Produção de Anticorpos Antiamarílicos em Lhama utilizando a técnica de Phage Display Luciana Rocha Almeida.1 Dr. Rodrigo Guerino Stábeli2 RESUMO: Cerca de 200.000 casos de febre amarela ocorrem anualmente, sendo 90% no continente africano. O vírus da febre amarela causa hemorragia, falência multiorgânica e choque, sendo letal em cerca de 20 a 50% dos casos graves. A febre amarela pode ser prevenida pelo uso da vacinação antiamarílica (YF-17D), mas até então nenhum tratamento específico foi determinado para esta doença, quando instalada, além das recomendadas medidas intensivas de suporte. Deste modo, a tecnologia de Phage Display em camelídeos pode ser utilizada como um dos sistemas mais convenientes para a produção de insumos soroterápicos de ação neutralizante, como alternativa de tratamento para a febre amarela, assim como a utilização em métodos diagnósticos. A nossa pesquisa teve como objetivo geral a produção de anticorpos monoclonais do tipo VHH em Llama glama contra os epítopos relevantes do vírus amarílico revertido através de infecção celular da cepa YF-17D, utilizando a técnica de Phage Display para produção de biblioteca recombinante para o repertório VHH. Assim, foi realizado a imunização do animal com o antígeno específico, coleta de linfócitos do sangue periférico, após janela imunológica apropriada, purificação de mRNA dos linfócitos circulantes purificados, realização de RT-PCR para síntese de cDNA e amplificação do gene correspondente às imunoglobulinas de cadeias pesadas (PCR I), seguida de posterior reamplificação do gene VHH (PCR II). A clonagem em vetor de fagomídeo e a transformação de células competentes para a obtenção da biblioteca recombinante de VHH serão passos futuros de nosso grupo de pesquisa. PALAVRAS CHAVES: febre amarela, cepa viral YF-17D, anticorpo de camelídeo (VHHs), produção de biblioteca recombinante, Phage Display, soroneutralização. ABSTRACT: About 200.000 cases of yellow fever happen annually and more than 90% are localized in the African continent. The yellow fever virus (YF) causes hemorrhage, organs failure and shock. About 20 to 50% of the YF evolutes for serious cases. The yellow fever vaccination is the best way of the prevention, but nowadays there isn’t specific treatment for this disease. Phage Display technology in Camelidae can be used as one of the most convenient systems for production of neutralizing antibodies for serumtherapy, as YF treatment possibilities, as well diagnosis methods. The main objective of this work is to produce VHH antibodies in Llama glama against yellow fever, using the Phage Display technique, from the VHH-phages library. For this, we immunized one species of Lhama glama with the specific antigen and the lymphocytes was purified from peripheral blood and their mRNA was isolated. The mRNA was utilized for cDNA synthesis (RT-PCR) and, posteriously, two primers was utilized as template for VHH region of the immuneglobulins cloning. How future perspectives, the 400pb corresponding of the VHH gene region will be cloning into phagmide vectors and utilized for VHH library construction. KEY- WORDS: Yellow fever virus, YF- 17D, Antibodies from Camelidae (VHHs), VHH library, Phage Display, serumtherapy. 1.0 - INTRODUÇÃO A febre amarela consiste numa doença infecciosa não contagiosa causada por um flavivírus mantido em ciclos silvestres, ou em áreas de transição urbana. Os mosquitos hematófagos dos gêneros Aedes, Haemagogus e Sabethes, na África e na América, são considerados os vetores de transmissão da doença (VASCONCELOS, 2003). O vírus da febre amarela causa hemorragia, falência multiorgânica e choque, sendo letal em cerca de 20 a 50% dos casos graves (EPPS, 2005). Cerca de 200.000 casos de febre amarela ocorrem anualmente no continente africano (BARNETT, 2007). Esta doença pode ser prevenida pelo uso da vacinação antiamarílica (YF1 2 Bolsista PIBIC/CNPq, acadêmica do curso de Medicina- UNIR Orientador 17D), mas até então nenhum tratamento específico foi determinado, além das recomendadas medidas intensivas de suporte (DAFFIS, 2006). Na perspectiva de um tratamento mais efetivo pode-se pensar em imunoterapia, neste contexto encontra-se a tecnologia de Phage Display em camelídeos, que pode ser utilizada como um dos sistemas mais convenientes para a produção de insumos soroterápicos de ação neutralizante, como alternativa de tratamento para a febre amarela. De acordo com Abbas e Lichtman (2005), todas as moléculas de anticorpos possuem as mesmas características estruturais básicas, compostas por duas cadeias leves, e duas cadeias pesadas, unidas por pontes dissulfeto intra-domínios e interdomínios. Entretanto, o soro dos camelídeos contém uma importante fração de imunoglobulinas funcionais desprovidas de cadeias leves classificadas como IgG2 e IgG3. As regiões de reconhecimento de antígenos destas classes de IgGs são denominadas de VHH e possuem uma região CDR3 funcional independente de interação com a região CDR3 de cadeias leves, como acontece com as IgGs convencionais (CONRATH et al., 2003). As regiões VHH das IgG2 e 3, podem ser clonados dos linfócitos periféricos circulantes de camelídeos imunizados e utilizadas como ferramentas para produção de soroneutralizantes e diagnóstico específicos, quando expressa em grande quantidades. Ainda, esta classe de moléculas apresenta algumas vantagens quando comparados a anticorpos convencionais utilizados para o mesmo fim (CONRATH et al., 2001). A técnica de phage display, desenvolvida inicialmente para a seleção de anticorpos, tem sido aprimorada e amplamente utilizada para selecionar peptídeos e proteínas com as propriedades e funções específicas através de construções de bibliotecas (PASCHKE, 2006). Esta tecnologia, por exemplo, poderá permitir o isolamento de VHHs contra qualquer antígeno através de seleção clonal de fragmentos de anticorpos num sistema procariótico, o que facilita tanto imunoterapia quanto diagnóstico in vivo (RONDOT et al., 2001). Neste contexto, utilizamos o vírus amarílico revertido (YF-17D) para obter a resposta imune de um Lhama glama e avaliamos os possíveis potenciais terapêuticos e diagnósticos destes anticorpos produzidos, através da produção de anticorpos monoclonais do tipo VHH contra os epítopos relevantes do vírus amarílico revertido. 2.0 – MATERIAL E MÉTODOS A imunização do Llama glama com amostras liofilizadas da vacina YF-17D, (cedidas pela SEMUSA e produzidas por Biomanguinhos), procedeu com a administração de três doses de 150 g de YF-17D diluídas em 1000 l de solução de NaCl 0,9 M e 1000 l de adjuvante de Freund completo, na primeira aplicação e incompleto nas duas últimas. O segmento 5’ das cadeias pesadas das imunoglobulinas foi amplificado por PCR com dois primers gene-específicos: VH BACK A6: 5’ GAT GTG CAG CTG CAG GCC TCT GG(A/G) GGA GG 3’ e CH2 FOR TA4: 5’ CGC CAT CAA GGT ACC AGT TGA 3’. Do produto desta PCR, foram reamplificados os genes VHH com VH FOR 36: 5’ CAT GCC ATG ACT GCG GGC CCA GCC GGC CAT GGC CGA (G/C)GT (G/C)CA GCT 3’ e VH BACK A4: 5’ GG ACT AGT TGC GGC CGC TGA GGA GAC GGT GAC GGT GAC CTG 3’, contendo sítios para as enzimas de restrição SfiI e NotI (sublinhados). A amplificação do fragmento VH-CH2 foi realizada com embasamento nos protocolos propostos por LAFAYE (1997) , com algumas alterações, sendo utilizado DNA da primeira PCR 1 µl, MgCl2 3 µl, PCR buffer (l0x) 2 µl, dNTP 2 µl, iniciador VH Back A4 2 µl, iniciador VHFor 36 2 µl, taq polimerase 0,1µl, H2O 10,9 µl. A concentração dos dois primers foram de 5 moles/µl, 94°C 05 min, 94°C 30 sec, 45°C 30 sec e 35 ciclos, 72°C 30 sec e 72°C 10 min. O produto da PCR foi resolvido em gel de 1,5 %, de agarose no qual observamos a presença de banda contendo o tamanho de aproximadamente 600 pb, correspondente ao fragmento gênico de VHH-CH2, e a banda de aproximadamente 800 pb, correspondente ao fragmento gênico de VH-CH1-CH2. A banda visualizada de aproximadamente 600 pb foi cortada do gel de agarose e a quantidade de ácido nucléico foi quantificada através de espectrofotometria. O produto purificado foi submetido a nova PCR utilizando dois novos iniciadores com sítios de restrição para as enzimas SfiI e NotI. O protocolo seguido consistiu no proposto por LAFAYE (1997), com algumas alterações: DNA da primeira PCR 1 µl, MgCl2 3 µl, PCR buffer (l0x) 2 µl, dNTP 2 µl, Iniciador VH Back A4 2 µl, Iniciador VHFor 36 2 µl, taq polimerase 0,1 µl, H2O 10,9 µl. Concentração dos dois primers : 5 pmoles/µl, sendo 35 ciclos de 94°C 05 min, 94°C 30 sec, 45°C 30 sec, 72°C 30 sec e 72°C 10 min. O fragmento amplificado foi de aproximadamente 400 pb, e possivelmente codifica para a fração VHH da imunoglobulina do camelídeo (LAFAYE, 1997). Esta porção foi purificado através de sedimentação em etanol/NaAc (3,0 M) e quantificado em espectrofotômetro (260nm). A purificação das reações por precipitação com Etanol/NaAc se procedeu com junção dos remanescentes 40µl total com template, acrescidos de 4µl (geral: 1/10 volume da solução contendo DNA) de Acetato de sódio 3M, pH 5,2 e 100µl de Etanol 100%. Os volumes foram misturados e colocados no gelo por 15 minutos, depois centrifugado por 10 min. a 1200 rpm a 4°C. O sobrenadante então foi descartado. Foi acrescentado 300 µl EtOH 70% e centrifugado para coletar o resto do líquido no fundo do tubo e posteriormente retirado e secado a TA por aproximadamente 5 minutos ou até a completa remoção de etanol. 3.0 - RESULTADOS A resposta imune do camelídeo ao antígeno foi obtida com êxito e verificada através de ELISA utilizando soro pré- e pós-imunização , posteriormente se procedeu o isolamento dos linfócitos periféricos. O isolamento do mRNA destes linfócitos se deu através da técnica de TRIZOL. Assim, 200ml de sangue foram extraídos através de pulsão da veia jugular do animal e submetidos a separação de células, através do procedimento descrito no manual “FicollPaque PLUS® - for in vitro isolation of lymphocytes” (Amershan Biosciences). Posteriormente o mRNA total foi extraído, sendo este submetido a uma reação de transcriptase reversa com a produção de cDNA. Os PCRs foram então iniciados a fim de se obter o fragmento VHH para clonagem. Obtivemos então uma banda de cerca de 800 pb, que corresponde ao fragmento correspondente a seqüência VH-CH1-CH2 da cadeia pesada das imunoglobulinas tradicionais, e outra de cerca de 600 pb, correspondente a VH-CH2 das imunoglobulinas de cadeia pesada do tipo camelídica. Não houve amplificação no controle negativo no que se refere ao PCR I (Fig. 1A), o que de fato era esperado. Para a realização do PCR II (Fig. 1B) foi utilizada então a banda de 600 pb, purificada através de corte em gel (Fig. 1A), a fim de se obter o fragmento VHH de cerca de 400 pb, o que ocorreu com sucesso. 800 pb 600 pb 400 pb A B Figura 1: Eletroforese em gel de agarose 1,5%, com brometo de etídeo, para as análises de PCR I e II, visualizado através de radiação UV. (A) Observa-se na primeira raia do gel, o peso molecular de 100 pb; na segunda raia, duas bandas visíveis, uma de 800 pb e outra de 600 pb. Na terceira raia, o controle negativo, no qual não houve qualquer amplificação. (B) Na primeira raia do gel, encontra-se resolvido o peso molecular de 100 pb; na segunda raia, a banda de 400 pb e a terceira raia corresponde ao controle negativo, sem amplificações. 4.0- DISCUSSÃO Lafaye et al. (1997) afirmam que a construção de uma biblioteca de fragmentos de anticorpos humanos (Fab ou scFv) expostos na superfície de bacteriófagos filamentosos e sua seleção de “anticorpos phage” (Phabs) por afinidade pelo antígeno constituem poderoso meio de gerar novas ferramentas de aplicação clínica em imunoterapia passiva. No empenho de construir uma biblioteca de vetores fagomídeos recombinantes com grande variabilidade, as atividades propostas realizadas foram a imunização do animal com o antígeno específico; coleta de linfócitos do sangue periférico do animal; purificação de mRNA das células brancas; realização de RT-PCR; amplificação do gene correspondente às imunoglobulinas de cadeias pesadas (PCR I), seguida de posterior reamplificação do gene VHH (PCR II). As regiões correspondentes às porções VH e VHH foram amplificadas no PCR. No primeiro PCR, o primer VHBACKA6 foi utilizado para amplificar o fragmento gênico correspondente a porção CH2-CH1-VH das imunoglobulinas do camelídeo. Segundo MUYLDERMANS et al (2001), este primer é o preferido para codificar 1 a 10 do subgrupo III de VHH do camelídeo, sendo esta família pertencente apenas aos anticorpos deste animal. Os produtos desse PCR foram derivados de cadeias pesadas homodiméricas de anticorpos e de cadeias pesadas de imunoglobulinas clássicas. No segundo PCR, houve a reamplificação de VHH com a utilização do primer VHBACKA4 contendo SfiI e o primer VHFOR36 contendo NotI. Nesta etapa apenas é selecionado a porção variável do gene da cadeia pesada das IgG2 ou IgG3 dos camelídeos com o tamanho aproximado de 400pb esperados. O que foi conseguido com êxito como observado na figura 1B. Desta forma, os PCRs apresentaram-se satisfatórios, de modo que obtivemos as bandas de cerca de 800pb e 600pb, e posteriormente a reamplificação da banda 600pb para obtenção do fragmento VHH de cerca de 400pb. Deve-se ressaltar que dificuldades foram encontradas nas atividades realizadas posteriormente ao resultado do PCR. A incapacidade de se obter células competentes satisfatórias, resultou em um número reduzido de colônias nas placas, limitando assim a variabilidade na biblioteca de vetores fagomídeos recombinantes. A construção de novos mecanismos para a obtenção de células competentes deverão ser analisadas para a continuidade deste trabalho. 5.0- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: ABBAS, Abul K; LICHTMAN, Andrew H. Imunologia Celular e Molecular. Tradução de Claudia Reali. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, v.51, p. 47-49, 2005. CONRATH, K.E.; WERNERY, U.; MUYLDERMANS, S; NGUYEN, V.K. Emergence and evolution of functional heavy-chain antibodies in Camelidae. 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