. Paralelamente à pressão sobre os custos, os anunciantes vêm modificando progressivamente a forma de remuneração de suas agências de publicidade. Por muitas décadas vigorou em boa parte do mundo o pagamento da comissão de 20% sobre o total veiculado -- garantido, inclusive, por lei no Brasil. A situação começou a mudar na segunda metade dos anos 90, quando as taxas passaram a cair de forma dramática. Essa queda foi interrompida, no país, com o surgimento do Conselho Executivo de Normas Padrões (Cenp), fruto de um acordo entre veículo, agências e anunciantes, com o estabelecimento de parâmetros mínimos de remuneração. A verdade é que, a despeito do acordo, o pagamento de comissão está perdendo espaço no mercado: segundo a pesquisa da consultoria Interscience, 40% dos anunciantes entrevistados declararam pagar fee mensal às suas agências, ante 34% que continuam com a comissão. A discussão sobre a melhor forma de remunerar o trabalho de uma agência continua acesa mundo afora. Em setembro passado, falando durante o Congresso Mundial de Marketing, em Sevilha, na Espanha, o executivo americano David Bell, presidente do grupo Interpublic, fez uma veemente defesa do pagamento por desempenho como alternativa tanto ao sistema de comissões quanto ao fee, falando da erosão das receitas das agências. "Poderíamos ter virado essa maré se tivéssemos tido a coragem de compartilhar riscos com nossos clientes", disse Bell. O PODER DA PROPAGANDA Há duas maneiras de avaliar a influência da propaganda. Uma, quando se investe nela. Outra, quando se deixa de investir. Isso fica claro num estudo feito na Inglaterra pelo pesquisador Stephan Buck, da consultoria Taylor Nelson Sofres (TNS) (leia entrevista na pág. 50). Buck observou o comportamento de vendas de marcas de bebidas, alimentos e itens de higiene e limpeza em 26 categorias. Entre 1995 e 1997, as marcas dos fabricantes passaram a sofrer um assédio sem igual das marcas próprias dos varejistas --algo semelhante ao que enfrentam por aqui as congêneres com as baratas talibãs, desde o Plano Real. Com tudo isso, as líderes inglesas que mais investiram em publicidade conseguiram sustentar suas posições. Ter uma marca ativa em propaganda pode fazer toda a diferença e evitar o desgaste da guerra de preços, com perda de rentabilidade. Foi a lição aprendida pelo pessoal da cervejaria Schincariol. Em fevereiro passado, antes da campanha da Nova Schin, a cervejaria de Itu recebia pedidos de 40 000 caixas mensais, em média, do Pão de Açúcar. Em outubro, a encomenda multiplicou-se por 10. Fabricante de cerveja desde 1989, a Schincariol pouco anunciava, limitando-se a distribuir refrigeradores e material de ponto-de-venda nos bares. Após investir 300 milhões de reais nos últimos anos e erguer fábricas na Bahia, no Rio de Janeiro, em Goiânia e Recife, o porte da companhia passou a exigir que olhasse para o mercado em busca de um foco. "Estava ficando insuportável só lidar com a questão do preço", afirma Adriano Schincariol, diretor responsável pelas áreas de marketing e vendas e um dos herdeiros da empresa. Diante disso, a direção da cervejaria decidiu organizar uma diretoria de marketing que fosse além do trade market. De um negócio voltado para a produção, a Schincariol queria disputar a fatia do mercado que concentra 70% do faturamento: a que vende, além de cerveja, a imagem do produto e da marca. Para tanto, convocou o publicitário Eduardo Fischer, dono da Fischer América, com experiência anterior no mercado de cerveja, que, a despeito da concentração recente, é um dos mais competitivos da indústria. Em seus tempos a serviço da Brahma, Fischer foi criador da campanha "Número 1". "Recebi a missão de cuidar da cerveja do portão para fora", diz Fischer. Na primeira fase da campanha, anúncios expuseram aspectos desconhecidos da história da empresa e de sua capacidade instalada de produção, a segunda do país. Era a preparação para o que estava por vir: a Nova Schin, com nova embalagem e novo sabor. Segundo admite Fischer, a empresa correu o risco calculado de não conquistar adeptos e ainda perder os antigos bebedores. "Mas as pesquisas evidenciavam que a cerveja não era comprada apenas pelo preço", diz Fischer. "Valia a pena arriscar para ganhar preferência." Em setembro, um mês depois de lançada a campanha com o apelo "Experimenta", a Nova Schin alcançou o terceiro lugar em vendas, ultrapassando a Antarctica e a Kaiser. No mês seguinte, sua participação aumentava 4 pontos percentuais num mercado em que cada ponto é estimado em 80 milhões de reais, atingindo 12,3%, segundo a Schincariol. "Fazer propaganda mudou nossa empresa em dois meses", diz Schinchariol. Para garantir novos avanços, a cervejaria vai investir 180 milhões de reais em publicidade até junho de 2004, computadas todas as mídias. Investir seus recursos com eficácia tem levado as empresas a buscar estratégias diferenciadas para atingir seu público-alvo. Diferentemente da Nova Schin, voltada para o consumo de massa, a marca Bohemia, da AmBev, destina-se aos consumidores das classes A e B, justamente os que menos consomem o produto: 35 litros por ano, contra a média nacional de 50 litros anuais. Para atingi-lo, a Bohemia, uma marca premium, que existe há 150 anos, passou a ser promovida em campanhas veiculadas em revistas. "É o meio mais adequado para se comunicar com esse público", afirma Miguel Patrício, diretor de marketing da AmBev. A escolha significou uma quebra de paradigma. Nenhuma outra cerveja brasileira apostara antes unicamente na mídia impressa para divulgar seu produto. Funcionou. Em janeiro de 2001, a participação da Bohemia no volume total de cerveja vendida no país era de 0,6%. Em setembro passado, já atingia 1,8%. Por ser um produto com margem mais alta, a Bohemia atualmente fica com 3% das receitas do mercado de cerveja. UM MERCADO DISPUTADO A verba de propaganda correspondeu em 2002 a 1,2% do PIB brasileiro. A de marketing promocional*, a 0,8%. A projeção de crescimento para ambas é de cerca de 5% para 2003 Em bilhões de reais Propaganda Marketing promocional 1998 9,7 1999 10,3 2000 12,9 9,6 2001 12,8 9,6 2002 13,2 9,9 2003 13,8** 10,4** *Não inclui patrocínios, marketing social e pesquisa de mercado **Previsão Fontes: Ampro e Inter-Meios Outra maneira de medir o impacto comercial da propaganda é observar o que acontece quando ela deixa de ser veiculada. Desde que foram banidas as mensagens de cigarros, no final de 1999, a publicidade da Souza Cruz, dona das marcas Hollywood e Carlton, ficou confinada aos pontos-de-venda. "Tem sido um desafio extremamente difícil", afirma Gilmar Madureira, diretor de marketing da Souza Cruz. Ficou complicado lançar novas marcas. Prova disso é o Kent, cujo processo de lançamento vem se arrastando no último ano e meio. Bem diferente de quando a companhia lançou o Derby, em 1992. Impulsionada por uma grande campanha publicitária, a nova marca precisou de apenas dois meses para atingir 22% de participação. Em algumas lojas de conveniência em cidades do interior de São Paulo, a Souza Cruz vem testando o uso de telas de plasma com filmes publicitários -- sem áudio, vetado pela lei. O televisor é uma das poucas alternativas da Souza Cruz para contatar seus consumidores. "Ainda é um piloto e temos dúvidas sobre se ele é eficaz", diz Madureira. A dificuldade para medir o impacto de ações como essa é ainda maior porque quem se dirige às lojas de conveniência geralmente vai direto ao caixa. "Sem a comunicação de massa também não fazemos idéia de quantos consumidores alcançamos." MEDINDO O RETORNO A comunicação da empresa segue o mesmo modelo: procura conhecer as necessidades do cliente e falar diretamente com ele. E aproveita a mesma estrutura montada para dar vida ao modelo de venda direta. "Só investimos em veiculação na qual podemos medir o retorno", diz Daniel Neiva, diretor de marketing da filial brasileira da Dell. Todas as ações, sejam elas anúncios em jornais e revistas, malas diretas ou internet, estampam um número de telefone diferente para que a empresa possa saber qual a mídia que gerou o retorno. Além disso, a cada anúncio corresponde um novo número de telefone. Como as vendas da Dell são fechadas somente por telefone ou pela internet, fica fácil aferir a resposta. "Das pessoas que ligam, identificamos quantas efetivamente compram e qual o valor médio", diz Neiva. Isso ajuda a escolher a verba para cada mídia. Mesmo usando veículos de massa como TV e rádio, os varejistas também têm seus meios de apurar se as campanhas estão funcionando. "Se as vendas ficam abaixo da projeção, pode acreditar: o telefone tocará na minha mesa ao meio-dia", afirma o publicitário Silvio Matos, presidente da agência Bates Brasil, responsável pelas campanhas da Casas Bahia. A maior rede de varejo de móveis e eletrodomésticos do país investe na mídia o equivalente a 3% de seu faturamento anual de 5,5 bilhões de reais. Suas campanhas na televisão e em jornais vão consumir acima de 160 milhões neste ano. Não passa um dia sem que um comercial da Casas Bahia esteja na TV. E diariamente os donos da rede -- o empresário Samuel Klein e seus filhos Michael e Saul -- têm na ponta do lápis exatamente quantas peças anunciadas se materializaram em vendas. Recentemente, a direção da Casas Bahia notou que as vendas de beliches patinavam. Apenas 200 unidades por dia, menos de uma por loja. (A empresa tem 340 pontos-devenda e de vê terminar o ano com 350.) "Bastou anunciar para que passássemos a vender 1 700 beliches por dia", diz Michael Klein. A equipe conta com cerca de 50 profissionais e zela para que, em centenas de anúncios de jornal, não seja publicado nenhum produto com o preço errado. Cada gravação é supervisionada por Allan Barros, diretor de móveis da Casas Bahia. Os Klein conferem à propaganda a mesma atenção que dispensam pessoalmente a todas as outras áreas da empresa. O orçamento anual é detalhadamente controlado pelo anunciante, que também negocia os custos da produção. "O Michael sempre quer pagar mais barato e consegue", diz Matos. Essa preocupação em controlar o orçamento e a execução dos gastos com propaganda é hoje generalizada entre os grandes anunciantes. Definitivamente, ficou para trás o mundo no qual uma agência torrava até 800 000 dólares com tomadas internacionais, como fez a Souza Cruz nos anos 80 com uma série produzida para a marca de cigarros Hollywood. Os processos de racionalização de custos compeliram as empresas a tomar as rédeas também da execução da propaganda -- atividade que, até poucos anos atrás, era tarefa exclusiva das agências de publicidade. Grandes anunciantes, Nestlé e Unilever entre eles, passaram, até mesmo, a selecionar e a contratar as produtoras. "Desde o ano passado tiramos de nossas agências a responsabilidade por qualquer tipo de relacionamento com as produtoras", afirma Orlando Lopes, diretor de mídia da Unilever. A razão disso, segundo ele, era o excessivo rodízio de produtoras que interrompia a troca de experiências desse pessoal com os executivos da Unilever. "Perdíamos tempo e não tínhamos nenhum controle na produção", afirma Lopes, que diz estar hoje satisfeito com a melhora de qualidade dos comerciais e a economia de custos. O novo modelo, trazido da filial argentina, reúne um pool de produtoras, supervisionado por um diretor da Unilever com experiência na área de comerciais. A Kraft é outra corporação que pratica um controle rígido -- obedecendo a tabelas com teto de gastos -- sobre a produção de comerciais em toda parte do mundo. Mais: com a globalização de suas marcas, a Kraft passou a manter um staff encarregado de garantir o padrão de integridade na comunicação. Recentemente, um guardião da marca do queijo Philadelphia, baseado em Londres, veio ao Brasil com a missão de supervisionar as gravações dos comerciais da campanha de lançamento do produto em São Paulo. Outra norma da Kraft é realizar pré-testes de comerciais por meio de esquetes submetidos a consumidores potenciais antes mesmo da gravação. "Qualquer ação no ponto-de-venda deve estar em harmonia com a linha de todo o pacote de comunicação coordenado pela área de marketing", diz Eduardo Campos, diretor da Kraft. Segundo ele, até o aluguel de um freezer no supermercado ou uma demonstração aos consumidores de uma novidade demanda um estudo de custo e benefício. Paralelamente à pressão sobre os custos, os anunciantes vêm modificando progressivamente a forma de remuneração de suas agências de publicidade. Por muitas décadas vigorou em boa parte do mundo o pagamento da comissão de 20% sobre o total veiculado -- garantido, inclusive, por lei no Brasil. A situação começou a mudar na segunda metade dos anos 90, quando as taxas passaram a cair de forma dramática. Essa queda foi interrompida, no país, com o surgimento do Conselho Executivo de Normas Padrões (Cenp), fruto de um acordo entre veículo, agências e anunciantes, com o estabelecimento de parâmetros mínimos de remuneração. A verdade é que, a despeito do acordo, o pagamento de comissão está perdendo espaço no mercado: segundo a pesquisa da consultoria Interscience, 40% dos anunciantes entrevistados declararam pagar fee mensal às suas agências, ante 34% que continuam com a comissão. A discussão sobre a melhor forma de remunerar o trabalho de uma agência continua acesa mundo afora. Em setembro passado, falando durante o Congresso Mundial de Marketing, em Sevilha, na Espanha, o executivo americano David Bell, presidente do grupo Interpublic, fez uma veemente defesa do pagamento por desempenho como alternativa tanto ao sistema de comissões quanto ao fee, falando da erosão das receitas das agências. "Poderíamos ter virado essa maré se tivéssemos tido a coragem de compartilhar riscos com nossos clientes", disse Bell. O PODER DA PROPAGANDA Há duas maneiras de avaliar a influência da propaganda. Uma, quando se investe nela. Outra, quando se deixa de investir. Isso fica claro num estudo feito na Inglaterra pelo pesquisador Stephan Buck, da consultoria Taylor Nelson Sofres (TNS) (leia entrevista na pág. 50). Buck observou o comportamento de vendas de marcas de bebidas, alimentos e itens de higiene e limpeza em 26 categorias. Entre 1995 e 1997, as marcas dos fabricantes passaram a sofrer um assédio sem igual das marcas próprias dos varejistas --algo semelhante ao que enfrentam por aqui as congêneres com as baratas talibãs, desde o Plano Real. Com tudo isso, as líderes inglesas que mais investiram em publicidade conseguiram sustentar suas posições. Ter uma marca ativa em propaganda pode fazer toda a diferença e evitar o desgaste da guerra de preços, com perda de rentabilidade. Foi a lição aprendida pelo pessoal da cervejaria Schincariol. Em fevereiro passado, antes da campanha da Nova Schin, a cervejaria de Itu recebia pedidos de 40 000 caixas mensais, em média, do Pão de Açúcar. Em outubro, a encomenda multiplicou-se por 10. Fabricante de cerveja desde 1989, a Schincariol pouco anunciava, limitando-se a distribuir refrigeradores e material de ponto-de-venda nos bares. Após investir 300 milhões de reais nos últimos anos e erguer fábricas na Bahia, no Rio de Janeiro, em Goiânia e Recife, o porte da companhia passou a exigir que olhasse para o mercado em busca de um foco. "Estava ficando insuportável só lidar com a questão do preço", afirma Adriano Schincariol, diretor responsável pelas áreas de marketing e vendas e um dos herdeiros da empresa. Diante disso, a direção da cervejaria decidiu organizar uma diretoria de marketing que fosse além do trade market. De um negócio voltado para a produção, a Schincariol queria disputar a fatia do mercado que concentra 70% do faturamento: a que vende, além de cerveja, a imagem do produto e da marca. Para tanto, convocou o publicitário Eduardo Fischer, dono da Fischer América, com experiência anterior no mercado de cerveja, que, a despeito da concentração recente, é um dos mais competitivos da indústria. Em seus tempos a serviço da Brahma, Fischer foi criador da campanha "Número 1". "Recebi a missão de cuidar da cerveja do portão para fora", diz Fischer. Na primeira fase da campanha, anúncios expuseram aspectos desconhecidos da história da empresa e de sua capacidade instalada de produção, a segunda do país. Era a preparação para o que estava por vir: a Nova Schin, com nova embalagem e novo sabor. Segundo admite Fischer, a empresa correu o risco calculado de não conquistar adeptos e ainda perder os antigos bebedores. "Mas as pesquisas evidenciavam que a cerveja não era comprada apenas pelo preço", diz Fischer. "Valia a pena arriscar para ganhar preferência." Em setembro, um mês depois de lançada a campanha com o apelo "Experimenta", a Nova Schin alcançou o terceiro lugar em vendas, ultrapassando a Antarctica e a Kaiser. No mês seguinte, sua participação aumentava 4 pontos percentuais num mercado em que cada ponto é estimado em 80 milhões de reais, atingindo 12,3%, segundo a Schincariol. "Fazer propaganda mudou nossa empresa em dois meses", diz Schinchariol. Para garantir novos avanços, a cervejaria vai investir 180 milhões de reais em publicidade até junho de 2004, computadas todas as mídias. Investir seus recursos com eficácia tem levado as empresas a buscar estratégias diferenciadas para atingir seu público-alvo. Diferentemente da Nova Schin, voltada para o consumo de massa, a marca Bohemia, da AmBev, destina-se aos consumidores das classes A e B, justamente os que menos consomem o produto: 35 litros por ano, contra a média nacional de 50 litros anuais. Para atingi-lo, a Bohemia, uma marca premium, que existe há 150 anos, passou a ser promovida em campanhas veiculadas em revistas. "É o meio mais adequado para se comunicar com esse público", afirma Miguel Patrício, diretor de marketing da AmBev. A escolha significou uma quebra de paradigma. Nenhuma outra cerveja brasileira apostara antes unicamente na mídia impressa para divulgar seu produto. Funcionou. Em janeiro de 2001, a participação da Bohemia no volume total de cerveja vendida no país era de 0,6%. Em setembro passado, já atingia 1,8%. Por ser um produto com margem mais alta, a Bohemia atualmente fica com 3% das receitas do mercado de cerveja. UM MERCADO DISPUTADO A verba de propaganda correspondeu em 2002 a 1,2% do PIB brasileiro. A de marketing promocional*, a 0,8%. A projeção de crescimento para ambas é de cerca de 5% para 2003 Em bilhões de reais Propaganda Marketing promocional 1998 9,7 1999 10,3 2000 12,9 9,6 2001 12,8 9,6 2002 13,2 9,9 2003 13,8** 10,4** *Não inclui patrocínios, marketing social e pesquisa de mercado **Previsão Fontes: Ampro e Inter-Meios Outra maneira de medir o impacto comercial da propaganda é observar o que acontece quando ela deixa de ser veiculada. Desde que foram banidas as mensagens de cigarros, no final de 1999, a publicidade da Souza Cruz, dona das marcas Hollywood e Carlton, ficou confinada aos pontos-de-venda. "Tem sido um desafio extremamente difícil", afirma Gilmar Madureira, diretor de marketing da Souza Cruz. Ficou complicado lançar novas marcas. Prova disso é o Kent, cujo processo de lançamento vem se arrastando no último ano e meio. Bem diferente de quando a companhia lançou o Derby, em 1992. Impulsionada por uma grande campanha publicitária, a nova marca precisou de apenas dois meses para atingir 22% de participação. Em algumas lojas de conveniência em cidades do interior de São Paulo, a Souza Cruz vem testando o uso de telas de plasma com filmes publicitários -- sem áudio, vetado pela lei. O televisor é uma das poucas alternativas da Souza Cruz para contatar seus consumidores. "Ainda é um piloto e temos dúvidas sobre se ele é eficaz", diz Madureira. A dificuldade para medir o impacto de ações como essa é ainda maior porque quem se dirige às lojas de conveniência geralmente vai direto ao caixa. "Sem a comunicação de massa também não fazemos idéia de quantos consumidores alcançamos." Esta é a versão em html do arquivo http://www.osuniversitarios.com.br/imagens_esamc/A_REINVEN%C7%C3O_DA_PROPAGANDA. doc Capturado em 17/04/2004