justiça POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA: GRANDES DESAFIOS Robson Sávio Reis Souza Filósofo especialista em Segurança Pública (CRISP/UFMG) e professor da PUC Minas [email protected] Os problemas da segurança pública brasileira são reflexos de um legado político autoritário. As bases do sistema público de segurança (ainda) estão assentadas numa estrutura social historicamente conivente com a violência privada, a desigualdade social, econômica e jurídica e os “déficits de cidadania” de grande parte da população. Como se não bastasse toda uma ordem político-institucional e cultural geradora da exclusão e do afastamento de grandes parcelas da população dos direitos de cidadania, o período ditatorial (1964 – 1985) acentuou o esfacelamento de uma cultura democrática em construção ao enfatizar o controle do Estado em relação às chamadas “classes perigosas”. Em boa medida, o conceito da “doutrina de segurança nacional” criado durante a Ditadura Militar continuou vigorando na estrutura de nossos sistemas estaduais e federal de segurança. Até meados da década de 1990, o modelo e as ações de segurança pública limitavam-se à contenção social, a partir do preceito de que “lei e ordem” públicas derivariam no uso da força, das armas e das ações policiais pela exclusiva via da repressão. Em síntese, segurança como “coisa de polícia”. O autoritarismo, característico desse período, conjugou-se com práticas clientelistas e patrimonialistas que remontam da formação social e política nacional – na conformação de um sistema público de segurança claramente a serviço de determinadas classes sociais, com o aval da legalidade dada por parte do Estado. Tal situação perdurou mesmo depois da promulgação da Constituição Federal de 1998. Percebe-se que nas lacunas deixadas pelas políticas de proteção e promoção da cidadania, coube às corporações policiais não só a intervenção, mas também a interpretação, com discricionariedade, de sua função social e de como tal função deveria ser exercida. Os impasses institucionais, principalmente aqueles relativos às alterações substantivas não efetuadas nas estruturas organizacionais das agências responsáveis pela execução das políticas de segurança (polícias, sistema prisional, judiciário, etc.), emperraram a possibilidade de mudanças estruturais – que seriam fundamentais para a superação dos velhos paradigmas que sustentam a política de segurança pública brasileira. Sob o ponto de vista conceitual, só muito recentemente tal política passou a ser entendida como direito de cidadania (superando fase anterior que tratava a segurança exclusivamente como política de controle social pelo Estado). A principal modificação foi-se constituindo a partir da assunção do conceito de segurança cidadã, que privilegia o papel da sociedade civil na relação com a política de segurança pública, velando pela observância das garantias fornecidas no âmbito do Estado de Direito e a busca da implantação de novos princípios e valores que fortaleçam a segurança democrática. Dar novo conceito à segurança significa considerar que o centro da mesma é o cidadão. Entendida como um bem público, a segurança cidadã refere-se a uma ordem cidadã democrática e permite a convivência segura e pacífica. Não obstante essas mudanças na concepção e nas tentativas de implementação de novos paradigmas na política, as alterações nas agências executoras da segurança pública foram pontuais. As estruturas e a 1 cultura repressiva dessas agências do subsistema de segurança ainda rechaçam todo tipo de reformas. Ou seja, apesar da mudança na política, houve pouca (ou quase nenhuma) transformação nas ações de segurança pública, na ponta. Isso aponta para um delicado paradoxo: como as mudanças nessas agências foram pontuais, apesar das alterações substantivas no âmbito da formulação e da implementação da política, os velhos paradigmas sobre os quais foram erigidas as bases do sistema de segurança ainda se refletem, com evidência, nos elevados indicadores de criminalidade, nos desarranjos do sistema de justiça criminal, na desconfiança nas instituições desse sistema e na sensação de medo e insegurança que campeiam nas nossas cidades. 2