10. Mediações pedagógicas em contextos virtuais de ensino e

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10. Mediações pedagógicas em contextos virtuais de ensino e aprendizagem em
Ciências e Saúde: conceitos e abordagens de pesquisa.
Para discorrer sobre as diferentes abordagens de pesquisa voltadas para a
investigação sobre as mediações pedagógicas em contextos virtuais, me apoiarei no
conceito de mediação construído por Vygotsky (1984) para caracterizar o processo de
construção de conhecimento. Partindo do pressuposto de que a relação dos sujeitos com
os objetos é mediada por signos e instrumentos (materiais e imateriais), Vygostsky
ressalta o caráter sócio-histórico, cultural e situado do processo de aprendizagem. Esta
visão traz importantes implicações para o processo educativo e nos alerta para a
necessidade de compreender as mediações pedagógicas como relações socialmente
construídas e dependentes dos contextos em que se desenvolvem. Na perspectiva
Vygostskyana, o papel do professor na mediação do processo de aprendizagem é
fundamental o que pode ser verificado, por exemplo, em seu conceito de zona de
desenvolvimento proximal caracterizada pela distância entre aquilo que os indivíduos
conseguem realizar sozinhos e o que conseguem realizar com a ajuda de outra pessoa
mais experiente. Nesta discussão, torna-se cada vez mais importante compreender o
papel das mídias e tecnologias educativas como importantes elementos de mediação
pedagógica.
Antes de tratar especificamente das investigações sobre mediações pedagógicas
realizadas/construídas em contextos virtuais de ensino, considero oportuno trazer para a
discussão alguns conceitos e abordagens de estudo mais gerais sobre as relações
mídias/tecnologias e educação. Lanço mão de três principais perspectivas que na
verdade se relacionam entre si. A primeira delas volta-se para os estudos que discutem a
relação de intima reciprocidade entre o desenvolvimento das sociedades e seus
instrumentos mediadores. Podemos citar, por exemplo, os trabalhos de Lèvy (1992) e
Castells (2000) que analisam como as diferentes tecnologias influenciam e são
influenciadas pelas diferentes formas de organização social e, também, trabalhos mais
diretamente relacionados com o campo da educação, como os de Coll e Monereo (2010)
que discorrem sobre como as TICs, em suas variadas fases de desenvolvimento e com
suas variadas possibilidades de transmissão de informação e comunicação, apóiam a
construção de diferentes processos educativos. Uma segunda perspectiva que parte desta
mesma visão diz respeito ao campo de estudos comumente denominado mídia-
educação, que como apontam Bevort e Belloni (2009) tem como eixo fundamental a
necessidade de as escolas assumirem o compromisso de formação crítica para e com o
uso das mídias. Pesquisadores como, por exemplo, Fischer (2002; 2007) e Duarte
(2002) desenvolvem seus estudos nesta perspectiva gerando conhecimento sobre como
as mídias constituem-se relevantes dispositivos pedagógicos na medida em que
possuem uma participação decisiva na formação das pessoas, ao veicular e mediar a
produção de significados e sentidos, os quais estão relacionados a modos de ser, pensar,
agir e viver. Finalmente, a terceira perspectiva, diretamente relacionada às outras duas,
que considero relevante destacar para subsidiar a discussão sobre as mediações
pedagógicas diz respeito aos trabalhos que questionam a visão determinista da
tecnologia, seja em sua vertente positiva (instrumental), seja negativa (substantiva). No
Brasil, por exemplo, diversos autores (Barreto, Kenski, Pretto, Belloni, Pucci) que
analisam o processo de incorporação das TICs no ensino e o desenvolvimento da EaD
apontam a comum supervalorização dos uso instrumental dos meios tecnológicos como
fins em si mesmo em detrimento da investigação/compreensão das mediações por/com
eles construídas. Esta visao afasta as possibilidades de participação criativa e critica de
professores e alunos no desenvolvimento de seus próprios processos de ensinoaprendizagem.
Ao procurar delimitar a discussão sobre as abordagens de pesquisa voltadas para o
estudo das mediações pedagógicas em ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) eu
poderia assumir alguns diferentes percursos tendo em vista a abrangência do que se
poderia caracterizar como unidade de análise do processo de mediação pedagógica: os
diferentes recursos/materiais educativos e suas linguagens? O desenho pedagógico do
curso e de suas atividades? Os diferentes atributos das ferramentas tecnológicas para
apoiar a gerencia da informação, comunicação dentre outros processos disponibilizados
nos AVAs? As interações construídas por professores e alunos nestes ambientes?
Todos estes elementos que podem atuar como mediadores pedagógicos são
relevantes e abrem um leque variado de abordagens de pesquisa o que não seria possível
tratar neste texto: investigar o desenvolvimento e uso dos recursos educativos e seu
papel mediador, por exemplo, implica em abordagens de pesquisa voltadas para a
relação entre a natureza dos conteúdos, suas formas de representação e estratégias de
pedagógicas adotadas, assim como abordagens sobre as mediações simbólicas e
socioculturais envolvidas e suas recepções discursivas em AVAs, dentre outras.
Assim, ressaltando a natureza social do processo educativo, me aprofundarei na
perspectiva dos estudos que investigam as interações construídas por professores e
alunos em contextos virtuais de aprendizagem, especialmente interações escritas
realizadas por meio de ferramentas comunicacionais. Tomo como referência as
abordagens de pesquisa associadas ao campo de investigação denominado
“comunicação mediada por computador” e, em especial, aquelas caracterizadas pela
análise de conversações. Estes estudos têm ganhado relevante destaque nas diferentes
áreas de ensino tendo em vista que a análise das comunicações/conversações
estabelecidas nos AVAs configuram importantes pistas sobre as relações pedagógicas
construídas nestes ambientes. Na área de ensino de ciências e da saúde, em que é forte a
tradição dos estudos das interações discursivas estabelecidas em sala de aula, estes
trabalhos vem sendo desenvolvidos também em contextos virtuais, em sua maioria, com
base na em uma abordagem sociocultural de pesquisa.
A seguir trago alguns exemplos de pesquisas voltadas especificamente para a
análise de interações desenvolvidas em contextos virtuais de ensino aprendizagem em
ciências e saúde, levantando diferentes conceitos e abordagens.
Tendo em vista a natureza reflexiva da prática e da formação docente, os trabalhos
de Nunes (2003), Giannella (2002) e Egg (2005) investigaram as interações construídas
por professores em formação das áreas de ciências e/ou da saúde participantes de cursos
virtuais. Com base no método de análise de interações de Henri (1991), Nunes (2003)
teve como objetivo identificar os tipos de participação (administrativa, técnica, social e
de conteúdo) e interação (explícita, implícita e independente) realizadas por docentes de
enfermagem em formação e a sua relação com a retenção/evasão em um curso virtual. A
autora observou que os concluintes foram aqueles com maior freqüência de
participação, em termos de mensagens sociais e de conteúdo, ao longo de todo curso e
que estes priorizaram interações explícitas, com foco na solicitação de apoio dos tutores,
o que pode ter favorecido a retenção no curso. Também analisando as diferentes formas
de participação e a partir dos princípios da Teoria da Atividade, Giannella (2002) pôde
verificar a dificuldade de os professores universitários da área da saúde formarem uma
comunidade de aprendizagem colaborativa para compartilharem seus conhecimentos,
experiências e dúvidas, atuando de maneira mais individualizada/observadora na
condução das atividades do curso. Neste mesmo sentido, Egg (2005) analisou marcas
discursivas que representassem processos de reflexão-ação (Schon) de professores de
física, identificando o potencial das ferramentas comunicacionais assíncronas para a
integração de eventos colaborativos e reflexivos, na medida em que oferecem a
possibilidade de participação prolongada, armazenamento e recuperação dos diálogos
estabelecidos.
O desenvolvimento da aprendizagem colaborativa em contextos virtuais de
formação profissional na área da saúde foi o foco do trabalho de Brum (2005). A partir
de um modelo analítico baseado nos estudos de Brown (2001) e Murphy (2004), Brum
pôde perceber que o desenvolvimento de eventos de aprendizagem colaborativa
(negociação de significados, constituição de metas comuns, compartilhamento de
artefatos, dentre outros) influenciou positivamente a construção de equipes virtuais de
trabalho, ao longo de um curso voltado para a formação de equipes multidisciplinares de
profissionais das áreas da saúde, meio ambiente e ciências sociais, para atuarem na
avaliação de riscos causados por resíduos perigosos.
Como exemplos de trabalhos com enfoque na análise dos diferentes padrões
comunicacionais e discursivos desenvolvidos em fóruns de discussão em espaços não
formais de ensino temos os trabalhos de Monteiro (2005) e Baczinski (2010). A partir
do referencial da teoria da ação comunicativa de Habermas, Monteiro analisou as
interações entre coordenadores de cursos de pós-graduação da área da saúde pública em
um fórum virtual sobre os desafios pedagógicos da formação em saúde, identificando a
prevalência de episódios caracterizados mais como monólogos do que diálogos ou
conversações, além da concentração de mensagens na voz de poucos participantes. Na
discussão sobre os possíveis motivos para este quadro, a autora aponta que, se de um
lado esses ambientes mostram-se como recursos potenciais para a transformação das
relações sociais, de outro, esses mesmos recursos podem ser utilizados para reforçar
relações de poder, servindo menos para a interação e mais para consolidação de idéias e
propostas que alguns participantes querem efetivar. Com enfoque semelhante, mas no
contexto de comunidades virtuais do Orkut voltadas para a discussão sobre sexualidade
e a partir da abordagem de Focault, Bachzinski identificou tanto episódios que
caracterizam a importância destes espaços para a livre discussão entre jovens sobre este
tema tão relevante e polêmico, quanto episódios que demarcavam as relações de poder
estabelecidas principalmente pelos moderadores (criadores) das comunidades.
Finalmente, os trabalhos de Nobre (2006) e Rezende e Ostermann (2006) voltamse especialmente para a análise das relações entre tutores e alunos em contextos virtuais.
Nobre (2006) se baseia nos modelos de Jonassen (1996) e Pozo (2002), ambos pautados
pelo conceito de ZPD de Vygostsky, para caracterizar os tipos de demanda (aluno) e
suporte (professor) (treinamento, tutoramento e modelagem) estabelecidos nas “salas
virtuais de tutoria” de um curso a distância de licenciatura em ciências biológicas.
Nobre observou que o tipo de demanda com maior recorrência foi o de modelagem
(referente a ações de apoio mais complexo e profundo) e que este foi compatível com o
retorno oferecido pelos tutores, o que demonstrou que os espaços virtuais permitem o
estabelecimento de interações de alto nível de complexidade. Já Rezende e Ostermann
(2006), com base no modelo de analise de interações discursivas de Mortimer e Scott
(2002) que é pautado em princípios de teoria de Vygostsky e Baktin, observaram
padrões de interação professor-aluno diferentes da clássica tríade “iniciação-respostafeedback”, apontando para a tendência de inversão da verticalização da atividade
discursiva em fóruns virtuais de discussão.
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