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<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1&p=2>. Em: 08/08/2005, às 21h45min).
Ele está sendo disponibilizado a vocês no intuito de enriquecer o conhecimento do
conceito de Direito, uma vez que se trata da visão de um Procurador do Trabalho. Esperamos
que a leitura do mesmo seja proveitosa, no sentido de aumentar a compreensão por vocês da
idéia de Direito e como este se faz presente em nossas vidas.
Abraços,
Aline Martins Coelho
Públio Borges Alves
Sirlene Pires Moreira (Web)
O CONCEITO DE DIREITO
Marco Aurélio Lustosa Caminha: Procurador do Trabalho da 22ª Região, professor efetivo
de Direito na Universidade Federal do Piauí, mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, doutor
em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina).
Sumário: 1. Introdução. 2. A palavra "Direito". 3. Um enfoque simplificado do pensamento
filosófico-jurídico sobre o conceito de Direito. 4. A postura céptica. 5. Da necessidade de uma
definição do Direito e da ciência a quem compete essa tarefa. 6. O "porquê" das dificuldades
existentes para definir o Direito. 7. O modo de conceber o Direito em diversas correntes
filosóficas. 7.1. Doutrinas de orientação sociologista ou realista. 7.2. Positivismo jurídico. 7.3.
Teorias jusnaturalistas. 8. Como enfrentar o problema relativo à dificuldade de conceituar o
Direito. 9. Conclusão.
RESUMO
Este trabalho trata do problema relativo ao conceito de Direito, partindo da indicação da
origem e do significado da própria palavra, passando pela exposição das principais idéias do
pensamento filosófico-jurídico sobre o assunto e pelo registro de algumas considerações
necessárias para a sua compreensão, para, afinal, ser concluído com a indicação de uma
postura que se afigura como satisfatória.
1. INTRODUÇÃO
Outrora Kant afirmou que os juristas ainda procuram uma definição do seu conceito de
Direito. Essa constatação é, atualmente, tão acertada quanto antes, como se percebe, por
exemplo, nas palavras de Pérez Luño(1), enfatizando que "existem poucas questões, no âmbito
dos estudos jurídicos, que hajam motivado tão amplo e, aparentemente, estéril debate como
aquela que faz referência à pergunta quid ius(?), que coisa é o direito(?)". Houve quem
afirmasse, sobre o conceito de Direito, que se trata de um paradigma de ambigüidade.
Não obstante, se é certo que continua sendo um problema encontrar uma definição
unitária do Direito, não se pode deixar de registrar que da obstinação e inquietude metódica de
muitos juristas bons frutos têm sido colhidos. Se por um lado não se logrou alcançar uma
definição única e universalmente válida do Direito, por outro pôde-se encontrar fórmulas para
solucionar essa problemática, sem quaisquer prejuízos para o avanço do conhecimento do
Direito. Além do mais, dos estudos que têm sido desenvolvidos ao longo do tempo para a
compreensão desse fenômeno, paralelamente imenso número de outras questões
problemáticas da Ciência Jurídica foram melhor compreendidas ou solucionadas.
Adiante, respeitadas as limitações impostas em caráter acadêmico, apontar-se-á um
panorama do tema em questão.
2. A PALAVRA "DIREITO"
Não convém iniciar uma discussão sobre o conceito de Direito, sem antes fazer pelo
menos uma breve incursão na história da origem do vocábulo que qualifica o objeto de estudo,
ou seja, a palavra "direito", até porque isso constitui de certo modo apontar o próprio conceito,
numa de suas facetas: a gramatical. Nesse tema, são primorosos os registros de Levaggi(2),
conquanto se deva advertir para o fato de que existem pequenas variantes dessa sua mesma
tese, a que se faz referência nas linhas seguintes.
Ensina o prestigiado mestre argentino que a palavra Direito, com o sentido jurídico atual,
não foi sequer conhecida por gregos e romanos. O Direito destes últimos formou-se a partir dos
mores, definidos por Ulpiano como "o tácito acordo do povo, arraigado por um largo costume."
Os mores constituiam-se em condutas dos antepassados, realizadas de uma só vez. Esses
antepassados foram divinizados porque tinham bondade unanimemente reconhecida (boni
mores), de modo que suas condutas deviam ser respeitadas. A justiça ou injustiça dos atos das
pessoas passou a ser medida, para as gerações que se seguiram, segundo sua conformidade
ou desconformidade com os mores. Estes, por não estarem formulados em preceitos concretos,
foi necessário determiná-los em cada caso que se apresentava.
Os pontífices já discerniam, primitivamente, quando um mos não era lesivo a outro
homem, ou seja, quando era jurídico (ius est). O mesmo fizeram os juízes e prudentes, desde a
Lei das XII Tábuas, pois, cabia-lhes "descobrir" a solução justa que estava contida nos dados
de cada situação litigiosa. Porque as declaração desses julgadores eram válidas para todos os
atos semelhantes que ocorriam na cidade, o ius adquiriu valor normativo, tornando-se o ius da
cidade, ou seja, o ius civile.
Ius é uma palavra que provém do índio-irânio yaus, que significa "o ótimo" ou "o
máximo", com relação a uma coisa ou pessoa. A lei (lex) tem uma origem distinta. Era a norma
imposta pelo povo reunido em comícios ou por um magistrado. A Lei das XII Tábuas (450 a.C.)
quebrou o monopólio da criação do Direito que tinham os pontífices (Patrícios) e deu lugar à
aparição da nova fonte do Direito. Essa diferença entre ius e lex subsistiu durante a fase do
Império em Roma.
Conclui, assim, o referido mestre, que a palavra "direito" não procede do Direito romano.
Foi ela introduzida no vocabulário jurídico pelo Direito canônico, que a tomou da cultura judiacristã. Tanto a lei de Moisés como a lei de Cristo dirigiam a conduta pelo reto caminho
(directum). Por extensão, se aplicou esse vocábulo à norma jurídica. Antes de ser aceito pela
língua erudita, se usou na fala popular para nomear o Direito consuetudinário. Desse modo foi
como ius e direito se converteram em sinônimos.
Ao se formarem as línguas latinas, conservou-se a voz "direito" para designar o
ordenamento jurídico. Ius desapareceu, porque expressava um ato de declaração que não se
realizava mais. Em troca, mantiveram a vigência seus derivados: o ato de declarar ou constituir
o Direito em juízo (iudicare = julgar), quem o fazia (iudex = juiz), a faculdade de fazê-lo
(iurisdictio = jurisdição).
Como sinônimo de direito se empregou, em cada época, a palavra que expressou a
forma habitual de estabelecê-lo: foro, costume, lei.
3. UM ENFOQUE SIMPLIFICADO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO-JURÍDICO
SOBRE O CONCEITO DE DIREITO
Gusmão(3) aponta que o pensamento filosófico-jurídico em torno do conceito de Direito
manteve-se em duas correntes antagônicas: a dos que admitem um conceito universal do
Direito e a dos que consideram impossível estabelecer-se tal conceito.
Entre os que acham possível existir um conceito de Direito comum a todos os Direitos
não há acordo, sendo longa a disputa entre Idealistas e Positivistas. Essa disputa
corresponde àquela mesma luta histórica da Filosofia, dos que afirmam que se deve contemplar
a realidade fora de nós, sendo a Filosofia "conhecimento do mundo", com os que propugnam
pela consideração da realidade em nós, sendo a Filosofia "o conhecimento de nós mesmos".
Dentro da corrente dos que admitem um conceito de Direito comum a todos os Direitos,
os denominados Idealistas - que são também conhecidos como Neokantianos (os mais
recentes) e Criticistas –, consideram que a experiência jurídica só seria possível com o auxílio
do conceito a priori, pois há uma transcendência, lógica, do conceito à experiência jurídica,
como condição do conhecimento jurídico. Assim, a experiência jurídica só seria possível com o
auxílio desse conceito a priori. Concluem os Neokantianos, por isso, que o conceito de Direito
está em nós, devendo ser deduzido pela razão, sem o concurso da experiência. Por sua vez, os
Positivistas sustentam que o conceito de Direito seria obtido indutivamente, através de
generalizações dos dados fornecidos pela experiência jurídica. Daí ser o conceito do Direito
estabelecido a posteriori em relação à experiência. Stamler e Del Vecchio objetaram essa tese,
afirmando que não se poderia reconhecer o Direito entre os demais fenômenos, se não
tivéssemos em mente um critério do Direito, indispensável para selecionar o fenômeno jurídico
dos demais fenômenos históricos.
Na corrente dos que negam a possibilidade de existência de um conceito de Direito
comum a todos os Direitos há os Céticos e os Agnósticos. Os Céticos não admitem constantes
no fenômeno jurídico, em face da multiplicidade e variabilidade dos dados fornecidos pela
experiência jurídica; daí não ser viável a elaboração de um conceito de Direito com validade
para todos os Direitos. Os Agnósticos, sem admitir a viabilidade do exame filosófico do Direito,
só aceitam a possibilidade de se estabelecer deste um conceito empírico, convindo, assim, a
um determinado sistema positivo.
4. A POSTURA CÉPTICA
Sempre existiu quem negasse a possibilidade de fundamentar o Direito, afirmando que
este não tem qualquer fundamento intrínseco, mas exprime apenas a autoridade e a força.
Exemplos bastante remotos podem ser citados em ARCHELAU, filósofo da Escola Jônica,
discípulo de ANAXÁGORAS, afirmando que "o Direito não existe por natureza, mas apenas por
virtude da lei"; entre os Sofistas, TRASÍMACO afirmou que "a Justiça é o que ao mais forte
convém".
A filosofia dos cépticos provém da Escola Céptica, fundada por PIRRON. Essa Escola
aconselhava a suspensão de todo o juízo em torno do conceito de Direito e se baseava nas
instituições, costumes e leis discordantes entre si. Inferia ser impossível afirmar que algo fosse
verdadeiramente justo ou injusto em si, sem primeiro atender a uma lei, costume ou instituição.
Os cépticos utilizaram como argumento para demonstrar a impossibilidade do conhecimento in
generi do Direito o argumento que foi o favorito utilizado pelos Sofistas no combate à autoridade
da lei: a instabilidade e arbitrariedade do Direito positivo.
Em suma, pode-se dizer que o movimento céptico se baseou na consideração de que
cada povo, em cada época, determina o que é o Direito segundo o seu modo próprio. Significa
que a história não nos pode apresentar o Direito - apenas nos indica os "Direitos"
correspondentes aos sistemas jurídicos positivos e aos seus diversos momentos de
desenvolvimento.
Giorgio Del Vecchio(4) dá conta de que o cepticismo foi retomado mais tarde pela
Segunda e pela Terceira Academias, embora atenuada a radicalidade que assumira como
"pirronismo". Exemplificando as posições dos cépticos, o referido autor cita a conhecida
perturbação proporcionada em Roma pela dialética de CARNÉADES DE CIRENE, que era
embaixador da Grécia, ao sustentar que o critério do justo não se funda na natureza; bem
assim, o mesmo pensamento, formulado pelos modernos cépticos franceses dos séculos XVI e
XVII, dentre os quais MONTAIGNE, que dizia: "que bondade será essa, que da banda de lá do
rio é delito (?)"; e PASCAL: "três graus de latitude revogam toda uma jurisprudência".
O mesmo Del Vecchio(5), invocando célebre argumento de DESCARTES (se eu duvido,
enquanto duvido, penso), adverte e sentencia, por fim, que embora reapareça periodicamente,
a negação céptica representa apenas fase transitória do pensamento; não pode o cepticismo
aquietar o espírito humano, pois este encontra, na consciência que de si mesmo tem, a prova
irrecusável e peremptória de uma existência e cognoscibilidade.
5. DA NECESSIDADE DE UMA DEFINIÇÃO DO DIREITO E DA CIÊNCIA A QUEM
COMPETE ESSA TAREFA
Segundo Del Vecchio(6), se a noção comum e vaga de Direito pode às vezes bastar para
certos fins particulares, é contudo insuficiente para os fins superiores do conhecimento. As
manifestações vulgares da atividade jurídica são facilmente reconhecidas por todos, porém,
frente aos problemas mais elevados e gerais, quando se trata de situar a idéia do Direito na
ordem do saber, de determinar-lhe os elementos essenciais, de distingui-la de outros objetos e
categorias afins, surgem dúvidas e dificuldades que a noção vulgar é impotente para resolver.
A solução de tais problemas requer uma investigação que não pode ser feita por
nenhuma ciência jurídica stricto sensu, isto é, do Direito positivo, porque cada uma destas
ciências tem por objeto só uma parte da realidade jurídica, enquanto que a definição lógica
deve abranger todos os sistemas jurídicos, inclusive os não positivos; isto é: indicar o limite de
toda a possível experiência jurídica.
Nesse mesmo diapasão, Hadbruch(7) explica que a Ciência do Direito, repetidas vezes,
já tem tentado captar por via indutiva um conceito de Direito, procurando extraí-lo dos próprios
fatos ou fenômenos jurídicos, salientando que é fundamentalmente possível chegar, por meio
do confronto de diferentes fenômenos desta natureza, a determinar o conceito que lhes está a
todos na base; o que não é possível é fundamentá-lo.
Esse pensamento é também o de Recasens Siches(8), para quem o esclarecimento do
conceito essencial ou universal do Direito não pode ser subministrado pela Ciência Jurídica, em
sentido estrito, porque esta versa sobre os vários ramos concretos do Direito positivo e,
portanto, considera as especialidades que cada um destes oferece, é dizer, dá conta e razão do
que o Direito civil tem de civil, do que o penal tem de penal, das concreções singulares do
Direito mexicano, das próprias do Direito argentino, etc. E segue o renomado jusfilósofo,
esclarecendo que seria enganoso supor que este conceito geral ou essencial possa ser
fundado por via de comparação indutiva dos dados dos múltiplos Direitos conhecidos. Tal
fundamentação resultaria injustificada logicamente por duas razões. Em primeiro lugar, porque
esse procedimento de indução requereria revolver previamente o campo da experiência
jurídica, sobre o qual haveria de exercer-se a comparação e a generalização; mas cabalmente
este deslinde do campo da experiência jurídica, precisa, na estrutura lógica ou objetiva do
conhecimento, que se disponha previamente do conceito geral ou essencial do Direito, graças
ao qual se possa delimitar com rigor a área própria de dita experiência jurídica. Assim, resulta
que para levar a cabo o procedimento de indução, com vistas a conseguir mediante ele a
essência do jurídico, seria necessário ter de antemão essa noção essencial ou universal, que é
precisamente a que se trataria de encontrar. Em segundo lugar, aquela suposta via indutiva
para lograr o conceito essencial ou universal do Direito resultaria também impossível,
necessariamente frustrada, por outra razão, a saber: porque o que se busca é uma noção
absolutamente universal; e ocorre que o que se patenteia em cada um desses ramos concretos
da Jurisprudência dogmática é tão-só a série de singularidades ou especialidades que
oferecem os conteúdos jurídicos de cada um deles.
Conseqüentemente, para obter a noção universal ou essencial do jurídico, precisa uma
indagação de outro tipo diverso do que é característico das ciências jurídicas, a saber: urge
uma indagação de caráter filosófico, tarefa da Filosofia do Direito.
6. O PORQUÊ DAS DIFICULDADES EXISTENTES PARA DEFINIR O DIREITO
É bem pertinente a observação de Hart(9), segundo a qual há um estranho contraste
entre o debate teórico infindável para encontrar a definição do Direito, e a aptidão com que a
maior parte dos homens cita, com facilidade e confiança, exemplos de Direito, se tal lhes for
pedido. De fato, praticamente toda pessoa é capaz de citar vários exemplos de significados
para o Direito.
Exsurge daí uma perplexidade, pois, se praticamente todas as manifestações do Direito
são do conhecimento comum, como é que a questão "O que é o Direito(?)" tem persistido e lhe
têm sido dadas tantas respostas?
Pérez Luño(10), enfatizando que no nosso tempo continuam tendo valor as
considerações de Kant sobre a dificuldade que entranha o levantamento de uma definição do
Direito, é ao mesmo tempo otimista, considerando que não há por que desprender conclusões
melancólicas a propósito da esterilidade do trabalho dos juristas na sua secular tentativa de
circunscrever o objeto de seu próprio estudo. Citando exemplo dado por Hart, evidencia que é
provável que um médico, ou um químico, não se houvessem em menos dificuldades do que um
jurista, se se lhes exigisse sua definição da medicina ou da química, sendo possível que suas
respostas fossem diversas, segundo o ângulo de que observassem o fenômeno a definir.
Entende, assim, que a dificuldade de definir o Direito é, de uma parte, um problema de
diversidade de perspectivas de enfoque a partir das quais se lhe contempla. Conclui, desse
modo, que as diferentes definições que ao longo da história se tem dado ao Direito não são
outra coisa senão a revelação de distintas formas de conceber a ordem social, seu fundamento
e seus fins.
Mas – ainda na trilha do referido autor –, há que se ter presente que a variedade de
definições que se pode dar a uma realidade determinada depende necessariamente de uma
mudança na própria realidade objeto da definição. E essa complexa e multiforme realidade que
denominamos "Direito" sempre esteve sujeita a sensíveis mutações ao largo dos tempos, o que
também dificulta a adoção de uma definição unitária do Direito. Portanto, a dificuldade de definir
o Direito é, ao lado do problema das diferentes perspectivas por que se lhe pode contemplar,
também uma conseqüência da sua permanente mutabilidade.
Santiago Nino(11) nos aponta, conforme expomos nas linhas seguintes, dificuldades
também de mais quatro ordens para definir o Direito, a saber: é um problema de concepção
sobre a relação entre a linguagem e a realidade; a palavra "direito" é ambígua, tendo a pior
espécie de ambigüidade; a expressão "direito" é vaga; e a palavra "direito" tem carga emotiva.
A adesão a uma certa concepção sobre a relação entre a linguagem e a realidade faz
com que não se tenha uma idéia clara sobre os pressupostos, as técnicas e as conseqüências
que se devem ter em conta quando se define uma expressão lingüística, no caso, "direito". No
pensamento teórico, especialmente no jurídico, tem alguma vigência a concepção platónica a
respeito da relação entre a linguagem e a realidade. Acredita-se que os conceitos refletem uma
presuntiva essência das coisas e que as palavras são veículos dos conceitos.
Para essa espécie de concepção, a quem Kantorowicz(12) atribuiu a denominação de
"realismo verbal", existe somente uma definição válida para uma palavra, obtendo-se essa
definição mediante intuição intelectual da natureza intrínseca dos fenômenos denotados pela
expressão, de modo que a tarefa de definir um termo é, em conseqüência, descritiva de certos
fatos. Quase toda a Jurisprudência (a Ciência do Direito) medieval e oriental, e inclusive a
moderna, tem acreditado que entre o nome de uma coisa - objeto do pensamento - e a coisa
nomeada existe um nexo metafísico que seria perigoso e sacrílego desconhecer.
Ao realismo verbal se opõe a concepção "convencionalista" da relação entre a linguagem
e a realidade, defendida pela chamada "filosofia analítica". Os filósofos analíticos supõem que a
relação entre a linguagem - que é um sinal de símbolos - e a realidade tem sido estabelecida
arbitrariamente pelos homens e, ainda, que mesmo havendo um acordo consuetudinário ao
nomear certas coisas com determinados símbolos, ninguém está constrangido, nem por razões
lógicas, nem por fatores empíricos, a seguir os usos vigentes, podendo eleger qualquer símbolo
para fazer referência a qualquer classe de coisas e podendo formar as classes de coisas que
lhe resultem convenientes. Para a análise filosófica as coisas só têm propriedades essenciais
na medida em que os homens façam delas condições necessárias para o uso de uma palavra;
decisão que, naturalmente, pode variar. Assim, quando nos enfrentamos com uma palavra
como, por exemplo, "direito", temos que lhe dar algum significado se pretendemos descrever os
fenômenos denotados por ela, pois não é possível descrever, por exemplo, o direito argentino,
sem saber o que "direito" significa.
Sobre a ambigüidade da palavra "direito", observa-se que ela tem vários significados
relacionados estreitamente entre si, o que a torna de uma ambigüidade da pior espécie. Veja-se
as seguintes frases: "O Direito brasileiro não prevê a pena de morte"; "Tenho direito a dispor de
meus bens"; e "O direito é uma disciplina complexa". Na primeira frase, direito significa o que se
chama "direito objetivo", ou seja, o ordenamento jurídico; na segunda, significa "direito
subjetivo", o mesmo que faculdade; e na terceira frase, a palavra direito refere-se à
investigação, ao estudo da realidade jurídica que, inclusive, tem como objeto o direito nos dois
sentidos anteriores.
No que concerne à afirmação de que a expressão "direito" é vaga, para demonstrá-la
basta dizer que não é possível enunciar, tendo em conta o uso ordinário, propriedades que
devem estar presentes em todos os casos em que se usa essa palavra. Alguns pretendem que
a coatividade é uma propriedade que na linguagem corrente se exige em todos os casos do uso
de "direito", mas há setores da realidade jurídica que não consideram relevante essa
propriedade; outros setores propõem como propriedade necessária do conceito de Direito que
se trate de diretivas promulgadas por uma autoridade, mas, nesse caso, têm que se esquecer
dos costumes, que não apresentam tal propriedade etc.
Por fim, quanto à carga emotiva, é de se ter em mente que as palavras, além de servirem
para referir-se a coisas ou fatos e designar propriedades, também servem, às vezes, para
expressar emoções e provocá-las nos demais. Há inclusive palavras que só têm esta última
função, como, por exemplo, "ai" (para expressar um sentimento de dor) ou "hurra" (para
expressar um susto ou emoção); outras com significado tanto descritivo como emotivo (como
"democracia" e "bastardo") e outras só com significado cognoscitivo (como "quadrado" e
"caneta"). Direito é uma palavra com significado emotivo favorável, pois, nomear com esta
palavra uma ordem social implica condecorá-la com um rótulo honorífico e reunir ao redor dela
as atitudes de adesão das pessoas. E quando a palavra tem carga emotiva, fica prejudicado o
seu significado cognoscitivo, uma vez que as pessoas estendem ou restringem o uso do termo
para abarcar com ele ou deixar de fora de sua denotação os fenômenos que apreciam ou
rechaçam, segundo seja o significado emotivo favorável ou desfavorável. Para dar apenas um
exemplo prático da imprecisão que isso provoca no campo de referência da expressão, basta
citar a velha polêmica entre jusnaturalistas e positivistas em torno do conceito de direito.
Não é digna de aprovação, portanto, grande parte das polêmicas entre juristas
empenhados em impor absolutamente sua visão do Direito, porque este, como visto, se trata de
uma realidade que, sendo única, assume em sua plenitude uma pluralidade de dimensões.
7. O MODO DE CONCEBER O DIREITO EM DIVERSAS CORRENTES FILOSÓFICAS
Conforme já foi exposto, são inúmeros os fatores que contribuem para dificultar o
alcance de um conceito universal do Direito, dentre eles a diversidade de perspectivas de
enfoque a partir das quais se contempla o fenômeno jurídico. Pois bem, essas diferentes
perspectivas de concepção do Direito deram ensejo ao estabelecimento, durante séculos, de
polêmicas entre aqueles que, de forma unilateral e reducionista, pretendem oferecer uma
concepção geral do Direito em função de algum de seus componentes.
Apesar de serem muitas as doutrinas que se ocuparam e ocupam do tema em exame,
podem elas ser reduzidas nos três grupos seguintes:
7.1. Doutrinas de orientação sociologista ou realista
Estas doutrinas circunscrevem o Direito às ações humanas tendentes à sua criação ou
aplicação. Dentre elas, pode-se citar: a) a Escola Histórica, que concebe Direito como o espírito
popular (este é sua força criadora); b) a Jurisprudência de Interesses, que reduz o Direito aos
interesses sociais que o inspiram a cuja garantia serve; c) a Escola do Direito Livre, o Realismo
Americano e o Escandinavo etc., que pretendem ver como Direito apenas no caráter criador
das sentenças judiciais. Todas essas concepções - sociologistas ou realistas - têm como
elemento comum a circunstância de privilegiar a consideração do Direito eficaz, enquanto
dotado de vigência social comprovada através de sua relevância nos comportamentos reais dos
homens, que constituem o chamado "Direito Vivo" (Ehrlich). (13)
7.2 Positivismo Jurídico
Para esta doutrina, o Direito se identifica com as normas ou sistemas normativos,
enquanto regras postas por quem detenha o poder em uma determinada sociedade e trata de
impô-las coativamente nesse âmbito. Por essa perspectiva, o traço caracterizador do Direito é a
nota de sua validade. Uma norma é jurídica se, e somente se, cumpre os requisitos
procedimentais previstos no próprio sistema normativo para a produção de normas.
Integram o Positivismo Jurídico, dentre outras, as Teorias do Cepticismo e do Realismo
Empírico; o Positivismo Ideológico, o Formalismo Jurídico e o Positivismo Metodológico ou
Conceitual.
Segundo o Cepticismo (já visto particularmente no item "4", retro, dada sua íntima
relação com o tema em exame), o Direito é comando arbitrário, inteiramente relativo, privado de
autoridade intrínseca. Essa concepção está tratada aqui porque, para muitos juristas, essa tese
- segundo a qual não existem princípios morais e de justiça universalmente válidos e
cognoscíveis por meios racionais e objetivos - se identifica com o positivismo(14).
Enfim, pela doutrina céptica, qualquer que seja a forma que ela assuma (concebendo
que o Direito carece de fundamento intrínseco, ou que consiste em um comando arbitrário etc.),
o seu significado é sempre negativo. Os seus partidários recusam-se a aceitar um critério
universal e absoluto de justiça superior ao fato do Direito positivo.
Não é muito diferente a concepção realista, cuja doutrina, aparentemente oposta à
céptica, desta na verdade se aproxima. O cepticismo e o realismo, independentemente dos
pressupostos de que partem, possuem o mesmo significado. HOBBES, que se pode dizer
realista, tende para uma construção positiva, afirmando que só o Estado pode determinar o
justo e o injusto, e que o Direito começa só com o Estado. No mesmo sentido se orienta a
doutrina de KIRCHMANN, considerado uma das mais típicas expressões do realismo. Para as
doutrinas realistas, portanto, o fundamento do Direito é o sentimento do respeito e acatamento
da autoridade constituída. Não admitem esses pensadores a existência de um ideal de justiça
válido em si e por si. Por isso, igualmente rejeitam a possibilidade de o indivíduo contrapor as
suas especulações racionalistas aos critérios da autoridade constituída.
Por sua vez, a corrente, que Alf Ross chama de "pseudopositivismo" e que recebeu de
Norberto Bobbio(15) a denominação de "Positivismo Ideológico", concebe o Direito como
conjunto de regras impostas pelo poder que exerce o monopólio da força de uma determinada
sociedade. Esse Direito, com sua própria existência, independentemente do valor moral de
suas regras, serve para a obtenção de certos fins desejáveis como a ordem, a paz, a certeza e,
em geral, a justiça legal.
Para o positivismo ideológico, o Direito positivo, tão-só pelo fato de ser positivo, isto é, a
emanação da vontade dominante, é justo; ou seja, o critério para julgar a justiça ou injustiça das
leis coincide perfeitamente com o que se adota para julgar sua validade ou invalidade. Pretende
esse positivismo que os juízes assumam uma posição moralmente neutra e que se limitem a
decidir segundo o direito vigente.
Já em consonância com o "Formalismo Jurídico", o Direito está composto exclusiva
ou predominantemente por preceitos legislativos, ou seja, por normas promulgadas explícita e
deliberadamente por órgãos centralizados, e não, por exemplo, por normas consuetudinárias ou
jurisprudenciais. Pressupõe tal corrente que a ordem jurídica é um sistema autosuficiente para
prover a solução unívoca para qualquer caso concebível. Assim, o Direito consistiria somente
em leis.
Finalmente, o "Positivismo Metodológico" ou "Conceitual". Trata-se aqui do tipo de
positivismo defendido por autores como Bentham, Austin, Hart, Ross, Kelsen, Bobbio e outros,
de acordo com o qual o conceito de Direito não deve caracterizar-se segundo propriedades
valorativas, mas sim tomando em conta propriedades descritivas.
Para citar exemplos, veja-se Austin, Hart (ambos considerados por alguns como
fundadores da moderna Teoria Geral do Direito inglesa) e Kelsen. Para todos eles, o Direito se
reduz a ordens (normas). John Austin concebe o Direito em normas baseadas em ameaça,
normas jurídicas consistentes em ordens (comands) emanadas do soberano; e Hart,
posteriormente, adere ao seu positivismo, mas não admite a redução regras de toda sorte a um
só tipo (as emanadas do soberano). Para Hart, o sistema que formam as regras jurídicas é
identificado sobre a base de certos usos ou práticas sociais. Kelsen, por outro lado, vê a norma
como um juízo hipotético que expressa o enlace específico (imputação) de uma situação de fato
condicionante com uma conseqüência condicionada.
7.3. Teorias Jusnaturalistas
Os que são desta vertente polarizam sua visão do Direito nos valores que o
fundamentam ou o legitimam e a cuja consecução se deve encaminhar. O valor da justiça
(entendido em um sentido amplo que, a teor das tendências doutrinais ou das circunstâncias,
expressará as exigências do ethos social, do bem comum ou dos direitos humanos) constitui,
para essa corrente, o norte de toda regra jurídica e o parâmetro para aferir sua correção.
Dentro dessa corrente se inserem várias vertentes: a Teoria do Teologismo, o
Jusnaturalismo Racionalista, a Teoria do Historicismo (também conhecida como Realismo
Empírico) e a Teoria da Natureza das Coisas.
A Teoria do Teologismo procurou encontrar o fundamento intrínseco do Direito por via
diferente: recorreu à idéia da divindade, da qual derivariam imediatamente os princípios do bom
e do justo, que deviam ser aceitos mediante a Revelação. O fundamento do Direito teria,
portanto, caráter sagrado e, por isso, estaria subtraído a quaisquer controvérsias. O Direito
seria, enfim, o Direito revelado. Por tal concepção, na sua versão originária, o próprio Estado
teria uma autoridade derivada do querer divino e, por isso, também possuiria caráter sagrado.
Cuidadosamente, para não se debater contra a fé religiosa, o espírito crítico tratou logo
de distinguir da Religião tanto a Filosofia como a Ciência, a fim de lhes assegurar a
independência. O mesmo se deu no terreno da Filosofia do Direito, sendo dignas de destaque
as palavras de GRÓCIO, na sua obra De iure belli ac pacis, de 1625, afirmando que "O Direito
natural existiria ainda que Deus não existisse". É claro que Grócio fez tal afirmação depois de
uma prévia reprovação explícita do ateísmo, de molde a evidenciar que não se propunha a
combater a fé religiosa, mas tão-só dar ao Direito fundamento exclusivamente racional,
independente das premissas teológicas. Grócio visava a construir um sistema de Direito
internacional de normas aplicáveis aos diversos Estados e não fazia sentido basear esse Direito
na religião, que, na sua época, era motivo de lutas e discórdias especialmente entre católicos e
protestantes.
O Jusnaturalismo Racionalista se originou no movimento iluminista e se estendeu pela
Europa nos séculos XVII e XVIII, tendo sido exposto por filósofos como SPINOZA,
PUFENDORF, WOLFF e KANT. De acordo com esta concepção, o Direito natural não deriva
dos mandatos de Deus, mas sim da natureza ou estrutura da razão humana. Os juristas do
racionalismo formularam detalhados sistemas de Direito natural, cujas normas básicas, das
quais se inferiam logicamente as restantes, constituiam supostos axiomas autoevidentes para a
razão humana, comparáveis aos axiomas dos sistemas matemáticos. Os pressupostos e
métodos dessa corrente influíram na configuração da chamada "dogmática jurídica", que é a
modalidade da ciência do Direito que prevalece nos países de tradição continental européia.
A Teoria do Historicismo se distingue em três correntes: a política, dos filósofos da
restauração (De Bonald, De Maistre, Haller e outros); a filosófica (Schelling a Hegel); e a
jurídica, que ficou conhecida como Escola Histórica, representada por Savigny, Puchta, Hugo e
outros. O historicismo encara o fundamento do Direito na sua qualidade de fato ou processo
coletivo, como produto da vida social.
Por fim, de acordo com a Teoria da Natureza das Coisas, que foi defendida por
RADBRUCH, DIETZE, MAIHOFER, WELZEL e outros, certos aspectos da realidade possuem
força normativa e constituem uma fonte de Direito à qual deve adequar-se o Direito positivo.
Trata-se de uma reação mais recente contra o positivismo, para um retorno ao jusnaturalismo.
Gustavo Radbruch propõe a "natureza das coisas" como fundamento da "progressiva
transformação de uma relação vital em uma relação jurídica, e de uma relação jurídica em uma
instituição jurídica." Esta instituição jurídica que deriva não do Direito positivo, mas sim dos
fatos da natureza, dos costumes, tradições ou usos ou das relações vitais, é uma espécie de
"tipo ideal" que se obtém "mediante a tipificação e a idealização da individualidade da relação
vital que se considera." Esta "natureza das coisas" não é diretamente uma fonte do Direito, mas
sim "atenua" a tensão entre o ser e o dever ser, estabelece um limite ao legislador enquanto
este não pode obrigar a ninguém a algo de cumprimento impossível além de cumprir um
importente papel supletório nos casos de lacunas da regulação jurídica. (16)
8. COMO ENFRENTAR O PROBLEMA RELATIVO À DIFICULDADE DE CONCEITUAR
O DIREITO
O próprio Herbert Hart, em livro totalmente dedicado ao tema ora debatido - aliás,
intitulado especialmente de "O Conceito de Direito" -, num certo trecho(17), afirma o seguinte:
"Em vários pontos deste livro encontrará o leitor discussões de casos de fronteira em que
os teorizadores do direito sentiram dúvidas na aplicação da expressão ‘direito’ ou ‘sistema
jurídico’, mas a resolução sugerida para tais dúvidas, que também encontrará aqui, constitui
apenas uma preocupação secundária do livro. Porque o seu objetivo não é fornecer uma
definição do direito, no sentido de uma regra por referência à qual pode ser testada a
correção do uso da palavra; é antes de fazer avançar a teoria jurídica, facultando uma
análise melhorada da estrutura definitiva de um sistema jurídico interno e fornecendo
uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças entre o direito, a coerção e a
moral, enquanto tipos de fenômenos sociais. O conjunto de elementos identificados no
decurso da discussão crítica dos próximos três capítulos e descritos em detalhe nos capítulos V
e VI serve este propósito através de formas que são demonstradas no resto do livro. É por esta
razão que são tratados como os elementos centrais no conceito de direito e de primeira
importância na sua dilucidação." (Destaques inexistentes no original).
Tal como Hart, muitos outros autores escreveram livros ou dedicaram capítulos de obras
suas ao tema "Conceito de Direito" (ou quid ius?), mas, como ele, não se debruçaram na luta
desvairada por encontrar uma definição única que abranja toda e qualquer manifestação do
fenômeno jurídico. Significa essa postura uma manifestação de que já é tranqüila a
compreensão de que o fenômeno do Direito não pode ser sintetizado em um conceito reduzido,
válido para todos os tempos, para todos os lugares e para todas as manifestações de tal
fenômeno.
Indagar um conceito de Direito implicará, sempre, em buscar compreender muitas
questões às quais o tema inarredavelmente conduz e verificar a relação que elas guardam
entre si. Quando muito, se poderá identificar e reduzir as inúmeras questões recorrentes a um
mínimo dentre elas (às de incidência mais freqüente), em direção às quais o exame do tema
sempre conduz, a fim de que se possa estudá-las particularmente. Estudar tais questões passa
a ser o mesmo que estudar o conceito de Direito.
O mesmo Hart(18), por exemplo, sustenta que "a especulação sobre a natureza do
direito tem uma história longa e complicada; todavia, vista em retrospectiva, é nítido que se
centrou quase continuamente sobre alguns pontos principais (...)", que são, segundo o referido
autor, "aspectos do direito que parecem naturalmente dar origem a incompreensões em todos
os tempos, de tal forma que a confusão e uma necessidade conseqüente de maior clareza
acerca deles podem coexistir mesmo nos homens avisados, dotados de firme maestria e
conhecimento do direito."
Em outro trecho, o mesmo autor(19) aponta três das principais questões que, sempre
surgindo juntas, aparecem com se fossem um autêntico pedido de definição do Direito: 1ª)
Como difere o direito de ordens baseadas em ameaças? 2ª) Como difere a obrigação jurídica
da obrigação moral e como está relacionada com esta? 3ª) O que são regras e em que medida
é o direito uma questão de regras?
Portanto, perseguir um conceito de Direito equivale exatamente a procurar resposta para
questões como essas, referidas por Hart.
Logo, a postura recomendável diante de um conceito tão variável como o de Direito,
parece que é aquela sugerida por muitos autores, e bem expressada por Santiago Nino(20), de
aceitar que há certas razões de peso em favor de várias das posições adotadas a respeito da
definição de "direito" e que eleger alguma destas posições não implica tomar partido por uma
questão filosófica profunda, mas sim por uma mera questão verbal.
Uma controvérsia sobre o significado que tem ou que se deve dar a certa palavra não
representa - uma vez identificada como tal - nenhum obstáculo para o progresso das idéias.
Mesmo que as partes não se ponham de acordo, elas podem entender-se perfeitamente se
procurarem distinguir cuidadosamente o significado diferente que pretendem dar à palavra
mencionada e se procurarem traduzir da linguagem da sua corrente, para a linguagem da outra
corrente, o significado daquilo a que se referem.
Desse modo, ao se pretender reportar ao Direito como lei, o melhor é que se use a
locução Direito Positivo; ao referir-se ao Direito como Revelação, convém expressar Direito
Natural de Origem Divina; desejando mencionar o Direito no seu sentido de faculdade, o ideal é
que se use a locução Direito Subjetivo; e assim por diante.
9. CONCLUSÃO
Direito, portanto, é tudo o que defende cada uma das correntes da Filosofia do Direito
antes referidas, mas, certamente se lhe aplicam outras infindáveis definições, tantas quantas
forem as perspectivas a partir das quais se lhe examine. Por isso, não se pode rechaçar - ou
apoiar - completamente nenhuma posição. Em tais circunstâncias, até mesmo a atitude céptica
deve ser encarada como um modo de "conceituar"o Direito.
A constatação acima, de modo algum impedirá o avanço dos estudos do Direito, ao
revés, o fomentará, pois, é da própria natureza humana não se acomodar diante de respostas
inacabadas frente a assuntos tão palpitantes como o Direito.
Diante de tais circunstâncias, parece bem pertinente citar agora, à guisa de conclusão,
um tipo diferente de resposta - certamente apenas mais uma entre tantas, porém, bem mais
"universal" - à pergunta "quid ius(?)", proposta por Dworkin(21). Este jusfilósofo é inglês e,
obviamente, examina sobretudo o sistema jurídico desse povo, porém, sua resposta à pergunta
sobre o que é o Direito aplica-se, perfeitamente, também a povos que adotem quaisquer
sistemas jurídicos. Eis a resposta:
"O direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com
seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportmentos. Tampouco por alguma lista
de autoridades com seus poderes sobre parte de nossas vidas. O império do direito é definido
pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo. Estudamos essa atitude principalmente
em ribunais de apelação, onde ela está disposta para a inspeção, mas deve ser onipresente em
nossas vidas comuns se for para servir-nos bem, inclusive nos tribunais. É uma atitude
interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à política no mais amplo sentido. É uma atitude
contestadora que torna todo cidadão responsável por imaginar quais são os compromissos
públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova
circunstância. O caráter contestador do direito é confirmado, assim como é reconhecido o papel
criativo das decisões privadas, pela retrospectiva da natureza judiciosa das decisões tomadas
pelos tribunais, e também pelo pressuposto regulador de que, ainda que os juízes devam
sempre ter a última palavra, sua palavra não será a melhor por essa razão. A atitude do direito
é construtiva: sua finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática
para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao
passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela
comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de
qualquer forma, o que o direito representa para nós: para as pessoas que queremos ser e para
a comunidade que pretendemos ter."
NOTAS
1.
Teoría del derecho, p. 27.
2.
Manual de historia del derecho argentino, pp. 257-258.
3.
Filosofia do Direito, pp. 67-80.
4.
Lições de Filosofia do Direito, p.333.
5.
Idem, ibidem.
6.
Op. Cit., p. 331.
7.
Filosofia do Direito, p.85.
8.
Filosofía del Derecho, pp. 11-12.
9.
O Conceito de Direito, p. 7.
10.
Teoría del derecho, pp. 27-28.
11.
Introducción al análisis del Derecho, pp. 11-16.
12.
Apud Santiago Nino, Introducción al Análisis del Derecho, p. 12.
13.
Cfr. Pérez Luño, op. Cit., p. 43.
14.
Santiago Nino (In: op. Cit., p. 31) afirma que não é correto identificar o positivismo
jurídico com o cepticismo ético, dando o exemplo do positivista contemporâneo H.L.A. Hart, que
mesmo a despeito de ter incursionado com lucidez na discussão de problemas valorativos,
como o da justificação da pena, nem por isso é um céptico, pondo de manifesto que não
pressupõe que tal tipo de discussão seja irracional e envolve um mero choque de atitudes
emotivas.
15.
Apud Santiago Nino, op. Cit., p. 33.
16.
Cfr. Aftalión. Vilanova. In: Introduccion al derecho, p. 376.
17.
O Conceito de Direito, pp. 22-22.
18.
Op. Cit, p. 18.
19.
Idem, ibidem.
20.
Op. Cit., p. 43.
21.
O Império do Direito, p. 492.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Abeledo-Perrot, 1998.
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1997.
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GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1985.
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1994.
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1997.
NINO, Carlos Santiago. Introducción al Análisis del Derecho: Colección Ariel Derecho.
8.ed. Barcelona: Editorial Ariel, 1997.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito [tradução do Prof. L. Cabral de Moncada]. 5.ed.
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REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 18.ed. SãoPaulo: Editora Saraiva, 1998.
SICHES, Luis Recaséns. Filosofía del Derecho. Decimosegunda Edicion. Mexico:
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VECCHIO, Giorgio Del. Lições de Filosofia do Direito. [tradução de António José
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