Tartufo (em francês Le Tartuffe) é uma comédia de Molière, e uma das mais famosas da língua francesa em todos os tempos. Sua primeira encenação data de 1664 e foi quase que imediatamente censurada pelos devotos religiosos que, no texto, foram retratados na personagem-título como hipócritas e dissimulados. Os devotos sentiram-se ofendidos, e a peça quase foi proibida por esta razão, pelos tribunais do rei Luís XIV de França, onde tinham grande influência. Na língua portuguesa, o termo tartufo, como em outro idiomas, passou a ter a acepção de pessoa hipócrita ou falso religioso, originando ainda uma série de derivados como tartufice, tartúfico ou ainda o verbo tartuficar - significando enganar, ludibriar com atos de tartufice. 1 - é costume ouvir-se que a comédia Corrige divertindo; uma platéia pede-a Não só para sorrir de máscaras fingidas 2 - Que moram noutro mundo e mostram outras vidas, Mas para descobrir, atrás das fantasias, A verdade que roça em nós todos os dias. 3 - Cada fala de ator é censura e conselho: Quando vos sentais lá, estais diante do espelho, E assim podeis vós ver, debaixo do artifício, A beleza, a verdade, a hipocrisia, o vício. 4 - Assim também eu quis atacar a impostura, Os devotos sem fé, os santos de alma impura, Que tratam de empolgar, com zelo contrafeito, A bolsa de um amigo e o coração de um peito. 5 - São vícios do meu tempo: a minha personagem Rende aos homens de bem a maior homenagem; Se em seu falto fervor não é logo entendida Não é culpa do autor: a culpa cabe à vida 6 - Que podia ter criado um sinal exterior, Uma pinta na testa a marcar o impostor. As testas, majestade, então, de hora em hora, Perdendo a distinção que ostentavam outrora: As coroas de espinho, os diademas de ouro, As gotas de suor, as coroas de louro; 7 - Quem olhá-las nada há de encontrar que as decifre Nem coroas de rei nem coroas de chifre. Ora, por isso mesmo o hipócrita que eu tinha Imaginado aqui aos outros não convinha: 8 - Aqueles que falei, que não trazem sinais, Descobriram no meu cópia de originais. Como vão consentir os Tartufos da vida Que a face do Tartufo ande a ser exibida? 9 - Aqui, ali, além, mais perto, mais distante, Meigo, astuto, atrevido, amoroso, arrogante? Se me devem punir por uma ação tão feia Metei a humanidade inteira na cadeia, 10 - Porque quaisquer de nós, ao menos um segundo, Fomos, como Tartufo, atrás dos bens do mundo, Sonhando uma partilha igual para a riqueza Contanto que ninguém se assente à nossa mesa, 11 - Fingindo desejar um mundo mais perfeito Mas querendo implantar por lema o preconceito, Desejando auferir bons lucros e a falar Que é no céu que a pobreza encontra seu lugar. 12 - Quem proíbe Tartufo? Os monarcas? Os reis? Os maus? Os bons? As injunções? As leis? As normas da moral? A inveja dos confrades? As pessoas de bem? As beatas? Os frades? 13 - Não se pode impedir que meu Tartufo exista; Ele é puro demais – como criação de artista; Em sua sordidez previne a todos mais: 14 - “Lembrai-vos! Sois assim! Nunca vos esqueçais!” Podemos começar? Se a platéia consente, Tartufo vai viver – e viver eternamente