icterícia obstrutiva

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ICTERÍCIA OBSTRUTIVA:
ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E INVESTIGAÇÃO
Prof. Dr. Antonio Roberto Franchi-Teixeira
Icterícia é a condição de coloração amarelada do plasma, pele e mucosas
determinada pelo acúmulo dos pigmentos biliares. A bilirrubina é produto final da
degradação do grupo heme componente da hemoglobina. A bilirrubina é
transportada pela albumina até o fígado onde é recolhida pelos hepatócitos através
de sistemas protéicos transportadores de membrana (proteínas X e Y). Após sua
entrada na célula a bilirrubina é conjugada por ação de enzimas microssomais
(UDP glicuronil transferase) com o ácido glicurônico e forma um composto mais
polar e hidrossolúvel (bilirrubina conjugada) que é excretado pelos canalículos
biliares. Passa então a formar um complexo lipídico-micelar que é excretado no
duodeno através do ducto biliar principal e será desconjugado e reduzido no colo
por ação das glicuronidases bacterianas, formando os urobilinogênios. Estes são
excretados nas fezes em sua maioria, porém uma pequena parte é reabsorvida e
volta ao fígado pelo sistema porta constituindo o ciclo entero-hepático da
bilirrubina.
CLASSIFICAÇÃO
A partir do conhecimento do ciclo fisiológico da bilirrubina definem-se as
icterícias em pré-hepáticas (de produção ou de captação), hepáticas (de
conjugação) e pós-hepáticas (de excreção).
As
icterícias
de
excreção
podem
ser
devidas
a
problemas
mecânicos/anatômicos sobre a via biliar principal constituindo o grupo das
icterícias obstrutivas. Há várias causas conhecidas de colestase acometendo sítios
anatômicos distintos, como se visualiza na figura abaixo.
169
Figura de Icterícia Colestática
{
Hepatite viral
Hepatite alcoólica
Cirrose
Acetaminofen
Halotano
}
Estrógenos
Esteróides
Gravidez
{
CBP
CEP
Sarcoidose
Rejeição
CEP
Calculose intraepática
Colangiocarcinoma
Parasitas
}
Carcinoma da vesícula
Atresia extraepática
Estenoses traumáticas
Hemobilia
Cistos de colédoco
}
}
}
Cálculo
Tumor de pâncreas
Pancreatite crônica
Neoplasias da ampola
CBP: Cirrose biliar primária
CEP: Colangite esclerosante primária
CAUSAS DE ICTERÍCIA COLESTÁTICA:
1.
Hepatócitos e canalículos: Drogas , hepatites virais, estrogênios.
2.
Ductos interlobulares: Cirrose biliar primária (CBP), sarcoidose, colangite
esclerosante primária (CEP), rejeição crônica do aloenxerto.
3.
Ductos
intraepáticos
principais:
CEP,
cálculos
intraepáticos,
colangiocarcinoma, parasitas.
4.
Ducto hepático comum: Carcinoma da vesícula biliar
5.
Ducto biliar comum: Atresia extra-hepática, estenoses traumáticas, CEP,
cistos de colédoco, parasitas, colangiocarcinoma , hemobilia.
6.
Região periampular: Cálculos, tumores de cabeça de pâncreas, pancreatite
crônica, neoplasias periampulares, anomalias da junção biliopancreática.
170
O estudo das colestases extra-hepáticas é de grande interesse para o
cirurgião na medida em que a etiologia se apresenta de forma muito diversa e o
manejo depende da causa básica. No objetivo de simplificar as classificações
existentes e salientar dados de interesse cirúrgico, Benjamin (1983) classifica as
icterícias obstrutivas em quatro grandes grupos:
- Tipo I: Obstrução completa da via biliar principal constituindo icterícia severa.
- Tipo II: Obstrução intermitente com alterações enzimáticas evidentes, com ou
sem icterícia clínica.
- Tipo III: Obstrução crônica incompleta, com ou sem alterações enzimáticas ou
icterícia clínica, apresentando eventual alteração da histoarquitetura canalicular ou
do parênquima hepático.
- Tipo IV: Obstrução segmentar intraepática de um ou mais segmentos
anatômicos, podendo assumir a forma progressiva, intermitente ou incompleta.
As causas mais comuns das obstruções são:

Tipo I: tumores de cabeça do pâncreas, ligadura iatrogênica do ducto
principal, tumores hepáticos e colangiocarcinoma.

Tipo II: coledocolitíase, tumores periampulares, divertículo duodenal, cistos de
colédoco, doença policística hepática, parasitas intrabiliares e hemobilia.

Tipo
III:
estreitamentos
estreitamentos
da
anastomóticos,
via
biliar
colangite
(congênitos
esclerosante
ou
iatrogênicos),
pós-
radioterapia,
pancreatite crônica, fibrose cística e discinesia do esfíncter de Oddi (?).

Tipo
IV:
trauma,
litíase
intra-hepática,
colangiocarcinoma.
INVESTIGAÇÃO
Dados importantes da história clínica:
-início súbito ou insidioso
-eventos de colangite
-uso pregresso de drogas de metabolização hepática
-perda de peso associada ao quadro.
colangite
esclerosante
e
171
No
exame
clínico,
além
dos
clássicos
estigmas
de
insuficiência
hepatocelular, deve-se notar a presença de sinais indiretos de hipertensão porta.
Um modelo de investigação razoavelmente completo em um doente
portador de icterícia obstrutiva poderia constituir-se de:
 Testes hematológicos: os clássicos, incluindo contagem de reticulócitos,
provas de coagulação.
 Testes de função: enzimas séricas (AST, ALT, GGT, fosfatase alcalina),
dosagens de bilirrubinas e proteínas séricas (eletroforese).
 Testes
imunológicos
e
sorologias:
IgG,
IgA,
IgM,
anticorpos
anti-
mitocôndria, músculo liso e antinúcleo, antígenos virais de superfície (HBsAg),
IgM anti vírus da hepatite A, sorologia contra vírus C, anticorpo anti-CMV,
testes parasitológicos de fixação de complemento, teste de Wasserman.
 Testes específicos: alfa-1-antitripsina, amilasemia, ferro, cobre sérico e
urinário, ceruloplasmina sérica.
 Marcadores
tumorais:
alfa-fetoproteína
(hepatocarcinoma),
CA
19-9
(colangiocarcinoma).
MÉTODOS DE IMAGEM
A ultrassonografia (US) é atualmente um método bastante disponível. No
estudo da árvore biliar a ultrassonografia é usada na avaliação das diversas
estruturas anatômicas que compõem o sistema bilioexcretor. O nível das
obstruções pode ser definido traçando-se o perfil anatômico de toda a árvore
biliar. Em geral o nível de obstrução pode ser determinado em 80% das vezes. O
exame ecográfico pode ser capaz de revelar a etiologia da obstrução, na medida
em que cálculos, tumores e cistos na via biliar são razoavelmente detectáveis e
tumores pancreáticos sintomáticos usualmente são grandes o suficiente para
aparecerem a US. Os tumores periampulares, ainda que muito pequenos para
serem detectados, podem ser inferidos a partir de dados sonográficos como o sinal
do duplo ducto (dilatação simultânea da via biliar e pancreática).
A tomografia computadorizada (TC) com o uso de reforço de contraste
(enhanced CT scan) é importante na propedêutica. Permite a avaliação de tumores
biliares, cálculos, cistos, doenças inflamatórias e anomalias. A tomografia
172
computadorizada tem sensibilidade aproximada de 75% na detecção de cálculos
na via biliar principal, em contraste com os 20% apresentados pela US. Dilatações
da via biliar, saculações e estenoses concêntricas corroboram o diagnóstico
tomográfico da doença de Caroli. A síndrome de Mirizzi é uma condição rara na
qual o ducto hepático comum é obstruído por cálculos provenientes da vesícula
biliar (bolsa de Hartman ou ducto cístico) extruídos através de uma fístula
colecistocoledociana.
A colangite esclerosante primária (CEP) é uma entidade cujo aspecto
tomográfico revela áreas focais de dilatação intra-hepática com espessamento da
parede ductal podendo haver imagens nodulares intraparenquimatosas (o que
sugere o desenvolvimento tumoral associado à doença básica). A presença de
anomalias na desembocadura das vias biliar e pancreática é tão comum que é
implicada como fator determinante desta doença. A herniação do colédoco na luz
duodenal configura a coledococele, que pode ser visualizada na TC como uma
massa intraluminal contígua ao colédoco distal.
A ressonância nuclear magnética (RNM) utiliza diversos contrastes que
permitem a diferenciação das diversas estruturas (gadolínio, manganês, ferro). A
RNM apresenta vantagens na avaliação hepática: vasos são visualizados facilmente
e o contraste entre estruturas normais e patológicas é bastante evidente.
A colangiografia (visualização radiológica da via biliar por injeção direta
de contraste opaco) é o mais completo e detalhado método de demonstração
anatômica
da
via
biliar.
Pode
ser
realizada
por
punção
trans-hepática
(colangiografia transparietoepática-CTP) ou retrogradamente por cateterização da
papila (colangiopancreatografia endoscópica retrógrada-CPRE).
A colangiografia transparietoepática (CTP) realiza-se a partir da
punção dos elementos biliares intra-hepáticos com agulhas de fino calibre (Chiba)
guiadas por US ou CT, geralmente sob monitorização fluoroscópica. Contrastes
iodados solúveis em água são empregados e possuem pesos específicos maior que
a bile. Utilizando-se essa propriedade aliada a manobras de rotação da mesa
fluoroscópica é possível a visualização completa do aparelho biliar excretor sob
regime de baixa pressão na maioria dos casos.
173
A CTP é também muito útil na detecção de lesões estenóticas benignas da
via biliar, como nas síndromes ictéricas pós-colecistectomia. Os fatores que devem
ser ponderados na escolha entre a realização da CTP ou da CPRE devem levar em
conta algumas características específicas dos métodos e das instituições que os
aplicam.
A colangiopancreatografia endoscópica retógrada (CPRE) permite
uma boa inspeção da região periampular. Através da cateterização seletiva das
vias pancreática e biliar é possível a visualização sob fluoroscopia. A avaliação
biliar do doente ictérico é a principal indicação da CPRE, geralmente após a
realização
de
testes
não
invasivos
(US/TC).
Quando
esses
métodos
já
evidenciaram um provável nível de obstrução, a CPRE pode indicar a causa em 8590% dos doentes e muitas vezes até assume função terapêutica (papilotomia,
retirada de cálculos, colocação de próteses). Na avaliação da doença calculosa da
via biliar a canulação desta com preenchimento de contraste até os ductos
intraepáticos de segunda ou terceira ordens permite virtualmente a visualização de
quaisquer anomalias da via biliar.
Armadilhas na interpretação incluem a presença de pancreatite obstrutiva
secundária a compressão tumoral cefálica, a presença de anomalias ductais no
pancreas divisum e pancreatites crônicas focais. As lesões relacionadas a colangite
esclerosante primária (CEP) aparecem à CPRE como estenoses anulares e
concêntricas principalmente acometendo a via biliar em sua porção intra-hepática,
porém pode haver acometimento da via principal e até da vesícula biliar. Vale a
pena salientar aqui importância da CPRE na avaliação de parasitoses intrabiliares,
colangites
secundárias,
lesões
obstrutivas
pós-quimioterapia
intra-arterial
hepática, entre outras.
A
colangiografia
por
ressonância
nuclear
magnética
(colangioressonância - CR), é um método que utiliza diversas seqüências de
obtenção de imagens e possibilita a formação de imagens tridimensionais. Além
disso, a CR permite a realização do mapeamento axial do abdome, angiografia e
espectroscopia simultaneamente, perfazendo três exames em um único ato. Na
detecção da colédocolitíase e tumores da via biliar, a CR tem se mostrado muito
útil na detecção do nível de obstrução e da causa básica. Compararam-se os
achados da CR com a CPRE (considerando a colangiografia direta como padrão
174
gold standard) na investigação da anatomia biliar e concluíram que não há
diferença estatisticamente significativa entre os métodos na capacidade de
detecção do nível de obstrução biliar. Concluiram também que “a CR, por ser
método não invasivo e não se utilizar contraste radiográfico pode, em muitos
casos, ser utilizada ao invés da CPRE para melhor direcionar terapêuticas
invasivas”. Em um futuro não muito longínquo, poderá ser a CR o método de
primeira instância na investigação da icterícia obstrutiva em adultos, por razão de
sua confiabilidade e segurança.
CONCLUSÃO
A diversidade de métodos e formas de investigação do doente portador de
icterícia obstrutiva demonstra a variada gama de afecções que acometem o
sistema hepatobiliopancreático em diferentes idades do desenvolvimento. A
criação de grupos interessados no estudo mais profundo dessas doenças criou
unidades onde clínicos, cirurgiões e radiologistas trabalham lado a lado na
condução do processo investigatório e terapêutico do doente ictérico. Este convívio
profícuo entre as diferentes especialidades em busca do mesmo objetivo é que
permitiu a diminuição drástica das taxas de morbidade e mortalidade no
tratamento cirúrgico e endoscópico do doente ictérico. Novas tecnologias como a
colangiorresonância, a ultrassonografia endoscópica ou a cintigrafia hepatobiliar
não minimizam o valor da propedêutica clássica na avaliação do doente ictérico.
 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Benjamin I S. Biliary tract obstuction. In Surgery of the Liver and Biliary Tract, ed.
Blumgart LH, Churchill Livingstone, Avon, UK, pág135-145,1984.
2. Schaffner F, Popper H. Classification and mechanism of cholestasis. In Liver and biliary
disease: pathophysiology, diagnosis and manegement. Ed Wrigt R ,Albert KGMM, Karran
3. Teixeira ARF, Boin IFSF, Antonialli F, Leonardi LS.
Icterícias Obstrutivas: Conceito,
Classificação, Etiologia e Fisiopatologia. Revista Medicina da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo- Ribeirão Preto, vol 30 pag 159-163.
4. Maurantonio M, Venezia L, Carulli L. Cholestatic Icteris: Is There Still a Role for the
Clinic? Ann Ital Med Int. 19(2): 131-43, 2004
175
ALGORITMO DE INVESTIGAÇÃO
Icterícia
colestática
Colestase
intra-hepática
Doença
benigna



Avaliação clínica,
testes laboratoriais
Colestase
extra-hepática
Doença
maligna
US
TC
Observação
Sorologia
Testes
imunológicos
US/TC
Ductos
dilatados
Citologia
Tratamento
 Cirúrgico
 Endoscópico
 Percutâneo
Sim
Não
CRNM
ou
CTPH
CRNM
CPRE se
necessário
Obstrução
demonstrada
CTPH = COLANGIOGRAFIA TRANSPARIETOHEPÁTICA
CPRE = COLANGIOPANCREATOGRAFIA ENDOSCÓPICA
RETRÓGRADA
CRNM = COLANGIORRESSONÂNCIA NUCLEAR
MAGNÉTICA
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