Ambientes virtuais de aprendizagem: do ‘”ensino na rede” à “aprendizagem em rede” Rosane Aragón de Nevado O uso de ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs)1 vem crescendo nos mais diversificados contextos educativos como formas de ampliação dos espaços pedagógicos, facilitando o acesso à informação e a comunicação em tempos diferenciados e sem a necessidade de professores e alunos partilharem dos mesmos espaços geográficos. No entanto, essa expansão dos espaços educacionais, por si só, será capaz de definir mudanças significativas no panorama educacional brasileiro? Podemos pensar, para além da ampliação dos espaços educacionais, em uma potencialização e melhoria da qualidade das interações e aprendizagens? Antes de seguir na busca de respostas a essas questões, convém caracterizar brevemente os ambientes virtuais de aprendizagem. Do ponto de vista tecnológico, podemos considerar os AVAs como conjuntos organizados de recursos, funcionalidades ou ferramentas multimídias. Porém, do ponto de vista educacional, são bem mais do que isso, a dimensão sócio-cognitiva é que os caracterizará. Conforme Barajas (2003), AVA pode ser definido como “um espaço ou uma comunidade organizada com o propósito de aprender”, o que implica na presença e articulação de (i) uma concepção definida sobre conhecimento e aprendizagem; (ii) uma proposta metodológica coerente que concretize essa concepção em de ações e interações (iii) um suporte tecnológico potente e apropriado para apoiar e incrementar as atividades e trocas grupais. A educação na virtualidade, do mesmo modo que na presencialidade, pode ocorrer sob distintas orientações educativas. Ambientes concebidos para desenvolver propostas de ensino – ambientes para ensinar - buscarão simular a organização da escola tradicional. Ambientes concebidos para mediação da aprendizagem, buscarão dar suporte às interações e às produções individuais e coletivas. 1 Ambientes Virtuais de Aprendizagem (Virtual Learning Environments) podem receber uma diversidade de denominações como Ambientes de Aprendizagem Online, Sistemas de Gerenciamento de Educação a Distância, Ambientes de Aprendizagem Colaborativos. Segundo Schlemmer e Fagundes (2001) Esses ambientes são sistemas que sintetizam a funcionalidade de software para comunicação mediada por computador (CMC) e métodos de entrega de material de cursos online. Ambientes para Ensinar Os ambientes para ensinar encontram suportes em paradigmas que definem o conhecimento como algo externo ao aprendiz e defendem que a função do ensino será apresentar o conhecimento ao aluno, além de modelar (ou formatar) a sua aprendizagem de forma a garantir sua retenção no tempo. Nessa concepção: O conhecimento é um produto fixo e acabado que pode ser transmitido por um professor mediante a escolha de algumas estratégias de ensino apropriadas; ao professor (enquanto especialista) cabe elaborar os conhecimentos, as “certezas” e apresentá-los de forma clara e organizada para facilitar a sua transmissão; ao aluno (enquanto receptor) cabe uma postura passiva, ele deverá “adquirir” ou receber os conhecimentos, retendo uma representação o mais exata possível do conhecimento do professor ou especialista; Essas premissas instrucionistas determinam uma abordagem de ensino na rede, trazendo conseqüências para o delineamento dos ambientes virtuais, tais como: @ a organização do ambiente procurará responder as mesmas rotinas preparadas para o ensino presencial tradicional, os materiais serão elaborados por professores (enquanto especialistas), visando que esses sirvam como mediadores entre o aluno e o conhecimento; @ cada disciplina ou atividade tratará das suas questões sem que ocorram interações entre conteúdos de diferentes áreas do conhecimento e sem levar em conta os interesses, aspirações e os diferentes níveis de construção intelectual do estudante. @ o nível de interatividade será limitado, assim como a liberdade de ação e autoria, já que o conhecimento é concebido como um produto fixo e acabado que deverá ser transmitido por um professor ou material instrucional; @ as navegações na rede Internet serão controladas, o professor definirá quais os sites e materiais a serem consultados, buscando evitar que o aluno desvie sua atenção das atividades prescritas; @ ao aluno (enquanto receptor) caberá uma postura passiva e dependente, ele deverá “adquirir” ou receber os conhecimentos, retendo uma representação, o mais exata possível do conhecimento do professor ou especialista. @ As comunicações serão afetadas pelas relações heterônomas, resultando no predomínio das comunicações centradas no professor (detentor do conhecimento) e pela competitividade entre os alunos. Ainda que muito criticada, a concepção reprodutivista encontra-se amplamente difundida e utilizada em treinamentos, formações e cursos online. Nesse sentido, os ambientes virtuais (para ensinar) têm servido a uma sofisticação do trabalho convencional da sala de aula transmissiva, apenas acrescidos por recursos tecnológicos avançados, sem que ocorram diferenças importantes nas relações entre professores e alunos e na qualidade das aprendizagens. Ambientes para aprender Segundo estudos como os de Deschênes (1998) e Riaño (1996), bem como por trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (Fagundes, 1993; Nevado et alli, 2001, entre outros), as perspectivas de mudança não residem apenas na disponibilização de suportes tecnológicos potentes, mas em novas formas de conceber e praticar a educação, entendendo que o conhecimento nasce do movimento, da dúvida, da incerteza, da necessidade de busca de novas alternativas, do debate, da troca. Nessa concepção, que chamamos construtivista: O conhecimento não é um produto fixo e acabado, ele é construído num contexto de trocas, mediante um tensionamento constante entre o conhecimento atual (“certezas atuais, provisórias”) e as “dúvidas” que recaem sobre essas certezas, conduzindo ao estabelecimento de novas relações ou conhecimentos (novas certezas ainda que também temporárias); Ao professor cabe a função de promover aa aprendizagem, estimular o diálogo, provocar a emergência de situações de dúvidas (desequilíbrios) e apoiar as reconstruções (novos conhecimentos); Ao aluno cabe uma postura ativa, a ele cabe experimentar, compartilhar, criar, interagir para compreender. A aplicação dessas idéias à organização dos ambientes virtuais de aprendizagem tem como conseqüência o abandono da perspectiva de “ensino na rede” em favor de processos de “aprendizagem em rede”, caracterizadas por enfatizar: @ A formação de comunidades virtuais, redes de interações e formas renovadas de formação continuada, mudando o foco do ensino para a construção de aprendizagens cooperativas; @ A ampliação dos “espaços” e a criação de novos "espaços" de aprendizagem criação de webfólios, páginas web, uso de blogs, ferramentas de comunicação, dentro e fora das instituições de ensino; @ O estabelecimento de novas temporalidades decorrentes das comunicações assíncronas, como o uso de fóruns; @ flexibilizações nas relações entre professores e alunos e entre os grupos de alunos, buscando-se o desenvolvimento de atividades e projetos partilhados, nas quais o professor funcionará como um parceiro experiente e não um centralizador de saberes; @ Aproximações entre a educação presencial e à distância, seja pela introdução de tecnologias da telemática em situações presenciais (uso de chat, fóruns etc), seja pelas novas definições de presencialidade (presença virtualparticipação na rede); @ O incremento da circulação (troca) de diferentes pontos de vista que convivem na rede, essas diversidades são confrontadas e provocam os "estados de dúvida" que, por sua vez, geram novos conhecimentos e valores; @ A disponibilização de uma diversidade de informações que podem ser reinterpretadas e reelaboradas, contribuindo para a formação de uma dimensão coletiva da inteligência, mediante processos de autoria, de novas formas de escritas e leituras coletivas, nas quais os textos são reconfigurados, aumentados e conectados uns aos outros por meios de ligações hipertextuais. Nessa concepção, os ambientes virtuais de aprendizagem assumem uma nova organização a articulação dos espaços, buscando superar as fragmentações disciplinares. Os instrumentos de comunicação são sintonizados com a criação de práticas interdisciplinares e busca de relações dialógicas entre professores e alunos. Redes de Aprendizagem na formação de professores A “aprendizagem em rede”, tomada no âmbito mais específico da formação continuada de professores, não poderá prescindir de ações que possam traduzir as idéias (teorias) em práticas. Aprende-se sempre, sendo necessário que o professor tenha uma formação continuada. Essa formação pode adquirir inúmeras formas, e uma das mais importantes poderá ser a de comunidades virtuais de aprendizagem. Como podemos definir uma comunidade virtual? De acordo com Costa, Fagundes e Nevado (1998), uma comunidade virtual não deve ser confundida simplesmente com a construção de espaços físicos na rede. Isto pode ser apenas uma nova dimensão do espaço físico. São as interações e as parcerias entre as pessoas, que definem a comunidade. Comunidades virtuais implicam em ligações entre pessoas que partilham idéias, atividades ou tarefas. Envolve a busca de idéias diferentes, novas estratégias ou práticas que podem auxiliar os membros a re-pensar seu modo de fazer as coisas. Comunidades vibrantes convivem com unidade de propósitos balanceados com uma rica diversidade de experiências, o que pode exigir em grande escala comunicação com outros grupos com diferentes registros lingüísticos, com outros padrões culturais e valores regionais diversos. O que se aprende nesses espaços não pode ser precisamente definido anteriormente, mas essa aprendizagem organiza-se conforme os objetivos (definidos em parceria) e os diferentes contextos. Como exemplo de comunidade virtual citamos a formação continuada dos professores-multiplicadores, em nível nacional, incentivada pelo ProInfo, que vem oferecendo uma programação nacional de atualização constante. Dentro desse programa, foram desenvolvidos e ainda serão oferecidas diversas formações na modalidade à distância e em serviço. Consideramos importante, no contexto da formação continuada, a realização de pesquisas e experiências que enfoquem novas formas de avaliação compatíveis com as mudanças que estão sendo gradativamente incorporadas. Não podemos insistir em avaliar os aprendizes enquanto consumidores de informação se agora propomos o desenvolvimento de novas competências mediante a criação de situações de aprendizagem em que os processos de instrução cedem lugar aos processos comunicacionais, às trocas de saberes, às construções coletivas/individuais, às maneiras criativas de fazer e de interagir com os outros, ao trabalho autônomo, à coragem de enfrentar o desconhecido. 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