MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 42ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e dos Idosos Av. Mal. Floriano Peixoto, 550, Tirol - Natal/RN - Fone: (84) 3232.7244 / (84) 3232.7245 _____________________________________________________________________________ EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL, A QUEM ESTA COUBER POR DISTRIBUIÇÃO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por intermédio de sua 42ª Promotoria de Justiça, no uso das atribuições legais, vem, à presença de Vossa Excelência, promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela contra o MUNICÍPIO DO NATAL, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Ulisses Caldas, nº 81, Centro, CEP 59025-090, nesta Capital, representada, nos termos do art. 12, II, do Código de Processo Civil, pela seu Prefeito ou por seu Procurador Geral, com fulcro nos fundamentos de fato e de direito que passa a expor: I - OS FATOS O Ministério Público Estadual recebeu, em 30 de setembro de 2012, reclamação formulada pela senhora G.K.S.A. informando acerca da omissão da Administração Pública quanto ao fornecimento de fraldas de uso contínuo às pessoas com deficiência (doc. 1). De acordo com a reclamação apresentada, as Secretarias de Saúde do Município de Natal e do Estado do Rio Grande do Norte negam-se a prover o fornecimento de fraldas às pessoas com deficiência. Ante essas informações, esta Promotoria de Justiça realizou audiência com a senhora G.K.S.A., representante da pessoa com deficiência F.A.A. (doc. 2). Na oportunidade, a referida senhora esclareceu que seu filho é acometido por paralisia cerebral tetraplégica (CID: G80.8), razão pela qual não fala, não anda, não se alimenta sozinho, além de não possuir controle sob suas necessidades fisiológicas. Ademais, a reclamante enfatizou que o uso de fraldas é essencial para a garantia mínima de higiene do seu filho. Observou a declarante que o seu filho demanda diversos gastos, posto que, além da aquisição de fraldas, necessita de cadeira de rodas adaptada, alimentos especiais devido às restrições alimentares, dentre outros dispêndios financeiros. Esclareceu, por derradeiro, que conhece diversas pessoas que vivenciam a mesma situação. No sentido de apurar as alegações da reclamante, esta Promotoria de Justiça oficiou à Secretaria Municipal de Saúde e à Secretaria Estadual de Saúde requisitando informações acerca da existência de algum programa de distribuição de fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos que necessitem de tal material de higiene. A Secretaria Estadual de Saúde ofertou resposta (doc. 03) no sentido de esclarecer que a distribuição de fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos é de competência dos municípios, haja vista tal material de higiene fazer parte do Componente de Atenção Básica ao cidadão. A Secretaria Municipal de Saúde, por sua vez, informou que estava adquirindo fraldas, mensalmente, por meio da ata de registro de preços nº 001/2012 e que tais materiais de higiene são fornecidos aos pacientes cadastrados através da farmácia PROSUS, ressalvando que, caso ainda não seja cadastrado, o paciente ou responsável deve comparecer à unidade referente do PROSUS, munido da documentação necessária, qual seja: endereço completo, cartão SUS, receita médica e/ou declaração de médico constatando a quantidade de insumos para o paciente no mês (doc. 04). Não obstante, esta Promotoria de Justiça, com o escopo de apurar as informações ofertadas pela Secretaria Municipal de Saúde, empreendeu diligência no sentido de verificar se a Farmácia do PROSUS está realizando, efetivamente, o cadastramento e distribuição das fraldas descartáveis aos idosos e pessoas com deficiência (doc. 05). Realizada a diligência supracitada, constatou-se, segundo informações da senhora Sânia Câmara, Diretora Geral do Centro Clínico Carlos Passos, e do senhor João Carlos, Auxiliar de Gerência do Distrito, que a entrega de fraldas, cadastramento e distribuição são realizados em favor das pessoas com deficiência e idosos, todavia, para que tais ações sejam efetivadas há exigência de oferecimento de ação judicial por parte do solicitante. Ademais, averiguou-se que os documentos necessários ao cadastramento são: carteira de identidade, CPF, comprovante de residência, cartão do SUS e solicitação médica (doc. 06). Diante de tais informações, esta representante do Ministério Público notificou a senhora G.K.S.A. a fim de participar de audiência para esclarecer acerca das dificuldades encontradas diante do Município de Natal quanto ao recebimento de fraldas descartáveis. Na audiência realizada, a reclamante alegou que seu filho necessita de, no mínimo, quatro fraldas por dia, num total de 120 unidades no mês. Destacou que procurou o Centro Clínico Dr. José Carlos Passos, tendo sido informada, entretanto, de que as fraldas só são distribuídas às pessoas que conseguiram uma ordem judicial nesse sentido. Diante disso, informou que seu filho continua demandando o uso contínuo de fraldas, requerendo ao Ministério Público providências quanto ao fornecimento regular do material, que se mostra imprescindível à garantia de uma boa higiene e saúde do seu filho e das demais pessoas que necessitam do material (doc. 07). Observa-se que a Administração Pública Municipal em nenhum momento questionou a legalidade do fornecimento de fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos. Cumpre destacar, igualmente, que também não houve objeção do Município de Natal quanto à existência de política pública nesse sentido. Ao contrário, no ofício encaminhado a esta Promotoria de Justiça (doc. 06), houve expressa menção a sua existência, havendo, inclusive, procedimentos administrativos relacionados à aquisição, concessão, distribuição e cadastramento para o fornecimento de fraldas descartáveis aos idosos e pessoas com deficiência. Nesse contexto, torna-se preciso destacar que a Lei Municipal nº 356, de 25 de abril de 2012 (doc. 08) impõe ao Município de Natal o fornecimento gratuito de fraldas descartáveis para pessoas com deficiência física, mental ou neurológica, com mobilidade reduzida ou idosos acamados, que não possuam condições de adquiri-las. Faz-se mister ressaltar, ainda, que se apresenta como conduta desarrazoada a vinculação de ajuizamento de ação judicial para que os idosos e pessoas com deficiência possam garantir uma obrigação já reconhecida legalmente pelo Município de Natal. Dessa maneira, cumpre observar que muitas pessoas com deficiência e idosos possuem, por diversas razões, acesso limitado à justiça, razão pela qual a exigência de manejo de ação judicial para a aquisição de fraldas descartáveis configura-se ainda mais descabida, revelando indiferença por parte do ente municipal com uma coletividade que demanda tratamento diferenciado. Percebe-se que a conduta do município de Natal ofende o princípio da legalidade, a dignidade humana e a igualdade material, desprezando o próprio direito à diferença, tendo em vista que é dever de toda sociedade e do próprio Poder Público afastar os diversos obstáculos que ainda impedem as pessoas com deficiência e idosos do exercício pleno de seus direitos fundamentais. II – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Dispõe o texto da Constituição Federal vigente que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Mais à frente, a Magna Carta, em seu artigo 129, inciso III, conferiu ao Ministério Público a função de promover ação civil pública, para a proteção de interesses difusos e coletivos, como um dos instrumentos para consecução das suas finalidades institucionais, in litteris: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; A Lei nº 7.347/85, no mesmo toar, prevê a possibilidade de propositura de ação civil pública para tutela de todo e qualquer interesse difuso ou coletivo (artigo 1º, IV), bem assim a legitimidade do Ministério Público para seu ajuizamento (artigo 5º). O artigo 3º da Lei nº 7.853/89, por seu turno, cuidando especificamente da proteção aos interesses coletivos ou difusos das pessoas com deficiência, confere ao Ministério Público a titularidade da ação civil pública para tutela desses interesses, nos seguintes termos: Art. 3º As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência. O artigo 74, inciso I, da Lei nº 10.741/03, ao tutelar a proteção aos interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso, confere ao Ministério Público a titularidade da ação civil pública para tutela desses interesses, in verbis: Art. 74. Compete ao Ministério Público: I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso; Na medida em que se discute na presente ação matéria que interessa a uma coletividade de pessoas com deficiência e idosos, a legitimidade do Ministério Público se revela inquestionável, o que demanda o reconhecimento da sua pertinência subjetiva para figurar no polo ativo da presente relação de direito processual. III – LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE NATAL Inicialmente, torna-se preciso destacar que a norma do artigo 1º, da Lei Municipal nº 1 356 , de 25 de abril de 2012 (doc. 09), impõe ao Município de Natal o fornecimento gratuito de fraldas descartáveis para pessoas com deficiência física, mental ou neurológica, com mobilidade reduzida ou idosos acamados, que não possuam condições de adquiri-las. De outro lado, vale ressaltar que de acordo com o manual “Para Entender a Gestão do 2 SUS”, elaborado pelo Ministério da Saúde , existem duas formas de participação dos Municípios na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), a saber, a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada e a Gestão Plena do Sistema Municipal. Os Municípios que detêm a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada são aqueles habilitados a receber um montante definido em base per capita apenas para o financiamento das ações de atenção básica à saúde. Por outro lado, aqueles aos quais se confere a Gestão Plena do Sistema Municipal recebem o total de recursos federais programados para o custeio da assistência em seu território, independentemente do grau complexidade. Nesse contexto, observa-se que a Portaria do Ministério da Saúde nº 2.820, de 2 de junho de 1998, habilitou o Município de Natal na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal, tornando-o responsável, por conseguinte, por gerir, em todos os níveis, a saúde pública em seu 3 território . 1 Art. 1º - Fica o Poder Executivo Municipal obrigado a fornecer gratuitamente fraldas descartáveis, compressas de gazes estéreis e sonda uretrais e descartáveis, para uso contínuo ou temporário, para pessoas com deficiência física, mental ou neurológica, com mobilidade reduzida ou idosos acamados, que não possuam condições de adquiri-las, nas condições estabelecidas nesta Lei. 2 BRASIL (Ministério da Saúde). Para entender a gestão do SUS. Disponível <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/para_entender_gestao.pdf > Acesso: 24/jul./2012. p. 19. em: 3 PORTARIA Nº 2.820, DE 2 DE JUNHO DE 1998. Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, considerando o preconizado na Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde - NOB SUS 01/96 e a decisão da Comissão Intergestores Tripartite - CIT, em reunião ordinária de 19.05.98, resolve: Art. 1º- Habilitar os municípios, conforme Anexos, na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal e publicar os respectivos valores anuais dos tetos financeiros. Parágrafo único. Os municípios relacionados nesta Portaria farão jus à parcela mensal correspondente a 1/12 (um doze avos) dos tetos financeiros publicado, com vigência a partir de 1º de junho de 1998. Art. 2º - Considerar os referidos municípios qualificados para receberem os recursos ao incentivo às Ações Básicas de Vigilância Sanitária no valor de R$ 0,25 (vinte e cinco centavos) por habitante ao ano. Parágrafo único. Os municípios farão jus à parcela mensal correspondente a 1/12 (um doze avos) do valor referido neste artigo. Art. 3º- O Fundo Nacional de Saúde adotará as medidas necessárias para a transferência, regular e automática, dos valores mensais para os fundos municipais de saúde correspondentes. Art. 4º- Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação. Em consonância com os dispositivos legais e regulamentares acima analisados, resta incontestável a legitimidade do Município de Natal para figurar no polo passivo da presente ação civil pública. IV – DA OBRIGAÇÃO LEGAL DO MUNICÍPIO DE NATAL EM FORNECER FRALDAS DESCARTÁVEIS FRENTE A LEI MUNICIPAL Nº 356/2012: Conforme dito alhures, a norma do artigo 1º da Lei Municipal nº 356, de 25 de abril de 2012, impõe ao Município de Natal o fornecimento gratuito de fraldas descartáveis para pessoas com deficiência física, mental ou neurológica, com mobilidade reduzida ou idosos acamados, que não possuam condições de adquiri-las. Não obstante, a supracitada lei, em seu art. 6º, dispõe, ipsis litteris: Art. 6º - O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no que couber, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados de sua publicação. Nessa senda, tendo sido a referida lei publicada na data de 25 de abril de 2012 – DOM nº 2.261, páginas 4/5 – e, por conseguinte, esgotado o prazo de 60 (sessenta) dias por ela conferido em 25 de junho de 2012, o município de Natal encontra-se em mora com a obrigação legal de regulamentar o fornecimento de fraldas às pessoas com deficiência e aos idosos há mais de 6 (seis) meses. Não obstante, torna-se imprescindível destacar que a omissão em regulamentar a supramencionada lei é inconstitucional, posto que, em última análise, seria o mesmo que conferir ao Poder Executivo Municipal a prerrogativa de legislar negativamente, ou seja, de permitir que a sua inércia tivesse o condão de estagnar a aplicação da lei, o que, obviamente, afrontaria a separação de poderes. Assim, se for ultrapassado o prazo de regulamentação sem a edição do respectivo regulamento, a lei deve tornar-se exequível para que a vontade do legislador não se afigure inócua e eternamente condicionada à do administrador. Nesse caso, os titulares dos direitos previstos na lei passam a dispor do direito de ação com vistas a obter, do Judiciário, decisão que lhes permita exercê-los, suprindo a ausência de regulamento. 4 Geraldo Ataliba forneceu extenso rol caracterizador dos limites inerentes ao poder regulamentar, consoante lição abaixo colacionada: a) o regulamento é veiculado por decreto; b) tem natureza de ato administrativo infralegal; c) não pode ser autônomo; d) é nulo se ultra e extra legem; e) é preciso que haja previamente a lei regulamentada; e) leis auto-executáveis não são regulamentáveis; f) o regulamento não inova na ordem jurídica; g) não pode o Executivo fraudar a lei, protelando sua regulamentação; h) a lei não pode atribuir a outros órgãos que não ao Presidente o poder regulamentar; i) as balizas do poder regulamentar estão na 4 ATALIBA, Geraldo. Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo nº 97. Rio de Janeiro, 1966, p. 32/33. Constituição, mas a lei pode fixar prazo para seu exercício; j) o regulamento que interpreta a lei só é vinculante para a própria administração e seus servidores; k) o Presidente não pode regulamentar lei que não lhe caiba executar; l) só matéria administrativa comporta regulamentação, ficando excluídas leis processuais, civis, penais; m) o regulamento não pode dispor sobre relações entre particulares; n) o Presidente só pode regulamentar leis da esfera da União, e nesta que sejam de âmbito do Executivo, em matéria administrativa; o) pelo regulamento o Presidente exerce seu poder hierárquico, regulando relações secundárias e formais entre os funcionários e os administrados, ou seja entre a administração e os administrados, para a prática de atos de obediência às leis. (grifos acrescidos) 5 Gilmar Ferreira Mendes , por sua vez, discorre, com base nas lições de Pontes de Miranda, acerca das consequências relacionadas à omissão do Poder Executivo quanto ao exercício do poder regulamentar: É possível que a omissão de ato ou providência administrativa mais relevante, nesse âmbito, se refira ao exercício do poder regulamentar. Não raras vezes fixa a lei prazo para edição de ato regulamentar, fixando uma conditio para a sua execução. Nesse caso, cumpre ao Executivo diligenciar a regulamentação no prazo estabelecido ou, se julgá-lo exíguo, postular na Justiça contra a violação do seu direitofunção. A sua omissão não tem o condão de paralisar a eficácia do comando legal, devendo ser entendido que, decorrido o lapso de tempo estabelecido pelo legislador para a regulamentação da lei, esta será eficaz em tudo que não dependa do regulamento. (grifos acrescidos) 6 Nesse mesmo sentido, vale registrar o entendimento de Hely Lopes Meirelles : “(...) quando a própria lei fixa o prazo para sua regulamentação, decorrido este sem a publicação do decreto regulamentar, os destinatários da norma legislativa podem invocar utilmente os seus preceitos e auferir todas as vantagens dela decorrentes, desde que possa prescindir do regulamento, porque a omissão do Executivo não tem o condão de invalidar os mandamentos legais do Legislativo” Dessa maneira, percebe-se que a ausência de regulamentação, no prazo de 60 (sessenta dias), nos termos do artigo 6º, não deve obstar a eficácia e efetividade da Lei Municipal nº 356/2012, cujos preceitos são suficientemente claros e aplicáveis. Noutro pórtico, evidencia-se que a municipalidade não agiu sob a égide do princípio da legalidade, posto que se negou a efetivar a Lei Municipal nº 356/2012, mesmo tendo esse instrumento legal imposto uma obrigação clara e precisa à municipalidade. Acerca da subordinação 7 do Poder Executivo à legislação leciona Celso Antônio Bandeira de Mello : 5 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1245. 6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 108 7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 101. Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. Em face dos argumentos expendidos até então, evidencia-se a ilegalidade da omissão do ente municipal, o qual se recusa a efetivar a Lei Municipal nº 356/2012 por meio do seu poder/dever de regulamentar, inércia que enseja, indubitavelmente, a intervenção do Poder Judiciário. V – DA OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO DE NATAL EM FORNECER FRALDAS DESCARTÁVEIS COMO DESDOBRAMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A Constituição Federal de 1988 consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, exigindo que todas as instituições públicas e privadas, além dos particulares, devam observar seus imperativos. 8 Sobre o conceito da dignidade da pessoa humana leciona Ingo Wolfgang Sarlet : (...) qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover uma participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. O cerne da dignidade da pessoa humana não é concebível aprioristicamente, posto que se trata de um conceito vago, indeterminado e aberto, devendo ser compreendido em contexto histórico-cultural específico. Dessa maneira, para que não se converta a ideia de dignidade humana em um mero apelo ético, deve-se determinar seu conteúdo no contexto da situação concreta da conduta estatal e do comportamento de cada pessoa. Em face dessa necessária contextualização, torna-se imprescindível registrar que as pessoas com deficiência e idosos, até por força do disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, não podem, de forma alguma, ficar à margem dessa garantia. Assim, diante da necessidade de se delimitar o conceito de dignidade humana no que se remete às pessoas com deficiência, o Poder Legislativo Nacional outorgou status constitucional à Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. 8 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 8ª Edição. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2010, p. 70. O artigo 28 da supracitada Convenção demonstra o reconhecimento do direito das pessoas com deficiência a um padrão de vida adequado, conforme se verifica do seu texto, in verbis: Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência. (grifos acrescidos) Noutro pórtico, cumpre destacar que a Lei nº 10.741/03 prevê a obrigação do Poder Público de assegurar a dignidade da pessoa idosa: Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 3º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (grifos acrescidos) Não há como negar que a utilização de fraldas seja essencial às pessoas com deficiência e idosos que não possuem controle sob suas necessidades fisiológicas, já que tal material vem a ser imprescindível à higiene dos indivíduos que dele necessitam. A não utilização de fraldas, inclusive, pode ensejar o desenvolvimento de doenças (infecções, escaras, assaduras, dentre outras), acabando por exigir, posteriormente, um maior dispêndio do ente público no fornecimento de medicamentos e tratamento para combater essas moléstias. Ainda no que concerne ao princípio da dignidade da pessoa humana, faz-se preciso destacar que a não utilização de fraldas além de agravar o sofrimento do doente, intensifica a angústia de seus cuidadores, os quais padecem diante do aumento da dificuldade no trato do idoso ou da pessoa com deficiência. Além do mais, configura-se como tratamento vexatório, constrangedor e carente de razoabilidade a conduta do Município de Natal em exigir que idosos e pessoas com deficiência manejem ação judicial para recebimento de fraldas descartáveis, posto que tal proceder obrigam os pacientes solicitantes, ou seus responsáveis, à exposição de seus sofrimentos e intimidades desnecessariamente, visto que o próprio ente municipal possui legislação em que reconhece sua obrigação quanto ao fornecimento do insumo de saúde anteriormente reportado. Constata-se, pois, que a tutela judicial pretendida – fornecimento pelo Município de Natal de fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos que delas necessitem – busca garantir exatamente o respeito à dignidade dessas pessoas, uma vez que o fornecimento do insumo mencionado assegurará um padrão de vida minimamente adequado para as minorias supramencionadas, e para suas respectivas famílias. A própria jurisprudência dos tribunais pátrios perfilha dos entendimentos até então tecidos, conforme julgados paradigmáticos abaixo colacionados: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. FRALDAS DESCARTÁVEIS. OBSERVÂNCIA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E À LEI ESTADUAL Nº 9.908/93. AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSTULADO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal. Postulado constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta, com aplicação imediata, leia-se, § 1º, do art. 5º, da mesma Constituição, e não um direito meramente programático. 2. Fraldas descartáveis. O uso de fraldas descartáveis por quem delas necessita, face à incapacidade de conter suas necessidades fisiológicas, corresponde à manutenção da saúde e dignidade da pessoa, sendo obrigação do Estado fornecê-las. Princípio da dignidade da pessoa humana. NEGADO SEGUIMENTO. (Apelação Cível Nº 70052177979, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 04/12/2012) APELAÇÃO AÇÃO CIVIL PÚBLICA MINISTÉRIO PÚBLICO FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS A PESSOA IDOSA E CARENTE PORTADORA DE GRAVE DEMÊNCIA VASCULAR ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MP E PASSIVA DA FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 127 E 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES ESTATAIS DE ASSEGURAR ÀS PESSOAS DESPROVIDAS DE RECURSOS FINANCEIROS O DIREITO À SAÚDE E O RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA. PRELIMINARES REJEITADAS.127129CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Prevalece o entendimento que o Ministério Público possui legitimidade para a defesa, em juízo, via ação civil pública, do direito à saúde - em última instância, do direito à vida.2. Inexiste impedimento à condenação solidária das duas rés, pois qualquer dos entes da Federação (União, Estados e Municípios) é obrigado a garantir a todo indivíduo o acesso a insumo necessário para manutenção de sua saúde, quando não tiver condições financeiras para tanto, medida que confere o indispensável respeito à dignidade da pessoa. Constitucional - Direito à saúde E À DIGNIDADE DA PESSOA FRALDAS GERIÁTRICAS DESCARTÁVEIS Ofensa à jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores e desta E. Corte de Justiça.1. O art. 196, da CF, é norma de eficácia imediata, independendo, pois, de qualquer normatização infraconstitucional para legitimar o respeito ao direito subjetivo material à saúde, nele compreendido o fornecimento de medicamentos ou aparelhos.2. A pretensão ao fornecimento de remédio, insumo ou de aparelhos, bem como à realização de determinado exame necessários à saúde pode ser dirigida à União, ao Estado ou Município, porque a indisponibilidade do direito à saúde já foi reconhecida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 662.033/RS).196CF3. Prevalece nesta Câmara o entendimento que a negativa ao fornecimento de medicamentos e insumos fere o direito subjetivo material à saúde, direito individual do direito fundamental à vida .RECURSOS DESPROVIDOS. (TJSP. AC n° 9000407-38.2010.8.26.0506, Relator: Amorim Cantuária, Data de Julgamento: 18/10/2011, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 20/10/2011) O Município também é responsável pelo fornecimento de fraldas geriátricas descartáveis indispensáveis à vida com dignidade de pessoa idosa que delas precisa em razão de moléstias que a afligem.". (TJSP. AC n° 994.08.159495-6, Relator: Barreto Fonseca, Data de Julgamento: 08/02/2010, 7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/02/2010) Frente aos posicionamentos explanados até então, constata-se que a obrigação do Município de Natal em fornecer fraldas descartáveis aos idosos e pessoas com deficiência também decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. VI – FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS COMO DESDOBRAMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE A Constituição Federal estabelece na norma do artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, além de instituir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A norma do artigo 198, II, da Constituição Federal impõe que: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; (grifos acrescidos) A Lei nº 8.080/90 dispõe, na norma do seu artigo 7º, II, sobre a integralidade dos serviços de saúde, devendo esse princípio ser entendido como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema. A norma do artigo 18 do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, estabelece que se inclui na assistência integral à saúde e reabilitação da pessoa com deficiência a concessão de órteses, próteses, bolsas coletoras e materiais auxiliares. Já a norma do artigo 15, § 2º, da Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003, impõe que incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. A norma do artigo 1º da Lei Municipal nº 356, de 25 de abril de 2012, atribui ao Município de Natal o fornecimento gratuito de fraldas descartáveis para pessoas com deficiência física, mental ou neurológica, com mobilidade reduzida ou idosos acamados, que não possuam condições de adquiri-las. Nesse contexto normativo, verifica-se que o uso de fraldas descartáveis amolda-se perfeitamente aos insumos essenciais à saúde das pessoas com deficiência e idosos, conforme artigo 18 do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e artigo 15, § 2º, da Lei nº 10.731, de 01 de outubro de 2003. A natureza da fralda descartável como um insumo essencial à saúde é inquestionável, sendo prova disso, o reconhecimento do município de Natal por meio da Lei Municipal nº 356/2012. Assim, não deve prosperar qualquer argumento que tencione apartar o direito fundamental à saúde do uso de fraldas descartáveis, pois não há como negar que a utilização desse insumo seja essencial a pessoas com deficiência e idosos que não possuem controle sob suas necessidades fisiológicas, já que tal material vem a ser imprescindível à higiene dos indivíduos que dele necessitam. Destaque-se que a não utilização de fraldas pode ensejar o desenvolvimento de doenças (infecções, escaras, assaduras, dentre outras), acabando por exigir, posteriormente, um maior dispêndio do ente público no fornecimento de medicamentos e tratamentos para combater essas moléstias, sendo o fornecimento desse material de higiene verdadeira atividade preventiva. Tal entendimento é pacífico na jurisprudência, conforme demonstram os seguintes julgados: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE DIETA ESPECIAL (ISOSOURCE SOYA) E FRALDAS DESCARTÁVEIS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ATESTADO MÉDICO. PROVA SUFICIENTE. DETERMINAÇÃO DE EXAMES PERIÓDICOS PARA AFERIR A SUBSISTÊNCIA DO FORNECIMENTO DOS INSUMOS. POSSIBILIDADE. 1. Qualquer dos entes políticos da federação tem o dever na promoção, prevenção e recuperação da saúde. 2. A ausência de inclusão de dieta alimentar específica e fraldas descartáveis nas listas prévias, quer no âmbito municipal, quer estadual, não pode obstaculizar o seu fornecimento por qualquer dos entes federados, desde que demonstrada a imprescindibilidade para a manutenção da saúde do cidadão, pois é direito de todos e dever do Estado promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, quando desprovido o cidadão de meios próprios. 3. Despicienda a tese sempre alegada acerca da ausência de previsão orçamentária para o fornecimento dos medicamentos, visto que empecilhos dessa natureza não prevalecem frente à ordem constitucionalmente estatuída de priorização da saúde. 4. O atestado médico do profissional devidamente habilitado constitui prova suficiente para embasar a pretensão do autor, bem como a necessidade dos insumos requeridos. 5. Viável a determinação do paciente submeter-se a avaliação periódica para aferição da evolução da patologia e da continuidade de entrega das fraldas descartáveis. A medida se justifica para comprovar a adequação do tratamento e evitar o fornecimento indevido e economia de recursos públicos notoriamente escassos. (TJRS. AC nº 70049096001, Relator: Arno Werlang, Data de Julgamento: 29/08/2012, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/09/2012) CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE ALIMENTO ESPECIAL E FRALDAS GERIATRICAS. COMPETÊNCIA SOLIDÁRIA DA UNIÃO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. ASTREINTES. 1. A União Federal agrava da decisão que deferiu o pedido da autora em obter composto alimentar especial e fraldas geriátricas, alegando que compete ao Município o fornecimento de tais produtos. 2. Responsabilidade solidária dos entes públicos em fornecer medicamentos e qualquer tratamento necessário à cura de enfermidades às pessoas desprovidas de condições financeiras. 3. O direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana é garantido constitucionalmente, sendo dever do Estado em qualquer esfera, seja Federal, Estadual e Municipal, adotar medidas para a sua garantia. 4. É assente o entendimento do STJ e deste Tribunal no sentido de que inexiste qualquer impedimento quanto à aplicação de multa diária a União Federal, por descumprimento de decisão judicial. 5. Na hipótese, embora não se trata especificamente de medicamento é de se ressaltar a necessidade do produto (alimento especial), por ser a única forma de alimentação adequada, já que a paciente faz uso de sonda naso enteral (SNE), sendo referido alimento essencial para sua sobrevida. 6. O fornecimento de fraldas geriátricas torna-se indispensável, visto que a patologia a qual a autora é portadora (atrofia cerebral circunscrita - CID G31) provoca deterioração mental e compromete a ação motora básica da paciente, o que ocasiona descontrole esfincteriano, com a necessidade de uso diário de fraldas. 7. Agravo improvido.(TRF5, AG 00072156520114050000, Desembargador Federal Manoel Erhardt, Primeira Turma, DJE: 28/07/2011) (grifos acrescidos) Faz-se mister ccitar as palavras do desembargador relator Arno Werlang, em seu voto referente à apelação cível nº 70049096001 (doc.10), o qual argumenta no sentido de qualificar o uso de fraldas como uma verdadeira ação preventiva em atenção à saúde, ipsis litteris: Ademais, tenho que o uso das fraldas descartáveis requeridas é imprescindível para a manutenção da saúde do autor e que são evidentes as complicações que adviriam com o atraso no seu fornecimento, tendo em vista o risco de problemas dermatológicos e infecções, sem falar na afronta à própria dignidade humana, que é princípio basilar da Constituição Federal e fundamento da República Federativa do Brasil. (TJRS. AC nº 70049096001, Relator: Arno Werlang, Data de Julgamento: 29/08/2012, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/09/2012) Em consonância com os argumentos acima expendidos, resta inequívoco o entendimento de que o uso de fraldas pelos pacientes que delas necessitam é um desdobramento do direito à saúde em sua vertente preventiva, tendo sido constatado, inclusive, que tal posicionamento é uníssono na jurisprudência dos tribunais pátrios. VII – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA O Código de Processo Civil, em seu artigo 273, permite a concessão pelo juiz da antecipação dos efeitos da tutela quando houver verossimilhança das alegações e houver fundado receio de dano irreparável e de difícil reparação, in litteris: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)I I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; Para a satisfação do requisito da prova inequívoca da verossimilhança das alegações, deverá existir a enunciação de um fato que aparentemente seja verdadeiro, tendo por base o conhecimento empírico, além da necessidade de se demonstrar prova que corrobore com a alegação, a qual deve parecer verdadeira. No caso, os documentos colacionados aos autos demonstram que o Município do Natal não está fornecendo as fraldas descartáveis aos pacientes de que delas necessitam, descumprindo o seu dever legal de fornecimento (Lei Municipal nº 356/2012). Ressalte-se, dentre essas provas, o documento nº 07, através do qual a senhora G.K.S.A. afiançou a informação de que as fraldas só são distribuídas pelo ente municipal às pessoas que conseguiram uma ordem judicial nesse sentido. Noutro pórtico, impende destacar que o risco de dano deve ser concreto, atual e grave, ou seja, deve ser iminente. Ademais, o dano deverá ser considerado irreparável ou de difícil reparação, sendo assim classificado quando a situação analisada não puder voltar ao status quo ante. O dano irreparável da presente demanda repousa no fato de que a não utilização de fraldas pelas pessoas com deficiência e idosos pode dar ensejo ao desenvolvimento de doenças (infecções, escaras, assaduras, dentre outras), acabando por prejudicar, sobremaneira, a saúde e a vida das pessoas que integram as minorias supramencionadas. Faz-se preciso destacar, ainda, que a não utilização de fraldas, além de agravar o sofrimento do doente, intensifica a angústia de seus cuidadores, os quais padecem diante do aumento da dificuldade no trato do idoso ou da pessoa com deficiência. De outro lado, cumpre ressaltar que no caso da presente ação não se revela razoável privilegiar a norma do art. 273, § 2º do CPC, que veda a concessão da tutela antecipada caso haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, uma vez que o interesse econômico do município de Natal não pode se sobrepor ao direito indisponível à vida e à sobrevivência digna. Tal posicionamento, inclusive, é adotado pela jurisprudência de vários Tribunais de Justiça pátrios, conforme demonstram os julgados abaixo colacionados: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - PLANO DE SAÚDE QUIMIOTERAPIA - MEDICAMENTO ""AVASTIN"" - PRESCRIÇÃO MÉDICA - TUTELA ANTECIPADA - EXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA E DE FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL - CONCESSÃO. Se o autor da ação conseguiu demonstrar seu direito, de forma inequívoca, e comprovou o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, impõe-se a concessão da tutela antecipada. Não se revela razoável privilegiar a norma do art. 273, § 2º do CPC, que veda a concessão da medida caso haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, uma vez que o interesse econômico do requerido não pode se sobrepor ao direito indisponível à vida e à sobrevivência digna. CPC (TJMG. AI nº 10702096195590/001, Relator: ALVIMAR DE ÁVILA, Data de Julgamento: 13/01/2010, Data de Publicação: 25/01/2010) AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DE DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL DE PESSOA IDOSA - ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" AFASTADA - PRELIMINARES ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE - LIMINAR - REQUISITOS DO ART. 12 DA LEI N. 7.347/85 DEMONSTRADOS - IRREVERSIBILIDADE DOS EFEITOS DA MEDIDA - DIREITO À SAÚDE - MULTA DIÁRIA - VALOR ADEQUADO - PRAZO REDUZIDO PARA CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL - MAJORAÇÃO.127.347É cabível a concessão liminar contra a Fazenda Pública para o fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de saúde de paciente necessitado, não se podendo falar em ofensa ao disposto no art. 475, incisos I e II, do Código de Processo Civil, e na Lei n. 8.437/92, quando pende contra essas normas um direito fundamental de todo ser humano, como a vida. Havendo prova inequívoca capaz de convencer este Órgão julgador da verossimilhança das alegações e fundado o receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, do CPC) decorrente da demora na entrega da prestação jurisdicional definitiva, mostra-se escorreita a antecipação de tutela obrigando o Estado a fornecer o tratamento de que necessita o paciente para manutenção de sua saúde. "Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético - jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida" (Min. Celso de Melo). A tutela pode ser antecipada antes da ouvida da parte contrária e da instrução probatória, quando se verificar a urgência da medida, já que no caso se trata de pleito para o fornecimento de medicamento pelo ente público à paciente, sem o qual a beneficiária encontrará dificuldades de sobrevivência ou manutenção da saúde. Assim, não há ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa a que se refere o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, haja vista que eles continuam assegurados, mas postergados para momento oportuno, qual seja, a resposta do réu. O valor da multa aplicada na decisão judicial para o caso de não cumprimento do fornecimento de medicamento deve ser fixada de maneira a que "o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixado pelo juiz" (Nelson Nery Júnior), sem todavia servir como instrumento de enriquecimento desarrazoado da parte contrária.475IIICódigo de Processo Civil8.437273CPCConstituição5ºLVConstituição Federal (TJSC. 670021 SC 2011.067002-1, Relator: Jaime Ramos, Data de Julgamento: 19/01/2012, Quarta Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Agravo de Instrumento n. , de Forquilhinha) AGRAVO DE INSTRUMENTO - FÁRMACO - TUTELA ANTECIPADA POSSIBILIDADE - REQUISITOS PARA ATENDIMENTO PRESENTES IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA - RISCO DE DANO, TANTO NA CONCESSÃO QUANTO NO INDEFERIMENTO DO PROVIMENTO ANTECIPADO - OPÇÃO DO MAGISTRADO PELO RESULTADO DE MENOR MAL. Existindo prova inequívoca que possibilite o convencimento do magistrado acerca da verossimilhança das alegações da agravada, qual seja, ter a autarquia previdenciária obrigação de lhe possibilitar pleno acesso à saúde, a concessão da tutela antecipada neste aspecto se mostra correta, pois prima-se pelo direito fundamental à vida (art. 196 da CRFB). Verificando o juiz que o atendimento ou não ao pedido de antecipação dos efeitos da tutela pode gerar dano a uma das partes, deve decidir de modo a evitar o de maior potencial lesivo. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2005.038292-1, da Capital, rel. Des. Volnei Carlin , j. 27-04-2006). Em consonância com os argumentos até então expendidos, pugna o Ministério Público Estadual pela concessão, por esse douto Juízo, da antecipação dos efeitos da tutela pleiteada na presente ação, para o fim de determinar ao Município de Natal que forneça regularmente as fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos, residentes no Município do Natal, que delas necessitem, conforme prescrição médica, devendo tal fornecimento ser regularizado no prazo máximo de 30 (trinta) dias. IX - PEDIDO Ante o exposto, requer o Ministério Público: a) seja apreciado e concedido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para o fim de determinar ao Município de Natal que forneça regularmente as fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos, residentes no Município do Natal, que delas necessitem, conforme prescrição médica, devendo tal fornecimento ser regularizado no prazo máximo de 30 (trinta) dias. b)seja citado o Município réu, por meio de seu representante legal, para, querendo, contestar o pedido, no prazo legal; c) seja julgado procedente o pedido formulado na presente ação, para condenar o Município de Natal a fornecer regularmente as fraldas descartáveis às pessoas com deficiência e idosos, residentes no Município do Natal, que delas necessitem, conforme prescrição médica, devendo tal fornecimento ser regularizado no prazo máximo de 30 (trinta) dias. d) que as intimações, quanto aos atos e termos processuais, sejam feitas de forma pessoal junto à 42ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, situada na Av. Floriano Peixoto, nº 550, Tirol, Natal, RN; e e) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no artigo 18 da lei 7.347/85 e artigo 27 do Código de Processo Civil; Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admissíveis, notadamente pelos documentos acostados à presente ação. Dá-se à causa, apenas, o valor de R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais), embora absolutamente inestimável o objeto tutelado. Natal, 06 de Março de 2013. Naide Maria Pinheiro 42ª Promotora de Justiça da Comarca de Natal