Capítulo IX Ações Intersetoriais e Trabalho em Rede Karina Corrêa Luís Fernando de Lima Nunes Barbosa Darlene Glória de Ávila Ferreira Capítulo IX 1- Aspectos Conceituais 2- Introdução 3- Objetivos 4- Atores e Organização 5- Evolução Histórica 6- Dinâmica da Intersetorialidade 7- Estratégias 8- Relações Pessoais e Estado 9- Conclusão 10- Experiências Exitosas 11- Referências 1- Aspectos Conceituais Redes Sociais podem ser definidas como grupo de pessoas envolvidas com objetivos comuns a todos, interiorizados e interdependentes para realização das necessidades com criação de vínculos, comprometimento mútuo, comunicação e articulação. Pode ainda ser definidas como soma de relações significativas, as quais contribuem para transformações sociais implementação de ações que provocam mudança, etiologicamente associado à policausalidade e a inter-relação existente nas questões sociais. A intersetorialidade inclui a participação de todos os setores e campos de atividades conectados ao desenvolvimento nacional e comunitário, efetivando-se como uma prática social, que vem sendo estruturada a partir das necessidades e resgate da subjetividade. As relações intersetoriais podem ser definidas como relações pertencentes a distintos setores que são considerados segundo suas repercussões nas metas, estratégias e atividades dos demais setores. As redes podem ser vistas como método para descrição e analise dos padrões de relação nelas contidas, sendo forma de articulação multicêntrica que favorece a possibilidade de mudança social. A rede é interativa à dimensão intersetorial das políticas sociais, que ocorre através da interação dos sujeitos instituições, municípios, estados em função do coletivo. A intersetorialidade pode ser conceituada como uma nova lógica de atuação que exige compromisso com a transformação por parte dos integrantes com grande capacidade de inovação, resultando na articulação entre diversos sujeitos, setores sociais, saberes e poderes para enfrentamento de problemas complexos. É uma nova ferramenta facilitadora no processo de construção de políticas públicas e superação da fragmentação das estruturas sociais, com enfatização do papel do sujeito e desenvolvimento social. A intersetorialidade é definida como articulação entre saberes e experiências para solução dos problemas ou nós encontrados; como busca da complementaridade na ação; como uma nova maneira de planejar, executar e controlar a prestação de serviços, a fim de garantir a equidade e como a junção de esforços e soma de forças, com aumento de potencialidades para se conseguir resultados de qualidade. Gestores não governamentais Participação Comunitária Gestão Participativa Serviços Públicos Gestão Participativa Setores Privados Fig. 1: Ações Intersetoriais e Trabalho em Rede 2- Introdução Nas últimas décadas tornou-se visível a importância dessa prática social que vem sendo fortalecida pelas necessidades da atualidade. A intersetorialidade emerge como prioridade na formulação de políticas públicas. Neste processo os diversos setores articulados, desenvolvem uma visão coletiva partindo do principio individual, onde ocorrerá uma agregação das diversas realidades para um único objetivo. A intersetorialidade mostra-se como nova forma de governar, produzindo maior impacto na saúde da população. Essa ação reforça o papel do sujeito, propicia a equidade e efetivas políticas públicas. Sua construção ocorre através de diferentes estratégias, partindo do principio da necessidade da ampliação de diversos conhecimentos, saberes e habilidades para superação da fragmentação e maior resposta frente à complexidade dos problemas. Nesse processo de construção, ocorre articulação de diferentes atores sociais e espaços de articulação. A intersetorialidade emerge como uma ferramenta de enfrentamento de forma integrada as necessidades da comunidade, buscando interromper a cadeia de determinação social. Essa é uma nova forma de trabalhar e construir/consolidar políticas públicas, produzindo efeitos mais significativos na população. A intersetorialidade vincula a necessidade do fazer, sendo caracterizada pela possibilidade de síntese, através da comunicação e superação da fragmentação do conhecimento setorial. Se não ocorrer essa síntese, os setores executarão suas ações de forma centralizada baseado em sua visão e realidade. A intersetorialidade deve envolver os diferentes setores, como: setor privado, setor não-governamental e setores do governo. As ações intersetoriais para serem efetivadas como prática demanda um esforço interativo dos diferentes saberes e atores sociais com transformação da realidade e desenvolvimento de relações horizontais com ampliação do diálogo. Nesta perspectiva, as ações intersetoriais e o trabalho em rede podem beneficiar a população, para a organização das políticas públicas centradas em determinados territórios. Simultaneamente, surgem novos problemas e desafios relacionados à articulação das políticas públicas. 3- Objetivos A intersetorialidade e trabalho em rede visa à ampliação de vínculos sociais, proporcionando aos envolvidos, maior amplitude de contatos entre os diversos setores envolvidos, com criação de espaços coletivos e parcerias entre os equipamentos culturais, sociais, saúde, educação e assistência social. A intersetorialidade objetiva estimular o protagonismo dos participantes do processo, contribuindo para que aconteçam transformações sociais, através da eficiência e eficácia do investimento social e efetividade da democracia. A intersetorialidade visa incentivar e promover a conectividade, favorecendo a realização do processo coletivo de forma ampla e de maior consistência, contribuindo para a viabilização e ampliação de projetos e autonomia do sujeito. A intersetorialidade pretende superar a fragmentação do conhecimento e estrutura sociais, produzindo efeitos significativos na saúde da população. A intersetorialidade visa o diálogo das diversas áreas de saúde como os demais setores privados, sociedade, setores públicos e não governamentais na formação de redes de compromisso quanto à qualidade de vida da população, diminuição das iniqüidades existentes e construção da cidadania. A intersetorialidade e trabalho em rede visa interação entre o local e o global, em especial, o aumento e fortalecimento do sujeito e do poder local, com construção de espaço para se fazer política e desenvolver as ações intersetoriais para a promoção da saúde. A criação de espaço para diálogo favorece a potencialização dos sujeitos e desencadeia as ações intersetoriais, promovendo a participação social, aumento da autonomia e formação de redes com objetivos comuns. Esses objetivos comuns podem ser retratados como desenvolvimento de políticas públicas e estratégias em nível local e regional para melhorar a qualidade de vida em especial dos grupos mais vulneráveis, respondendo aos determinantes sociais, reduzindo as vulnerabilidades e desigualdades, com envolvimento dos diversos setores e sociedade. A intersetorialidade promove a vinculação entre o poder público e a sociedade, entre o sujeito e o seu entorno físico e social, com fortalecimento da inclusão social e transcendência da visão individualista e fragmentada. A intersetorialidade e o trabalho em rede contribuem para a resolutividade e a efetivação da coordenação integrada, através de compartilhamento de responsabilidade e gestão mais centrada nos fins, estimulando a autonomia e corresponsabilização. Essa forma de trabalhar e construir políticas públicas favorece a superação da fragmentação do conhecimento gerando maior impacto no resultado e objetivo final, como ajuste de co-responsabilidade nas ações e enfrentamento da vulnerabilidade social. A intersetorialidade conduz a criação de espaços coletivos de discussão entre diversos atores e setores, fortalecendo a integralidade à medida que desenvolve ações vinculadas e compartilhadas, com a construção da inclusão social, equidade, da defesa dos interesses coletivos e ações que se integrem a outras políticas sociais. 4- Atores e Organização A intersetorialidade deve envolver os setores públicos, setor privado e não governamental, valorizando os diferentes saberes, produzindo uma interação produtiva para realização de projetos ou objetivos comuns. Para desenvolvimento da efetividade desse processo, deve haver um bom planejamento e reestruturação de condições para o aprofundamento teórico e prático. Há a necessidade de envolvimento dos atores que conduzem os processos, do apoio dos seguimentos sociais, esferas do governo e sociedade. O trabalho em rede exige multiliderança, com participação do todo, sendo formas autônomas de gestão. A diversidade de saberes e olhares propiciam uma ação mais eficaz. A organização de uma rede de trabalho ou ação intersetorial deve partir do principio da definição dos objetivos, seguida pela decisão das estratégias a serem desenvolvidas, com posterior avaliação. A mobilização social deve ser estimulada como prática educativa que visa o empoderamento das sociedades em torno de objetivos e projetos coletivos. Nesse processo intersetorial as ações devem ser desenvolvidas de forma articulada, democrática, participativa e horizontal. Para efetivação da intersetorialidade deve ser definido o método e a forma de implementação de ações transformadora com realização de prática integrada e coesa. A intersetorialidade relaciona-se aos diferentes níveis de governo, vinculados a ações participativas e a possibilidade de formação de redes sociais entre as distintas esferas. Apesar da igualdade de poder entre os atores, ocorre variação no grau desse poder, devido às iniquidades estruturais como o conhecimento, podendo levar ao desenvolvimento de ações setoriais de forma integrada, porém não intersetorializada. Deve haver envolvimento dos diversos atores e setores do governo na organização da intersetorialidade com o conjunto dos seguimentos sociais. 5- Evolução Histórica Para que ocorra uma mudança no paradigma de compreensão e enfrentamento das doenças, faz se necessário relacionar à produção e difusão de conhecimento sobre a doença em sua ampla dimensão, com inclusão dos diversos determinantes sociais existentes na vida individual e coletiva. Através desta perspectiva surge a intersetorialidade como proposta de intervenção, partindo da coordenação do setor saúde. A execução da promoção em saúde envolve diferentes atores sociais, com envolvimento comunitário, no plano micro e macro com formulação de políticas de promoção pelos diversos órgãos atuantes. O campo da promoção em saúde é composto por uma teia de relações dinâmicas, onde a atuação ocorre de forma horizontal e contínua, envolvendo diversos núcleos em diversos momentos com objetivos comuns, apoiada em uma visão totalizante, que ocasionem um impacto na qualidade da saúde e sobre os determinantes sociais. A intersetorialidade deve ocorrer de forma complementar, recíproca e com vinculação na ação dos indivíduos, estabelecendo diálogo entre os diferentes setores para criação da viabilidade para o desenvolvimento do plano de ação e construção social. Para o desenvolvimento e manutenção da intersetorialidade e trabalho em rede, faz se necessário à participação intensiva da sociedade civil e diversos grupos sociais, com construção de um processo interativo/comunicativo que discutam e incorporem os diferentes saberes. A intersetorialidade é o caminho para a estruturação das ações mais complexas, é uma prática integradora de ações de diferentes setores que se complementam e interagem, para uma abordagem mais complexa dos problemas. 6- Dinâmica da Intersetorialidade A ação intersetorial faz parte de um todo social, participando da dinâmica contraditória das relações entre setores sociais. A ação intersetorial é uma expressão do processo social determinado pelo sistema social, envolvendo a história econômica, cultural e política. Essa ação se produz de uma conjunção de série de fatores objetivos e subjetivos previamente determinados. A comunicação é vital para o desenvolvimento da intersetorialidade ou trabalho em rede, podendo ser comparado a uma teia, onde os fios se entrelaçam a nós. Nessa teia não há um nó central, mas vários nós interligados, com desconcentração do poder. A conectividade é essencial a intersetorialidade e trabalho em rede, assim como a produção social que agrega conhecimento e disponibiliza ferramentas. Faz se necessário a vinculação para ver comprometimento com os objetivos estabelecidos. A intersetorialidade extrapola as ações conjuntas esporádicas, mas necessita de uma nova lógica de organização e modificações na estrutura de poder. A ação intersetorial, expressa os fenômenos mediados pelo sistema social que delimita os limites de movimento dos processos produzidos neste contexto. A descentralização pode ser considerada fator positivo nas ações intersetoriais, aumentando a capacidade de resposta. A intersetorialidade estrutura-se num arcabouço de articulações e parcerias envolvidas na descentralização, que desenvolve da periferia para o nível central de organização e que os componentes destes se interpenetrem. As políticas intersetoriais em conjunto com a descentralização estruturam uma superação direcionada a soluções integradoras para a necessidade da comunidade. Essa estruturação se desenvolve nas interações sociais e não como algo imposto externamente. A descentralização favorece a intersetorialidade das políticas publicas e o trabalho em rede. A construção de “espaços de intersetorialidade’’ favorece o compartilhamento do saber e de poder, assim como a construção de novas linguagens ou conceitos não estabelecidos. A complexidade direciona a uma atenção voltada a totalidade, absorvendo a diferença e propondo a interdisciplinaridade, reforçando a necessidade de praticas intersetoriais. Como a avaliação dessas práticas deve estar associada à prática de planejamento e implementação, têm discutido praticas avaliativas que se moldem às ações intersetoriais. A avaliação da intersetorialidade é importante ferramenta de mensuração do compartilhamento de poder, construção social de grupos e nova forma de governo. O desenvolvimento da intersetorialidade pode sofrer interferências de alguns fatores interdependentes, que solicitam uma ação intersetorial como os problemas complexos, fatores que caracterizam a intersetorialidade como mecanismos de coordenação e comunicação entre os setores, estratégias e a participação social nas ações em saúde. Estes fatores dependem da natureza dos problemas a serem enfrentados, assim como a capacidade de enfrentamento e resposta da sociedade diante os problemas que se apresentam de forma intersetorial. A vontade política, a participação social, o sistema de saúde e o desenvolvimento científico e tecnológico são considerados fatores que condicionam a resposta intersetorial. A intersetorialidade e o trabalho em rede, juntamente com a promoção da saúde estão sendo considerados caminhos de empoderamento e enfrentamento frente problemas complexos como violência, morbidade, entre outros. Caminhos, os quais necessitam de formação e apoio institucional. A estrutura das redes sociais é composta por atores ou membros sociais conectados por uma ou mais relações com objetivos afins. Para a sustentabilidade do trabalho em rede e da intersetorialidade deve-se investir na construção do compromisso entre sociedade e seguimentos organizados, com desenvolvimento de mecanismos de avaliação e mensuração do impacto gerado. Estudos demonstram que a formação universitária apresenta seus conhecimentos de forma fragmentada, dificultando a agregação de uma sociedade dinâmica, prejudicando a potencialidade e produção desses sujeitos, conduzindo a funções repetitivas. A intersetorialidade deve ser desenvolvida de forma horizontal, sem competição pela liderança, pois quando verticalizada leva a dificuldades no desenvolvimento das ações. O setor Saúde evidencia a limitação setorial devido a relação direta de qualidade de vida com os determinantes sociais e demais âmbitos de ação para promoção de saúde. 7- Estratégias Através da intersetorialidade ocorre um aumento da capacidade de conhecer e refletir sobre os problemas micro e macro regionais de complexidade variável. Desenvolvimento e fortalecimento da organização e participação nas ações. A intersetorialidade faz parte de um processo como estratégia de interferência que pode prover mecanismos para o desenvolvimento de políticas e sua implementação. A ação intersetorial deve ser planejada e organizada num espaço de poder compartilhado, o planejamento possibilitaria articulação de experiências acumuladas nas práticas dos diversos setores, facilitando a organização dos diferentes atores sociais. A gestão intersetorial têm como desafio para implementação e efetivação a sensibilização dos atores institucionais frente o trabalho integrado. Deve haver subsídios para implantação de estratégias na implementação do planejamento intersetorial. A estrutura das ações intersetoriais deve ser uma conseqüência da efetividade do modelo viabilizado na prática. Devem ocorrer parcerias e oportunidades de construção de aliança entre os setores com diminuição da burocracia governamental e aumento de recursos. A existência de competição pela liderança entre profissionais ou setores limita o desenvolvimento e resultado final das ações. Para efetivação da intersetorialidade e a descentralização, o processo não pode ser conduzido apenas por uma secretaria ou pela desconcentração e sim pela integração e acesso a todos os serviços, com transformações de valores e da cultura organizacional. Para atuação integral sobre o sujeito e atendimento de suas necessidades, faz se necessário desenvolver alianças estratégicas que resultem na intersetorialidade. O conceito ampliado de saúde estimula a promoção de ações intersetoriais, devido a grandes redes de intervenção político sanitária, habilitando pessoas e transformando as parte do processo de políticas públicas com criação de espaço para diálogo e ampliação da autonomia. A Intersetorialidade, entendida como uma das estratégias para a promoção da saúde implica em alguns fatores como: inversão da lógica existente nas organizações públicas, com predominância do trabalho fragmentado e setorializado; na valorização dos saberes técnicos envolvidos na formulação e implementação de políticas; no incremento da participação e organização social dos diversos ramos da sociedade e na construção de redes de articulações e parcerias. Existem estratégias que facilitam o desenvolvimento das ações intersetoriais, utilizando meios e instrumentos que possam reduzir os obstáculos encontrados e potencializar os pontos favoráveis. A comunicação e a educação apresentam-se como eixos essenciais no desenvolvimento desse processo. Em um espaço coletivo, composto por diferentes setores e sujeitos de identidades diferentes, para que a comunicação seja efetiva e atinja seu objetivo, faz-se necessário rever suas práticas e evidenciar suas múltiplas dimensões. A comunicação não deverá ocorrer de forma autoritária, conduzida por um único setor; mas sim, um processo democrático e descentralizado, de modo a estabelecer coletivamente, soluções para os problemas encontrados. Outro fator importante nesse processo é a utilização do planejamento como ferramenta de articulação e de integração das decisões. 8- Relações Pessoais e Estado Para ocorrer uma teia de relacionamentos, faz se necessário respeitar o indivíduo, visto que cada pessoa tem sua personalidade, seu mundo interno que determina sua forma de se relacionar com o mundo externo. Esses relacionamentos levam a transformações sociais decorrente do convívio com outros, os quais são transformados pela relação com o mundo. As relações pessoais devem ser democráticas, visando desenvolvimento de pessoas e construção de objetivos coletivos. Uma das maiores riquezas dessas relações é a diversidade de olhares e saberes que agregam. Essas relações estruturadas podem facilitar a formação de comunidade profissional. A comunidade profissional não considera exclusivamente o autor ou sujeito político, mas sim como o ambiente no qual os atores concretos se relacionam e agem. Como ambiente ou setor, a comunidade engloba os profissionais do setor, organizações representativas e outras entidades. A categoria setor destaca de forma mais evidente a ação do Estado. O setor pode ser definido com o conjunto de papeis sociais estruturados e torno de uma lógica de reprodução. A estruturação dos setores segue uma lógica de papéis sociais, agrupando atores suas ideias em um campo de atuação. A sociedade desempenha seu papel, muitas vezes interpenetrada na esfera do Estado, apesar de se interligarem, são esferas distintas. O Estado está associado de várias formas a grupos e diversos interesses da sociedade. Ocorre uma interpenetração entre interesses público e privado, de forma consistente podendo configurar redes. Diversos membros da classe política defendem interesses específicos influenciados pelos Lobbies, mas principalmente pelos vínculos de diversas naturezas entre políticos e parcelas do setor privado. As posições ocupadas pela maioria dos políticos estão associadas a interesses de grupos econômicos e lideres políticos locais e regionais. A sobrevivência e sucesso da classe política dependem de políticas distributivas, relacionamento do poder político e econômico estabelecido. A efetividade das ações do estado depende de seus laços com a sociedade. Muitas vezes, ocorre estabelecimento de elo sem interações ou conexões, sendo criado sem finalidade ou ocorrem de forma dispersa, canalizados por relações não orientadas a fins. Esse fator aumenta a dificuldade de estruturação das organizações e formação de redes. Para estruturação de uma gestão compartilhada faz se necessário adoção de políticas inclusivas previamente refletidas sobre os determinantes sociais, com desenvolvimento de estratégias. As estratégias podem ser: micro ou macroestratégias intersetoriais construídas em articulação por Estado e Sociedade Civil, contribuem amplamente para efetividade das ações de saúde. Essas articulações e arranjos podem ocorrer através da construção de parcerias entre diferentes setores e segmentos sociais como: educação, saúde, cultura, esporte, lazer, empresas privadas, organizações não-governamentais, as três esferas de governo, sociedade civil, dentre outros. A intersetorialidade está relacionada com as diversas políticas, podendo predispor algumas dificuldades no que se refere à crescente especialização do poder público. Diante disso, há pontos positivos para o avanço da gestão da política pública, mas também há pontos negativos que as políticas setoriais possuem no processo das ações intersetoriais, isto ocorre por conta da própria cultura, dificuldades político-partidárias e outras questões que vão influenciar diretamente o desenvolvimento das políticas, as quais estão diretamente relacionada aos recursos, os atores, entre outros aspectos. As políticas sociais devem ter concepções de intersetorialidade e suas ações estarem articuladas no sentido de planejar, organizar, otimizar e assegurar a troca de saberes entre setores. A intersetorialidade não deve anular a setorialidade, porém a setorialidade pode anular a intersetorialidade dependendo das políticas estruturadas, com base em suas concepções e diretrizes. A ação intersetorial surge como uma nova ferramenta para resolver problemas que incidem sobre uma população que ocupa determinado território, apontando para uma visão integrada dos problemas sociais e de suas soluções, buscando otimizar recursos propondo soluções integradas, visto que a complexidade da estrutura social exige um olhar ampliado que não se esgota no âmbito de uma única política social. A intersetorialidade incorpora a idéia de integração e eqüidade, sendo uma nova maneira de abordar os problemas sociais, encaminhando soluções, levando em consideração o cidadão na sua totalidade e a ação das outras políticas sociais. A ação intersetorial e trabalho em rede ,é um processo de aprendizagem, que deve resultar em uma gestão integrada, com resolutividade frente os problemas da população.Deve ocorrer a valorização do homem , considerando sua integralidade, superando a fragmentação que têm caracterizado a gestão das políticas sociais para uma dimensão intersetorial. 9- Conclusão Baseado em experiências exitosas e no diagnóstico de fragmentação dos diversos setores articulados, constatamos que faz se necessário uma articulação em rede para dar sustentação e efetividade nas ações desenvolvidas pelos diferentes atores sociais/profissionais, sociedade e governo, ampliando a resolutividade, a crítica a comunicação, a co gestão e o empoderamento do sujeito. A ação intersetorial e trabalho em rede inclui o conhecimento técnico especifico de cada campo, exigindo domínio sobre o conhecimento e campo de atuação, consolidando através de práticas compartilhadas e liberdade de opinião e associação. Os resultados podem ser perceptíveis através das conexões desencadeadas, as quais resultam em parcerias intersetoriais e alianças com efetivação do objetivo coletivo da rede e dos diversos setores envolvidos. As ações intersetoriais e trabalho em rede tem grande impacto no enfrentamento da vulnerabilidade e nos determinantes sociais identificados no processo a ser trabalhado, quando este e interrompido em seu amplo contexto, pelos diferentes saberes e domínios atuantes. A intersetorialidade deve ser o caminho da construção social da qualidade de vida. A intersetorialidade é uma estratégia em construção, da qual os diferentes atores, setores e segmentos sociais ainda estão se apropriando. Alguns setores e atores sociais são capazes de perceber a complexidade de certos casos enfrentados pela população e compreendem a necessidade de intervenções de caráter intersetorial. Essa percepção da impotência do olhar setorial é o primeiro passo para se alcançar a articulação de ações intersetoriais e o trabalho em rede, essa nova maneira de trabalhar surge da necessidade de criar novas alternativas de intervenção que dependem da articulação dos diferentes olhares, saberes e forças. A prática da intersetorialidade precisa ser inserida na rotina de gestores e profissionais dos diversos setores, para que as ações de promoção de saúde se tornem impactantes na melhoria de condições de saúde e qualidade de vida da população. A responsabilidade sobre essa nova forma de trabalhar deve ser atribuída aos diversos atores e políticas voltadas a facilitar a articulação dos setores governamentais e não governamentais, estimulando a educação continuada dos diferentes profissionais no protagonismo dessas ações. 10- Experiências Exitosas 1º Caso Relato de experiência exitosa Interdisciplinaridade Trabalhei como Médico de Família nos anos de 2005 e 2007 na Unidade Saúde da Família Jardim Oriente, em Piracicaba-SP. Este foi meu primeiro emprego logo após terminar a Residência Médica em Família e Comunidade. Apesar de ser piracicabano, não conhecia a área de adscrição da unidade em questão. O bairro Jardim Oriente foi formado a partir da remoção de diferentes favelas e áreas de risco do município, gerando no primeiro momento um grande aumento da criminalidade local, que se explicava pelo fato de diferentes lideranças criminosas passarem a dividir o mesmo espaço. Outra dificuldade foi à obrigatoriedade daquelas pessoas em mudar-se para o bairro, sendo causa de extrema insatisfação, acabando por refletir na relação da comunidade com a equipe de saúde, que representava o poder público na região. Durante o processo de territorialização, passei a conhecer a formação do bairro, a identificar as lideranças locais, a mapear os equipamentos sociais locais e a compreender o comportamento freqüentemente agressivo de alguns moradores. Foi neste trabalho que identifiquei uma micro-rede local, que acabou por se tornar a experiência mais interessante que experimentei atuando na Atenção Primária. O Bem-te-vi, nome escolhido tendo em vista "o olhar sobre toda a comunidade”, foi idealizado por um excelente assistente social que atuava dentro do bairro e que estava ligado a Secretaria de Assistência Social do Município. Com vasta experiência no trabalho social com famílias, crianças e adolescentes identificaram que sua atuação isolada seria inútil frente à quantidade de problemas sociais existentes na sua área de abrangência, optando por formar uma micro-rede local, de atuação interdisciplinar. As primeiras reuniões do grupo começaram em 2002 e contou com a presença da enfermeira do PSF, o assistente social, a diretora da escola de 1º grau e outras lideranças locais. Após alguns anos de atuação e o fortalecimento do grupo, o mesmo chegou a contar também com o médico do PSF, a diretora da creche local, membros do conselho tutelar, representante da igreja católica, representante de ONGs que prestavam assistência local, entre outros. Participaram ainda como convidados, representantes do poder judiciário, APAE, diferentes secretarias do município, diferentes projetos de assistência a menores, moradores, lideranças comunitárias e acadêmicos das universidades do município. As reuniões ocorriam semanalmente tendo como objetivo discutir e buscar soluções para os problemas e dificuldades que envolviam as famílias e a comunidade. Os projetos terapêuticos eram feitos em conjunto e as responsabilidades divididas. O grupo zelava pela ética, o respeito e o sigilo, tendo também função terapêutica para os seus componentes. As reuniões eram locais de desabafo, de dividir o fardo do dia-a-dia e de recuperar as forças para continuar desenvolvendo nossas ações. Com esta dinâmica de trabalho, o grupo passou a ser muito resolutivo nas suas discussões e ações, ganhou o respeito da comunidade local e dentro do município, tornando-se referência de trabalho interdisciplinar. As atuações do grupo frente à comunidade estreitaram laços com a mesma, refletindo numa convivência mais pacífica e respeitosa. Em 2012 completei 11 anos de formado e esta foi à experiência mais rica, desafiadora e exitosa que experimentei na minha vida profissional. 2º Caso O município de Piracicaba localizado a 164. Km de São Paulo iniciou a implantação do Programa Saúde da Família em 1999 com cinco equipes e atualmente já conta com quarenta e cinco. Em 2007 foi implantada uma equipe no bairro Vila Industrial, com cadastramento de mais mil famílias, entre elas um núcleo familiar composto por três pessoas: sendo uma senhora de cinqüenta e quatro anos, diabética, com amputação de membro inferior esquerdo (cadeirante), portadora de insuficiência renal crônica; uma senhora de setenta e dois anos, hanseniana, portadora de cardiopatia e um jovem de vinte e quatro anos, usuário de drogas ilícitas, com associação de um quadro de esquizofrenia; todos em seguimento irregular na UBS de referência. Moravam em uma casa de 01 cômodo, construído com materiais de demolição/reciclagem, a beira do rio Guamium, juntamente com outros barracos similares. Além da família, habitavam neste cômodo, doze animais entre gatos e cachorros. No verão, ocorria calor intenso devido falta de ventilação e telhado de amianto, na estação das chuvas ocorria alagamento local com dificuldade de locomoção. Após cadastramento e criação de vínculo, houve adesão da família ao tratamento e a unidade. No decorrer do primeiro trimestre, foi realizado mapeamento dos problemas, projeto terapêutico, com elencamento das prioridades. Inicialmente foi abordada a família sobre riscos inerentes ao excesso de animais e sobre os demais determinantes sociais, os quais deveriam sofrer intervenções. No decorrer do primeiro semestre de implantação da unidade após mapeamento dos equipamentos sociais, foi detectada a necessidade de criação de micro redes regionais para execução e desenvolvimento de projetos terapêuticos que envolviam os bairros: Vila Industrial, Mário Dedine I, Mário Dedine II, Bosque dos Lenheiros I e Bosque dos Lenheiros II. Foi feito contato/convite com as equipes acima descritas, escolas, CRAS, Conselho Tutelar, Zoonose, líderes religiosos, pastoral da saúde, presidentes de associações, entre outros. Essas reuniões iniciaram no final de 2007, com ocorrência quinzenal no CRAS, sendo levado para discussão casos como dessa família. Como plano de intervenção e parceria, houve remoção dos animais pela Zoonose, após permissão e entendimento da família, deixando apenas uma cachorra, a qual foi submetida à cirurgia de castração. A senhora idosa portadora de hanseníase, faleceu no primeiro mês de implantação da unidade, o encaminhado jovem para esquizofrênico internação apresentou psiquiátrica, surto psicótico, permanecendo sendo internado aproximadamente 40 dias, após liberação foi realizado tratamento conjunto e monitorizarão pela saúde mental (Centro de Atenção Psico- Social) CAPS e Unidade de Saúde da Família, com administração mensal de medicamentos de depósito. A senhora cadeirante (mãe) iniciou seguimento no Centro de Atenção a Doenças Metabólicas. O serviço social, a equipe de saúde e o presidente da associação de bairro, participaram ativamente registrando fotograficamente a situação social e inserindo a família nos programas sociais. A unidade confeccionou um relatório juntamente com o CRAS, o qual foi enviado a EMDHAP (Secretaria Municipal de Habitação) que após avaliação rigorosa, contemplou a família com uma casa popular no bairro Gilda. Considerações Avaliou- se que este caso não poderia ser conduzido apenas pela saúde, sendo necessário a intersetorialidade e transformação da cultura organizacional. Para desenvolvimento desse caso foi identificado os objetivos, articulado com os demais setores e estruturado a responsabilização entre os diversos atores, através da criação de espaços coletivos, criação da rede para efetivação e aumento da interlocução com os diversos setores. Fig 2: Micro-rede local Referências 1- Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.152p.: Il, - (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Caderno de Atenção Básica, n.27) 2- Carvalho MF, Carvalho MI, Silva ET, Rocha DG. 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