Apostila - Direitos Individuais em Especie

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APOSTILA
DE
DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA: DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: HISTÓRICO, CONCEITO E
EXTENSÃO
Material de apoio para a disciplina “Direitos Humanos” – LEITURA COMPLEMENTAR
Elaborado por : Denis Domingues Hermida
SUMÁRIO
I-
Introdução ...................................................................................................2
II - Conceito e histórico dos direitos fundamentais.........................................4
III - Conceito e histórico de direitos e garantias individuais.........................23
IV -
Os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição de 1988 e sua
extensão......................................................................................................29
V - Conceito de cláusula pétrea.....................................................................112
VI- Interpretação do parágrafo 4o do artigo 60 da Constituição de 1988...135
VII – Conclusão.................................................................................................195
VIII – Bibliografia.............................................................................................198
1
I – INTRODUÇÃO
Os direitos e garantias individuais estão abrigados dentro da categoria dos direitos
fundamentais do homem, em razão de sua essencialidade. O trabalho que ora se apresenta procura
desenvolver um estudo específico sobre essa espécie de direito fundamental, destacando
principalmente o tratamento diferenciado que a Constituição Federal destinou a esses direitos.
Buscando atingir os objetivos propostos pelo trabalho, primeiramente se realizou um
estudo histórico dos direitos e garantias individuais, destacando inclusive a evolução dos próprios
direitos fundamentais.
Num segundo momento, se procurou formular um conceito de direito individual,
verificando o que a doutrina brasileira compreende por tal termo. Para tanto, fez-se necessário
abordar não apenas o conceito de direito individual, mas também distinguí-lo dos direitos
coletivos e dos direitos sociais, não objeto do presente estudo. Também se procedeu à
diferenciação entre os termos direitos e garantias, demonstrando a íntima conexão que existe entre
eles.
Cumpridas tais etapas, se analisou os direitos e garantias individuais consagrados na
Constituição Federal, identificando seu conteúdo, as questões problemáticas implicadas em cada
um deles e ainda a extensão de tais direitos e garantias. Embora se tenha procurado fazer uma
abordagem ampla, estudando os inúmeros direitos fundamentais dessa espécie, certamente
restaram alguns que não foram abordados, até em razão da dificuldade de sua identificação no
corpo constitucional.
Por fim, se desenvolveu um estudo das cláusulas pétreas com o intuito de demonstrar qual
a interpretação mais adequada do artigo 60, §4º da Constituição Federal. Neste mesmo contexto,
se analisou qual o tratamento destinado aos direitos e garantias individuais, considerando que a
Lei Maior expressamente os elevou à categoria de cláusulas pétreas. Verificou-se também a
possibilidade de se considerar outros direitos fundamentais, além dos direitos individuais,
cláusulas pétreas.
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II - HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. A denominação direitos e garantias fundamentais
Antes de adentrarmos no estudo dos direitos e garantias individuais é de suma importância
estudarmos os direitos fundamentais dos seres humanos, uma vez que, já adiantamos, direitos
individuais são espécies daqueles.
Para tanto, vamos abeberar nos ensinamentos do professor Vidal Serrano Nunes Junior,
cujo trabalho serviu de base para as definições que seguem.
É importante salientar que esta categoria jurídica tem diversas expressões terminológicas,
como Liberdades Públicas, Direitos do Homem, Direitos Humanos, Direitos Públicos Subjetivos.
A expressão Liberdades Públicas é muito restrita, pois traduz apenas a essência dos direitos
individuais ou civis. É a preservação da liberdade do indivíduo frente a possíveis atos de
prepotência do Poder Público. É direito de resistência. É utilizado pela doutrina francesa, em
especial.
A denominação Direitos do Homem ou Humanos indica predicados inerentes à natureza
humana enquanto tal, independente de um sistema jurídico específico, é de dimensão congênita e
universalista. Vem antes da existência do direito positivado.
J.J Gomes Canotilho, p.529, assim nos ensina:
«As expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são freqüentemente
utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da
seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os
tempos (dimensão jurisnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do
homem,jurídico-institucionalmente garantidos espácio-temporalmente. Os direitos do
homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal
e universal; os direitos fundamentais seriam direitos objetivamente vigentes numa ordem
jurídica.»
Os Direitos Públicos Subjetivos limitam suas abrangências às relações estabelecidas entre
os indivíduos e o Poder Público, deixando de agregar em seu significado os deveres coletivos ou o
propósito de limitação do poder econômico.
Já a denominação Direitos Fundamentais traduz o acúmulo evolutivo dos níveis de alforria
dos seres humanos e os coloca inerentes à condição humana e são passíveis de reivindicação
judicial .
1.2.- Classificação e conceito dos direitos fundamentais
Os Direitos Fundamentais são vocacionados para a proteção da dignidade humana em
todas as suas dimensões. São de natureza poliédrica e prestam-se ao resguardo da liberdade
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(direitos e garantias individuais); necessidades (direitos econômicos, sociais e culturais);
preservação (direitos à fraternidade e à solidariedade).
Os Direitos Fundamentais são frutos da evolução econômica e social em simultaneidade
com a evolução das relações jurídicas da humanidade. Não surgem das mãos dos legisladores,
mas por estes foram reconhecidos e positivados, inclusive nas Constituições.
1.2.1. Classificação
Os Direitos Fundamentais podem ser abordados sob diversos enfoques, resultando,
assim,em muitas classificações:
a) conteudística ; b) jurídico positivo ; c) evolutivo cumulativo
1.2.1.1. Enfoque Conteudística
Por este enfoque, os Direitos Fundamentais são classificados conforme os valores
específicos que estão destinados a proteger: proteção da dignidade humana em todas as suas
dimensões é o valor genérico que deseja proteger.
As diversas dimensões são segmentadas segundo os valores específicos que venham
contemplar e mesmo distintos entre si permanecem ligados pela finalidade que os une.
São três as dimensões conteudísticas: a) direitos fundamentais protetivos da liberdade, os
quais tem por finalidade limitar a atuação estatal em relação às liberdades individuais; é direito de
resistência; b) direitos protetivos dos indivíduos diante das necessidades materiais, ao contrário do
item anterior, neste caso o indivíduo tem direito a ações compensatórias do Estado, cuja finalidade
é a diminuição das desigualdades econômicas, sociais e culturais; c) direitos protetivos da
preservação do ser humano ou de solidariedade, que é o direito à paz, ao desenvolvimento, à
comunicação social.
1.2.1.2. O enfoque jurídico positivo
São os Direitos Fundamentais que estão expressamente indicados no plano do direito
positivado.
A nossa Constituição reuniu num mesmo capítulo direitos de natureza diversa. Assim, não
adotou corte metodológico, mas positivou os diversos Direitos Fundamentais historicamente
reconhecidos pela humanidade, tanto os individuais, como os sociais,econômicos, culturais,
políticos e coletivos.
Poderíamos classificar o enfoque jurídico positivo no seguinte:
a)direitos individuais, aqueles destinados à limitação do Estado, cuja finalidade é atribuir aos
indivíduos direitos de liberdade, fruíveis e reinvindicáveis individualmente;
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b)direitos coletivos, são aqueles transindividuais, cujos titulares são pessoas indetermináveis,
ligadas a circunstâncias de fato(difusas) ou grupo, categoria ou classe, as quais estão ligadas entre
si pela parte contrária a uma relação jurídica básica;
c)direitos sociais (art.6º );
d)direitos de nacionalidade;
e)direitos políticos;
f) partidos políticos.
Neste caso não existe divergência com José Afonso da Silva, p.164. Porém, ele
não fala de partidos políticos, mas lembra dos direitos econômicos, artigo 170 e ss., com o qual
concordamos.
1.2.1.3. O enfoque evolutivo cumulativo
Existe um processo de evolução, uma vez que a positivação dos Direitos Fundamentais dos
seres humanos é resultado de um aumento progressivo de aspectos da dignidade humana que
passaram ao longo da história a serem objetos de proteção jurídica.
Basicamente são três as gerações de Direitos Fundamentais:
a)
Direitos de 1ª geração, são os individuais e políticos, que visam a resguardar as liberdades
individuais oponíveis ao Estado e a instrumentalizar a participação popular;
b)
Direitos de 2ª geração, são os direitos às ações positivas do Estado, aos serviços públicos,
`a intervenção do Estado para diminuir as desigualdades por meio de diversas políticas
compensatórias;
c)
Direitos de 3ª geração, são aqueles intrínsecos à preservação da espécie humana, à
solidariedade, à paz, ao desenvolvimento econômico
1.2.2. Características intrínsecas dos direitos fundamentais
Os Direitos Fundamentais por constituírem uma categoria jurídica trazem consigo algumas
características, cuja essência os unificam e os diferenciam dos demais direitos expressos na
Constituição.
As características dos Direitos Fundamentais são as seguintes:a)historicidade; b)
autogeneratividade; c) universalidade; d) limitabilidade; e)concorrência. Analisemos cada uma
delas :
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a)
Historicidade,não existe consenso doutrinário em relação ao momento histórico.Mas é
certo que os Direitos Fundamentais não surgiram do nada, mas de um processo histórico
evolutivo. É resultado da luta da humanidade, em diferentes momentos históricos e lugares para
assegurar a dignidade da pessoa humana e com o passar dos séculos foram sendo positivados.
Este tema será aprofundado no item 2 deste capítulo.
b) A autogeneralidade dos Direitos Fundamentais estão incluídos entre os elementos fundantes
das Constituições. No entanto, na prática, elas só existem porque incorporam estes direitos
juntamente com os elementos constitutivos do Estado ( população, governo, finalidade, território).
Pablo Lucas Murillo, in “El Derecho a la Autodeterminación Informativa”, p.17, assim
fundamenta:
« no hay duda de que constituyen el núcleo del ordenamiento constitucional y, por tanto,
del ordenamiento jurídico. El Estado como organización política juridicamente organizada
tiene sua razón de ser en la realización de los derechos fundamentales»
Já Carl Schimitt, leciona que « Por tener um concepto utilizable por la ciencia es preciso
dejar afirmado que e el Estado burguès de Derecho son derechos fundamentales sólo aquellos que
el Estado, no es que otorgue con arreglo a suas leyes, sino que reconece e protege com dados
antes que él...»
Assim, os Direitos Fundamentais possuem legitimidade, sua positivação não desqualifica
o momento da jusnaturalização, aspectos forjados a partir de conceitos como dignidade humana,
igualdade, liberdade, fraternidade.
J.J.Gomes Canotilho: «a positivação constitucional não significa que os direitos
fundamentais deixem de ser elementos constitutivos da legitimidade autogenerativa... e, por
conseguinte, elemento legitimativo-fundante da própria ordem jurídica constitucional positiva....a
positivação jurídica constitucional não “ dissolve” nem “consome” quer o momento de
“jurisnaturalização” quer as raízes fundantes dos direitos fundamentais.»
c) A universalidade dos Direitos Fundamentais existe, porque sua razão de ser é o gênero humano.
Por isso, é incompatível sua restrição a um grupo, categoria, casta, classe ou estamento de
pessoas.
Afirmar os Direitos Fundamentais é colocar o ser humano acima de e independente de
qualquer outra configuração de caráter econômico, social, racial, político, origem, cultural.
d) A limitabilidade dos direitos fundamentais significa que estes direitos não são absolutos,logo a
norma jurídica não pode, na sua aplicação ao caso concreto ser aplicada em toda a sua extensão e
alcance em decorrência do fenômeno da colisão de direitos.
Existe o fenômeno de colisão de direitos quando duas pessoas ou grupos de pessoas têm
direito ao mesmo direito, porém estão com reivindicações opostas um ao outro.
Citamos como exemplo: passseata de um sindicato em via pública x direito de locomoção
de outros indivíduos que não fazem parte da passeata.
Neste caso, dois direitos fundamentais se chocam.Assim, precisamos encontrar uma
solução, a qual resume-se no seguinte: 1- admite-se que os direitos fundamentais são limitáveis e,
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portanto, não absolutos; 2- a limitabilidade não deve ser definida no plano normativo, mas no
plano fenomênico, diante da colisão de direitos concretamente exercidos.
e) Irrenunciabilidade, posto que são intrínsecos aos seres humanos, a renúncia seria à própria
condição de humanidade.
f) Concorrência de direitos fundamentais significa que tais direitos são acumuláveis pelos
indivíduos. Portanto,uma única conduta pode ser portegida simultaneamente por mais de uma
norma constitucional.
Citamos como exemplo , a veiculação de uma notícia por meio de comunicação de massa.
Neste caso, o indivíduo receptor pode ao mesmo tempo exercer o direito de comunicação, de
informação e de opinião.
José Afonso da Silva, p.162, in Curso de Direito Constitucional Positivo 6ª ed., 1990, São
Paulo, Revista dos Tribunais, fala apenas das seguintes características dos direitos fundamentais:
historicidade( afirmando que aparecem com a Revolução francesa e que sua historicidade rechaça
toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas);
inalienabilidade ( são direitos intransferíveis, inegociávies, porque não são de conteúdo
econômico-patrimonial, indisponíveis); imprescritíveis ( a prescritibilidade somente atinge
direitos patrimoniais e não os personalíssimos); irrenunciáveis ( podem até não serem exercidos,
mas podem potencialmente serem exercidos a qualquer tempo).
Coloca, ainda, José Afonso, que os direitos fundamentais absolutos são aqueles cujo
conteúdo e incidência decorrem inteiramente da Constituição, enquanto os relativos decorrem
quando a lei preencher o conteúdo e a incidência.
Na nossa opinião, a doutrina de Vidal Serrano é melhor, pois ajuda a solucionar os problemas
concretos.
1.2.3. Características Extrínsecas dos Direitos Fundamentais
Lembramos que as características intrínsecas identificam a essência de um direito
fundamental.
Já as extrínsecas são as características identificas na Constituição, as quais podemos
caracteriza-las nas seguintes: a)rigidez; b) imodificabilidade das cláusulas pétreas; c)
aplicabilidade imediata . Analisemos cada uma :
a) rigidez, neste caso suas normas submetem-se a um processo mais gravoso de modificação via
o legislador ordinário e todas as normas infra-constitucionais guardam dever de compatibilidade
vertical com elas.
b) direitos e garantias individuais clausuladas em cláusulas pétreas, conforme o artigo 60, § 4º da
Constituição, o que torna esta espécie de Direitos Fundamentais impermeável à eventuais
modificações via o legislador ordinário;
c) aplicabilidade imediata de seus preceitos, segundo o artigo 5º,§ 1º da Constituição.
1.3. Conclusão deste tópico
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1- Os Direitos Humanos são inerentes e intrínsecos aos seres humanos enquanto tal. Portanto, são
universais e intemporais e independem de positivação jurídica para serem reconhecidos, segundo
a visão jurisnaturalista.
2- Os Direitos Humanos, quando positivados, foram denominados de Direitos Fundamentais,
conforme doutrina de José Joaquim Gomes Canotilho.
3- Os Direitos Fundamentais são gêneros, cujas espécies são basicamente as seguintes: a)
Liberdades Públicas ou Direitos Individuais (direito de resistência ao Estado e à participação
política); b) Direitos econômicos, sociais, culturais; c) Direitos à preservação da espécie humana.
4- Os Direitos Fundamentais são direitos públicos subjetivos.
5- Classificação dos Direitos Fundamentais: a)conteudística (direitos protetivos da liberdade;
direitos protetivos dos indivíduos diante das necessidades materiais; direitos protetivos da
preservação do ser humano; b) jurírico-postivo(direitos individuais, coletivos, sociais, de
nacionalidade, políticos, de partidos políticos),c)evolutivo-histórico, ( direitos de preservação, à
paz, à solidariedade, à fraternidade, ao desenvolvimento).
6- Os Direitos Fundamentais, conforme o processo evolutivo-histórico podem ser:
- Direitos de 1ª geração( individuais e políticos, participação popular);
- Direitos de 2ª geração (direitos às ações positivas do Estado, como os serviços públicos
essenciais, com a finalidade de compensar desigualdades);
- Direitos de 3ª geração (direitos de prevervação: paz, solidariedade, fraternidade,
deselvolvimento).
7- Características intrínsecas dos direitos fundamentais.A essência, aquilo que o diferencia de
outros direitos: historicidade; limitabilidade(fenômeno da colisão de direitos); irrenunciabilidade;
concorrência.
8-Características extrínsecas. São as identificadas no direito positivo. Na Constituição: rigidez(
processo mais gravoso de modificação); direitos individuais impermeáveis à modificação,
cláusulas pétreas ( artigo 60, § 1º ); aplicação imediata de sues preceitos, artigo 5º,§ 1º da
Constituição.
2) História dos Direitos Fundamentais
Com a finalidade de conceituar Direitos Fundamentais nos utilizamos, basicamente, dos
ensinamentos do professor doutor Vidal Serrano Nunes Junior e de outros doutrinadores utilizados
em suas obras. Agora, no entanto, concluímos que a obra do professor doutor José Afonso da
Silva é mais extensa, no aspecto histórico-evolutivo destes direitos.Assim, utilizaremos,
especialmente, seus ensinamentos no trabalho que segue.
Porém, é importante salientar que não existe consenso doutrinário em relação ao momento
histórico que surgiram os Direitos Fundamentais. Mas é certo, segundo Vidal Serrano Nunes
Junior, que a idéia foi consolidada com o advento do cristianismo que preconizava o homem à
imagem e semelhança de Deus e, portanto, foi necessário a preservação da essência humana, da
autodeterminação.
José Afonso da Silva classifica os Direitos Fundamentais do Homem: individuais,
políticos, sociais e econômicos, a exemplo da grande maioria dos doutrinadores.
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2.1.
Antecedentes das Declarações de Direitos
O reconhecimento de direitos fundamentais é mais que uma conquista. É uma reconquista
de algo que se perdeu quando a sociedade se dividira entre proprietários e não proprietários.
Na sociedade primitiva, gentílica, o poder era interno à própria sociedade. Não existia
poder dominante. Os seres humanos buscavam libertar-se da opressão da natureza, mediante
descobertas e invenções, conforme Rudolf von Jhering, in “ L’Esprit du Droit Romain dans lês
Diverses Fhases de son Developpement”.
A forma de poder externo surge com o desenvolvimento do sistema de propriedade.
Aparece, então, a opressão e a subordinação. Surge a escravidão sistemática.
O Estado se forma para amparar e sustentar o sistema de dominação.
A partir daí, o homem, além de lutar contra os empecilhos da natureza, viu-se diante das
opressões sociais e políticas e sua história é a luta para se libertar da opressão e da dominação.
O intelecto humano luta para dominar a propriedade, através da definição das relações
entre o Estado e a propriedade: as obrigações e as limitações dos seus donos e as salvaguardas
para as suas garantias.
Tendo em vista que os interesses da sociedade são maiores que os interesses dos indivíduos
isoladamente. A humanidade luta pela democracia no governo e a fraternidade na sociedade, pela
igualdade de direitos e privilégios, pela educação universal, entre outras lutas até chegar às
declarações formais de direitos ou aos direitos da primeira geração.
O pensamento sofístico da Antiguidade Clássica elaborou divagações sobre o princípio da
igualdade, porém o pensamento dominante não colocava preocupações humanitárias ( livro do
Vidal Serrano Nunes Junior)
Podemos citar como antecedentes das declarações formais de direitos:
- O veto do Tribuno da Plebe contra ações injustas dos patrícios em Roma;
- A lei de Valério Publícola que proibe penas corporais contra cidadãos em determinadas
situações;
- O Interdicto de Homine Libero Exhibendo que dava a proteção jurídica da liberdade e é
antecedente remoto do Hábeas Corpus
Porém, essas medidas não eram universais, uma vez que se limitavam a proteger os
membros da classe dominante.
Durante a Idade Média surgiram os antecedentes diretos das declarações de direitos.Nesta
fase da história da humanidade, em muito contribuiu a teoria do direito natural a qual condicionou
o aparecimento do princípio das leis fundamentais do reino, sendo estas limitadoras do poder do
monarca.
Muitas denominações apareceram: “pactos”; “florais”; “cartas de franquia”; “estatutos e
cartas assecuratórias de direitos”, cujos objetivos eram a proteção de direitos grupais e de
estamentos, mas com reflexos nos direitos individuais.
Os espanhóis elaboraram, os seguintes documentos que visavam limitar o poder do rei:
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-Leon e Castela-1188, o qual falava de segurança, domicílio, propriedade, atuação em
juízo;
-Aragão- 1265- reconhecimento de direitos e limitação do poder dos nobres;
-Viscaia-1526- reconhecendo privilégios, franquias e liberdades.
Para os ingleses e toda a história da humanidade, podemos citar a Magna Carta-1215-1225como um marco histórico e o Mayflower Compact de 1620, que por si só, é um documento de
garantia de governo limitado, além dos seguintes documentos :
- Petition of Rights-1628 : a petição de direitos é de origem parlamentar. É um documento do
parlamento inglês solicitando do rei o reconhecimento dos direitos e liberdades para os súditos.
Na realidade foi um meio de transação entre o reio e o parlamento e na verdade foi uma
solicitação para que os direitos já expressos no artigo 39ª da Magna Carta fosse colocado em
prática. O rei cedeu porque necessitava de autorização do parlamento para executar as finanças
públicas. ;
- o Hábeas Corpus Amendment Act- 1679; tinha por objetivo suspender as prisões arbitrárias, foi
um grande golpe nos déspotas;
- o Bill of Rights- esta declaração de direitos é fruto da da Revolução liberal de 1688, a qual
conquistou de uma vez por todas a supremacia do parlamento, a monarquia constitucionalista e
submissa à soberania popular. A partir daí superou-se, assim, a realeza de direito divino.
É verdade que estes textos são estamentais e se condicionam à formação de regras
consuetudinárias. Porém, foram importantíssimos símbolos das liberdades públicas e serviram de
base para que juristas extraíssem, especialmente, da Magna Carta os fundamentos da ordem
jurídica democrática inglesa.
A estabilidade e o firme desenvolvimento das instituições inglesas bastaram para tornar
ociosa uma lista maior de liberdades públicas. As constantes afirmações do Parlamento e dos
precentes judiciais formando a Common Law foram suficientes para assegurar o mais firme
respeito pelos Direitos Fundamentais dos seres humanos.
Citamos, ainda, os diversos documentos das Colônias inglesas da América do Norte, os
quais são estatutos e cartas assecuratórios de direitos fundamentais, como: Charter of New
Englant- 1620; Charter of Massachusetts Bay- 1629; Charter of Maryland- 1632; Charter of
Carolina- 1663; Charter of Geórgia- 1732 ; Massachusetts Body of Liberties- 1641; New York
Charter of Liberties- 1683; Pensylvania Charter of Privileges-1701.
2.2 As Declarações Universais de Direitos
De grande envergadura foram as declarações de direitos dos Estados da Virgínia e
Pensylvania de 1776, as quais precederam à Revolução burguesa na França, mas comungavam
das mesmas idéias e tinha como filosofia os mesmos pensadores.
Porém, a carta de maior pujança foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
de 1789, na França, fruto da Revolução burguesa. Esta sim de cunho universalista.
Conforme Paulo Bonavides:
“Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de
ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de
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abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada ( os barões feudais), quando
muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das
antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o
gênero humano.”
Após a revolução francesa a grande maioria dos ordenamentos jurídicos dos diversos
Estados constitucionalizou estas declarações, transformando-as em normas jurídicas, geradoras de
direitos subjetivos.
Podemos citar como marco a Constituição Belga de 1831, conforme Paulo Biscaretti de
Rufia, in Curso de Direito Constitucional, p.516 , mas antes deste meio consenso histórico,
podemos citar, também, a Constituição brasileira de 1824, a qual foi outorgada ao povo, por
d.Pedro I.
É importante frisar as características da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789: a) intelectualismo, porque foi uma operação de ordem puramente intelectual
que se desenrolaria somente no plano das idéias, era antes de tudo um documento filosófico e
jurídico que visava uma sociedade ideal, mas baseada no consentimento popular, na legitimidade;
b) mundialismo, pois pretendia ultrapassar os indivíduos franceses, desejava um valor geral,
universal; c) individualismo ,uma vez que somente consagra os valores individuais e não
menciona a liberdade de associação e nem a liberdade de reunião, preocupa-se apenas em
defender o indivíduo contra o Estado, declara o direito de resistência. É de cunho estritamente
liberal, burguês.
Assim, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, traz apenas os direitos
da primeira geração; isto é, os direitos individuais e políticos, esquecendo-se dos direitos
materiais(de segunda geração) e dos direitos à preservação, à paz, à solidariedade ( direitos da
terceira geração). Portanto, apesar de pretender-se universal, acabava, na prática, não atingindo
nem a totalidade do povo francês. Formalmente, todos tinham direitos.Mas, era apenas perante a
lei e não na lei; isto é, à igualdade substancial. Logo, atendia, apenas o povo burguês.
Tal fato se explica, uma vez que a burguesia do século XVIII estava oprimida apenas do
ponto de vista político, uma vez que tinha o poder econômico.
Com o desenvolvimento industrial e o consequente surgimento de uma classe operária o
povo desprovido de poder econômico percebeu logo que aquelas garantias eram apenas formais e
que, muitas vezes, serviam apenas para proteger as propriedades da burguesia e seus direitos
políticos contra greves, assembléias de trabalhadores, direitos de associações, de reunião.
Assim, nos explica Juan Ferrando Badía, p.49: (J.AS. pág.142):
“A burguesia liberal aperenta conceder a todos a liberdade de imprensa, a liberdade de
associação, os direitos políticos, as possibilidades de oposição política: mas , de fato, tais direitos
e liberdades não podem ser exercidos realmente senão pelos capitalistas, que são os que têm os
meios econômicos indispensáveis para que tais liberdades sejam reais. E assim, no caso do direito
de sufrágio, este serve para camuflar diante dos olhos dos proletários uma papeleta de voto, mas a
propaganda eleitoral se encontra nas mãos das forças do dinheiro. Simula conceder-lhes o direito
de formar sindicatos e partidos políticos, mas as oligarquias capitalistas conservam, direta ou
indiretamente, o controle.”
Em oposição a este estado de coisas surgem novas doutrinas: os socialistas, primeiro os
utopistas (Saint-Simon, Fourier, Louis Blanc, Owen ) e depois os cientistas(Karl Marx , Engels),
os quais submeteram as concepções abstratas da liberdade, da igualdade a severas críticas, uma
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vez que medravam as injustiças e as iniqüidades na repartição da riqueza e faziam prosperar a
miséria das massas proletárias, enquanto a burguesia acumulava cada vez mais riquezas. O
sistema favorecia poucos e gerava crises econômicas para a grande maioria do povo.
O fruto destas críticas foi a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado: o
Manifesto Comunista de 1848, cuja influência é comparado por Harold Laski , p.27 com a
Declaração de Independência Norte Americana e com a Declaração de Direitos de 1789. A partir
daí surgiram outras concepções em bases teóricas da sociedade e do Estado, além de documentos
de outras correntes, como as encíclicas papais, a Rerun Novarum, 1891, de Leão XIII.
No plano jurídico, a Revolução de 1848, em Paris, garantiu o direito do trabalho em sua
constituição de curta duração. Mas foi a Constituição do México de 1917 a primeira que
sistematizou um conjunto de direitos sociais do homem, denominado de Declaração de Direitos
Socais, artigo 123
, sem romper com o sistema capitalista Em
seguida veio a Constituição alemã de Weimar, 1919, qual sob o signo de Direitos e Deveres
Fundamentais dos Alemães, incluiu os direitos da pessoa individual, os direitos da vida social, os
da vida religiosa, os da educação e escola e os da vida econômica.Apesar da Constituição
mexicana ser a mais avançada foi a alemã de Waimar que teve mais influência no
constitucionalismo após a primeira grande guerra mundial, inclusive na brasileira de 1934.
Porém, apesar de suas contradições, foi uma marco histórico, uma passo muito grande
para a humanidade, pois através de seus ideais foi pos+sivel a conquista de outros direitos
fundamentais.
Em 10 de dezembro de 1948 a ONU- Organização das Nações Unidas- sacramentou a idéia
de reconhecimento universal dos Direitos Humanos, com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
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III - CONCEITO DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
Como dito anteriormente, os direitos e garantias individuais estão inseridos na categoria
dos direitos fundamentais, ou seja, aqueles direitos são espécies do gênero direitos fundamentais.
Partindo desse pressuposto, faz-se necessário compreender o significado do termo direito
fundamental, para posteriormente analisar o conceito de direito individual.
Para tanto, recorre-se às lições de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior, os quais afirmam que “os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria
jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões” 1. Os
referidos autores analisam ainda o conteúdo de cada uma das palavras que compõem a expressão,
concluindo que “o vocábulo direito serve para indicar tanto a situação em que se pretende a defesa
do cidadão perante o Estado como os interesses jurídicos de caráter social, político ou difuso
protegidos pela Constituição. De outro lado, o termo fundamental destaca a imprescindibilidade
desses direitos à condição humana.”2
Em relação aos direitos individuais, também denominados de direitos de liberdade,
liberdades públicas, ou ainda direitos civis, pode-se afirmar que correspondem aos direitos
fundamentais de primeira geração, que impõem uma limitação à atuação do Estado e dos
particulares.
Reforçando esta idéia, encontram-se as considerações realizadas por Vladimir Brega Filho,
para quem os direitos individuais “são concebidos para serem exercidos pela pessoa humana
individualmente considerada e trazem como característica principal a imposição de limites ao
poder estatal e aos demais indivíduos.”3 A partir desse conceito, Vladimir Braga Filho constata
que os direitos individuais podem ser visualizados através de duas perspectivas diferentes, pois
por um lado concedem o exercício de um direito ao indivíduo e, por outro, impõem ao Estado e
aos demais membros da sociedade o dever de se abster, de não se intrometer na esfera pessoal do
indivíduo.
Nesta mesma linha, identificando os direitos individuais com os direitos fundamentais de
primeira geração, destacam-se os ensinamentos de José Afonso da Silva, o qual define os direitos
individuais como sendo os “direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que
reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos
diante dos demais membros da sociedade política e do próprio estado.”4
Em seu “Curso de direito constitucional”, Celso Ribeiro Bastos5 destaca uma importante
característica dos direitos individuais que se refere ao fato de incidirem sobre a pessoa pela
simples razão dela existir, não necessitando de nenhum fato aquisitivo. Em conformidade com os
demais autores mencionados, destaca também que tais direitos garantem ao Homem o exercício
de uma autonomia e impõem limitações ao Estado.
1
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 87.
2
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 86.
3
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 75.
4
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 181.
5
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 260
13
Embora reconheça que a maioria dos direitos individuais impõe apenas deveres de
abstenção ao Estado, Celso Bastos ressalta que atualmente já se pode notar na Constituição
Federal a existência de alguns direitos individuais que implicam em um investimento estatal, ou
seja, que implicam em uma atuação positiva do Estado. Mesmo reconhecendo essa realidade, o
autor aponta a necessidade de se distinguir tais direitos individuais dos direitos econômicos,
sociais, etc
As considerações realizadas trazem então uma importante reflexão para o trabalho que
consiste em diferenciar os direitos individuais dos direitos sociais.
Primeiramente, é preciso confessar que em muitos momentos tais direitos se entrelaçam,
em razão dos direitos sociais assumirem o papel de instrumentos hábeis a garantir e a concretizar
direitos individuais. Dito de outro modo, pode-se afirmar que os direitos sociais, em diversas
hipóteses, constituem-se pressupostos para a eficácia de direitos individuais.6
Neste mesmo sentido, transcreve-se o conceito de direito social formulado por José Afonso
da Silva, o qual serve para comprovar a conexão existente entre esse e os direitos individuais:
“Direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas
proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de
situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como
pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias
ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível como o
exercício efetivo da liberdade.”7
Para demonstrar os aspectos comuns e os divergentes entre os direitos individuais e os
direitos sociais, pode-se também fazer referência ao pensamento de Gustavo Just da Costa e Silva.
Em relação às diferenças existentes entre essas espécies de direitos fundamentais afirma o
autor que “os direitos de liberdade e os direitos sociais estão associados a distintas etapas da
formação e evolução do Estado constitucional. Suas consagrações positivas refletem por isso
diferentes concepções do Estado e da constituição, e diferente é o papel que cada uma dessas
espécies de direitos desempenha na legitimação das constituições contemporâneas”8. Por outro
lado observa que ambos os direitos “são reconhecidas ao indivíduo em decorrência de sua simples
condição de membro da coletividade, sendo esse reconhecimento essencial para a própria
definição do regime político adotado. E é por isso que se trata, em ambos os casos, de direitos
fundamentais.”9
Como mencionado anteriormente, Celso Ribeiro Bastos também se ocupa da tarefa de
diferenciar os direitos individuais dos direitos sociais, concluindo que aqueles exigem do Estado
no máximo a edição de normas e a fiscalização do seu cumprimento, enquanto que os segundos
dependem da realização de despesas específicas, ou seja, exigem a aplicação de recursos
orçamentários para atingir os objetivos que integram tais direitos.
Em relação aos direitos individuais mostra-se também útil apresentar a classificação
proposta por alguns autores tendo em vista a localização dos direitos individuais. Para abordar
esta questão, é preciso analisar a regra constitucional que indica onde se localizam os direitos e
garantias individuais. Conforme disciplina o artigo 5º, §2º da Constituição Federal, “os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
6
O tema referente à relação existente entre os direitos individuais e os direitos sociais será aprofundado nos capítulos seguintes
deste trabalho.
7
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 277.
8
SILVA, Gustavo Just da Costa. Os limites da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 120.
9
SILVA, Gustavo Just da Costa. Os limites da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 120.
14
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.”
No entendimento de José Afonso da Silva10, os direitos individuais podem ser agrupados
em três categorias: direitos individuais expressos, que são aqueles enunciados no artigo 5º da
Constituição Federal; direitos individuais implícitos, que são aqueles subentendidos nas regras de
garantia; e direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo
Brasil.
Embora semelhante à classificação proposta por José Afonso da Silva, Vladimir Brega
Filho propõe que dentre os direitos individuais expressos sejam englobados não apenas os
enunciados no artigo 5º da Constituição Federal, mas também todos os direitos individuais
explícitos distribuídos ao longo de todo o texto constitucional.
11
Como o intuito deste trabalho é estudar os direitos individuais, faz-se necessário também
compreender o que são direitos coletivos, para não confundi-los com os direitos individuais.
Ao tratar dos direitos coletivos, Vladimir Brega Filho12 expõe a teoria do constitucionalista
português J. J. Gomes Canotilho, o qual, por sua vez faz uma distinção entre direitos
fundamentais coletivos e direitos fundamentais de exercício coletivos. De acordo com o
entendimento de Canotilho, os direitos coletivos só podem ser exercidos por pessoas coletivas,
não se admitindo que os membros, individualmente, exerçam tais direitos.
Os direitos fundamentais de exercício coletivo, por sua vez, são direitos que embora
exercidos coletivamente, também podem ser exercidos individualmente por cada um dos membros
integrantes daquela coletividade. No entendimento do constitucionalista português, o fato de tais
direitos poderem ser exercidos coletivamente, não os faz perder a natureza jurídica de direitos
individuais.
Analisando as considerações de José Afonso da Silva, constata-se que esse autor realiza a
mesma distinção proposta por Canotilho, pois considera que a liberdade de reunião e a de
associação não são propriamente direitos coletivos, mas sim direitos individuais de expressão
coletiva.
Em relação aos direitos coletivos, merece também ser ressaltada a concepção de Celso
Ribeiro Bastos, o qual considera que os direitos coletivos “dizem respeito também ao homem,
mas tomado, ou melhor, considerado em conjunto com outros dando lugar a um fenômeno
necessariamente meta-individual. O mundo moderno, ao massificar as relações humanas, tanto do
ponto de vista do consumo como da produção, trouxe a necessidade de muitas vezes discutir-se
globalmente uma determinada situação que pertine a um grupo muito grande de pessoas.”13
Para que se possa completar a abordagem do conceito de direitos e garantias individuais, é
preciso ainda distinguir o que são direitos e o que são garantias.
Com o intuito acima mencionado, recorre-se aos ensinamentos de Jorge Miranda, para
quem:
“Clássica e bem atual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e
pela sua função, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdade, por um lado, e garantias, por outro
lado.
Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os
direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objecto
de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se
directa e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo
10
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 191.
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 78.
12
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 81.
13
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 262.
11
15
nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias
estabelecem-se.”14
No Brasil, bastante lembradas são as lições de Rui Barbosa 15, o qual entendia que os
direitos eram disposições declaratórias, enquanto que as garantias eram disposições assecuratórias
que, buscando defender os direitos, limitavam o poder.
A distinção entre direitos e garantias nem sempre se mostra uma tarefa fácil, pois em
muitas ocasiões um direito é também uma garantia e uma garantia é também um direito. Além
disso, outra dificuldade que se impõe é o fato do texto constitucional em muitas ocasiões utilizar
expressões como “é garantido” ou “é assegurado” para se referir a direitos.
Por fim, ressalta-se que atualmente estão reconhecidas no texto constitucional inúmeras
garantias, pois percebeu-se que nada adianta declarar um direito sem que haja uma norma que lhe
assegure, isto é, sem que haja uma norma contendo uma garantia capaz de dar efetividade ao
direito.
14
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1988, tomo IV, p. 88 e 89.
BARBOSA, Rui. República: teoria e prática. apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São
Paulo: Malheiros, 1995, p. 183.
15
16
IV – OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS CONSAGRADOS NA
CONSTITUIÇÃO DE 1988 E SUA EXTENSÃO
Partindo do conceito de “direitos e garantias individuais” obtido no capítulo
anterior, apresentamos abaixo a enumeração dos direitos e garantias individuais consagrados pela
CF/88, apresentando a extensão de cada um deles :
1- O direito à igualdade
O direito à igualdade, também denominado princípio da igualdade e princípio
da isonomia é, em realidade, norma jurídica extraído do enunciado constante do caput do artigo
5o. da CF/88, in verbis :
“ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza...”
Para que possamos ter a real noção do conteúdo da norma jurídica
constitucional da isonomia, necessitamos interpretar o que vem a ser “iguais perante a lei” e “sem
distinção de qualquer natureza”.
Iniciemos o nosso trabalho interpretativo que, ressaltamos, tem por objetivo
verificar a real extensão do princípio da igualdade previsto na Constituição Federal de 1988,
através de uma análise do conceito de igualdade.
Da leitura da expressão “iguais perante a lei”, poderíamos, pela técnica
interpretativa gramatical, extrair 2(duas) hipóteses semânticas possíveis, quais sejam:
que, absolutamente, todos deveriam ser tratados pela lei da exata mesma
forma, ignorando-se a existência de grupos heterogêneos e de circunstâncias individuais
que careceriam qualquer espécie de tratamento individual
que a igualdade está relacionada às características do indivíduo ou de
determinado grupo, isto é, indivíduos iguais deveriam ser tratados da mesma forma,
indivíduos diferentes deveriam sofrer normatizações de comportamento diversas
Também da mesma expressão, poderíamos, ainda gramaticalmente, construir outras
possibilidades relacionadas ao destinatário da ordem de tratamento igual :
o destinatário é somente o legislador que, no ato de produção de enunciados
prescritivos, deveria considerar a igualdade
o destinatário seria o intérprete da lei, que, no momento de interpretar os
enunciados prescritivos, formando as normas jurídicas aplicáveis aos casos concretos,
deveria levar em consideração a igualdade, isto é, o valor a ser utilizado na interpretação
(técnica interpretativa axiológica) deveria ser, entre outros cabíveis, o da igualdade
17
os destinatários seriam o legislador que, no ato de produção de enunciados
prescritivos, deveria considerar a igualdade e o intérprete da lei, que, no momento de
interpretar os enunciados prescritivos, formando as normas jurídicas aplicáveis aos casos
concretos, deveria levar em consideração a igualdade, isto é, o valor a ser utilizado na
interpretação (técnica interpretativa axiológica) deveria ser, entre outros cabíveis, o da
igualdade
Continuando o nosso procedimento interpretativo da expressão “iguais perante a lei”,
importante é a utilização da técnica interpretativa histórica, valendo, nesse ponto, citar José
Afonso da Silva16 no sentido de que :
“Nossas Constituições, desde o Império inscreveram o princípio da igualdade,
como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera
isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem
levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos
do art. 5o., caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras
normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as exigências da
justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social”
Isto é, a tradição constitucional brasileira é no sentido da utilização do termo
“igualdade” como “igualdade perante a lei”, isto é, igualmente formal, no sentido de que a
igualdade está relacionada às características do indivíduo ou de determinado grupo, isto é,
indivíduos iguais deveriam ser tratados da mesma forma, indivíduos diferentes deveriam sofrer
normatizações de comportamento diversas
Além, utilizando-se as técnicas interpretativas sistemática e axiológica,
também concluímos pela versão formal e relativa da igualdade, somente satisfeita se o legislador
tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais. Isto porque, não se poderia
interpretar de outra forma se levarmos em consideração que os fundamentos da República
Federativa do Brasil, na forma do artigo 3o. da CF/88, é, entre outros “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”(inciso III). Ora, a única forma de
buscar a igualdade entre desiguais é tratando os desiguais de forma que, privilegiados pela norma
jurídica, logrem atingir um patamar próximo do status dos demais indivíduos que, inicialmente,
situavam-se em situação mais privilegiada por diversos fatores como, por exemplo, o cultural, o
econômico, o político etc.
No entanto, é importante que se destaca que a questão da igualdade
deve ser considerada em relação a determinado fator como, por exemplo, do ponto de vista
econômico ou do ponto de vista físico. E é nesse sentido que introduzimos os elementos que
devem ser levados em consideração para a ocorrência concreta do princípio da igualdade,
apresentados por Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Luiz Alberto David Araujo17 :
a)
fator adotado como critério discriminatório;
b)
correlação lógica entre o fator discriminatório e o tratamento jurídico
atribuído em face da desigualdade apontada;
c)
afinidade entre a correlação apontada no item anterior e os valores protegidos
pelo ordenamento constitucional
É da análise conjunta desses três elementos que se alcança a conclusão quanto à ocorrência
ou não in concreto do princípio da isonomia. Observe-se que esse procedimento proposto leva em
consideração não só as diferenças entre os indivíduos, como também a razão da normatização
discriminatória, possuindo profundo interesse axiológico.
16
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Malheiros, 10a. edição revista, 1995, p. 209
ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 5a.
edição, revista e atualizada, 2001, p.91
17
18
Também, nessa esteira, importante o magistério de Alexandre de Moraes18 , para quem “o
que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento
desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do
próprio conceito de Justiça, pois o que se protege são certas finalidade, somente se tendo por
lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de
uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio
Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de
condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação ou
programas de ação estatal”
Se de um lado Alexandre de Moraes não nos apresenta um procedimento para a verificação
in concreto do respeito ao princípio da igualdade, o que muito bem o faz Bandeira de Mello, de
outro lado, apresenta-nos o grau axiológico que deve acompanhar qualquer discussão sobre o
princípio da igualdade.
Para que possamos por conclusão apontar a real extensão do princípio da igualdade, temos
que definir quem é o real destinatário do princípio da igualdade : é o legislador, é o interprete ou
ambos ?
O Direito tem por função o controle social, sendo que para que atinja o seu desiderato, o
Direito faz uso das normas jurídicas que podem ser vistas como estruturas lógica-deônticas. As
normas jurídicas, como já destacamos em outras partes dessa monografia são produzidas através
do trabalho interpretativo que, num Estado Democrático de Direito como o Brasil, com a
imposição do princípio da legalidade, deve partir das possibilidades semânticas dos enunciados
prescritivos (textos legais-constitucionais). Ora, se as normas jurídicas são extraídas do processo
interpretativo e se o trabalho de interpretação não deve se afastar das possibilidades semânticas do
direito positivo, concluímos que são destinatários do princípio da igualdade não só o legislador,
como também o intérprete.
Antes de concluirmos é importante esclarecer que, a despeito de alguns autores, como, por
exemplo, Luiz Alberto David Araujo19, entenderem que o princípio da igualdade não é um direito
individual, mas somente uma regra-mestra para a interpretação das demais normas
constitucionais, entendemos que o direito à igualdade é um direito individual, perfeitamente
aplicável no caso concreto sob a forma de norma jurídica específica.
Em suma, apresentaos a extensão do princípio da igualdade : a igualdade está relacionada
às características do indivíduo ou de determinado grupo, isto é, indivíduos iguais devem ser
tratados da mesma forma, indivíduos diferentes devem sofrer normatizações de comportamento
diversas, tudo no sentido de se lograr a igualdade entre os indivíduos, compondo as suas
diferenças. O trabalho de busca da igualdade mediante o tratamento desigual dos desiguais, se faz
por critério discriminatório baseado em determinado fator, que deve manter correlação lógica com
o tratamento jurídico atribuído em face da desigualdade apontada e afinidade com os valores
protegidos pelo ordenamento jurídico constitucional pátrio. Tal princípio, na extensão acima
apontada, é de aplicação obrigatória, não só pelo legislador, como também pelo intérprete.
Eis o conteúdo petrificado !
2 – A proibição de tortura
18
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo : Atlas, 12a. edição, 2002, p. 64
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília : Coordenadoria
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, 1994, p.52
19
19
A proibição de tortura consta do inciso III do artigo 5o da CF/88, sendo que a interpretação
do citado enunciado constitucional será capaz de nos apresentar a real extensão de tal direito
individual.
Consta do inciso III do artigo 5o. da CF/88 que :
“ ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante; “
Devemos buscar o significado buscado pela Constituição para o termo “tortura” para, após,
verificarmos se possui alguma relação com a “tratamento desumano ou degradante”, somente
assim verificaremos a real extensão de tal direito petrificado.
Poderíamos buscar diretamente a Lei 9.455, de 7 de abril de 1997 que tipificou o crime de
tortura, a fim de buscar o significado de tal termo. No entanto, entendemos não ser correto
interpretar a Constituição com base em conceitos infra-constitucionais.
Partimos, assim, do significado denontativa para, após, analisar sistemática e
axiologicamente o enunciado sob exame.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira20 apresenta :
“ tortura sf 1. Suplício, tormento, infligido a alguém. 2. Fig. Grande mágoa.
3. Fig. Lance difícil”
Fancisco da Silveira Bueno21 apresenta significações idênticas às apresentadas por Aurélio
Buarque, isto é, tortura como “suplício, tormento, tortuosidade, grande mágoa, lance difícil”.
Isto é, “tortura” é ato que se qualifica pelos seus efeitos em relação a seu sujeito passivo,
efeitos esses que podem ser de natureza física ou psicológica, não possuindo vínculo necessário
com específico fim do comportamento ativo de torturar.
E mais, do ponto de vista sistemático e axiológico, necessário é esclarecermos que a classe
dos atos de tortura proibidos deve ser a maior possível, e deverá ter como limites o princípio da
dignidade da pessoa humana e o princípio da proporcionalidade.
Adentremos mais profundamente nessa discussão. A prisão, por exemplo, é um ato que,
sem dúvida alguma, pode se enquadrar entre aqueles que tem como efeito o suplício, o tormento
do prisioneiro, podendo se enquadrar na classe dos “atos de tortura”. No entanto, a prisão é
instrumento extremado, mas necessário para o controle do comportamento dos indivíduos que
compõem a sociedade, isto é, trata-se de instrumento de preservação da própria sociedade, sendo
portanto, admitido através do próprio princípio da proporcionalidade, no sentido de que a restrição
da liberdade do indivíduo somente deve ser considerada como forma necessária para a liberdade e
segurança da sociedade, isto é, como ensina Lenio Luiz Streck :
“ a difícil linha demarcatória estabelecida pelo princípio da proporcionalidade, tão
bem especificada por Jelineck já no longínquo ano de 1971, quando afirmou que “o
20
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 3a.
edição, revista e ampliada, 12a. impressão, 1993, p. 540
21
BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Fae,
20
Estado somente pode limitar com legitimidade a liberdade do indivíduo na medida
em que isso for necessário à liberdade e à segurança de todos.”22
Se o princípio da proporcionalidade é capaz de apresentar o limite negativo da proibição da
tortura. O princípio da dignidade da pessoa humana, visto como instrumento de acesso do ser
humano à felicidade, compõe o limite positivo da proibição da tortura, no sentido de que qualquer
sofrimento, seja ele físico ou moral, é contrário à felicidade e, por conseguinte, à dignidade da
pessoa humana.
Entendemos já possuir elementos para fixar a extensão da norma jurídica extraída do inciso
III do artigo 5o da CF/88, mas, antes, devemos analisar a expressão “tratamento desumano ou
degradante”, que compõe a parte final do citado inciso.
Não temos dúvida de que a expressão “tratamento desumano ou degradante” significa
conjunto de situações fáticas que já se encontram incorporados na classe dos atos de tortura, mas
não devemos, de forma alguma, entender que o Constituinte foi prolixo, mas, sim, tomarmos tal
repetição como forma de reiterar a necessidade de interpretação ampla do termo “tortura”.
Em suma, a “proibição de tortura” tem como extensão a proibição de ato que se qualifica
pelos seus efeitos em relação a seu sujeito passivo, efeitos esses que podem ser de natureza física
ou psicológica, não possuindo vínculo necessário com específico fim do comportamento ativo de
torturar, sendo que tal proibição deverá ter como limites o princípio da dignidade da pessoa
humana e o princípio da proporcionalidade. Isto é, pelo princípio da proporcionalidade, algumas
formas de “tortura” ou “tratamento desumano ou degradante” poderão ser aceitos pelo
ordenamento jurídico desde que seja condição sine qua non para a manutenção da sociedade
(princípio da proporcionalidade). De outro lado, pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
qualquer sofrimento, seja ele físico ou moral, é contrário à felicidade e, por conseguinte, à
dignidade da pessoa humana.
3 - A liberdade de crença religiosa
A liberdade de crença religiosa é extraída do enunciado constante do inciso VI do artigo 5 o.
da CF/88, qual seja :
“ é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e as suas liturgias.”
Destaque-se, antes de adentrarmos no processo efetivo de busca da extensão de tal direito,
que além do inciso IV do artigo 5o., os enunciados constantes dos incisos VII e VIII do próprio
artigo 5o., além do inciso I do artigo 19, da alínea b do inciso VI do artigo 150 e o parágrafo 1o. do
artigo 210 compõem o tratamento jurídico apresentado pela Constituição de 1988 ao tema
“liberdade de crença religiosa”.
Para a verificação do conteúdo da norma jurídica de liberdade de crença religiosa,
importante é o estudo quanto ao significado da expressão “crença religiosa”.
22
STRECK, Lenio Luiz. As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre : Editora Livraria do
Advogado, p. 16
21
Nosso dicionários apresentam que crença é o ato ou efeito de crer, de ter por certo ou
verdadeiro alguma coisa e que religioso é a qualidade daquilo ligado à religião, à crença na
existência de força ou forças sobrenaturais23.
A crença religiosa, em síntese, é a situação fática inerente a determinado indivíduo ou a
determinada classe de indivíduos que tomam como verdadeira a existência de determinada força
sobrenatural, normalmente denominada “Deus” ou outro termo que remeta ao mesmo significado
de onipotência, de sobrenaturalidade).
Destaque-se que essa crença não se revela somente do ponto de vista passivo, isto é, na
simples situação de entender verdadeira a existência de um “Deus”24, mas também em
comportamentos comissivos de “agrado” a essas forças sobrenaturais, comportamentos esses que
são denominados ritos ou cultos.
Assim, quando se fala em liberdade religiosa, entende-se a amplitude da liberdade tanto
quanto ao fator “acreditar ser verdadeira a força sobrenatural” como também o direito de
comportar-se de determinada forma em cultos ou ritos de exaltação de tal força sobrenatural
acreditada. Essa liberdade religiosa também envolve a permissibilidade de instrumentos inerentes
ao seu desenvolvimento, como o ensino religioso e a associação religiosa.
A própria composição cultural, a origem e a história da população brasileira gera a
existência de pluralidade de formas de desempenho de crenças religiosas, devendo todas serem
respeitadas pelo Estado.
Agora, é verdadeiro que tal liberdade possui restrições, restrições essas que são impostas
por outros direitos e garantias fundamentais, como, por exemplo, a inviolabilidade do direito à
vida (no sentido de impedir que os cultos ou os ritos destruam vidas, seja sob a forma de
homicídio, seja sob a forma de suicídio), a proibição de tortura (no sentido de impedir que os
cultos ou os ritos imponham tratamento de suplício aos cultuadores ou a terceiros) e ao princípio
da liberdade de associação para fins lícitos (no sentido de impedir que a associação religiosa se
destine à prática de atos ilícitos).
Em suma, eis a extensão da “liberdade de crença religiosa” : o Estado não pode impedir ou
dificultar a situação fática inerente a determinado indivíduo ou a determinada classe de indivíduos
que tomam como verdadeira a existência de determinada força sobrenatural, normalmente
denominada “Deus” ou outro termo que remeta ao mesmo significado de onipotência, de
sobrenaturalidade), como também o direito de se comportar de determinada forma em cultos ou
ritos de exaltação de tal força sobrenatural acreditada, desde que o comportamento religioso não
viole o direito à vida (no sentido de impedir que os cultos ou os ritos destruam vidas, seja sob a
forma de homicídio, seja sob a forma de suicídio), a proibição de tortura (no sentido de impedir
que os cultos ou os ritos imponham tratamento de suplício aos cultuadores ou a terceiros) e o
princípio da liberdade de associação para fins lícitos (no sentido de impedir que a associação
religiosa se destine à prática de atos ilícitos).
4 - A inviolabidade do domicílio
A inviolabilidade do domicílio é extraída do inciso XI do artigo 5o. da CF/88, in verbis :
23
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 3a.
edição, revista e ampliada, 12a. impressão, 1993, pp. 152/153 e 471
24
Aqui utilizamos a palavra “Deus” como sinônimo de qualquer força sobrenatural típica de credo religioso
22
“ a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;”
O objetivo da norma jurídica extraída do enunciado acima indicado não é, em realidade,
uma simples proteção da estrutura física da “casa”, mas da intimidade e da privacidade dos
indivíduos que ocupam a casa. É na sua casa, entendido o termo “casa” como todo e qualquer
ambiente onde uma pessoa se estabelece, podendo no conceito de casa também se incluírem “a
própria residência ou de outrem, seja ela fixa ao solo, estabelecimento rodante ou casa flutuante;
ou o aposento de habitação coletiva, em pensões, hotéis, casas de pousada, e, tratando-se de local
não acessível ao público em geral, está caracterizado o domicílio, constitucionalmente falando”25,
que o indivíduo cultua a sua privacidade, os seus segredos, suas manias, suas conquistas...
Nesse sentido, Alexandre de Moraes26 :
“ No sentido constitucional, o termo domicílio tem amplitude maior do que no
direito privado ou no senso comum, não sendo somente a residência, ou ainda, a
habitação com intenção definitiva de estabelecimento. Considera-se, pois, domicílio
todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer
título, inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço, preservase, mediatamente, a vida privada do sujeito”
Não temos dúvida de que, mesmo que não houvesse o enunciado constante do inciso XI do
artigo 5o. da CF/88, a norma jurídica de inviolabilidade de domicílio seria extraída do conteúdo
do inciso X do mesmo artigo constitucional, onde consta a inviolabilidade da intimidade, da vida
privada, da honra e da imagem das pessoas. A importância da especificação do inciso XI se deve,
no nosso entendimento, da necessidade de reforçar a importância do domicílio como local de
gozo da intimidade e da privacidade humana, como também para fixar, expressamente, os limites
da inviolabilidade do domicílio.
Destacamos que, da leitura dos enunciados que inserem direitos e garantias individuais,
percebemos que, em sua maioria, não fixam limites expressos para o gozo das liberdades,
cabendo ao intérprete, com base em princípios, como o da proporcionalidade, ponderar os limites
e fixar a real extensão de tais direitos. No entanto, o inciso XI do artigo 5o apresenta interessante
descrição dos limites do direito individual ali enunciado, descrição essa explícita e que traz
claridade para o intérprete.
Os limites à inviolabilidade do domicílio são expressos : “salvo em caso de flagrante delito
ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”. Entendemos
que, nesses limites, já se encontra, implicitamente, que o direito à inviolabilidade se curva a
outros direitos individuais, como o direito à vida (já que a limitação a casos de desastre ou de
prestação de socorro evidenciam a proteção da vida física) e o direito à segurança (“salvo em caso
de flagrante delito”) e à tutela jurisdicional (“durante o dia, por determinação judicial”).
Esse raciocínio nos leva à conclusão de que : entende-se como “desastre” qualquer fato de
destruição, atual ou iminente, movido por forças naturais ou pela voluntariedade humana e que
possam colocar em risco a vida humana; como “flagrante delito” o momento de ocorrência de um
delito, independentemente de sua gravidade e “durante o dia” como a situação de fato em que há
25
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Inviolabilidade do domicílio na Constituição. São Paulo : Editora Malheiros, 1993, p.
76
26
Op. Cit. p. 75
23
luminosidade natural, sendo que a fixação de horário se torna difícil, do ponto de vista genérico,
vez que em cada região do Brasil, há um horário específico para o pôr do sol.
Eis a extensão petrificada do direito à inviolabilidade do domicílio : é proibida a entrada
não autorizada na residência de outrem, seja ela fixa ao solo, estabelecimento rodante ou casa
flutuante; ou o aposento de habitação coletiva, em pensões, hotéis, casas de pousada, em suma, de
qualquer de local não acessível ao público em geral, salvo para proteção da inviolabilidade de
direitos individuais como : o direito à vida (já que a limitação a casos de desastre ou de prestação
de socorro evidenciam a proteção da vida física) e o direito à segurança (“salvo em caso de
flagrante delito”) e à tutela jurisdicional (“durante o dia, por determinação judicial).
5 – Da inviolabilidade das comunicações
Compreender e fixar a extensão do direito à inviolabilidade das comunicações é interpretar
o inciso XII do artigo 5o. da CF/88, in verbis :
“ é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelece para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal.”
Interpretaremos o presente enunciado analisando primeiramente a inviolabilidade do sigilo
de correspondência e das comunicações telegráficas e de dados” e a inviolabilidade das
comunicações telefônicas para, após, apresentarmos as limitações a tais sigilos.
Quanto à inviolabilidade do sigilo de correspondência, devemos compreender como a
proibição de interceptação da comunicação (entendida como ato de intercâmbio, de troca de
dados) entre duas ou mais pessoas feita através de “correspondência”, isto é, através de cartas,
telegramas ou similares. Necessitamos de maior atenção quanto à fixação de um sentido para o
termo “correspondência”.
O vocábulo ordinário, no seu sentido denotativo, apresenta que “correspondência” é
sinônimo de carta, de telegrama27. Tanto o telegrama quanto a carta são documentos onde, através
de escrita, manuscrita ou mecânica/eletrônica, duas ou mais pessoas trocam dados. Ora, o que se
protege pelo enunciado constitucional em comentário, não é especificamente a carta e/ou o
telegrama, mas o conteúdo de qualquer instrumento que, através da escrita, manuscrita ou
mecânica/eletrônica, serve para a comunicação entre pessoas, motivo pelo qual entendemos que
se incluem no conceito de “correspondência”, entre outros, os e-mails e os fac-similes.
Quanto às “comunicações telegráficas”, temos que são trocas de informações feitas entre
duas ou mais pessoas através de “processo de transmissão de mensagens a distância mediante um
código de sinais”28, nessa modalidade incluindo-se não somente as mensagens via telex, como
também as mensagens através de códigos como o “código morse” e, até mesmo o fac-similes.
Entendemos que o conceito de comunicações telegráficas juntamente com o conceito de
comunicações através de correspondência são indivíduos que compõem, junto com outros
indivíduos, a classe das “comunicações através de escrita, manuscrita ou eletrônica/mecânica”
27
28
Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em obra já citada, página 149
Idem, p. 529
24
E nessa mesma classe das “comunicações através de escrita, manuscrita ou
eletrônica/mecânica” encontram-se também os “dados”, termo normalmente utilizado para os
meios tecnológicos mais avançados de transmissão de informações, onde se incluem os e-mails
(que entendemos se enquadrar também na classe das correspondências) entre outros.
As “comunicações telefônicas”, a seu turno, são trocas de informações entre duas ou mais
pessoas através de “processo de transmissão de sons a distância, através de cabos, fios” 29, ou
qualquer outro meio de transporte de sons”.
Vamos à análise dos limites. O enunciado do inciso XII do artigo 5 o fixa limite expresso
somente à inviolabilidade do sigilo às comunicações telefônicas, sendo que, já adiantamos,
entendemos pela existência de limites à inviolabilidade do sigilo das outras formas de
comunicação previstas no inciso em exame, isso em razão da necessidade de harmonia entre os
direitos individuais.
Citemos como exemplo, se temos fortes indícios que dentro de determinada “carta” há, em
depósito, quantidade de pó tóxico capaz de levar o destinatário ou outra pessoa que abra a carta, a
óbito, é justo, a contrario sensu do princípio da inviolabilidade da vida, impedir-se a violação de
tal carta ? E se numa carta há escritos que são capazes de levar o seu destinatário, pessoa
depressiva, a cometer o suicídio, devemos, em nome do sigilo de correspondência, permitir a
ocorrência da instigação ao suicídio ? Claro que não.
Os limites da inviolabilidade das comunicações em geral existem e se consubstanciam na
necessidade de manutenção de outros direitos individuais, com a aplicação do princípio da
harmonia, compondo conflitos entre direitos individuais.
Assim, apresentamos a extensão do direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações : é
proibida a violação da troca de informações entre duas ou mais pessoas, seja tal violação
procedida via correspondência (qualquer instrumento que, através da escrita, manuscrita ou
mecânica/eletrônica, serve para a comunicação entre pessoas), via telegrafia (processo de
transmissão de mensagens a distância mediante um código de sinais) ou via telefônica (processo
de transmissão de sons a distância, através de cabos, fios”30, ou qualquer outro meio de transporte
de sons), desde que tal violação não seja capaz de levar a iminente risco de afronta a outros
direitos individuais, como o direito à vida e à segurança, necessitando-se de autorização judicial
somente se tal violação for necessária à comunicação telefônica e para fins de investigação
criminAl ou instrução processual penal.
6- A liberdade de profissão
Enuncia o inciso XIII do artigo 5o. da CF/88 que :
“ é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
Vamos, de início, aos significados de “trabalho”, “ofício” e “profissão”, buscando-os em
Aurélio Buarque de Holanda31 :
29
Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em obra já citada, página 529
30
Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em obra já citada, página 529
31
Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em obra já citada, páginas 541, 203
25
“ trabalho sm 1. Aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um
determinado fim. 2. Atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à
realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento. 3. Trabalho (2) remunerado ou
assalariado; serviço, emprego. 4. Local onde se exerce essa atividade 5. Qualquer obra
realizada. 6. Lida, labuta. 7. Brás. V.bruxaria (1)”
“ emprego sm 1. ato de empregar; aplicação. 2. cargo ou ocupação em serviçco
particular, público, etc; colocação”
“ ofício sm 1. Trabalho, ocupação, função, mister. 2. V. profissão(2). 3. Incumbência,
missão”
Dos significados denotativos acima apresentados, não é difícil concluir que os três termos
utilizados no inciso XIII refletem, se não sinônimos, indivíduos de uma mesma classe, espécies de
um mesmo gênero, classe ou gênero de prestação de labor (disposição de força de trabalho) com o
objetivo de percepção de determinada remuneração.
Tal prestação de labor pode ser praticada sob várias formas, em vínculo empregatício (na
forma do artigo 3o da CLT), em prestação de serviço autônomo, em prestação de serviço eventual
etc, sendo certo que qualquer dessas formas refletem a necessidade do ser humana de, mediante o
recebimento de remuneração, ter condições de arcar com o custo financeiro da subsistência sua e
de sua família, necessidade essa que se torna ainda mais rígida num mundo capitalista como o em
que vivemos.
Em suma, o enunciado sob exame defende a liberdade de prestação de labor, sendo,
entretanto, uma norma jurídica de eficácia contida “permitindo que lei infraconstitucional venha a
limita-la, criando requisitos e qualificações para o exercício de determinadas profissões. Logo,
enquanto não existir lei acerca dessa ou daquela profissão, a permissão constitucional tem alcance
amplo”32
É importante, para que possamos fixar a extensão do direito de liberdade de profissão,
analisemos os limites da lei capaz de limitar a eficácia da norma jurídica em exame. Entendemos
que a melhor forma de analisar tal limitação é perguntar : até que ponto a lei pode impedir o
exercício de uma profissão ou impor requisitos mínimos para o seu exercício ?
Por exemplo, afronta o princípio da liberdade de profissão a determinação legal que
somente pessoas formadas em medicina, com tantos anos de residência médica, possam exercer a
profissão de médico ?
É claro que não, há determinadas profissões que necessitam de qualidades especiais, sejam
elas físicas, sejam elas intelectuais, dos indivíduos propostos a exerce-las e é exatamente essa
necessidade de qualidades especiais que deve motivar o legislador a reduzir a eficácia da princípio
da liberdade de profissão.
Assim, a limitação ao exercício de determinada profissão deverá ter nexo de causalidade
com as qualidades especiais, sejam elas físicas, sejam intelectuais, impostas, pela própria
característica da profissão, para o seu bom desempenho. Qualquer limitação que extrapole essa
causalidade afronta a Constituição.
Eis a extensão do direito à liberdade de profissão : É proibida a limitação pelo Estado do
exercício de qualquer profissão (prestação de labor com objetivos remuneratórios), sendo possível
32
ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 7a.
edição, revista e atualizada, 2003, p. 127
26
somente limitação que imponha requisitos especiais, físicos ou intelectuais, para o exercício de
determinadas profissões que necessitem características especiais de seus exercentes para o seu
desempenho a contento.
7- A limitação da retroatividade da lei
Impõe o inciso XXXVI do artigo 5o. da CF/88 que :
“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;”
Vamos iniciar a interpretação desse inciso apreendendo os conceitos de direito adquirido,
de ato jurídico perfeito e de coisa julgada. Apesar de defendermos, em nome na alta
constitucionalidade, que não se há de interpretar a constituição com base em conceitos
apresentados por legislação infraconstitucional, entendemos que conceitos como os que ora
estamos a analisar, advém da própria cultura jurídica nacional, são termos técnicos e que foram
utilizados pelo Constituinte Originária com o papel de terem o seu significado técnico utilizado
não só pela legislação anterior à CF/88, mas também pela doutrina e pela jurisprudência, motivo
pelo qual, nesse caso específico, basearemos a nossa interpretação nos conceitos apresentados
pelo Decreto-Lei no. 4.657, de 4 de setembro de 1942, conhecido por “Lei de Introdução ao
Código Civil”, que, em seu artigo 6o. enuncia que :
“ A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada.
Par. 1o. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao
tempo em que se efetuou
Par. 2o. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém
por ele, possa exercer, com o aqueles cujo começo do exercício tenha pré-fixo, ou condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
Par. 3o.
caiba recurso.”
Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não
Quanto à coisa julgada, é necessário diferenciarmos a coisa julgada formal (situação jurídica
em que uma decisão é imutável por não lhe caber mais qualquer recurso previsto em lei, mas somente a rescisão
mediante ação judicial específica, por motivos específicos, denomina ação rescisória) e a coisa julgada material
( situação jurídica em que uma decisão é imutável por não lhe caber mais qualquer recurso previsto em
lei, nem sequer cabe a rescisão mediante ação rescisória, ou porque já extrapolado o prazo legal para a
propositura de tal ação rescisórias ou porque a situação da decisão não se enquadra em qualquer das
hipóteses legais para a propositura da rescisória), entendemos, entretanto, que somente a coisa julgada
material se enquadra no conceito de “coisa julgada” constante do inciso XXXVI do artigo 5o. da
CF/88 e, neste ponto, vale transcrevermos os ensinamentos de José Afonso da Silva33 :
“ A garantia, aqui, refere-se à coisa julgada material, não à coisa julgada formal.
Ficou, pois, superada a definição do art. 6o., parágrafo 3o., da Lei de Introdução ao
Código Civil. Prevalece, hoje, o conceito do Código de Processo Civil :
Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a
sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário(art. 467).”
33
Op. Cit. p. 381
27
Dizemos que o texto constitucional só se refere à coisa julgada material, em oposição à
opinião de Pontes de Miranda, porque o que se protege é a prestação jurisdicional definitivamente
outorgada”
Quanto ao direito adquirido, podemos conceitua-lo como situação fático-jurídica em que
estão completos, em concreto, todos os requisitos para o enquadramento de um determinado fato a
uma hipótese legal, proporcionando ao detentor de tal direito (sujeito ativo de tal situação fática) a
possibilidade do gozo de determinada regalia. Valendo esclarecer que, como bem aponta Celso
Bastos34, “toda conceituação é perigosa. A de direito adquirido é, contudo, um permanente
desafio. Ouça-se, ainda uma vez, o insigne Vicente Ráo : “Seja qual for a doutrina que se aceite,
o que não sofre dúvida é não haverem os juristas, até hoje, encontrado uma fórmula única e geral,
aplicável a todos os aspectos do conflito das leis no tempo. E por haver-se, afinal, verificado a
impossibilidade da compreensão de toda a disciplina em uma só fórmula, em um só princípio,
Roubier, em sua citada exposição de motivos do anteprojeto de reforma do Código Civil Francês,
procura apresentar tantos princípios, ou quando menos, tantas regras gerais, quantas se revelarem
necessárias”.
José Afonso da Silva35 explica que “a doutrina não fixou com precisão o conceito de
direito adquirido. É ainda a opinião de Gabba que orienta sua noção, destacando como seus
elementos caracterizadores : 1o.) ter sido produzido por um fato idôneo para a sua produção; 2o.)
ter se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular. A Lei de Introdução ao Código Civil
declara que se consideram adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa
exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. “
Já o ato jurídico perfeito tem conceituação que se confundo com a de direito adquirido,
sendo que “a diferença entre direito adquirido e ato jurídico perfeito está em que aquele emana
diretamente da lei em favor de um titular, enquanto o segundo é negócio fundado na lei “ O ato
jurídico perfeito, a que se refere o art. 153, parágrafo 3o. (agora, art. 5o., XXXVI), é o negócio
jurídico, ou ato jurídico stricto sensu; portanto, assim as declarações unilaterais de vontade como
os negócios jurídicos bilaterais, assim os negócios jurídicos como as reclamações, interpretações,
a fixação de prazo para aceitação de doação, as comunicações, a constituição de domicílio, as
notificações, o reconhecimento para interromper a prescrição ou com sua eficácia (ato jurídico
stricto sensu). Ato jurídico perfeito, nos termos do art. 153, parágrafo 3o. (art. 5o., XXXVI) “é
aquele que sob o regime da lei antiga se tornou apto para produzir os seus efeitos pela
verificação de todos os requisitos a isso indispensável36”. 37
Ora, o papel do Direito é estabilizar a sociedade, evitando conflitos, motivo pelo qual as
regras aplicáveis em determinado período devem, efetivamente, nortear o comportamento social
no período de sua vigência. De outra forma, impossível seria a estabilidade das relações, motivo
pelo qual é direito individual previsto na CF/88 que a retroatividade das leis não alcance a coisa
julgada material, o direito adquirido (situação fático-jurídica em que estão completos, em
concreto, todos os requisitos para o enquadramento de um determinado fato a uma hipótese legal,
proporcionando ao detentor de tal direito (sujeito ativo de tal situação fática) a possibilidade do
gozo de determinada regalia) e o ato jurídico perfeito (aquele que sob o regime da lei antiga se
tornou apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos a isso
indispensável).
34
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 15a. edição, ampliada e atualizada, 1994,
p.199
35
Op. Cit. p. 379
36
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda no. 1, de 1969, t.V/102
37
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Malheiros, 10a. edição revista, 1995, p. 381
28
8- O princípio do devido processo legal. Direito à ampla defesa. Direito ao Contraditório.
Direito à presunção de inocência. Direito de ser julgado pelo Tribunal do Júri nas hipóteses
de crimes dolosos contra a vida
O princípio do devido processo legal consta do inciso LIV do artigo 5o. da CF/88, in verbis
:
“ Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal.”
O “devido processo legal” é a garantia de que se realize a tutela jurisdicional de acordo
com regras previamente definidas e que garantam, se não a justiça da decisão, todas as
oportunidades possíveis para as partes defenderem os seus interesses.
Luiz Alberto David Araujo38, com base no magistério de Nelson Nery Júnior, afirma que
“a doutrina e a jurisprudência brasileiras têm empregado o princípio num sentido eminentemente
processual. Neste específico, o devido processo legal traduziria (...) um princípio-mãe, que
implicaria a observância estrita das seguintes regras :
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
direito a prévia citação para conhecimento do teor da acusação;
direito a um jus imparcial;
direito ao arrolamento de testemunhas e à elaboração de reperguntas;
direito ao contraditório (contrariar provas inclusive)
direito à defesa técnica
direito à igualdade entre acusação e defesa
direito de não ser acusado ou processado com base em provas ilícitas
privilégio contra a auto-incriminação”
Alexandre de Moraes39 comenta que “o devido processo legal configura dupla proteção ao
indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito
formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de
defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de
provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à
revisão criminal).”
Na esteira do devido processo legal encontram-se outros quatro direitos individuais,
constantes dos incisos XXXVIII, LV, LVII e do artigo 5o. da CF/88, in verbis:
“ XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a
lei, assegurados :
a)
b)
c)
d)
38
39
plenitude de defesa;
o sigilo das votações;
a soberania dos verecditos;
a competência para o julgamentos dos crimes dolosos contra a vida; “
Op. Cit. p. 149
Op. Cit. p. 117
29
“LV -aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral serão assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes.”
“LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória.”
Nesse ponto destaque-se que a “ampla defesa” é a condição que deve ser proporcionada
aos acusados em geral, e não somente no campo judicial, de possibilidade de se opor à acusação
feita, inclusive apresentando todos os elementos possíveis e lícitos para demonstração da
improcedência da acusação, já o contraditório “além de fundamentalmente constituir-se em
manifestação do princípio do estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes
e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes ao contraditório e a
ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são
manifestação do princípio do contraditório”.
Poderíamos entender por “contraditório” a faculdade dada a cada uma das partes
combatentes num processo para apresentar as razões de prosperidade do seu interesse, seja
acusando, seja defendendo-se.
Como presunção de inocência temos a obrigação da Acusação de produzir provas contra o
Réu, tratando-se de verdadeira regra de distribuição do ônus probatório.
Já o reconhecimento do Tribunal do Júri revela o direito individual dos cidadãos serem
julgados, pelo menos nos crimes intencionais contra a vida, sejam consumados, sejam tentados,
por seus pares, de forma que a fim de evitar parcialidades no julgamento, é imposta não só a
soberania dos veredictos do Conselho de Sentença, como também o sigilo das votações.
Portanto, é direito individual previsto pela Constituição a garantia de que se realize a tutela
jurisdicional de acordo com regras previamente definidas e que garantam, se não a justiça da
decisão, todas as oportunidades possíveis para as partes defenderem os seus interesses (devido
processo judicial), incluindo o amplo direito de defesa (condição que deve ser proporcionada aos
acusados em geral, e não somente no campo judicial, de possibilidade de se opor à acusação feita,
inclusive apresentando todos os elementos possíveis e lícitos para demonstração da
improcedência da acusação), o contraditório (faculdade dada a cada uma das partes combatentes
num processo para apresentar as razões de prosperidade do seu interesse, seja acusando, seja
defendendo-se) e a presunção de inocência (a obrigação da Acusação de produzir provas contra o
Réu, tratando-se de verdadeira regra de distribuição do ônus probatório).
9 – Pressupostos constitucionais para a privação da liberdade
Como já exposto quando da análise da “proibição da tortura e de tratamento desumano ou
degradante” e do “princípio da dignidade da pessoa humana” que a privação da liberdade do ser
humano deve ser tida pelo ordenamento jurídico brasileiro como exceção e conduta extrema com
objetivo mor de estabilizar a sociedade, isto é, limitando o comportamento individual em prol da
manutenção social.
Sendo uma exceção, a privação de liberdade somente será, na forma da lei (legalidade
stricto sensu), cabível por comportamento criminal típico (prática de delitos) objeto de
condenação criminal irrecorrível ou por medidas, flagrante-delito ou medida cautelar tendente a
30
garantia da investigação penal (prisão temporária) e da execução penal (prisão preventiva). É
possível, mas de forma ainda mais restrita e somente nas hipóteses permitidas pela Constituição, a
prisão civil.
Em suma, a liberdade é regra, a privação da liberdade é exceção e dessa forma deve ser
interpretada toda e qualquer regra potencialmente privativa da liberdade, como se verifica no
inciso LXVI do artigo 5o. da CF/88, abaixo transcrito:
“ ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;”
Se do ponto de vista dos delitos a privação da liberdade pode ocorrer em decorrência de
sentenças penais condenatórias ou através de prisões cautelares (em flagrante delito, prisão
preventiva e prisão temporária), do ponto de vista civil, a Constituição Federal, no seu inciso LXVII
do artigo 5o, especifica as hipóteses de prisão civil :
“ não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”
Portanto, em sede de prisão civil, somente 2(duas) são as hipóteses possíveis : o
inadimplemento voluntário e injustificado de alimentos e o depósito infiel.
Em relação ao depósito infiel, há que se destacar que o Brasil é signatário do Pacto de São
José da Costa Rica, conforme Decreto no. 678, de 6 de novembro de 1992, de aplicação imediata
em razão do parágrafo 2o. do artigo 5o. da CF/88, e que proíbe a prisão por depósito infiel.
Reza o artigo 7o. no. 7, do Pacto de São José da Costa Rica que “ Ninguém deve ser detido
por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos
em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.Importante ressaltar que entendemos que
as normas jurídicas constantes tratados internacionais em que o Brasil é signitário têm natureza
jurídica infraconstitucional, não alterando o elenco de hipóteses constitucionalmente previstas de
prisão civil, mas revogando a legislação ordinária anterior (princípio cronológico de derrogação)
que previa a prisão por depósito infiel.
10 - O Direito de Antena
É expressão do direito constitucional português, conforme o artigo 40º (Direitos de antena,
de resposta e de réplica) que tem o sentido de direito a meios para veiculação de informações. Na
prática, traduz o direito à transmissão gratuita, nos meios de comunicação, especialmente
emissoras de rádio e televisão, para a divulgação e a propagação de propostas de partidos
políticos, sindicatos, organizações profissionais , doutrinas.
No direito constitucional pátrio, o instituto similar é encontrado no artigo 17, parágrafo 3º,
o qual tem o objetivo precípuo de garantir aos partidos políticos espaços nos meios de
comunicação, no caso rádio e televisão, para a veiculação de suas propostas políticas.
Entendo que a norma contida no parágrafo 3º, do artigo 17º é um desdobramento do artigo
1º, inciso V da Constituição, uma vez que, na prática, garante o pluralismo partidário, a
diversidade de pensamento e ideologias políticas e o regime democrático.
O conteúdo desta norma tem, ainda, a finalidade de igualar os partidos políticos com menor
poder econômico. No entanto, tem sido muito mal utilizado no Brasil, devido a péssima legislação
31
partidária, a qual não impõe cláusulas de barreira e o que podemos observar são diversos partidos
políticos de aluguel vendendo espaço político, no rádio e na televisão, para candidatos
majoritários e com maior poder político e econômico.
Todavia, a norma, apesar de não ter eficácia de fato, tem eficácia jurídica. Poderíamos,
dizer que a eficácia jurídica é plena e que a eficácia jurídica está contida, mas que poderá se tornar
plena, através de uma legislação eleitoral decente.
O pluralismo político e a democracia não são fundamentos para proteger os partidos
políticos. A sua finalidade é a proteção da pessoa humana para que não fiquem reféns de uma
única ideologia política, de um regime ditatorial. Portanto, estes fundamentos visam à proteção da
liberdade individual e coletiva das pessoas.
Lembramos, também, que somente é possível o voto direto, secreto, universal e periódico
dentro de um regime com pluralidade política.
Assim, o artigo 17º, 3º da constituição está protegido pelo parágrafo 4º, II,do artigo 60º da
Constituição.
11 – O Direito de Informação Jornalística
Conforme, nos ensina Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, in Curso
de Direito Constitucional , p.112.
“A existência de uma opinião livre é um dos primeiros pressupostos de democracia de um
país. Só é possível cogitar de opinião pública livre onde existe liberdade de informação
jornalística. Por isso, entende-se que esta, mais do que um direito, é uma garantia institucional da
democracia.”
“...o direito à informação jornalística é um direito preferencial em relação aos demais...”
A liberdade de informação jornalística está relacionada ao direito de respostas. Portanto, ao
contraditório.
Esta liberdade não é absoluta, pois a informação tem de ser verídica, pelo menos sob o
enfoque da lógica da opinião de quem é responsável pelo veículo de comunicação.Sendo a
informação verídica, o direito de informar é superior ao direito à honra da pessoa atingida pela
divulgação da informação jornalística.
Todavia, a informação jornalística , mesmo sendo verdadeira, não pode ser de forma
abusiva e insidiosa.
O artigo 220, parágrafo 1º da Constituição que dispõe sobre a liberdade de informação
jornalística ou liberdade de imprensa é extensão da liberdade pensamento : opinião e de expressão
,do artigo 5º, inciso IV e XIV da Constituição.
Entendemos que a liberdade de informação jornalística é muito ampla, tendo em vista que
não há censura prévia, mas não absoluta. O limite é o artigo 5º, XXXIII; isto é, a divulgação de
informações que possam colocar em risco a segurança do Estado e da sociedade ou mesmo das
pessoas individualmente, as quais devem ser avaliadas em cada caso concreto, utilizando-se dos
princípios da dignidade humana, da razoabilidade e o da proporcionalidade.
32
Logo, o parágrafo 1º do artigo 220 é um direito de liberdade frente ao Estado e, portanto,
um direito individual.
12 – O Direito de Resposta
O direito de resposta, previsto no artigo 5º, inciso V, da Constituição , está intimamente
ligado ao direito de liberdade jornalística. Assim, por um lado é garantido a liberdade de opinião,
de expressão, de livre manifestação das idéias e do pensamento, sem censura prévia. Por outro, é
garantido o direito de respostas, quando a divulgação e a propagação destas idéias, pensamentos,
opiniões e fatos da realidade, via os meios de comunicação social, venham ofender a honra ou a
intimidade de alguém.
O direito de resposta é uma forma de contraditório e deve ser proporcional ao dano sofrido.
Este direito visa, na prática, evitar censura prévia aos meios de comunicação social, uma vez que
existe liberdade quase absoluta de divulgação de informações, cujo limite, entendo que sãos os
mesmos do artigo 5º, XXXIII da Constituição; isto é, a divulgação de informações sigilosas,
definidas em lei, que coloquem em risco a segurança do Estado e da sociedade e, em alguns casos
concretos, à pessoa, considerada individualmente, tendo em vista a sua dignidade, a sua vida e a
sua segurança pessoal, porém tudo sendo analisado dentro dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, dentro de cada caso concreto, uma vez que em alguns caso o direito de
respostas pode não resolver, posteriormente, a reparação do dano sofrido.Aí o juiz deve ponderar
qual o direito a ser exercido no caso específico.
É possível que o direito de resposta não repare o dano sofrido, assim poderá ser cumulado
com o direito à indenização por dano moral, material ou à imagem.
13 - Direito de Certidão
O direito de certidão está expressamente garantido no texto do artigo 5º, inciso XXXIV ,
“b” da Constituição. Este direito é de suma importância para o controle dos atos da administração
pública e para o direito de defesa, além de sua importância para o esclarecimento de situações de
interesse particular.
Com o objetivo de assegurar este direito a todas as pessoas e tendo em vista sua
importância para o exercício pleno da cidadania, já que é uma garantia constitucional,o
constituinte isentou o seu requerimento do pagamento de taxas. Assim, pelo menos do direito de
certidão, todas as pessoas igualam-se de direito e de fato, independentemente, da condição
econômica.
A parte ativa deste direito são, potencialmente, todas as pessoas e a parte passiva são,
potencialmente, todos os órgãos ou repartições públicas, dos três poderes e das três esferas de
governo, ou quem faça as suas vezes, como por exemplo um Cartório de Registro de Imóveis.
O direito de certidão serve tanto para defesa de interesses individuais, como para a defesa
de interesses coletivos da sociedade. É um desdobramento do direito de informação, uma vez que
as informações requeridas dos órgãos públicos, conforme assegurado pelo artigo 5º, XXXIII, deve
ser respondida em forma de certidão.
33
Entendo que o direito de certidão é uma garantia individual, uma vez que limita o poder do
Estado frente à liberdade do cidadão e, no caso, é mais amplo de todas as pessoas,mas pode,
também, ser utilizada para a defesa de interesse coletivo. Portanto, é direito individual e coletivo
ao mesmo tempo.
É fato que a maioria dos requerimentos acabam no Judiciário, via a garantia do Mandado
de Segurança, tendo em vista que, não raro, os órgãos e repartições públicas acabam negando esta
garantia, expressamente ou por meio do silêncio.
Acredito que a extensão do direito de certidão, fora do artigo 5º da Constituição, é o
princípio da publicidade expresso no texto do artigo 37º da Constituição, que na verdade é
também extensão do direito à informação.
14- Direito de Petição
O direito de petição literalmente expresso no texto do artigo 5º, inciso XXXIV, “a”, da
Constituição é direito de amplo acesso ao Judiciário, como afirma Celso Ribeiro Bastos, mas
entendo que não só ao judiciário, mas também ao Legislativo e ao Executivo.
O direito de petição é o direito de pedir algo a alguém. A Constituição não definiu
nenhuma forma para o exercício do direito de petição. Assim, a petição poderá ter a forma de
requerimento, de ofício, carta etc. No entanto, cada órgão poderá regulamentar a forma para
efeitos de praticidade, mas nunca com o intuito de restringir o direito.
O pedido poderá ter diversos conteúdos, como o requerimento de uma certidão, o
requerimento de informações dos órgãos públicos, a investigação de uma denúncia de
irregularidade ou ilegalidade pelo Tribunal de Contas, pelas Comissões dos Legislativos, pelo
Judiciário, quando for o caso, às corregedorias das polícias, do Ministério Público, às ouvidorias etc.
Historicamente, o direito de petição foi uma luta da humanidade, cuja conquista maior foi o
“Petition of Rights” de 1628, o qual , na realidade foi uma meio de transação entre o parlamento
inglês e o rei da Inglaterra, tendo como objetivo o cumprimento dos direitos individuais expressos
no artigo 39º da Magna Carta.
Hoje, no Brasil e na grande maioria dos Estados, qualquer pessoa poderá fazer o pedido ou
petição às autoridades, dos três poderes, das três esferas de governo ou a quem faça as suas vezes
para o exercício de direitos públicos subjetivos.
Portanto, o direito de petição é uma garantia constitucional para o exercício de direitos
individuais ou coletivos, com eficácia plena.
15 - O Direito de Informação Pública
O direito de informação, previsto no artigo 5º, XXXIII, a exemplo dos direitos de petição,
de certidão é instrumento essencial para o controle social do Estado e para a garantia dos direitos
cidadãos, ao mesmo tempo individuais e coletivos.
O princípio da publicidade disposto no artigo 37º da Constituição é extensão do direito à
informação, pois fica claro o dever de transparência dos agentes estatais e que a administração
pública não deve ter segredos, a não ser as informações sigilosas que sejam imprescindíveis à
segurança do Estado e da sociedade.
34
Observamos, muitas vezes, os agentes públicos não darem respostas , por indeferimento, às
informações solicitas dos órgãos públicos com a alegação de tais informações serem sigilosas,
utilizando-se de conveniência e oportunidade; isto é, de discricionariedade, como se o exercício
da discricionariedade, também, não estivesse dentro dos parâmetros legais.
Entendo que não faz parte da discricionariedade dos agentes públicos dizerem se uma
informação é ou não é sigilosa. O rol das informações sigilosas deve estar em lei.
Não raro, ainda, os agentes públicos não dão as respostas por meio do silêncio, fato que é
mais grave ainda, pois sequer se importam com a petição dos cidadãos, num verdadeiro descaso
de desrespeito à cidadania.
Por último, o direito à informação dos órgãos públicos acaba sendo exercido não pelo
direito de petição, mas através do Mandado de Segurança que acaba sendo a garantia da garantia.
16- O Direito à Informação
O direito à informação tem dois aspectos: o direito de informar, como aspecto da liberdade
de pensamento e o direito de ser informado, cujo objetivo é a formação de uma opinião pública
consciente, mas que envolve , também, o direito à critica, à opinião individual sobre aquilo que é
informado.
Segundo José Afonso da Silva é direito de feições coletiva tendo em vista que se concretiza
através dos Meios de Comunicação Social de Massa, porém tem um aspecto da liberdade de
manifestação do pensamento e de crítica, neste sentido é, também, direito individual, conforme o
artigo 5º, IV (direito individual), XIV (direito coletivo)da Constituição. Entende, ainda, o citado
autor que a liberdade de informação não é mera função individual, é função social.
O direito à informação está relacionado, também, com o direito à informação pública , com
o direito à informação jornalística e com o direito de petição e de certidão e, conseqüente, são
meios do exercício da democracia, uma vez que não existe democracia sem informação e sem
controle social daquilo que é informado.
17- O Direito de Expressão
Os direitos de expressão, de opinião, de pensamento estão interrelacionados e não têm
formas exclusivas de manifestação, sendo que uma mesma obra poderá ter a expressão e a opinião
ao mesmo tempo.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior, Curso de Direito Constitucional
, p.109 “A peculiaridade do direito de expressão reside na ausência de juízo de valor, pois,
segundo Husserl, ‘a produtividade se exaure no exprimir e na forma, que sobrevém nova com ele’.
”
Segundo os autores citados, “...enquanto a opinião diz respeito a um juízo conceitual, uma
afirmação do pensamento, a expressão consiste na sublimação da forma das sensações humanas,
ou seja, nas situações em que o indivíduo manifesta seus sentimentos ou sua criatividade,
independentmente da formulação de convicções, juízos de valor ou conceitos.”
O fundamento específico do direito de opinião ,está no artigo 5º, IV e o de expressão no
artigo 5º, IX da Constituição.Porém, os dois são complementares, uma vez que tanto direito de
35
opinião, quanto o direito de expressão trazem, sempre ,um pensamento humano, o qual poderá ter
forma abstrata ou concreta.A expressão está mais para o mundo da arte, enquanto a opinião está
mais para o mundo da razão. No entanto, é impossível afirmar que a arte não tem razão e que a
opinião não poderá ter arte.
Por fim, acredito que a definição conceitual destes direitos está no campo da
interdicisplinaridade ; ou seja, em outra ciência que não a jurídica. A jurídica diz que eles existem,
são direitos individuais, estão garantidos pela liberdade de informação jornalística, de divulgação
e propagação das idéias, são direitos subjetivos de todas as pessoas garantidos pela Constitituição
e classificados como cláusulas pétreas.
Podemos afirmar que a extensão destes direitos está no caput do artigo 37º da Constituição;
isto é, no princípio da impessoalidade da administração pública.
18 – O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição
Este princípio tem diversas expressões sinônimas, como princípio da proteção
judiciária, princípio do livre acesso ao Poder Judiciário, princípio do controle jurisdicional,
princípio da ubiqüidade da justiça. No entanto, o mais utilizado pela doutrina é o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, decorrente do texto do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
O texto constitucional em tela garante o direito de ação para todas as pessoas e o
monopólio do Poder Judiciário para julgar em definitivo as controvérsias jurídicas e para declarar
direitos; isto é, o monopólio da jurisdição.
O judiciário, através de sua atividade jurisdicional, decidirá sobre a forma de reparação do
direito lesado, quanto poderá proteger direito passível de lesão, quando este estiver sob ameaça de
dano, impedindo que a lesão ocorra. Portanto, o judiciário trem amplo poder de cautela.
Existe a exceção prevista no artigo 217, parágrafos 1º e 2º que trata da Justiça Desportiva,
onde a parte interessada não pode fazer opção entre uma e outra jurisdição para o contencioso
inicial. Todavia, ao final dos recursos dentro da instância desportiva, creio ser possível a instância
do judiciário, em existindo direito ou ameaça a direito,considerando que a norma prevista no
artigo 5º, parágrafo XXXV prevalece sobre a do artigo 217, parágrafos 1º e 2º.
Salientamos, ainda, que o Pacto de São José da Costa Rica, prevê no seu artigo 8º, que o
duplo grau de jurisdição é considerado direito humano fundamental, o qual tem plena vigência no
Brasil por força do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição.
No Brasil, não é possível criar o chamado contencioso administrativo para julgamento com
força de coisa julgada de questões referentes à administração pública. No entanto, pode-se criar
instâncias administrativas com a finalidade de julgamentos válidos em definitivo no âmbito da
administração público, mas sem prejuízo de recurso à instância jurisdicional quando a parte
interessada sentir-se com seu direito lesado ou ameaçado.
Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p.214 afirma que:
“É certo que a lei poderá criar órgãos administrativos diante dos quais seja possível
apresentarem-se reclamações contra decisões administrativas. A lei poderá igualmente
prever recursos administrativos para órgãos monocráticos ou colegiados. Mas estes
remédios administrativos não passarão nunca de uma mera via opcional...”
36
19- O Direito de Propriedade
Este direito talvez seja um dos maiores problemas da humanidade, uma vez que todos o
ambicionam e poucos têm o domínio. Alguns autores afirmam que os conflitos jurídicos entre os
seres humanos surgiram quando o homem fez a primeira cerca e que, na realidade, o Estado foi
construído para garantir a segurança e os direitos dos proprietários contra os não proprietários.
Antes o homem lutava contra a opressão da natureza, mas com o desenvolvimento do
sistema de propriedade passou a lutar contra a opressão e subordinação do próprio homem.
Porém, o intelecto humano acabou criando regras para definir as relações entre o Estado e
os proprietários, obrigando-os a exercerem seus direitos de propriedade com obrigações e
limitações, apesar de lhes garantir salvaguardas.
O direito de propriedade acabou gerando o poder econômico, que acabou definindo o poder
político, sendo simbólica a Magna Carta de 1215 e o ápice, a Revolução Francesa de 1789.
Nos primórdios, o direito de propriedade era praticamente sinônimo de domínio de terras,
glebas e escravos, mas com a evolução da humanidade, temos bens corpóreos e não corpóreos,
físicos e não físicos. Tudo que for passível de estar no comércio é passível de ser definido como
propriedade, como, por exemplo, a propriedade intelectual.
Os direitos de propriedade estão basicamente previstos nos artigos 5º, XXII ao XXIX, 170,
II e III, 176, 182, 183, 184, 185, 186, 191.
A Constituição regula os direitos e as limitações dos direitos de propriedade.
A propriedade pode ser pública ou privada, sendo a que a propriedade territorial poderá ser
urbana ou rural.Sendo que para a propriedade ser considerada urbana deverá ter os requisitos
definidos em lei e toda propriedade territorial que não for considerada urbana por lei, deve ser
conceituada , por exclusão,como rural.
As propriedades públicas, segundo sua destinação, podem ser classificadas da seguinte
maneira : as de uso comum do povo, as de uso especial e as dominicais. Sendo que as
propriedades públicas podem ser alienadas somente por disposição legal específica, são
impenhoráveis e impassíveis de usucapião.
As terras devolutas, isto é, aquelas que não possuem registro junto aos Cartórios de
Registro de Imóveis, são consideradas de propriedade pública.
Para Celso Ribeiro Bastos, p.208 o. c., “A propriedade tornou-se... o anteparo
constitucional entre o domínio privado e o público. Neste ponto reside a essência da proteção
constitucional: é impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite a
apropriação particular de bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha a sacrifica-lo
mediante processo de confisco.”
Limitações ao direito de propriedade
O direito de propriedade que já foi absoluto, em nossos dias encontra limitações jurídicas,
como: 1-a requisição de propriedade particular em caso de eminente perigo público, porém não
impede posterior indenização em caso de dano;2- a servidão administrativa; 3-, a limitação
37
administrativa, com a finalidade de atender ao bem comum; 4-a desapropriação para fins de
reforma agrária, urbana a pretexto de interesse social ou de utilidade pública ;5-e a expropriação;
isto é, retirar a propriedade sem pagamento, sem indenização, quando a gleba for utilizada para o
plantio ilegal de planta psicotrópica.
A função social da propriedade
Segundo Celso Ribeiro Bastos, uma das características da propriedade é o uso econômico
dela, uma vez que a propriedade não pode existir apenas por capricho, por egoísmo. Ela deve
atingir seu fim social. “é como se a propriedade se apagasse quando a utilização econômica
desaparece.”
O mesmo autor afirma, ainda, p.210 : “a chamada função social da propriedade nada
mais é do que o conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de
grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal.”
“ O conteúdo da função social das terras urbanas será aquela que derivar do plano
diretor”, artigo 182, parágrafo 1º da Constituição e agora o Estatuto das Cidades.
O artigo 184 da Constituição prevê a desapropriação de imóveis rurais que não estejam
cumprindo suas funções sociais, as chamadas terras improdutivas, portanto, aquelas que não
geram economia em decorrência da omissão do proprietário.
No entanto, acredito que não basta apenas a produtividade para uma propriedade cumprir a
sua função social. Não podemos considerar apenas o requisito econômico, é necessário
considerar, também, a proteção ambiental, a dignidade da pessoa humana, a soberania nacional , a
segurança pública, o regime democrático e todos os fundamentos do artigo 170 da Constituição
,entre outros fatores.
Por fim, o direito de propriedade não existe apenas para proteger a coisa ou o seu
proprietário, mas, também, para garantir o direito de todos os seres humanos serem proprietários,
especialmente de bens que atendam a sua sobrevivência, como a terra para cultivo.
Muitos, entre eles Celso Ribeiro Bastos, importam-se apenas com a função social da
propriedade territorial, urbana ou rural. Porém, o conteúdo da norma jurídica expressa no texto do
artigo 5º,XXIII, não especifica que tipo de propriedade deve cumprir sua função social.Em a
Constituição não distinguindo não compete ao intérprete faze-lo. Conclui-se, assim, que todos os
meios de produção, todos as formas de propriedade devem cumprir sua função social, a qual
condiciona a livre iniciativa.O inciso XXIII, do artigo 5º é reforçado pelo inciso III, do artigo 170,
conforme o pensamento de José Afonso da Silva, Fábio Konder Comparato, Eros Grau.
“O poder econômico é uma função social, de serviço à coletividade”, in O Poder de
Controle na Sociedade Anônima, Fábio Konder Comparato, p.419, citado na p.683, por José
Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivo.
Eros Grau, Elementos de Direito Econômico, São Paulo, Ed. TR,1981, p.128, citado na
p.683, por José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivo.
“O princípio da função social da propriedade, para logo se vê, ganha substancialidade
precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina
jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação.
A propriedade sobre a qual em maior intensidade refletem os efeitos do princípio é
justamente a propriedade, dinâmica, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à
38
função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da
empresa.”
Por fim, o direito à reforma agrária deve ser considerado como extensão do direito de
propriedade e de sua função social.
20 – A Dignidade da Pessoa Humana
Antes de mais nada, informamos que os conceitos foram retirados da interpretação da
excelente obra Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de
1988,, Ingo Wolfgang Sarlet, segunda edição, revista e ampliada, livraria do Advogado, Porto
Alegre, 2002
A dignidade da pessoa humana está expressamente contemplada no artigo 1º, inciso III da
Constituição, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
A condição de todos os demais direitos colacionados na Constituição é a supremacia do
princípio da dignidade da pessoa humana, considerado o princípio dos princípios de todas as
demais normas constitucionais.
Kant:
“Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio”
“O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente; o que é
superior a qualquer preço, e por isso não permite nenhuma equivalência, tem dignidade.”
“A dignidade de um ser racional consiste no fato de ele não obedecer a nenhuma lei
que não seja também instituída por ele mesmo”
A dignidade da pessoa humana na história
A dignidade da pessoa humana já foi relativizada. Para a antiguidade clássica, a dignidade
era confundida com a posição social do indivíduo.Existiam pessoas mais dignas e outras menos
dignas. Assim, a dignidade podia ser mensurada.
Já para os estóicos , a dignidade era uma qualidade inerente ao ser humano e estava ligada
à noção de liberdade individual.
Santo Tomas de Aquino ( pensamento cirstão), Pico della Mirandola ( a racionalidade é
peculiar ao ser humano), Francisco de Vitória (em função do direito natural e da igualdade) foram
grandes intelectuais da dignidade da pessoa humana.
Samuel Pufendorf afirmou que mesmo o monarca deveria respeitar a dignidade da pessoa
humana e afirmou que o ser humano tinha a liberdade de opção e de agir conforme a razão.
Porém, a doutrina jurídica, em especial, buscou seus fundamentos na doutrina de
Immanuel Kant, o grande intelectual ,que identificou a dignidade da pessoa humana nos
princípios da autonomia ética e da racionalidade do ser humano.
Para Kant, “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim
em si mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade.”
39
Conceito de dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é de categoria axiológica, porém isto não diverge de outros
valores e princípios jurídicos e, por isso, não poderá ser conceituada de maneira fixista, em
especial, devido e em decorrência da diversidade de valores que se manifesta na sociedade
democrática.
Assim, o conceito de dignidade é de contornos vago e aberto e está em permanente
construção.
Mas é certo que a dignidade não pode ser criada, concedida ou retirada, uma vez que é
inerente ao ser humano.
A dignidade não é inata, porque tem sentido historio-cultural.Portanto, não é algo
apriorístico.
A liberdade e a garantia a seu direito constituem exigência da dignidade da pessoa humana.
Não é mero apelo ético, impõe-se que seu conteúdo seja determinado no contexto da
situação concreta da conduta humana.
A dignidade da pessoa humana é ao mesmo tempo limite e tarefa dos poderes estatais (
dimensão prestacional e defensiva).
A dignidade da pessoa humana não se confunde como os direitos fundamentais, pois a
dignidade é o princípio que os rege e os fundamentam e estes são instrumentos de sua
concretização. Mas existe um direito fundamental à dignidade da pessoa humana.
Ingo Wolfgang Sarlet, assim conceitua a dignidade da pessoa humana:
“temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada
ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, uma complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
A dignidade da pessoa humana está na condição de princípio(valor) e não faz parte do rol
dos direitos e garantias fundamentais e existe, do ponto de vista de sua promoção e
proteção,apenas onde for reconhecida pelo direito.
Apesar da dignidade não poder ser concedida ou retirada pelo ordenamento jurídico, uma
vez que é intrínseca ao ser humano. Ela poderá ser reconhecida para que possa ser promovida e
protegida juridicamente pelo Estado.
Direito a uma existência digna é diferente de dignidade da pessoa humana.
O artigo 1º, II, da Constituição não é uma declaração ética ou moral, mas um princípio
constitucional, norma jurídica fundamental da comunidade com eficácia plena e que serve de
valor guia não apenas para os direitos fundamentais, mas para todo o ordenamento jurídico, tendo40
se em vista que é o princípio constitucional de maior hierarquia axiológica-valorativa da nossa
Constituição.
Assim, não resta alternativa, no caso de dúvida, de colisão ou de conflitos de direitos de
igual densidade jurídica, sempre deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana, no
momento da interpretação e da aplicação das normas jurídicas aos casos concretos.
21-
O princípio da legalidade
O princípio da legalidade, expressão do Estado de Direito, está consagrado na Constituição
brasileira especificadamente nos artigos 5º, II, 37 e 84, IV. O art. 5º, inciso II, estabelece que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O art.
37, em seu caput, determina que a Administração Pública obedeça ao princípio da legalidade. Por
fim, o art. 84, inciso IV, prevê como competência do Presidente da República, “sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução”.
Para poder estabelecer qual é o conteúdo do princípio da legalidade, é necessário
primeiramente estudar o que são princípios e compreender o papel que desempenham nos
ordenamentos jurídicos contemporâneos.
Ao se constatar a impossibilidade de regulação exaustiva das matérias, recorreu-se aos
princípios, os quais apresentam um grau de abstração maior e orientam a conduta de entes
públicos e privados.
Dentre as diversas definições encontradas na doutrina brasileira, merece destaque a
apresentada pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual princípio é
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se
irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”40
O autor, enaltecendo a importância dos princípios, prossegue sua análise dizendo que
“violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o
sistema de comandos.”41
A importância dos princípios nos ordenamentos jurídicos é também enaltecida por Eduardo
García de Enterría. Este autor salienta a função dos princípios especialmente no Direito
Administrativo, entendendo que este é o campo mais fértil da legislação contingente e ocasional, e
de normas parciais e fugazes. Constata a necessidade de um esqueleto de princípios gerais que
permitam inserir e articular as normas. Por fim, conclui que apenas a vinculação a princípios
40
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda. , 2002,
p. 808 e 809.
41
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda. , 2002,
p. 772.
41
jurídicos materiais pode assegurar a liberdade individual e a justiça social, legitimando o Estado
como Estado de Direito.42
É preciso também fazer referência ao caráter normativo dos princípios, considerando que
atualmente estes, assim como as regras, são considerados espécies do gênero norma.
Paulo Bonavides43, em seu livro “Curso de Direito Constitucional” aponta que durante
muito tempo os princípios exerceram uma função meramente supletiva e subsidiária. A doutrina
positivista compreendia o Direito como um conjunto de leis, excluindo completamente os valores
e a dimensão axiológica dos princípios. Entretanto, tal compreensão foi aos poucos se
modificando, podendo-se dizer que atualmente os princípios além de terem seu caráter normativo
amplamente reconhecido, foram elevados a normas essenciais (normas-chaves) do sistema
jurídico.
Diferenciando regras e princípios, Robert Alexy salienta que os princípios são normas que
ordenam algo a ser realizado da melhor forma possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais.
Denomina os princípios de “mandatos de otimização”, podendo eles ser cumpridos em graus
diferentes, dependendo das condições reais e jurídicas. As regras, por sua vez, possuem um
mecanismo de funcionamento diferente. São normas que, quando válidas, devem ser cumpridas
exatamente como prescrito.44
Compreendido o significado do termo “princípio”, é possível então analisar o sentido do
princípio da legalidade. Primeiramente é preciso esclarecer que o princípio da legalidade se
dirigido à Administração Pública impõe a esta o dever de agir em estrito cumprimento legal, ou
seja, só pode atuar quando a lei permitir. Já em relação ao particular, a princípio da legalidade
exige apenas que este não afronte os ditames da lei, podendo fazer tudo o que não for proibido.
Esta diferença de conteúdo é explicada por Celso Antônio Bandeira de Mello:
Enquanto na atividade privada pode-se fazer tudo o que não é proibido, na atividade administrativa só se pode fazer
o que é permitido. Em outras palavras, não basta a simples relação de não-contradição, posto que, demais disso,
exige-se ainda uma relação de subsunção. Vale dizer, para a legitimidade de um ato administrativo é insuficiente o
fato de não ser ofensivo à lei. Cumpre que seja praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe
sirva de supedâneo.45
No que diz respeito ao princípio da legalidade voltado ao particular, percebe-se por meio
do art. 5º, inciso II, que só se pode impor uma obrigação ou uma proibição aos indivíduos por
meio de lei. Se a conduta não for obrigatória e nem proibida, ela é permitida, seja em razão de lei
permissiva ou de ausência de lei regulando a conduta.
Ao tratar do princípio da legalidade, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Nunes Serrano
Júnior ressaltam que tal princípio além de ser uma garantia ao indivíduo, na medida em que
impede que lhe seja imposto um comportamento por meio outro que não o da lei, propicia
também o alcance da segurança jurídica.
Em relação ao sentido do princípio da legalidade imposto no art. 37 da Constituição
Federal, Romeu Felipe Bacellar Filho entende estar este princípio expresso em seu sentido
restrito, até por uma questão lógica. Faz esta afirmação constatando que se a Constituição
pretendesse abarcar no princípio da legalidade a vinculação da Administração Pública a todo o
46
42
ENTERRÍA, Eduardo García de. La lucha contra las inmunidades del poder. 3. ed., Madrid: Editorial Civitas, 1995.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed., São Paulo: Malheiros, 2001.
44
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 81-115.
45
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda. , 2002,
p. 809.
43
46
42
ordenamento constitucional, seria inútil estabelecer outros princípios constitucionais da
Administração.
Buscando apreender o significado do princípio da legalidade, Romeu Bacellar Filho
observa que:
consectário da própria afirmação do Estado de direito – o Estado que se torna, a um só tempo, criador e
súdito da norma – o princípio da legalidade, impõe à Administração Pública obediência à lei formal como
norte de atuação e limite de garantia ao cidadão. No cumprimento de suas funções, o agente público não
tem liberdade ou vontade pessoal. A imperatividade das leis não obriga somente o particular, mas, antes de
tudo, a própria Administração ao constituir-lhe poderes-deveres, indisponíveis e irrenunciáveis.47
Ao desenvolver a temática referente ao princípio da legalidade, Romeu Bacellar Filho
ressalta que mesmo adotando-se a concepção restrita do princípio da legalidade, isso não significa
que o administrador aplique a lei cegamente, desvinculando-a da realidade em que incide. Nas
palavras do autor, “a legalidade não tem o condão de transformar o Administrador Público em
aplicador cético e desmesurado do texto legal: legalidade não é sinônimo de legalismo
(formalismo na aplicação da lei que a desliga da realidade social). O espírito da lei – o conteúdo
material – é pressuposto de sua aplicação. O irrestrito cumprimento da norma não significa aplicála fria e descompromissadamente.”48
Ao expor essas idéias observa que a vedação de uma aplicação descomprometida da lei se
explica em razão de antes da norma preexistir a finalidade pública.
Neste mesmo sentido, Egon Bockmann Moreira ao tratar do princípio da legalidade nega a
possibilidade de uma aplicação automática da lei, devendo o administrador estar atento a todo o
sistema normativo. Aponta que este princípio tem como função definir os limites da atuação
administrativa e impedir que haja influências políticas nesta atuação.
Ressalta ainda a importância do princípio ao dizer que “é através da legalidade que se dá
exercício concreto do Estado Democrático de Direito. Mediante aplicação formal e substancial da
lei, a Administração cumpre a vontade popular e confere vitalidade aos demais preceitos
constitucionais.”49
Desenvolvendo estudo sobre o princípio da legalidade, Jorge Manuel Coutinho de Abreu
ressalta que tal princípio abarca o princípio da primazia (ou prevalência ou supremacia) e o
princípio da reserva legal. Determina o princípio da primazia que os atos de administração devem
respeitar as leis, enquanto que o princípio da reserva legal significa que tais atos devem se basear
ou fundar em leis.
Leila Cuéllar50 também analisa o princípio da legalidade em suas duas dimensões: primazia
da lei e reserva legal. Entende a autora que a primazia da lei impõe a obrigatoriedade dos atos
infralegais não contrariarem a lei. Já o princípio da reserva legal prescreve que algumas matérias
só podem ser reguladas por lei e, portanto, pelo Poder Legislativo.
Embora esteja claro que o conteúdo do princípio da legalidade quando relacionado aos
particulares é distinto de quando relacionado à Administração Pública, é importante ressaltar que
tais conteúdos são complementares, tratado-se do mesmo princípio. “Para que haja respeito ao
47
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar: aplicados ao
regime dos servidores públicos civis. Curitiba, 1997. 391 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Setor de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. p. 150.
48
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar: aplicados ao
regime dos servidores públicos civis. Curitiba, 1997. 391 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Setor de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. p. 150-151.
49
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 67.
50
CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, p. 39 e 40.
43
direito fundamental à legalidade, a Administração não pode agir segundo o critério de seus
agentes, coagindo particulares com fundamento meramente na vontade do agente público.”51
22-
Direito à vida.
Dentre os direitos individuais, o direito à vida mereceu destaque na Constituição Federal
que logo no caput do art. 5º garantiu a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade deste direito.
Conforme alertam diversos autores52, o direito à vida é o mais fundamental dentre todos os
direitos, pois se apresenta como condição necessária para a existência e exercício dos demais
direitos.
É preciso ressaltar que o direito à vida compreende o direito à existência e o direito a um
adequado nível de vida, ou seja, o direito a uma vida digna.
Ao explicitar o conteúdo do direito à existência, José Afonso da Silva afirma que este
“consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer
vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e
inevitável.”53 O direito à existência traz consigo o direito de não ter o processo vital interrompido
por outras causas que não as naturais.
Desta forma, mostra-se coerente a Constituição Federal ao prescrever, em seu artigo 5º,
inciso XLVII, que “não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do
art. 84, XIX”.
Quanto ao direito a uma vida digna, pode-se afirmar que consiste em assegurar ao homem
um nível de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. Para André Ramos Tavares 54,
isso implica em assegurar ao indivíduo uma alimentação adequada, vestuário, saúde, moradia,
lazer, educação e cultura. Em razão de sua importância, a dignidade da pessoa humana será
analisada à parte.
O direito à vida traz à discussão duas questões polêmicas enfrentadas pelos aplicadores do
direito, que consiste em admitir ou não a possibilidade de aborto e de eutanásia.
Em relação ao aborto, a primeira questão a ser superada consiste na determinação de
quando deveria iniciar a proteção da vida, ou seja, se o direito à vida inicia com a concepção, com
a nidação, com a implementação do sistema nervoso ou ainda com o início da atividade elétrica
do cérebro.
51
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 101.
52
Para André Ramos Tavares o direito à vida “é o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro
pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente.” (Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 387). Também neste sentido enfatiza-se a lição de José Afonso da Silva para quem a vida “constitui a
fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais,
como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos.” (Curso de
Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 195).
53
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 195.
54
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 387.
44
Embora não haja uma previsão legal determinando quando se dá o início da proteção à
vida, é possível verificar no ordenamento jurídico um tratamento diferenciado para o ser nascido e
o embrião. Essa conclusão se pode tirar, por exemplo, das disposições penais que sancionam a
prática do aborto. O direito penal sanciona de forma diferente o crime de aborto e o crime de
homicídio, do que decorre uma distinção entre o ser na fase embrionária e o ser nascido.
Entretanto, tal constatação não é suficiente para definir o início da proteção da vida. O que
importa saber é que o aborto, consistente na expulsão do embrião ou feto, independentemente de
se definir se há vida ou não no estágio embrionário, é prática condenada pelo direito penal. Este
condena não apenas a gestante que provoca em si mesma ou consente o aborto, como aquele que
provoca o aborto na gestante, com ou sem o seu consentimento.
André Ramos Tavares55 aponta que a doutrina distingue três espécies de aborto: o
eugenésico, o terapêutico, e o sentimental. O primeiro se dá quando se interrompe a gravidez nos
casos em que a vida da prole está seriamente comprometida. O aborto terapêutico se realiza
quando necessário para salvar a vida da gestante. E por fim, o aborto sentimental se realiza
quando a gravidez é resultante de estupro.
O Código Penal, em seu artigo 128, estabelece que “não se pune o aborto praticado por
médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro
e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.”
Como se pode constatar, o Código Penal não faz nenhuma referência à possibilidade de
aborto nos casos de impossibilidade do feto nascer com vida, ou nos casos de nascer com grave
deformidade, como, por exemplo, a acefalia.
O direito à vida implica também, como dito anteriormente, em discutir a possibilidade de
eutanásia. Conforme explicação de José Afonso da Silva, hoje se fala em eutanásia para se referir
“à morte que alguém provoca em outra pessoa já em estado agônico ou pré-agônico, com o fim de
liberá-la de gravíssimo sofrimento, em conseqüência de doença tida como incurável, ou muito
penosa, ou tormentosa.”56
Pela definição apresentada, fica evidente que a eutanásia é uma forma não natural de
interrupção do processo vital e, por isso, condenável pelo direito, pois conflita diretamente com o
direito à vida.
Uma polêmica surge quando se questiona a possibilidade de desligamento de aparelhos. No
entendimento de André Ramos Tavares, “não se admite a cessação do prolongamento artificial
(por aparelhos) da vida de alguém.”57 Em contraposição a este entendimento, encontram-se as
considerações de José Afonso da Silva, para quem não “parece caracterizar eutanásia a
consumação da morte pelo desligamento de aparelhos que, artificialmente, mantenham vivo o
paciente, já clinicamente morto. Pois, em verdade, vida já não existe mais, senão vegetação
mecânica.”58
As considerações realizadas apenas reforçam a importância do direito à vida em relação
aos demais direitos fundamentais. Em razão desta importância e a partir de uma análise mais
acurada do conteúdo do direito à vida, é possível afirmar que é essencial para a efetividade deste
direito a declaração também de um direito à saúde. “O Estado deve promover políticas sociais e
55
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 390.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 198.
57
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 391.
58
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 199.
56
45
econômicas destinadas a possibilitar o acesso universal igualitário às ações e serviços para a
promoção, proteção e recuperação da saúde.”59
De nada adianta afirmar o direito à vida, o qual compreende não apenas o direito de
existência, de continuar vivo, como também o direito a uma vida digna, sem que o Estado preste
serviços destinados à proteção da saúde dos indivíduos.
O direito à saúde, embora seja direito social, constitui visivelmente um limite à reforma
constitucional. Como se verá adiante, apesar da Constituição Federal , em seu artigo 60, §4,
afirmar que é cláusula pétrea apenas os direitos e garantias individuais, verifica-se que os direitos
sociais também não podem ser alterados por meio de reforma constitucional nas hipóteses em que
tal alteração implique em um prejuízo a direitos individuais.
23-
O direito à imagem.
Ao analisar o direito à imagem, Celso Ribeiro Bastos60, o define como o direito do
indivíduo em não ter seu retrato utilizado, exposto em público, sem o seu consentimento ou de
alguma forma distorcido.
Com todo o respeito à opinião do referido autor, esse não parece o entendimento mais
correto, pois a proteção conferida constitucionalmente é muito mais ampla.
Seguindo os ensinamentos de Luiz Alberto David Araujo61, parece mais correto considera
estar compreendido no direito à imagem o direito à imagem-retrato e o direito à imagem-atributo.
Em relação à imagem-retrato, pode-se dizer que essa se identifica com a imagem visual do
indivíduo, que compreende não apenas o seu semblante, mas também seus gestos, sua voz e partes
do corpo.
No que diz respeito à imagem-atributo, verifica-se que esta se refere ao conjunto de
características que identificam uma pessoa, formando sua imagem perante o grupo social. Neste
sentido, de grande relevo é a imagem que a coletividade tem de certa pessoa, seja ela física ou
jurídica.
Ao se proteger esses dois aspectos da imagem, Mônica Castro destaca que “o bem jurídico
enfocado não se restringe apenas à representação da fisionomia da pessoa. Ganha uma nova
dimensão que advém da inserção do homem na vida em sociedade.”62
Luiz Alberto David Araujo63 observa que a imagem-retrato deve sempre ser utilizada num
contexto correto, ou seja, a imagem do indivíduo deve ser utilizada em seu contexto próprio, não
sendo admissível alteração no cenário, sob pena de agredir a imagem de alguém. O mesmo autor
ressalta ainda que o indivíduo tem o direito de relacionar sua imagem à sua pessoa, sendo,
portanto uma forma de identidade.
59
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 570.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 339.
61
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 120.
62
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 19.
63
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 120.
60
46
De acordo com o entendimento de Mônica Castro64, as pessoas jurídicas não possuem
imagem-retrato, isto é, não possuem imagem no sentido de representação visível da figura
humana, sendo apenas detentoras de imagem-atributo. É comum uma empresa desenvolver um
produto e difundir no mercado a sua imagem, construir na mente dos consumidores uma
determinada idéia a respeito de tal produto ou mesmo de sua marca. Na hipótese dessa imagem
ser violada, têm a pessoa jurídica direito à indenização.
Em relação ao direito à imagem, é preciso ressaltar que somente é conveniente e necessário
proteger esse bem jurídico quando uma pessoa reconhece ou é reconhecida pelos outros em uma
imagem. Pode-se dizer que somente merece proteção jurídica a imagem que permite identificar
determinada pessoa, que se liga a um indivíduo único e individualizado, e que pode ser
reconhecido.
Finalizando o tema do direito à imagem, é preciso destacar que o direito à imagem, assim
como os demais direitos enunciados no art 5, inciso X, da Constituição Federal, em diversas
ocasiões conflitam com outros direitos individuais igualmente protegidos constitucionalmente,
com por exemplo a liberdade de informação. Em razão dessa freqüente colisão entre tais direitos,
essa matéria será tratada isoladamente, buscando-se definir critérios para a solução de conflitos.
24-
O direito à vida privada e o direito à intimidade.
O direito à vida privada e o direito à intimidade, embora apresentem características
similares, não são vocábulos que designam o mesmo direito. Isso se pode constatar pela própria
previsão constitucional, que assegura a inviolabilidade tanto da vida privada como da intimidade.
Não há uma uniformidade doutrinária na definição desses direitos, sendo necessário
abordar o entendimento de diversos autores que trataram da matéria.
Para André Ramos Tavares, “a vida privada diz respeito ao modo de ser, de agir, enfim, o
modo de viver de cada pessoa. Em poucas palavras, importa em reconhecer que cada um tem
direito a seu próprio estilo de vida.”65
No entendimento de Alexandre de Moraes, os conceitos de intimidade e de vida privada se
interligam, sendo que o primeiro possui uma amplitude menor do que o segundo, estando inserido
no âmbito de incidência da vida privada. Segundo definição apresentada pelo autor, “intimidade
relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de
amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os
objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.”66
Observando as relações travadas entre os indivíduos, Luiz Alberto David Araujo67 constata
que esses atuam em dois níveis distintos, um público e outro privado. Dentro da esfera privada,
verifica que o indivíduo estabelece relacionamentos sociais que preserva e oculta do público em
geral. De acordo com o autor, na esfera privada encontram-se as relações familiares, amorosas, o
lazer, os segredos dos negócios, enfim, relações marcadas pela confidencialidade.
A partir dessas considerações, o referido autor, percebe que no território da privacidade as
relações caracterizam-se por serem interpessoais, ou seja, envolvem outras pessoas. Desta forma,
64
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 120.
65
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 446 e 447.
66
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 80.
67
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 116 e 117.
47
percebe que há um espaço para a violação de direitos, sendo que é nesse espaço que surge a
importância da intimidade. No entendimento do autor, a privacidade resguarda o indivíduo da
publicidade, enquanto que a intimidade o resguarda de abusos dentro da esfera privada.
Luiz Alberto David Araujo conclui então que os indivíduos atuam dentro de uma esfera
pública e de uma esfera privada, sendo que nesta estão compreendidas a esfera de privacidade e a
esfera de intimidade. Dentro da esfera de privacidade ocorrem as relações interindividuais que são
ocultadas do público em geral. Já na esfera de intimidade há uma divisão entre o “eu”e os
“outros”, o indivíduo se separa inclusive daquelas pessoas mais próximas, pretendendo manter
algumas informações inacessíveis até mesmo à estas pessoas.
Em seu livro “Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros
Direitos”, Mônica Castro empenha-se na tarefa de distinguir os conceitos de vida privada e de
intimidade. Nas análises procedidas pela autora, ela destaca que:
“Pode o direito à vida privada ser apreendido como sendo a faculdade atribuída às pessoas físicas de excluir
do conhecimento dos outros, além da família e amigos íntimos, sentimentos, emoções, pensamentos,
orientação sexual, valores espirituais próprios que revelem sua personalidade psíquica.
A privacidade é plasmada pelo conjunto de fatores, hereditários ou socialmente adquiridos, que formam a
personalidade psíquica do homem e que ele permite seja dividido entre seus familiares e amigos íntimos.
Entre esses elementos, é de ser considerada a orientação sexual, as preferências, os apelidos usados somente
no seio familiar, especialmente quando revelem certa faceta do indivíduo não conhecida do público.”68
A partir desse conceito a autora analisa quais são as pessoas que participam e que
compartilham das informações pessoais do indivíduo, fazendo uma interessante abordagem do
conceito atual de família. No entendimento da autora, o simples fato de pertencer à mesma
família, no sentido adotado pelo Código Civil, não significa ter acesso às informações pessoais de
outros integrantes da família. É preciso, acima de tudo, conviver com o titular do direito, possuir
um contato próximo e diário com este, e somente desta forma poderá conhecer as informações
privadas do indivíduo.
A autora destaca ainda que a privacidade também é compartilhada pelos amigos íntimos.
Em relação ao direito à intimidade, Mônica Castro afirma que este é, provavelmente, o
mais exclusivo direito da personalidade. “A reserva da intimidade consiste no bem mais restrito,
no sentido de maior amplitude da exclusão do outro.”69
Observa a autora que o direito à intimidade é dificilmente violado, em razão do número
limitado de pessoas que têm conhecimento dos dados que integram essa esfera.
Por fim, a mencionada autora analisa a possibilidade das pessoas jurídicas serem titulares
do direito à vida privada e do direito à intimidade. No que diz respeito ao direito à vida privada,
conclui a autora que as pessoas jurídicas não o detêm, pois não existem materialmente e, portanto,
não são dotadas de pensamentos ou emoções próprias. Em relação ao direito à intimidade, Mônica
Castro constata que embora o Constituição Federal não esclareça se tal direito se estende às
pessoas jurídicas, verifica-se no ordenamento jurídico diversas leis protegendo aspectos do direito
à intimidade, como por exemplo a proteção ao sigilo industrial.
25-
O direito à honra.
68
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 36 e 37.
69
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 44.
48
A honra, segundo definição apresentada por José Afonso da Silva “é o conjunto de
qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a
reputação. É direito fundamental da pessoa resguardar essas qualidades.”70
A honra também pode ser definida como “bem jurídico imaterial representativo das
qualidades morais que o homem detém e pelas quais é reconhecido.”71
Bastante interessante é a consideração realizada por Luiz Alberto David Araujo e Vidal
Serrano Nunes Júnior72, ao afirmarem que, embora seja variável o conceito de honra, pois é
inevitável a variação do conceito de dignidade, o conteúdo do direito à honra não se modifica.
O direito à honra, conforme ressaltado por alguns autores73, apresenta um caráter dúplice:
proteção da honra subjetiva e proteção da honra objetiva. A honra subjetiva se refere à concepção
que cada indivíduo tem de si, isto é, diz respeito ao modo que o indivíduo se visualiza, a idéia que
faz de sim mesmo em relação às suas características. A honra objetiva, por sua vez, está ligada ao
juízo que as demais pessoas fazem do indivíduo, à sua reputação na sociedade.
Ao se proclamar o direito à honra deve-se conceber instrumentos hábeis que permitam o
cidadão se defender de eventuais ofensas. Além disso, é preciso destacar que a Constituição
Federal assegura o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente da violação à
honra, assim como da violação à intimidade, à privacidade e à imagem.
Por se entender que o indivíduo tem o direito de preservar a própria dignidade, não se
admite ofensas à sua honra mesmo quando as alegações sejam verdadeiras. Por essa razão que o
crime de difamação, o qual consiste em imputar a alguém fato ofensivo a sua honra, não admite
exceção de verdade. Mesmo que o fato seja verdadeiro, o réu não pode se beneficiar de tal
argumento, pois procedeu à ofensa da dignidade da vítima.
26. Colisão entre os direitos à honra, à imagem, à privacidade e os direitos de informação
e de expressão.
O trabalho realizado por Mônica Neves Aguiar da Silva Castro além de aprofundar o
estudo dos direitos à honra, imagem, vida privada e intimidade, estuda os eventuais conflitos entre
esses direitos e outros direitos também considerados fundamentais, como por exemplo as
liberdades de imprensa, de expressão e de informação. Conforme aponta a autora, “entre a
liberdade de imprensa e os bens jurídicos pessoais há uma relação intrinsecamente conflitual na
medida em que, embora exista um espaço no qual a pessoa pode representar-se e agir com plena
autonomia à margem de qualquer devassa e intromissão, o ser social, atributo do homem, autoriza
uma compreensão de que ninguém pode viver como uma unidade isolada.”74
70
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 205.
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 5.
72
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, p. 119
73
Neste sentido, confira-se a obra de Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, intitulada “Honra, Imagem, Vida Privada e
Intimidade, em Colisão com outros Direitos”, mencionada em tópicos anteriores.
74
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 96.
71
49
Para solucionar a colisão entre tais direitos, a referida autora propõe a aplicação do
princípio da proporcionalidade, o qual será analisado em pontos subseqüentes deste trabalho.
Com o intuito de ilustrar a permanente colisão entre os direitos acima mencionados, anexase ao presente trabalho decisões proferidas pelo Poder Judiciário do Estado do Paraná, em que são
solucionados litígios envolvendo conflitos entre tais direitos fundamentais.75
Dentre as considerações realizadas nos julgados, destacam-se as ponderações realizadas
pelo ilustre Relator da Apelação Cível nº 120.799-0, Dr. Miguel Kfouri Neto, ao afirmar:
“Existe, no caso, um conflito de direitos fundamentais, ambos garantidos constitucionalmente: de um lado,
o direito de informação e de livre manifestação do pensamento e de outro, o direito à intimidade, e a
proteção da honra e reputação da pessoa.
O conflito, contudo, é apenas aparente, pois a própria Constituição oferece a solução. Diz o art. 220 da
Carta Magna que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Extrai-se, por
outro lado, de seu artigo 1º, que um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa humana (inciso
III). Ora, parece evidente que uma grave violação à dignidade da pessoa humana justifica a limitação à
liberdade de informação.”
27-
O direito de locomoção.
O direito de locomoção pode ser definido como “o direito que o indivíduo tem de ir, vir,
ficar ou permanecer, sem que por essas condutas seja molestado pelo Poder Público. Na verdade,
o direito de locomoção tutela a liberdade em sentido estrito, ou seja, a prerrogativa que o
indivíduo tem de não ser preso, ou detido, arbitrariamente.”76
Esse direito está consagrado no inciso XV, do artigo 5º da Constituição Federal, o qual
estabelece: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Embora o direito de locomoção ocupe lugar de destaque entre os direitos individuais, não
pode ser entendido como um direito absoluto, considerando que a Constituição Federal estabelece
algumas limitações a esse direito. Dentre as limitações ao direito de locomoção encontra-se o
direito de propriedade, e as disposições contidas no artigo 5º, inciso LXI, e no artigo 139 da Lei
Maior.
Desta forma, o direito de locomoção pode será impedido nos casos de prisão em flagrante
ou de prisão resultante de ordem judicial. É possível também, de acordo com a previsão
constitucional, que na vigência do estado de sítio se obrigue pessoas a permanecerem em
determinado local ou ainda que fiquem detidas “em edifício não destinado a acusados ou
condenados por crimes comuns”.
Perquirindo outras limitações à liberdade de locomoção, André Ramos Tavares considera
que não constitui ofensa a essa liberdade a condução coercitiva de testemunha que se recuse a
Anexo I – Sentença da 4ª Vara Cível de Curitiba, proferida nos autos nº 441/2001, de ação de obrigação de não fazer
cumulada com indenização por danos morais. Acórdão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,
prolatada nos autos nº 120.799-0, de Apelação Cível.
76
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 127.
75
50
comparecer espontaneamente em juízo, a dispersão de pessoas dos locais em que haja tumulto ou
ainda o confinamento de pessoas em um determinado local por motivos sanitários. Entretanto, é
necessário que tais medidas estejam reguladas por lei e sejam razoáveis. O referido autor aponta
ainda possibilidade de se impor restrições maiores à liberdade de locomoção em tempo de guerra.
Em relação ao direito de locomoção é preciso ressaltar ainda que este implica em um
direito de circulação. “O direito de circular (ou liberdade de circulação) consiste na faculdade de
deslocar-se de um ponto a outro através de uma via pública ou afetada ao uso público.”77
Dentre as discussões judiciais tratando da liberdade de locomoção, destaca-se a polêmica
envolvendo a cobrança de pedágio para a utilização de rodovias públicas, quando não houver via
alternativa não pedagiada.
Conforme se pode verificar nas decisões judiciais anexadas ao presente trabalho78, há
argumentos que sustentam a constitucionalidade da cobrança de pedágio, mesmo não havendo via
alternativa e outros que sustentam a inconstitucionalidade de tal cobrança, por ofensa à liberdade
de locomoção.
Para finalizar, merecem ser enaltecidas as considerações de André Ramos Tavares ao
elaborar uma interpretação constitucional evolutiva dos direitos fundamentais de liberdade.
Constata o mencionado autor que atualmente o Estado deve garantir materialmente a liberdade de
locomoção, proporcionando aos indivíduos a utilização de um transporte público eficiente que,
embora não precise ser gratuito, deve ser acessível a todas as classes sociais. “A não-existência de
formas de transporte sustentadas ou controladas pelo Estado implica, incontestavelmente, uma
forma de cerceamento da liberdade de cada um em se locomover livre e amplamente pelo
território nacional.”79
Neste sentido, verifica-se que o exercício do direito de locomoção, em muitas ocasiões,
está intrinsecamente ligado à existência de transporte público. A inexistência de transporte
público, em determinadas hipóteses, além de impedir a liberdade de locomoção, consiste em uma
violação à dignidade humana.
28-
O princípio do juiz natural
O princípio do juiz natural decorre de dois dispositivos constitucionais, os quais
estabelecem que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, inciso XXXVII) e que
“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
O princípio do juiz natural, também denominado de princípio do juiz legal, consiste em
determinar previamente o juiz competente para solucionar determinado litígio, ou seja, tal
princípio exige a pré-existência de normas que estabeleçam a competência dos órgãos
jurisdicionais. “Veda-se, portanto, que surjam tribunais ou juízos singulares, ou quaisquer outros
órgãos julgadores, após a ocorrência dos fatos a serem apreciados. Também fica proscrita a
indicação de órgãos para o julgamento de casos determinados.”80
Percebe-se facilmente que o princípio do juiz natural é decorrência do princípio da
igualdade, pois seu objetivo é evitar que determinadas pessoas ou casos sejam julgados por outros
77
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 232.
Anexo II – Sentença da 3ª Vara Federal de Curitiba, proferida nos autos nº 99.0027243-9, de Ação Civil Pública. Acórdão da
Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, prolatado nos autos nº 2002.04.01.017045-2, de Apelação Cível.
79
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 424.
80
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 484.
78
51
órgãos que não aqueles determinados para as demais pessoas ou casos, isto é, impõe um
tratamento igual para hipóteses iguais. Entretanto, é preciso ressaltar que o princípio do juiz
natural não veda a existência de juízos especializados, sendo necessário apenas que as normas que
os criem sejam gerais e não tenham como intuito submeter pessoas ou casos predeterminados a
estes juízos.
Para Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, para que o princípio do juiz
natural seja respeitado é preciso que apenas os juízos e tribunais que integram o Poder Judiciário
tenham função jurisdicional; é preciso também que existam critérios que permitam determinar o
juízo ou tribunal competente; e, por fim, é necessário observar as normas regimentais de
distribuição do processo.81
29.
O princípio da não-extradição.
O instituto da extradição recebeu tratamento constitucional no artigo 5º, incisos LI e LII. A
regra contida no inciso LI prescreve que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o
naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma de lei”. Por sua vez, a
regra prevista no inciso LII, do referido artigo, estabelece que “não será concedida extradição de
estrangeiro por crime político ou de opinião”.
Para que se possa analisar as regras acima mencionadas, é preciso primeiramente
compreender em que consiste a extradição. Para tanto, se recorre às lições de Luiz Alberto David
Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior, os quais afirmam que “a extradição tem lugar nas situações
em que o estrangeiro, ou excepcionalmente o brasileiro naturalizado, comete crime no exterior.
Nesse caso, com fundamento em tratado ou compromisso de reciprocidade, o respectivo país pode
pedir a extradição do indivíduo ao Estado brasileiro, que, por decisão do Supremo Tribunal
Federal, poderá acolher, ou não, o pedido.”82
Existem duas espécies de extradição: a ativa e a passiva. A extradição ativa é aquela
requerida pelo Brasil a um país estrangeiro, enquanto que a extradição passiva é aquela em que
um país estrangeiro solicita ao Brasil a extradição de um indivíduo.
Analisando os dispositivos constitucionais, constata-se que os mesmos se referem à
extradição passiva, ou seja, impõem o preenchimento de requisitos para que o Brasil possa atender
a solicitação de extradição feita por um país estrangeiro.
O tratamento constitucional dado aos brasileiros natos, aos brasileiros naturalizados e aos
estrangeiros é bastante diverso em relação à admissibilidade de extradição.
Em relação ao brasileiro nato é possível afirmar que está vedada a sua extradição.
Quanto ao brasileiro naturalizado e o português equiparado, a regra contida no artigo 5º,
inciso LI, admite duas hipóteses de extradição: a) por crime comum, praticado antes da
naturalização; b) quando ficar comprovado seu envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, independentemente deste fato ter ocorrido antes ou depois da naturalização.
81
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 147.
82
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 153.
52
No que diz respeito ao tratamento destinado aos estrangeiros, o constituinte se preocupou
apenas em limitar as hipóteses de sua extradição, vedando esta nos casos de crime político ou de
opinião.
Além da vedação acima referida, para que o Estado brasileiro conceda a extradição de
estrangeiro, muitos outros requisitos devem ser preenchidos. Exemplificativamente pode-se citar a
necessidade de existir tratado internacional ou compromisso de reciprocidade e a necessidade do
fato ser considerado crime tanto no país que solicita a extradição como no Brasil.
30. As ações constitucionais (remédios constitucionais) como espécies das garantias
individuais.
Ao lado dos direitos individuais, a Constituição Federal consagra inúmeras garantias
individuais que, como visto anteriormente, são instrumentos assecuratórios dos direitos
individuais. Dentre as garantias individuais destacam-se as ações constitucionais, também
denominadas de remédios constitucionais. É importante notar que garantias constitucionais e
remédios constitucionais não são sinônimos, sendo que estes estão compreendidos nas garantias
constitucionais, havendo outras normas assecuratórias que prevêem outras garantias que não se
constituem em ações.
As ações constitucionais são capazes de defender e de tornar eficazes direitos
fundamentais. Dentre as garantias constitucionais encontram-se o mandado de segurança, o
habeas corpus, o mandado de injunção e o habeas data, os quais serão abordados
individualmente.
É inegável a relevante função desempenhada pelas garantias constitucionais, tendo em
vista que "os direitos fundamentais do homem, ao receberem positivação no Direito
Constitucional, passam a desfrutar de uma posição de relevo, no que toca ao ordenamento jurídico
interno. Mas a mera declaração ou reconhecimento de um direito não é suficiente, não bastando
para sua plena eficácia, porque se torna necessário tutelar esse direito nas situações em que seja
violado."83
Analisando o controle da constitucionalidade no Brasil, Keith Rosenn descreve o
aparecimento dos instrumentos processuais aptos a proteger direitos constitucionais. Segundo o
autor:
"Historicamente, a proteção judicial dos direitos constitucionais no Brasil, assim como em outros países da
América Latina, tem sido ineficaz por causa da ausência de mecanismos processuais rápidos e efetivos. As
ações ordinárias normalmente demoram muitos anos, em parte por causa de um sistema de recursos contra
decisões interlocutórias. Por isso os juristas, já há algum tempo, têm procurado remédios especiais para
assegurar rápida proteção de certos direitos constitucionais. Durante o século XIX, os tribunais brasileiros
expandiram o conceito da ordem de habeas corpus muito além da concepção original que o instituto tinha e
tem entre os anglo-saxões. Durante o século XX, o Brasil desenvolveu uma variedade de mecanismos
processuais, os quais têm facilitado o controle da constitucionalidade incidental e tornado a proteção
judicial das garantias individuais mais efetiva."84
A Constituição ao reconhecer inúmeros direitos fundamentais precisa, em contrapartida,
criar instrumentos capazes de protegê-los. As ações constitucionais, adiante especificadas, são
83
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 601.
ROSENN, Keith. O controle da constitucionalidade no Brasil: desenvolvimentos recentes. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 227, p. 1 – 30, jan./mar. 2002, p. 5.
84
53
instrumentos hábeis a provocar o Poder Judiciário com o objetivo de impedir ou reparar violações
a direitos e valores constitucionais de suma importância.
31-
Mandado de segurança individual.
O mandado de segurança é ação constitucional cabível para proteger direito líquido e certo,
ameaçado ou lesado por ato ilegal ou cometido com abuso de poder por autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. A Constituição Federal de
1988 estabelece ainda que tal ação só é cabível nas hipóteses em que o direito não seja amparado
por habeas corpus ou habeas data.
Buscando o significado da expressão legal "direito líquido e certo", Celso Antônio
Bandeira de Mello afirma que "considera-se 'líquido e certo' o direito, 'independentemente de sua
complexidade', quando os fatos a que se deva aplicá-lo sejam demonstráveis 'de plano'; é dizer,
quando independam de instrução probatória (…)."85
Embora a Constituição estabeleça o cabimento do mandado de segurança na ocorrência de
"ilegalidade ou abuso de poder", a expressão ilegalidade deve ser entendida no seu sentido amplo,
ou seja, deve-se admitir a referida ação nos casos em que o ato da autoridade pública for contrário
à lei ou à Constituição.
Conforme ensinamentos de Carlos Alberto Lúcio Bittencourt "a ilegalidade a que se refere
o texto constitucional há de ser entendida no seu mais amplo conceito, para que não seja frustrado
o objetivo mesmo da garantia que a Constituição visou estabelecer."86
A partir dessas considerações mostra-se evidente a importância do mandado de segurança
no controle da constitucionalidade dos atos do poder público. A parte que sentir violado ou
ameaçado direito individual assegurado pela Constituição, e não amparado por habeas corpus ou
habeas data, poderá recorrer ao Judiciário para obter a proteção de seu direito.
O mandado de segurança é instrumento apto para a proteção de inúmeros direitos
individuais. Acrescente-se ainda que o interessado pode impetrar tal medida contra diversos atos
do poder público considerados inconstitucionais, em sua maioria atos administrativos.
Aliás, em relação ao mandado de segurança, Hely Lopes Meirelles afirma que seu objeto
normal “é o ato administrativo específico, mas por exceção presta-se a atacar as leis e decretos de
efeitos concretos, as deliberações legislativas e as decisões judiciais para as quais não haja recurso
capaz de impedir a lesão ao direito subjetivo do impetrante.”87
É preciso esclarecer ainda que, conforme já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal
(Súmula 266), não é cabível mandado de segurança contra lei em tese. Tal entendimento foi
fixado com o intuito de impedir que esta ação fosse utilizada como instrumento do controle
abstrato da constitucionalidade.
A este respeito assevera Hely Lopes Meirelles que não se pode atacar a lei em tese por
meio do mandado de segurança porque a lei, por si só, não lesa direito individual. Apenas quando
85
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 803 e 804.
BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O controle jurisdicional da Constitucionalidade das leis. 2. ed., Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 109.
87
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas
data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento
de Preceito Fundamental. 25. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40.
86
54
a norma abstrata é convertida em ato concreto, atingindo direito individual, é que o titular do
direito poderá impetrar mandado de segurança.
Na verdade o impetrante ataca os efeitos concretos da lei que atinge seu direito. Não lhe
interessa a declaração de inconstitucionalidade da norma, mas apenas afastar naquele caso
concreto a sua aplicação, deixando intacto o seu direito.
É importante observar também que o mandado de segurança pode ter um caráter
preventivo, quando impede lesão contra direitos subjetivos individuais, ou um caráter repressivo,
quando corrige ilegalidades já cometidas.
Outra questão polêmica em torno do mandado de segurança refere-se à constitucionalidade
do artigo 1º, da Lei 1.533/51, o qual estipula o prazo de 120 dias para a sua impetração. Embora a
Constituição Federal não tenha previsto nenhum prazo para o exercício da ação, a jurisprudência
tem entendido pela constitucionalidade do prazo, pois a parte lesada teria ainda, após decorrido o
prazo legal, outros instrumentos a sua disposição.
Quanto à decisão proferida no mandado de segurança, destaca-se que esta surte efeitos
apenas para aquele caso. Neste sentido brilhante a observação de Hely Lopes Meirelles ao dizer
que:
“A Justiça Comum não dispõe do poder de fixar normas de conduta, nem lhe é permitido estender a casos
futuros a decisão proferida no caso presente, ainda que ocorra a mesma razão de decidir em ambas as
hipóteses. Embora se reitere a ilegalidade em casos idênticos, haverá sempre necessidade de uma decisão
para cada caso, sem que os efeitos da sentença anterior se convertam em regra para as situações futuras. E
assim é porque a sentença concessiva da segurança apenas invalida o ato impugnado, deixando intacta a
norma tida por ilegal ou inconstitucional até que outra norma de categoria igual ou superior a revogue, ou o
Senado Federal suspenda sua execução em face da inconstitucionalidade declarada pelo STF.”88
Por fim, ressalta-se que o mandado de segurança tem se mostrado mecanismo eficiente de
controle difuso da constitucionalidade, principalmente no que se refere aos atos administrativos. O
cidadão, ao ter direito fundamental ameaçado ou violado por atos inconstitucionais de autoridade,
recorre ao Poder Judiciário, exigindo a proteção dos seus direitos.
32-
Mandado de injunção.
O mandado de injunção é ação constitucional utilizada no combate à inconstitucionalidade
por omissão.
Está disciplinado no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição Federal, o qual estabelece que
será concedido “mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania.”
Por meio da definição legal, é possível perceber que através do mandado de injunção o
Poder Judiciário verifica, no caso concreto, se omissões do poder público estão atingindo direito
constitucionais.
Para que esta ação constitucional seja cabível, é preciso que haja norma constitucional, de
eficácia limitada, prevendo um direito que não está sendo exercido em razão da falta de norma
regulamentadora.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas
data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento
de Preceito Fundamental. 25. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 96.
88
55
A controvérsia sobre a matéria instaura-se quando são questionados o objeto do mandado
de injunção e a natureza de sua decisão.
Sobre este tema, pondera Luis Roberto Barroso que a melhor interpretação seria considerar
o mandado de injunção “um instrumento de tutela efetiva de direitos que, por não terem sido
suficiente ou adequadamente regulamentados, careçam de um tratamento excepcional” 89. Para o
autor, o Judiciário, para garantir o exercício do direito ou liberdade constitucional inviabilizados
por falta de norma regulamentadora, deveria criar uma norma para o caso concreto, cujos efeitos
restringir-se-iam às partes envolvidas no processo.
Em conformidade com este posicionamento está a lição de Celso Antônio Bandeira de
Mello ao dizer que o mandado de injunção “é medida hábil para que o postulante obtenha, em um
específico caso concreto (e estritamente para ele), mediante suprimento judicial, a disciplina
necessária indispensável ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, frustrados pela ausência de
norma regulamentadora, cuja falta esteja a inviabilizar-lhes o exercício.”90
Acatado o posicionamento acima apresentado, a decisão do mandado de injunção teria
natureza constitutiva, uma vez que o juiz criaria uma norma para tornar eficaz determinado direito
constitucional.
Entretanto, esse não tem sido o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.
Relata André Ramos Tavares91 que o Supremo Tribunal concedeu ao mandado de injunção
contornos bastante limitados.
Conforme descreve o referido autor, o Supremo Tribunal Federal entendeu inicialmente
que a decisão de procedência proferida em mandado de injunção teria o condão de permitir apenas
uma comunicação ao Poder omisso, para que expedisse a regulamentação necessária. Percebe-se,
portanto, que o mandado de injunção, neste sentido, foi equiparado à ação direta de
inconstitucional por omissão.
De acordo com relatos de André Tavares, a Suprema Corte, recentemente, entendeu que
em alguns casos o Poder Judiciário poderia dizer qual o Direito a ser aplicado no caso concreto
ou, ainda, fixar prazo para que o Poder responsável pela omissão expedisse o ato necessário para
tornar viável o exercício do direito e, no caso de não o fazendo, teria o interessado direito à
indenização, por não lhe ter sido assegurado o exercício de direito ou liberdade constitucional.
Em razão da polêmica desenvolvida em torno do mandado de injunção, Luís Roberto
Barroso entende que “mais simples, célere e prática se afigura a atribuição, ao juiz natural do
caso, da competência para a integração da ordem jurídica, quando necessária para a efetivação de
um direito subjetivo constitucional submetido à sua apreciação.”92
Diante do exposto, constata-se que o mandado de injunção ingressou no ordenamento
jurídico com um imenso potencial para a efetivação dos direitos e liberdades constitucionais, mas
aos poucos teve sua atuação limitada, inclusive no que se refere ao combate direto à
inconstitucionalidade por omissão.
89
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da
Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 252.
90
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 804 e 805.
91
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 716.
92
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da
Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 270.
56
Merece também destaque entendimentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal no que
diz respeito ao pólo passivo do mandado de injunção. Segundo decisões analisadas por Luiz
Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior93, o STF considerou inadmissível mandado
de injunção contra pessoa privada, pois esta não tem competência para elaborar norma
regulamentadora. Também em relação ao pólo passivo do mandado de injunção, entendeu o STF
que quando a norma regulamentadora é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, este
é que deve integrar o pólo passivo da relação, e não o Congresso Nacional.
Para finalizar o tema referente ao mandado de injunção, ressalta-se o relevante
estudo elaborado por Luiz Alberto David Araujo a respeito da proteção das pessoas portadoras de
deficiência. No desenvolvimento de seu trabalho, o autor realiza uma acurada análise procurando
identificar quais instrumentos processuais podem ser utilizados para a proteção judicial dos
direitos das pessoas portadoras de deficiência, concluindo que o mandado de injunção é um
importante instrumento na realização desta tarefa.
Conforme destacado pelo referido autor, “a Constituição Federal vigente cuidou de
elencar várias normas de proteção às pessoas portadoras de deficiência. As normas, no entanto,
salvo as regras isonômicas constantes do artigo 5º e do inciso XXXI do artigo 7º dependem de
integração legislativa infraconstitucional.”94 Desta forma, é possível perceber que o mandado de
injunção pode ser utilizado para tornar efetivos direitos constitucionais como a adaptação dos
logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo, permitindo o
acesso das pessoas portadoras de deficiência (artigo 227, §2º e artigo 244 da CF). O mandado de
injunção pode ser utilizado também para garantir um salário mínimo mensal ao portador de
deficiência, conforme estabelece o artigo 203, V, da Lei Maior.
33-
Habeas corpus.
Entre todos os remédios constitucionais, o habeas corpus destaca-se por proteger um dos
mais importantes direitos dos homens: a liberdade de locomoção.
Ensina o memorável professor, Celso Ribeiro Bastos, que "o habeas corpus é
inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal.
Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades.
Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição
na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal."95
A origem deste instituto remete-se à Magna Carta de 1215, a qual protegia a liberdade de
locomoção impondo a necessidade de um devido processo legal e do julgamento por órgão
competente para que se pudesse prender qualquer cidadão.
No Brasil, verifica-se que a Constituição de 1824 não previu o instituto do habeas corpus,
embora limitasse a possibilidade de prisão dos cidadãos. Enquanto vigorava esta Constituição, o
Código de Processo Criminal de 1832 consagrou e disciplinou o habeas corpus. Constata-se
também que já a partir da Constituição de 1891 esta ação recebeu tratamento constitucional.
Atualmente este remédio constitucional está previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da
Constituição Federal, o qual prescreve que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém
93
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed., São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 168.
94
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed., disponível no site
www.mj.gov.br/sedh/dpdh/corde/protecao_const.htm
95
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 395.
57
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder".
O dispositivo constitucional permite constatar a existência de duas espécies de habeas
corpus: o habeas corpus preventivo e o habeas corpus liberatório. Será preventivo quando a
violência ou coação à liberdade de locomoção não tiver se consumado, ou seja, quando houver
apenas ameaça à liberdade de locomoção. Nesta hipótese, o juiz deverá expedir salvo-conduto em
favor do paciente, com o intuito de evitar violência ou coação ilegal (art. 660, §4º, do Código de
Processo Penal).
Por sua vez, o habeas corpus será liberatório quando a violação ou coação à liberdade de
locomoção já tiver sido efetivada. Neste caso, o objetivo da medida será fazer cessar o ato ilegal
ou abusivo de poder, concedendo liberdade ao paciente.
Em relação às partes envolvidas nesta ação constitucional, é possível identificar: o
impetrante, o qual pede a expedição da ordem em benefício próprio ou de outrem; o impetrado,
autoridade que atua ilegalmente ou com abuso de poder violando ou coagindo a liberdade de
locomoção de outrem; e o paciente, pessoa física que tem sua liberdade de locomoção ameaçada
ou violada.
Para que seja cabível a ação de habeas corpus é preciso que o ato lesivo à liberdade de
locomoção seja emanado de autoridade pública, pois ato de particular constrangendo o direito de
ir e vir de outro cidadão caracteriza-se crime de cárcere privado, comportando atuação imediata
da polícia.
Característica importante do habeas corpus é o fato de não exigir nenhuma
formalidade para a sua impetração.
Finalizando, é preciso apontar ainda as ressalvas constitucionais ao cabimento do
habeas corpus. Estabelece a Constituição Federal de 1988 que a ordem não pode ser impetrada
durante o estado de sítio. Além disso, a Carta Magna prescreve ainda, em seu artigo 142 §2º, que
“não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.
Interpretando este dispositivo legal, Alexandre de Moraes96 afirma que a
Constituição Federal está a impedir habeas corpus para analisar o mérito das punições
disciplinares militares, mas isso não significa que o Poder Judiciário não possa apreciar os
pressupostos de legalidade do ato, como por exemplo a existência de hierarquia entre a autoridade
sancionadora e a sancionada, a existência de poder disciplinar, ou ainda se há relação entre o ato
sancionado e a função.
34.
Habeas data.
Durante a vigência dos governos ditatoriais, informações a respeito da vida dos
cidadãos eram coletadas e armazenadas secretamente, e muitas vezes eram utilizadas para
fundamentar perseguições. Como reação aos abusos daquela época, o atual texto constitucional
contemplou a ação de habeas data.
Conforme previsão constitucional, a finalidade dessa ação é assegurar ao impetrante o
direito de conhecer as informações, que digam respeito a sua pessoa, constantes de registros ou
bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. Outra finalidade que pode ser
alcançada por meio desta ação é a retificação (correção) de dados.
96
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 152.
58
A Lei 9.507/97, que disciplina a ação de habeas data, contempla em seu artigo 7º
mais uma finalidade que consiste na “anotação nos assentamentos do interessado, de contestação
ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou
amigável.”
No que diz respeito às partes envolvidas na ação de habeas data, considera-se parte
legítima para impetrá-la qualquer pessoa física ou jurídica que tenha interesse no acesso,
retificação ou complementação de informações que digam respeito à sua pessoa.
Por sua vez, são legitimados passivos os órgãos da Administração direta e indireta,
as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos e as que prestam serviço
ao público, ou seja, pessoas de direito privado que possuem informações a respeito dos indivíduos
e as fornecem para terceiros. “Logo, o habeas data pode ser requerido para obtenção de
informações constantes tanto de registros ou bancos de dados públicos como os de natureza
privada, desde que tenham caráter público.”97
A Lei 9.507/97, recepcionando entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de
Justiça, determina o cabimento de habeas data apenas quando o acesso às informações tiver sido
recusado pelo órgão que as detêm.
A lei infraconstitucional regula também os efeitos da sentença que julga procedente
o habeas data. Se o objetivo do impetrante era ter acesso às informações a seu respeito, o juiz
marcará data e horário para o coator apresenta-las ao impetrante. Se o objetivo era conseguir a
retificação ou anotação em registro ou banco de dados, o juiz marcará data e horário para o coator
apresentar em juízo prova da retificação ou anotação feita no cadastro do impetrante.
Por meio de habeas data o cidadão tem acesso às informações que lhe digam
respeito, podendo requerer a sua retificação, quando incorretas, ou sua complementação. Esse
instrumento garante ao cidadão a veracidade das informações que são fornecidas a seu respeito,
além de preservar a sua intimidade, uma vez que controla as informações constantes nos registros
e bancos de dados.
Só se pode admitir que a Administração ou as pessoas jurídicas de direito privado possuam
informações a respeito dos indivíduos quando estritamente necessário, caso contrário estará sendo
lesionado o direito à intimidade.
97
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição
brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 277.
59
V – CONCEITO DE CLÁUSULA PÉTREA
Nosso objetivo no presente capítulo deste trabalho é exatamente apresentar um conceito de
“cláusula pétrea”, tendo como prisma o Direito Constitucional visto de uma forma geral, e não vinculado
exclusivamente ao tratamento apresentado pela Constituição Federal Brasileira de 1988.
Com o objetivo de se alcançar o conceito de cláusula pétrea, percorreremos os seguintes pontos :
análise semântica da expressão e localização do instituto da cláusula pétrea no Constitucionalismo.
a) Análise semântica da expressão “cláusula pétrea”
A compreensão do significado de determinado instituto jurídico deve ser feito à luz dos
métodos e técnicas utilizados pela ciência do direito, o que não impede, de forma alguma, que a
investigação se inicie pela compreensão laica da expressão, isto é, pelo tratamento semântico dado
pela linguagem ordinária à expressão.
A linguagem científica, a despeito de ser fruto de uma filtragem da linguagem ordinária,
parte desta para o alcance da sua especificidade, motivo pelo qual apresentamos abaixo os
significados de “cláusula” e de “pétrea” apresentados pelos principais dicionários da língua
portuguesa.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira98 aponta que :
“cláusula sf. Cada uma das disposições dum contrato ou de documento
semelhante, público ou privado.”
“ pétreo [Do lat. Petreu] adj. 1. De pedra, petroso, 2. com aparência ou resistência
de pedra, petroso. 3. relativo a pedra, pedernal 4. Fig. Insensível,duro, desumano.”
98
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da língua portuguesa. Versão informatizada e disponibilizada na
internet no site “www.uol.com.br “
60
“ petrificar vt e p. 1. converter(-se) em pedra; empedrar(-se). 2. Tornar(-se) duro,
desumano.3. Assombrar(-se), assustar(-se)”
Francisco da Silveira Bueno99 também aponta o significado ordinário de tais expressões :
“ CLÁUSULA, s.f. Condição que faz parte de um contrato ou documento; artigo,
preceito, disposição.”
“ PÉTREO, adj. De pedra, duro como pedra; o mesmo que petroso; (fig)
insensível; desumano”
Do colhido dos significados acima colhidos, poderíamos, em linguagem ordinária, seria a
parte de um todo (artigo, preceito ou disposição) que tem como característica a aparência de
pedra ou a resistência dura de uma pedra.
b) O significado de cláusula pétrea segundo a ciência do direito
Se a análise semântica segundo a linguagem ordinária nos parece de
suma importância para um início de investigação sobre o conceito de determinado instituto
jurídico, não o é suficiente, cabendo ao cientista do direito buscar o seu significado para a ciência
do direito, mais especificamente, no presente caso, para a ciência do direito constitucional.
Uma boa análise do significado do termo “cláusula pétrea” para o
direito constitucional necessita de uma prévia apresentação do conceito de constituição, da
apresentação do movimento denominado “constitucionalismo” e dos limites possíveis à reforma
constitucional.
b.1) Dos conceitos de constituição e poderes constituintes originário e derivado e da
classificação das constituições
Em qualquer iniciação ao estudo de qualquer ciência é
necessário um conhecimento, ainda que superficial, sobre o objeto dessa ciência, isto porque, se a
ciência é uma linguagem de sobrenível, uma metalinguagem, o desconhecimento sobre o objeto
levaria à total ineficiência do estudo científico.
Assim,
num
estudo
sobre
direito
constitucional,
independentemente do enfoque dado (direito constitucional positivo, direito constitucional
comparado) é imprescindível conhecer o que vem a ser uma constituição, as suas características,
as suas espécies e o poder que a institui.
E, com o objetivo de completar tais requisitos iniciais para o
estudo do direito constitucional é que traçamos leituras no sentido de fixar o conceito de
constituição e conhecer as peculiaridade de tal instituto, sendo que das referidas leituras extraímos
os conhecimentos que são expostos no presente texto.
99
BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro : FAE, 1986, 11a. edição, 10a.
tiragem
61
Pretende-se, neste item, apresentar o conceito de constituição, mediante uma leitura que
evolui da noção de Estado e de Direito, até alcançar-se o conceito de constituição.
b.1.1) Conhecimento breve de “Estado”
Aristóteles já afirmava que o homem é um “animal político”, isto é, que a convivência em
sociedade faz parte da essência humana, motivo pelo qual o Homem, ao longo da história, partiu
de uma vivência isolada, individualizada, para um conviver em sociedade, passando pelos vários
estágios de formação da vida em comunidade, partindo-se de grupos familiares para a formação
de grupos sociais mais complexos.
Mas, se de um lado o Homem tem uma natureza social, de outro lado, como bem apresenta
Thomas Hobbies em O Leviatã, “o Homem é Lobo do Homem”, no sentido de que é natural do
Homem a ambição, levando até mesmo a destruição do próximo na defesa de seu espaço e de suas
convicções, havendo a necessidade da organização da sociedade, com o traço de limites nos
comportamentos intersubjetivos.
A evolução na organização da sociedade é bem demonstrada no magistério de Emmanuel
Sieyès em sua obra “O que é o terceiro Estado ?, onde aponta que o Homem passou por 3(três)
momentos na história (Emmanuel Sieyès, Que es el Tercer Estado? ) :
No primeiro, há uma quantidade de indivíduos isolados que, pelo só fato de
quererem reunir-se, têm todos os direitos de uma nação, bastando exercê-los
No segundo, os Homens reúnem-se para deliberar sobre as necessidades públicas e
os meios de provê-las
No terceiro, surge o governo exercido por procuração – ESTADO - : os associados
“separam tudo o que é necessário para velar e prover as atenções públicas, e confiam o exercício
desta porção de vontade nacional, e por conseguinte de poder, a alguns deles”. Aqui já não atua
uma vontade comum real, mas sim uma vontade comum representativa.
A lição de Sieyès é muito importante para se apresentar uma definição de Estado, vez que
diferencia a simples organização da sociedade da organização através do Estado, caracterizandose este pela transferência das decisões inerentes à coordenação social à uma pessoa, que passa a
deter o “poder político”, isto é, a faculdade de impor aos demais a sua vontade, ou melhor, a
vontade o governo em relação ao controle da sociedade.
Como ensina Celso Ribeiro Bastos em seu Curso de Direito Constitucional, “o Estado –
entendido portanto como uma forma específica da sociedade política – é o resultado de uma
longa evolução na maneira de organização do poder. (...) Surge com as transformações por que
passa a sociedade política por volta do século XVI. Nessa altura, uma série de fatores, que vinham
amadurecendo ao longo dos últimos séculos do período medieval, torna possível – e mesmo
necessária – a concentração do poder numa única pessoa. É esta característica a principal nota
formadora do Estado moderno. O poder torna-se mais abrangente. Atividades que outrora
comportavam um exercício difuso pela sociedade são concentradas nas mãos do poder
monárquico, que assim passa a ser aquele que resolve em última instância os problemas
atinentes aos rumos e aos fins a serem impressos no próprio Estado.”
62
Apresentada uma breve conceituação de Estado, interessante é uma análise dos clássicos
elementos do Estado : território, população, poder e finalidade. O território como o espaço físico
onde habita o grupo humano (população) a ser organizado, exercendo o aparelho governamental o
poder político (faculdade de impor a vontade do governo aos governados), com o objetivo de
alcançar o bem comum de toda a população (finalidade).
Interessantíssimo o questionamento feito por Celso Ribeiro
Bastos100 sobre a real condição desses clássicos elementos estatais no sentido de serem estes
pressupostos para a existência estatal ou simples elementos nem sempre necessários à existência
do Estado.
Analisando-se um a um os clássicos elementos, entendemos que
o território individualizado nem sempre é necessário ante a existência de povos, que constituem
verdadeiras nações, sem a existência de um território próprio. Agora, a população é conditio sine
qua non para a existência do Estado, por motivos óbvios, vez que é a sua própria razão de ser. A
finalidade também é imprescindível, vez que sem a finalidade não haveria sentido a existência da
organização estatal e, por fim, o poder é inerente ao próprio funcionamento do Estado para o
alcance de seus objetivos.
Isto é, fora o território (que entendemos ser simples elemento
não necessário de Estado), os demais “clássicos elementos” são todos pressupostos de existência
do ente estatal.
A questão do poder é de extrema relevância, sendo importante
algumas palavras a respeito. Como realça Celso Bastos101, se perguntamo-nos qual o objeto
fundamental com que se defronta uma Constituição, vamos encontrar uma só resposta : a
regulação jurídica do poder. É a configuração que vier a ser imprimida ao poder, a sua afetação
a estes ou àqueles detentores, sua maior ou menor concentração, os controles de que é passível,
assim como as garantias dos destinatários do poder que acabam por conformar o Estado e a
Sociedade
O Poder é faculdade de alguém impor a sua vontade a outrem. O Poder político, a seu
turno, não é outro senão aquele exercido no Estado e pelo Estado. A criação do Estado não
implica a eliminação dos outros poderes sociais : o poder econômico, o poder religioso, o poder
sindical.... esses todos continuam vivos na organização política. Acontece, entretanto, que esses
poderes não podem exercer a coerção máxima, vale dizer, a invocação da força física por
autoridade própria. Eles terão, sempre, de chamar em seu socorro o Estado. Nessa medida são
poderes subordinados
Conforme Mario Stoppino102 :
- “ Em seu significado mais geral, a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade
de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a
objetos e a fenômenos naturais.... Se a entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na
sua relação com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais preciso, e seu espaço
conceitual pode ir desde a capacidade do homem em determinar o comportamento do homem :
poder do homem sobre o homem. O homem é não só o sujeito mas também o objeto do poder
social. É poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens aos seus filhos ou a
capacidade de um governo de dar ordens aos cidadãos.”
100
101
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo : Saraiva, 15a edição, ampliada e atualizada, p. 5
idem
102
O Poder, Jornal da Tarde, 14 jan.1975
63
Assim, o papel do direito de regular o poder é uma forma de manter não só a coletividade,
como também preservar a individualidade de cada um dos membros da sociedade.
b.1.2) O Direito como forma de regulação do poder político
Se o Direito é a forma escolhida para a regulação do poder político, devemos traçar
algumas palavras sobre o fenômeno jurídico.
É papel do Direito a regulação do comportamento humano intersubjetivo através de normas
jurídicas que são, como bem evidencia Paulo de Barros Carvalho103 é a proposição oriunda de
enunciados prescritivos criados pelo Estado o objetivo do alcance de sua finalidade, que é o bem
comum, motivo pelo qual se diz que o Direito é o instrumento no alcance da Justiça.
Tal regulação do comportamento humano enseja a existência da figura da Autoridade, que
tangencia não somente a produção de normas jurídicas, como também a fiscalização do
cumprimento das mesmas.
Ora, não se tem dúvida de que, buscando-se uma sociedade livre e democrática, não se
pode cogitar na existência de Autoridade ilimitada, havendo a necessidade de serem fixados
limites ao poder exercido pela Autoridade, isto é, limites ao poder político. E é nesse cenário que
começa a ser introduzida a noção de Constituição.
b.1.3) Noção de constituição
Como ensina Celso Ribeiro Bastos104, o vocábulo “Constituição” é de difícil
conceituação.É um termo equívoco que se presta a diversos significados. Conforme se faça variar
a sua abrangência, para abarcar este ou aquele campo da realidade, assim também variará a área
de estudo do direito constitucional
Num sentido amplo, a palavra constituição tem o significado de “particular estrutura de
alguma coisa”, a forma como alguma coisa é composta ou estruturada. Trata-se de utilização
semântica afastada de qualquer técnica ou ciência, típica de linguagem ordinária.
Já iniciando uma aproximação ao direito, constituição material pode ser entendida como
um conjuntos de forças políticas, econômicas ideológicas que configuram a forma de ser de um
determinado Estado. Tal significado está mais próximo da situação de fato (ser) em que o direito é
criado e/ou aplicado do que, efetivamente, à própria estrutura da norma jurídica (dever-ser).
Em sentido substancial, constituição pode ser conceituada como um conjunto de normas
estruturais de uma sociedade política, ou, melhor esclarecendo, a classe das normas jurídicas que
têm por objetivo não só a formação do Estado, mas também a fixação de suas características
básicas de funcionamento. Nesse sentido substancial, define-se se uma dada norma é ou não
constitucional através da verificação de seu conteúdo. Como ensina Manoel Gonçalves Ferreira
Filho105, “ o termo “Constituição” é mais freqüentemente usado para designar a organização
103
BARROS CARVALHO, Paulo de . Curso de Direito Tributário. São Paulo : Saraiva, 7a. edição atualizada, 1995
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 15a. edição, ampliada e atualizada, 1994, pp.
39-47
104
105
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 18a. edição, revista e
atualizada, 1990, p. 10
64
jurídica fundamental (...). Por organização jurídica fundamental, por Constituição em sentido
jurídico, entende-se, segundo a lição de Kelsen, o conjunto das normas positivas que regem a
produção do direito. Isto significa, mais explicitamente, o conjunto de regras concernentes à
forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao
estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação”.
Adotando-se um sentido formal para constituição, podemos afirmar que constituição é um
conjunto de enunciados prescritivos106 (textos normativos) produzidos através de um
procedimento mais difícil e mais solene do que o procedimento utilizado para a inserção de
enunciados prescritivos ordinários.
Na forma do pensamento de Celso Bastos107, das duas conceituações jurídicas de
Constituição (substancial e formal), a mais relevante para o direito é aquela calcada no critério
formal. Isto porque as classificações, as categorizações ou as conceituações apenas apresentam
relevância diante do direito na medida em que a elas se faça corresponder um regime jurídico
próprio, vale dizer, um feixe de normas pertinentes.
E será exatamente no sentido formal que se tratará o termo “Constituição” na presente
monografia, sem, entretanto, deixar de utilizar a visão “material” de Constituição, especificamente
quando tratamos da razão de ser das “cláusulas pétreas”.
b.1.4) Dos poderes constituintes originário e derivado
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior108 afirmam que “o
ato de criação da Constituição é produto da manifestação do chamado Poder Constituinte
Originário. Como inaugura uma ordem jurídica, atribuem-se ao Poder Constituinte Originário
algumas características que demarcariam seu perfil” e, prosseguindo, os autores destacam as
seguintes características do poder constituinte originário : é inicial (já que inaugura uma nova
ordem jurídica), é autônomo (no sentido de que, por ser inicial, só ao seu exercente cabe
determinar quais os termos em que a nova Constituição deve ser estruturada), é ilimitado (não se
reportando à ordem jurídica anterior, compõe o novo arcabouço jurídico, sem limites para a
criação da sua obra) e é incondicionado (não se submetendo a qualquer procedimento
predeterminado para a sua elaboração).
Em suma, o Poder Constituinte Originário é aquele capaz de fazer a
“enunciação constitucional original”, isto é, de criar a constituição em sua redação original, de
compor os enunciados prescritivos que formam o conjunto normativo denominado Constituição.
É importante, de outro lado, destacar que o texto constitucional, pela
necessidade do direito acompanhar a evolução e as transformações da sociedade, precisa, muitas
Importante ressaltar que utilizamos a expressão “enunciado prescritivo” como texto normativo do qual se extraem normas
jurídicas. Utilizamos a expressão norma jurídica como o proposição, isto é, o produto resultante do Juízo de valor em relação a
determinado enunciado prescritivo. A norma jurídica, sem embargo de sua estrutura lógica [antecedente(hipótese) e
conseqüente (tese) ligados sob uma relação de implicação, qualificada pelo modal “dever ser”) é o produto final do trabalho
interpretativo
106
107
Ob. cit. p. 45
108
ARAUJO, Luiz Alberto David et alli. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 7a. edição, revista e atualizada,
2003, pp. 9-10
65
vezes ser modificado, denominando-se tal fenômeno de “reforma constitucional”. Tais
modificações se tornam importantes a partir do momento que, dos enunciados prescritivos
constitucionais, não é possível extrair normas jurídicas que se compatibilizem com as
necessidades da sociedade atual. Nesse ponto, cabe transcrição do magistério de José Afonso da
Silva109 :
“ A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar
imutabilidade. Não há constituição imutável diante da realidade social cambiante, pois não
é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo também, de progresso social.
Deve-se assegurar certa estabilidade constitucional, certa permanência e durabilidade das
instituições, mas sem prejuízo da constante, tanto quanto possível, perfeita adaptação das
constituições às exigências do progresso, da evolução e do bem-estar social.”
Ora, terminado o trabalho constituinte original, resta finda a missão do
Poder Constituinte Originário, sendo certo que, para que se procedam as reformas constitucionais
necessárias, o próprio Poder Originário, no corpo da Constituição, já fixa a existência do Poder
Constituinte Derivado (poder constituído pelo Poder Constituinte Originário), a quem caberá,
através de procedimentos fixados também no corpo constitucional, alterar, seja sob a forma de
revisão, seja sob a forma de emenda, enunciados prescritivos constitucionais.
E nesse ponto de análise do Poder Constituinte Derivado, interessante
é a transcrição do magistério de Alexandre de Moraes110 :
“ O Poder Constituinte Originário está inserido na própria Constituição, pois
decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece
limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de
constiticionalidade.
Apresenta as características de derivado, subordinado e condicionado. É
derivado porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se
encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais
não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade e, por fim, condicionado porque
seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição
Federal.”
Para os fins desta monografia, há de se ter em mente não só que o texto
constitucional pode sofrer alterações através da reforma, como também que o poder de
reformar os enunciados constitucionais cabe a um poder que é diverso do poder constituinte
originário, isto é, cabe a um poder derivado, constituído pelo poder constituinte originário
no próprio corpo da constituição. Esse poder derivado, no exercício de suas atividades de
reforma, deve, necessariamente, ater-se a todos os limites fixados pelo poder originário,
limites esses que podem ser formais, circunstanciais, temporais e material, como será
detalhadamente tratado no momento oportuno nessa monografia.
b.1.5) Da classificação das constituições
109
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Editora Malheiros, 9a. edição revista e
ampliada de acordo com a nova constituição, 4a. tiragem, 1994, p.44
110
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo : Atlas Jurídica, 9a. edição atualizada com a EC no. 31/00, pp.
54/55
66
Existem inúmeras formas de classificar as constituições. Essas espécies de
classificação diferem-se em razão das características levadas em consideração para o agrupamento
das Constituições111. José Afonso da Silva112 indica as seguintes formas de classificação das
Constituições : quanto ao conteúdo (materiais ou formais), quanto à forma (escritas ou não
escritas), quanto ao modo de elaboração (dogmáticas ou históricas), quanto à origem (populares
ou outorgadas), quanto à estabilidade (rígidas, flexíveis ou semi-rígidas).
Em razão do objeto de nosso estudo, vamos limitar o estudo da classificação
das Constituições quanto à estabilidade, forma de classificação essa que leva em consideração à
forma de realização da reforma dos enunciados constitucionais.
Voltando a citar José Afonso da Silva 113, “Rígida é a constituição somente
alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais
difíceis que os de formação das leis ordinárias ou complementares. Ao contrário, a constituição é
flexível quando pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de
elaboração das leis ordinárias. Na verdade, a própria lei ordinária contrastante muda o texto
constitucional. Semi-rígida é a constituição que contém uma parte rígida e outra flexível, como
fora a Constituição do Império do Brasil, à vista de seu art. 178.”
Luiz Alberto David Araujo114 apresenta a mesma classificação sob o nome de
“quanto à mutabilidade”, esclarecendo que :
“ Flexível – a Constituição que não exige, para sua alteração, qualquer processo mais
solene, tendo-se em vista o critério da lei ordinária.
Rígida – a Constituição que exige para sua alteração um critério mais solene e difícil
do que o processo de elaboração da lei ordinária. Exemplo de Constituição rígida é a
brasileira. Essa rigidez pode ser verificada pelo contrate entre o processo legislativo da lei
ordinária e o da emenda constitucional. Enquanto aquela se submete às regras da iniciativa
geral (art. 61 da CF) e à aprovação por maioria simples, a outra reclamada iniciativa restrita
(art. 60 da CF) e aprovação por maioria qualificada de três quintos. Vê-se, por esse e por
outros aspectos, que é muito mais fácil aprovar uma lei ordinária do que uma emenda
constitucional.
Semi-rígida ou semiflexível – é a Constituição que apresenta uma parte que exige a
mutação por processo mais difícil e solene do que o da lei ordinária (rígida) e outra parte
sem tal exigência, podendo ser alterada pelo sistema previsto para a lei ordinária. Exemplo
desse tipo é a Constituição do Império de 1824.”
E, na esteira da discussão quanto à caracterização de determinada constituição
como “rígida”, Luiz Alberto Araujo introduz a existência de instituto jurídico denominado
“cláusula pétrea” :
“ Há Constituições que têm um núcleo material imutável, vale dizer, que não pode ser
alterado mesmo por emendas constitucionais, composto pelas chamadas cláusulas pétreas.
Utilizamos o termo “ agrupamento” em razão de entendermos que “classificar” significa reunir indivíduos que apresentam
determinadas características idênticas, possuindo, pois, um caráter de reunião, de agrupamento, e não de divisão.
111
112
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Editora Malheiros, 9a. edição revista e
ampliada de acordo com a nova constituição, 4a. tiragem, 1994, p.42
113
Op. Cit. Pp. 43-44
114
ARAUJO, Luiz Alberto David et alli. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 7a. edição, revista e atualizada,
2003, p.4
67
Alguns autores entendem que esse núcleo material imutável traduziria um grau máximo de
rigidez.”
Se a introdução acima é inicial para que possamos conceituar, com o detalhamento
necessário, o conceito de “cláusula pétrea”, ela é importante para localizar a “cláusula
pétrea” no ato de reforma constitucional, mais especificamente nos limites materiais de
reforma.
b.2) Das formas de modificação dos enunciados prescritivos constitucionais
Na doutrina encontramos as seguintes denominações para o ato do Poder Derivado de
modificação de texto constitucional : reforma, revisão, emenda e mutação constitucional. Ora, se
o nosso objeto de estudo está centralizado, como concluímos acima, na forma em que uma
constituição pode ter seus enunciados prescritivos modificados, é importante que sejamos capazes
de diferenciar cada um desses institutos.
Pinto Ferreira115 ensina que “ a reforma é qualquer alteração do texto constitucional, é o
caso genérico, de que são subtipos a emenda e a revisão. A emenda é a modificação de certos
pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte não considerou tão grande como outros mais
valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para a
alteração das leis ordinárias. Já a revisão seria uma alteração anexável, exigindo formalidades e
processos mais lentos e dificultados que a emenda, a fim de garantir uma suprema estabilidade
do texto constitucional”.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto116 pensa da mesma forma que Pinto Ferreira
doutrinando que : “ o instituto da reforma, que aqui nos interessa, se desdobra, por sua vez, em
duas espécies : a revisão e a emenda. São ambas técnicas jurídicas que o constituinte originário
cria para conciliar o princípio da permanência, intrínseco às constituições, com o consentimento
do povo, como origem da própria constituição e, assim, para garantir-lhe a continuidade”.
Já Manoel Gonçalves Ferreira Filho117 entende pela sinonímia entre revisão e emenda
constitucional :
“ O processo de modificação da Constituição costuma ser chamado de processo de
revisão da Constituição. Assim sempre o fiz, como prova o livro O Poder Constituinte,
cuja primeira edição é de 1974. Mas a polêmica do art. 3o. do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias exige uma digressão terminológica. De fato, este refere-se
a “revisão”, enquanto, no corpo da Constituição, o art. 60 usa do termo “emenda”. Do
que houve quem tirasse profundas ilações sobre a diferença entre uma e outra, bem
como entre elas e “reforma” constitucional. Mas o simples bom senso já previne que
quem emenda um texto, o revisa, como quem o revisa, emenda.”
José Afonso da Silva118 apresenta o panorama da discussão entre o emprego dos termos
reforma, revisão e emenda :
115
FERREIRA, Pinto. Da constituição. Rio de janeiro : José Konfino, 2a edição, 1956, p.102
116
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A revisão constitucional brasileira. Rio de Janeiro : Editora Lúmen Juris, 1993,
p. 14
117
118
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo : Saraiva, 3a. edição, 1995, p.280
Op. Cit. p. 56
68
“ A doutrina brasileira ainda vacila no emprego dos termos reforma, emenda e revisão
constitucional. Ainda que haja alguma tendência em considerar o termo reforma como gênero,
para englobar todos os métodos de mudança formal das constituições, que se revelam
especialmente mediante o procedimento de emenda e o procedimento de revisão, a maioria dos
autores, contudo, em face de constituições anteriores, empregou diferentemente os três
termos.”
Feitas as exposições da doutrina, é necessário que afirmemos que a nossa opinião é pela
diversidade semântica dos termos reforma, revisão e emenda. E tal conclusão de diversidade
semântica se faz, inclusive, sob o espírito científico, vez que não há como se conceber a existência
de dois institutos jurídico, apresentados com nomem juris diferentes, significarem a mesma coisa.
Aceitarmos a identidade semântica seria o mesmo que afastar a linguagem científica e nos
limitarmos a utilizar uma linguagem ordinária, informal.
Entendemos que, enquanto revisão é classe que possui como indivíduos todas as formas de
modificação de enunciados prescritivos constitucionais, tanto a emenda quanto a revisão são
indivíduos da classe “revisão”. A diferença entre emenda e revisão, está centrada no fato de que
enquanto a emenda é modificação pontual de enunciado prescritivo constitucional, a revisão é
modificação “anexável”, envolvendo um grupo de enunciados prescritivos.
Por fim, é necessário diferenciar a “mutação constitucional” da “reforma constitucional”. A
mutação constitucional é modificação da norma jurídica constitucional119 em razão de
interpretação adotada sobre determinado enunciado prescritivo constitucional, sem qualquer
modificação do texto constitucional. Assim, enquanto na reforma constitucional ocorre a
modificação da norma jurídica constitucional em razão da alteração do enunciado prescritivo
constitucional (texto constitucional), na mutação a modificação da norma está centrada na
interpretação e não alteração textual.
b.3) Dos limites à reforma constitucional
Afirmamos que a Constituição é o conjunto de enunciados prescritivos que forma a
estrutura do ordenamento jurídico, possuindo, por razões lógicas, a supremacia sobre toda a
legislação infraconstitucional e também sobre qualquer poder político.
Esse papel estrutural e a característica de supremacia fazem com que o texto constitucional,
em especial aqueles de característica rígida, limite a possibilidade de sua alteração, apresentando
limites dos mais diversos, que podem ser reunidos em 4(quatro) grupos : limites formais, limites
circunstanciais, limites temporais e limites materiais.
Luís Rodolfo Ararigboia de Souza Dantas, em dissertação cujo tema é “Limitações
Materiais ao Poder de Reforma Constitucional”, apresentada, em 2002, como exigência parcial
Importante ressaltar que utilizamos a expressão “enunciado prescritivo” como texto normativo do qual se extraem normas
jurídicas. Utilizamos a expressão norma jurídica como o proposição, isto é, o produto resultante do Juízo de valor em relação a
determinado enunciado prescritivo. A norma jurídica, sem embargo de sua estrutura lógica [antecedente(hipótese) e
conseqüente (tese) ligados sob uma relação de implicação, qualificada pelo modal “dever ser”) é o produto final do trabalho
interpretativo
119
69
para a obtenção do título de Mestre pela Universidade de São Paulo, apresente interessante
narrativa sobre os limites à reforma constitucional :
“ Sendo muitas e bastantes díspares as tipologias que as doutrinas nacional e
estrangeira oferecem com relação ao tema dos limites à reforma constitucional, cumpre
destacar que o direito positivo de inúmeras constituições mundiais contém exemplos que
apontam para a existência de, pelo menos, quatro importantes espécies de limitações postas
pelo Poder Constituinte ao Poder de Reforma. São elas : limitações procedimentais (também
denominadas processuais ou formais), temporais, circunstanciais e materiais”120
E, continua Luís Ararigboia apresentando cada uma dessas limitações :
“ As limitações procedimentais, também chamadas de limitações processuais ou
formais, referem-se às disposições especiais, em relação ao processo legislativo ordinário, que
o legislador constituinte estabeleceu para permitir a alteração da Constituição Federal”121
Sobre as limitações temporais, afirma Ararigboia que “ a maioria das constituições pode
ser reformada a qualquer tempo, muito embora nada obste que se estabeleça um período inicial de
imodificabilidade ou, ao contrário, uma previsão de reforma a termo certo, ou ainda uma
combinação de ambas as hipóteses com previsão de revisões periódicas.”122
Quanto às limitações circunstanciais, Manoel Gonçalves Ferreira Filho doutrina que “são
aquelas que buscam, como o próprio nome sugere, impedir a modificação da constituição em
certas circunstâncias especiais, diríamos até em circunstâncias anormais, pelo motivo óbvio de
que essas anormalidades poderiam perturbar a livre manifestação dos órgãos incumbidos de
revisão”123
Em relação aos limites materiais, Luís Ararigboia disserta que “...várias constituições
fazem imutáveis certas matérias, certos dispositivos tidos como fundamentais. Para resguardar a
sua obra, o constituinte originário freqüentemente consagra, de maneira expressa, cláusulas de
irreformabilidade total ou parcial da Constituição. Desta maneira, por meio delas, determinados
preceitos passa a ser irremovíveis. Traduzindo um esforço para assegurar a integridade da
Constituição, obstam que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou
impliquem profundas mudanças de identidade”124
Ante o objeto de nosso estudo, importante é centralizarmos a nossa atenção, nesse
momento, às limitações materiais ao poder de reforma, vez que é aqui que encontraremos os
subsídios finais para a conceituação de “cláusula pétrea”.
120
DANTAS, Luís Rodolfo Ararigboia de Souza. Limites materiais ao poder de reforma constitucional. Dissertação
apresentada à Banca Examinadora da USP – Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de
mestre em Direito, p. 109
Ob. cit. p. 110 que, em realidade, é transcrição da obra “Direito Constitucional”, de Alexandre de Morais, São Paulo : Atlas
Jurídico, 7a edição, 2000, p. 526
121
122
123
124
Ob. cit. p. 114
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 135
Ob. cit. p. 120
70
Sobre a matéria, vale transcrição da obra de José Afonso da Silva125 em que revela a
discussão sobre limites materiais explícitos e limites materiais implícitos :
“ A controvésia sobre o tema mais se aguça, quanto a saber quais os limites
materiais do poder de reforma constitucional. Trata-se de responder à seguinte questão : o
poder de reforma pode atingir qualquer dispositivo da Constituição ou há certos
dispositivos que não podem ser objeto de emenda ou revisão ?
Para solucionar a questão, a doutrina distingue entre limitações materiais explícitas e
limitações materiais implícitas.
Quanto às primeiras, compreende-se facilmente que o constituinte originário poderá,
expressamente, excluir determinadas matérias ou conteúdos da incidência do poder de
reforma.(...)
Quanto às limitações materiais implícitas ou inerentes, a doutrina brasileira as vinha
admitindo, em termos que foram bem expostos por Nelson de Souza Sampaio. Há, no entanto,
uma tendência a ampliar as hipóteses de limitações materiais expressas que, por certo, tem a
conseqüência de não mais reconhecer-se a possibilidade de limitações materiais implícitas.”
Se quanto às limitações materiais explícitas não se tem dúvida da sua existência, vez que
transcritas expressamente no corpo da constituição, quanto às limitações materiais implícitas,
necessário é apontar-se uma razão lógica para a sua existência, motivo pelo qual prosseguimos o
estudo quanto às limitações materiais implícitas.
Os limites materiais implícitos decorrem dos fundamentos, dos princípios, do espírito da
Constituição. Não podemos pensar que tais limites implícitos surgem a partir de um caráter
simplesmente subjetivo do intérprete. Em realidade, eles advêm da própria análise lógica dos
preceitos constitucionais. Por exemplo, os enunciados constitucionais sobre os limites da reforma
constitucional não estão expressamente citados no rol do parágrafo 4 o. do artigo 71 da CF/88, no
entanto, trata-se de uma conclusão lógica a inalterabilidade das limitações materiais fixadas no
parágrafo 4o. do artigo 60 da Lei Maior Brasileira. Ademais, ainda no exemplo citado, permitir
que o Poder Derivado modifique a cláusula que não só o instituiu, como também aponta, como
requisito sine qua non para sua atuação válida, limitações específicas é o mesmo que transformar
em Poder Originário o Poder Constituinte Derivado.
b.4) Conclusão. A apresentação do conceito de Cláusulas pétreas
Completado o estudo preliminar e que serviu para bem fundamentarmos a
nossa conclusão sobre o conceito de cláusula pétrea, importante é destacarmos o raciocínio que
nos levou à conclusão ao final apontada :
- A Constituição é o conjunto de norma jurídicas que estrutura todo o ordenamento
jurídico.
- A Constituição, por seu caráter estruturante, mantém situação hierarquicamente
superior à legislação infraconstitucional
- A partir da interpretação dos enunciados prescritivos constitucionais, obtemos as normas
jurídicas constitucionais
125
Ob.cit. p. 61
71
- As normas jurídicas constitucionais necessitam, sob pena de perda de sua eficácia social,
acompanhar as mudanças sociais, alterando-se.
- A alteração das normas constitucionais pode ocorrer através da interpretação
(mutações constitucionais - sendo que a interpretação não poderá extrapolar o limite
semântico do texto constitucional interpretado) ou através de alteração dos enunciados
prescritivos (= textos constitucionais, através da reforma constitucional, que se
instrumentaliza através de revisão ou de emenda)
- A fim de nortear a reforma constitucional (delimitando o poder constituinte derivado), o
poder constituinte originário fixa limitações ao poder de reforma, limitações essas que podem ser
limitações formais (previsão de processo específico para proposta de reforma constitucional, mais
difícil e solene do que os previstos para a legislação ordinária), limitações temporais (impedindo
que a constituição seja reformada antes de um determinado tempo ou prevendo que a reforma
constitucional somente ocorrerá num período específico), limitações circunstanciais (impedindo a
reforma da constituição em períodos de crise institucional que possam prejudicar a livre
manifestação de vontade do povo e/ou de seus manifestantes) e limitações materiais (prevendo um
elenco de enunciados constitucionais que são imodificáveis pelo poder constituinte originário).
- As limitações materiais podem ser explícitas (o texto constitucional expressamente
aponta os enunciados constitucionais imodificáveis) ou implícitas (a análise lógica do sistema
constitucional leva à conclusão de que determinado enunciado constitucional não pode ser
modificável, sob pena de destruição do espírito da constituição, de sua estrutura fundamental)
Ante o todo exposto entendemos que “cláusulas pétreas” é a classe formada
pelo rol de enunciados prescritivos que, em razão de expressa previsão do Poder Constituinte
Originário ou de raciocínio lógico tendo como finalidade a manutenção do espírito, da estrutura
básica da Constituição, não podem ser objeto de modificação pelo Poder Constituinte Originário.
Interessante esclarecer que, para compor a classe das “cláusulas
pétreas”, o indivíduo126 deve preencher o seguinte requisito : estar previsto expressamente
de norma jurídica que impeça a reforma constitucional ou ser tão importante para a
estrutura constitucional que a sua reforma levaria à decomposição do Poder Constituinte
Originário, levaria à perda do “espírito” da Constituição.
O termo “indivíduo” é aqui utilizado como parte pertencente a uma classe. Trata-se de termo precisamente utilizado pela
Teoria das Classes
126
72
VI – INTERPRETAÇÃO DO PARÁGRAFO 4o DO ARTIGO 60 DA CONSTITUIÇÃO DE
1988
O nosso objetivo neste capítulo é, partindo do conceito genérico de “cláusulas pétreas”
obtido no capítulo anterior, desenvolvermos um procedimento para a verificação de quais os
requisitos para que um determinado enunciado constitucional se enquadre no rol das cláusulas
pétreas instrumentalizado pela adequação à hipótese abstrata prevista no inciso IV do parágrafo
4o. do artigo 60 da Constituição Federal de 1988.
Melhor esclarecendo, no capítulo anterior concluímos que “cláusulas pétreas” é a classe
formada pelo rol de enunciados prescritivos que, em razão de expressa previsão do Poder
Constituinte Originário ou de raciocínio lógico tendo como finalidade a manutenção do espírito,
da estrutura básica da Constituição, não podem ser objeto de modificação pelo Poder Constituinte
Originário. Concluímos também que, para compor a classe das “cláusulas pétreas”, o indivíduo127
deve preencher o seguinte requisito : estar previsto expressamente de norma jurídica que impeça a
reforma constitucional ou ser tão importante para a estrutura constitucional que a sua reforma
levaria à decomposição do Poder Constituinte Originário, levaria à perda do “espírito” da
Constituição.
Ora, o objetivo da presente monografia é a especificação de quais os enunciados
constitucionais estão enquadrados na hipótese do inciso IV do parágrafo 4o. do artigo 60 da
CF/88. Isto é, o objetivo é apresentar quais os indivíduos que fazem parte da classe das cláusulas
pétreas em razão de seu enquadramento explícito na hipótese do inciso IV do parágrafo
constitucional acima indicado, não sendo, pois, objeto desta monografia apresentarmos quais os
indivíduos que, por implicitude ou através do enquadramento nos demais incisos do parágrafo 4 o.
do artigo 60 da CF/88 fazem parte da classe “cláusulas pétreas”.
Nesse capítulo teremos como conclusão um procedimento que, uma vez aplicado, nos
levará à conclusão quanto ao enquadramento ou não de determinado enunciado constitucional na
hipótese do inciso IV do parágrafo 4o. da Constituição Federal.
O termo “indivíduo” é aqui utilizado como parte pertencente a uma classe. Trata-se de termo precisamente utilizado pela
Teoria das Classes
127
73
Para que alcancemos o nosso desiderato será necessária a interpretação não só do parágrafo
4 . do artigo 60 da CF/88, como também do seu inciso IV. Assim, nesse capítulo
desenvolveremos os seguintes assuntos : interpretação de enunciados constitucionais que inserem
limites materiais à reforma constitucional, interpretação do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88
(“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:”) e interpretação do
inciso IV do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88 (“ os direitos e garantias individuais”)
o
a) Da interpretação dos enunciados constitucionais que limitam materialmente a reforma
constitucional
a.1) Da interpretação jurídica em geral
É necessário partirmos de um conceito de interpretação, vez que de tal
conceito extrairemos o método e as ferramentas necessários ao encontro da interpretação do
parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88.
Desde já fixamos a premissa de que se interpretam os enunciados
prescritivos (leis) e não o Direito !
Luís Roberto Barroso apresenta a sua definição de interpretação :
“ A interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado
e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso
concreto.”128
Das simples, porém relevantes, palavras de Barroso, atentamo-nos para a finalidade da
interpretação no Direito que é “fazer incidir em um caso concreto” a norma jurídica. Portanto, se,
como ensina Jakobson, a interpretação atua “promovendo a interação do instrumento de
observação e da coisa observada”, temos que, para o Direito, o “instrumento de observação” é o
enunciado prescritivo e a “coisa observada” o caso concreto em análise jurídica.
Vicente Ráo afirma que :
“ a hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático dos
princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo do sentido e
dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua
aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar,
praticamente, este princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste
na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato
que se lhe subordinam” 129
Do todo exposto, podemos concluir, como nossa definição de “interpretação
de lei” o procedimento de obtenção do significado de um determinado enunciado
prescritivo, a partir da interação entre o instrumento de observação(o texto legal) e a coisa
128
129
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 97
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo : Max Limonad
74
observada (a situação fática concreta, com todas as suas peculiaridades), tendo como
finalidade a prática do Direito.
Nessa maturação de pensamento, importante é a exposição dos ensinamentos
de Tercio Sampaio Ferraz Júnior130, que investigando os objetivos e o funcionamento da ciência
do direito, relata que :
“ A captação da norma na sua situação concreta faria então da Ciência Jurídica uma ciência
interpretativa. A ciência do Direito teria, neste sentido, por tarefa interpretar textos e situações a
ela referidos, tendo em vista uma finalidade prática. A finalidade prática domina aí a tarefa
interpretativa, que se distinguiria de atividades semelhantes das demais ciências humanas, à
medida que a intenção básica do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por
exemplo, um historiador que estabelece o sentido e o movimento no seu contexto, mas também
determinar-lhe “a força e o alcance, pondo-o em presença dos dados atuais de um problema.”
Importante destacar que tal trecho de Ferraz Júnior não reflete a integralidade
da sua opinião sobre o “ser” da ciência do direito, o que é mais detalhadamente estudado na sua
obra, no entanto, é importante para fundamentarmos a nossa opinião de que a ciência do direito,
mesmo que não integralmente, tem a sua faceta interpretativa.
Ora, se a ciência do direito também uma ciência interpretativa, captando a
norma na sua situação concreta, então é importante que saibamos quais os instrumentais, ou
melhor, quais as técnicas que devem ser utilizadas para a realização da ciência jurídica
interpretativa. E nesse ponto é importante retornarmos aos ensinamentos de Ferraz Júnior :
“ Sendo vista como uma atividade interpretativa normativa, o jurista se obrigaria ao uso
de variadas técnicas. Fala-se em interpretação gramatical, lógica, sistemática, teleológica,
sociológica, histórico evolutiva etc.”
Nós propomos, calcados no material colhido até agora e em estudos anteriores, um
procedimento interpretativo que partiria das seguintes premissas:
a) Interpretação de lei é o procedimento de obtenção do significado de um determinado
enunciado prescritivo, a partir da interação entre o instrumento de observação(o texto legal) e a
coisa observada (a situação fática concreta, com todas as suas peculiaridades), tendo como
finalidade a prática do Direito.
b) A “produção”, “complementariedade” e “interação” são condições necessárias para o
desenvolvimento da verdadeira interpretação.
c) Num Estado Democrático de Direito, que tem, entre seus vários objetivos “construir
uma sociedade livre, justa e solidária”(art. 3º, II, CF/88), dirigido pelo princípio da legalidade
(inciso II do artigo 5o. da Constituição Federal), realiza-se o Direito quando se aplica, a um caso
concreto, uma norma jurídica que é produto de interpretação de enunciados prescritivos,
130
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Samapio. A ciência do direito. São Paulo : Editora Atlas, 2a. edição, 1980, pp. 14/15
75
interpretação essa que levou em consideração os valores adotados pela sociedade e buscou a
justiça para o caso concreto.
d) O instrumento de formação da norma jurídica é exatamente a interpretação que é “o
procedimento de obtenção do significado de um determinado enunciado prescritivo, a partir da
interação entre o instrumento de observação(o texto legal) e a coisa observada (a situação fática
concreta, com todas as suas peculiaridades), tendo como finalidade a prática do Direito”
e) A “interpretação” atual e usualmente utilizada na comunidade jurídica brasileira, que
trata o Direito como algo abstrato e exclusivamente sistêmico, debruça-se numa “normatividade
abstrata” que gera prejuízos não só ao próprio Direito (que acaba não cumprindo o seu
desiderato), mas, também e principalmente, à sociedade, que não vê o Estado cumprindo o seu
papel de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, com a promoção do “bem de
todos”(incisos I e IV do artigo 3º da Constituição Federal de 1988), sendo mero “processo
reprodutivo”, mera ação de “traduzir para a sua própria linguagem objetificações da mente”.
f) A “Escola da Exegese”, a “Escola Histórica”, a “Teoria do Direito Vivo”, a “Teoria
Pura de Hans Kelsen” e a “Interpretação Sociológica” apresentam procedimentos interpretativos
que não são capazes de alcançar os fins do Direito aplicável a um Estado Democrático de Direito
como o Brasil, onde se objetiva “construir uma sociedade livre, justa e solidária”(art. 3º, II, CF/88)
e “promover o bem de todos”(art. 3º, IV, CF/88), sob a égide do “princípio da legalidade”(art. 5º,
II, CF/88)
O procedimento interpretativo que entendemos capaz de realizar o Direito no Brasil seria o
seguinte :
- da polissemia da palavra à fixação de seu significado contextual. É esse o papel do
intérprete, fixando-se como “contexto” o caso concreto em análise e, como fim dessa fixação, a
formação de uma norma jurídica que alie o enunciado prescritivo e a busca da forma mais justa e
compatível com os valores atuais da sociedade, de regular determinado comportamento
intersubjetivo
- se a multiplicidade potencial de significados das palavras que constituem o(s)
enunciado(s) prescritivo(s) em processo de interpretação é o “objeto” sobre o qual vai incidir os
valores sociais e o valor de justiça, o método para o alcance desse objetivo (da formação da norma
jurídica) deve ser o dialético.
- no processo dialético temos 2(dois) momentos, um primeiro momento de “abertura
da virtualidade”, isto é, o procedimento de se elencar o maior número possível de formas de
solução do caso e um segundo momento que é de apreciação das hipóteses levantadas
(virtualidade) a fim se apontar aquela que mais se compatibiliza com os “requisitos
selecionadores”, que, no caso da interpretação jurídica são : os valores cultuados pela
sociedade no momento da interpretação e o justo.
A seleção da melhor das hipóteses levantadas é feita, dialeticamente, através
do questionamento de cada uma das hipóteses, através do sistema de “perguntas e respostas”.
76
- o procedimento interpretativo não poderá exorbitar a capacidade polissêmica das palavras
constantes do enunciado prescritivo em interpretação.
- há possibilidade de composição entre a adoção de uma atividade dialética na interpretação
e o respeito aos limites semânticos do texto legal em interpretação. Tal possibilidade é a seleção
das “tópoi”, isto é, a seleção das hipóteses que compõem a virtualidade (através das análises
gramatical e lógico-sistemática) sobre a qual recairá o trabalho de seleção (segundo momento da
atividade dialética).
- para uma perfeita análise do “segundo momento dialético”, é necessária a fixação de dois
pontos, quais sejam : Como apontar o “valor predominante na sociedade no momento da
interpretação”? Como apontar se há ou não correspondência à justiça ?
- quanto ao “valor predominante”, o intérprete, se não é, deve se comportar como um
“indivíduo-membro” da sociedade, buscando na própria sociedade a resposta para a sua pergunta
(qual é o valor dominante). Características externas da própria sociedade, pesquisas de opinião,
entrevistas, reação da sociedade em relação a determinados acontecimentos, aceitação da
sociedade em relação a certas ocorrências são elementos muito valioso, cabendo ao intérprete a
utilização deste material, juntamente com aquilo que ele próprio sente como membro da
sociedade, para o apontamento axiológico final.
- na apreciação da hipótese “mais justa”, caberá ao intérprete, analisando a situação de cada
uma das partes na relação jurídica concreta em análise, o que cada uma “deu, fez ou é”, apontar a
solução que melhor compatibilize as vontades das partes, que melhor as satisfaça, retribuindo a
cada uma de acordo com o seu merecimento.
- como resultado de todo o procedimento interpretativo, chegaremos à estrutura lógica da
norma jurídica específica para aplicação no caso concreto em análise.
a.2) Da interpretação constitucional
Trata-se, o procedimento acima apontado, de procedimento interpretativo para enunciados
prescritivos legais em geral, cabendo-nos, entretanto, para a realização de nosso objetivo,
atentarmos para uma faceta ainda mais específica da interpretação jurídica, que é a interpretação
jurídica constitucional, que, já adiantando, deverá levar em consideração o que representa a
Constituição para o ordenamento jurídico nacional e para a sociedade a que se destina a
sociedade.
Alexandre de Moraes131 aponta que “a Constituição Federal há de sempre ser
interpretada, pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as características
históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido de norma jurídica,
em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.”
É preciso que voltemos a algumas conclusões já por nós extraídas neste trabalho quanto ao
conceito de Constituição. Sem embargo de outros prismas de análise que, obviamente, levam a
conclusões diferentes quanto ao conceito de Constituição, entendemos que Constituição é um
conjunto de normas jurídicas, de grau hierarquicamente superior ao das demais normas jurídicas,
e que têm por objetivo não só a fixação dos modelos de Estado e de Governo adotados no país,
mas também a criação da estrutura do ordenamento jurídico desse país.
Em suma, a Constituição no seu objetivo de traçar um retrato do Estado a ser implantado
(ou já implantado) num país, fixa as bases do ordenamento jurídico, ordenamento jurídico esse
131
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo : Atlas, 2001, 9a. edição, pp.42/42
77
que irá, na prática, levar a sociedade a se comportar de forma que o retrato, isto é, o modelo de
Estado adotado se consolide.
E é com base nessas características que Gomes Canotilho, citado por Alexandre de
Moraes132, enumera princípios e regras interpretativas das normas constitucionais, quais sejam :
da unidade da constituição : a interpretação constitucional deve ser realizada
de maneira a evitar contradições entre suas normas;
do efeito integrador : na resolução dos problemas jurídico-constitucionais,
deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social,
bem como ao reforço da unidade política;
da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve
ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda;
da justeza ou da conformidade funcional : os órgãos encarregados da
interpretação da norma constitucional não poder não poderão chegar a uma posição que
subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente
estabelecido pelo legislador constituinte originário;
da concordância prática ou da harmonização : exige-se a coordenação e
combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em
relação aos outros;
da força normativa da constituição : entre as interpretações possíveis, deve
ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas
constitucionais.
Continuamos a nossa reflexão o tema traçando o campo de atuação da interpretação
constitucional. Afinal, qual o objeto da interpretação constitucional ? Seriam tão somente os
enunciados contidos no corpo da Constituição ? Seria dos enunciados contidos na legislação
infraconstitucional frente ao conteúdo da constituição ?
E já apresentamos a nossa primeira conclusão. Entendemos que na classe
“interpretação constitucional” enquadram-se não só a interpretação dos enunciados
constitucionais, como também dos enunciados infraconstitucionais conforme a Constituição. Tal
conclusão se faz em razão da supremacia da Constituição, o que somente se alcança com a
interpretação de toda a legislação (dos enunciados prescritivos constantes em toda a legislação)
frente aos termos constitucionais.
Segundo passo, o procedimento de interpretação por nós proposto na primeira
parte deste trabalho pode também ser aplicado na interpretação constitucional ? Entendemos que
sim. O procedimento “dialético” de interpretação proposto se dirige à realização do Direito num
Estado Democrático de Direito como o é o Brasil, por expressa disposição constitucional, com o
objetivo de construir uma “sociedade livre, justa e solidária”. Ora, na interpretação constitucional
não temos dúvida de que buscamos, efetivamente, a realização do Direito, motivo pelo qual não
há razão para não se aplicar o procedimento proposto, necessitando-se, entretanto, a análise de
eventual necessidade de adequação.
132
Ob. cit. p. 42
78
Passamos a apontar, já no processo de subsunção do referido procedimento à
interpretação constitucional, alguns pontos que entendemos relevantes :
a)
Assim como qualquer enunciado prescritivo, as palavras contidas nos textos
constitucionais são polissêmicas e, portanto, com multiplicidade de significados
(semântica), permitindo-nos a formação da virtualidade, isto é, a estruturação do conjunto
de hipóteses possíveis de compreensão do texto (enunciado). Não podemos deixar de
ressaltar que, ante o objetivo “estruturante do ordenamento jurídico”, os textos
constitucionais são caracterizados por uma ampla possibilidade de significação, com a
utilização de palavras de capacidade polissêmica elevada. Assim, não visualizamos
qualquer necessária adaptação para a realização do “primeiro momento dialético” do
procedimento interpretativo que adotamos na primeira parte do trabalho.
b)
Por ter o objetivo “estruturante” de todo o sistema jurídico, o texto
constitucional é recheado de valores, que são introduzidos sob a forma de princípios. Ora,
tais valores, com já refletimos no capítulo 3 desta segunda parte do trabalho devem compor
o requisito axiológico social de seleção das hipóteses levantadas no “primeiro momento
dialético”(formação da virtualidade). Assim, aos princípios constitucionais (e mais
especificamente dos valores neles ínsitos) caberá a tarefa de formar o conteúdo necessário
para a resposta da pergunta “qual é o valor dominante na sociedade?”, valendo, entretanto,
levantar 3(três) pontos :
a estruturação da resposta não deverá “somente” se basear nos valores
contidos na Constituição, mas “também”com base neles, além dos demais valores
dominantes na sociedade no momento da interpretação;
os valores ínsitos nos princípios constitucionais são aqueles valores
tidos como “básico” para que se construa uma “sociedade livre, justa e solidária”,
não se fechando as portas para outros valores que também sejam cultuados pela
sociedade no momento da interpretação;
é possível a colidência de valores
extraídos de princípios
constitucionais, sendo que na solução de tal conflite cabe a adoção do princípio da
proporcionalidade (como estudado no capítulo anterior), no sentido de “ponderar”,
de “harmonizar” tais valores sob o raciocínio de que o Estado somente pode
limitar com legitimidade a liberdade do indivíduo na medida em que isso for
necessário à liberdade e à segurança de todos.
Em suma, em relação ao procedimento interpretativo “geral” apontado na primeira parte
deste trabalho, devemos, para a interpretação constitucional, somente levar em consideração as
peculiaridades quanto aos “valores”, na forma detalhadamente analisada nos 3(três) pontos acima,
esclarecendo-se que, quanto à análise da “justiça”, não há qualquer diferença em relação à
interpretação jurídica “geral”.
a.3) Da intepretação dos enunciados constitucionais que fixam cláusulas pétreas
Feita essa breve, porém importante análise das características da interpretação
constitucional, necessário é, por finalmente, fixarmos as premissas para a interpretação de parte
79
específica da Constituição, isto é, da parte da Constituição (vista como documento escrito) que
contém o conjunto de enunciados prescritivos que fixam as cláusulas pétreas.
Voltemos, inicialmente, ao conceito de “cláusula pétrea” já por nós estudado em capítulo
anterior desse trabalho :
“Cláusulas pétreas” é a classe formada pelo rol de enunciados prescritivos que, em
razão de expressa previsão do Poder Constituinte Originário ou de raciocínio lógico tendo
como finalidade a manutenção do espírito, da estrutura básica da Constituição, não podem
ser objeto de modificação pelo Poder Constituinte Originário.
Interessante esclarecer que, para compor a classe das “cláusulas pétreas”, o indivíduo133
deve preencher o seguinte requisito : estar previsto expressamente de norma jurídica que impeça a
reforma constitucional ou ser tão importante para a estrutura constitucional que a sua reforma
levaria à decomposição do Poder Constituinte Originário, levaria à perda do “espírito” da
Constituição.
Em relação às cláusulas pétreas há, basicamente, 3(três) correntes quanto aos seus limites :
a da intransponibilidade das cláusulas pétreas, a da transponibilidade e a da relevância relativa das
cláusulas pétreas. Sendo que entendemos importante uma análise, ainda que superficial, dessas
correntes, vez que, da corrente que adotarmos, decorrerá, sob pena de incoerência, a nossa
conclusão sobre o modo de interpretação dos enunciados constitucionais introdutores de cláusulas
pétreas.
Quanto à corrente da instransponibilidade dos limites materiais à reforma constitucional,
defensores dessa corrente, sob o fundamento de que, com as cláusulas pétreas foram produzidas
pelo Poder Constituinte Originário, sendo manifestação deste, não poderia o Poder Derivado,
como órgão constituído e não constituinte, ultrapassar tais limites.
São defensores dessa corrente Carl Schmitt, Joseph Story, Thomas Cooley, Willian
Marbury e Gomes Canotilho, valendo destaque o pensamento de Carl Schmitt no sentido de que a
possibilidade de reformar não é faculdade de dar uma nova constituição, vez que, como a
Constituição é a decisão de conjunto sobre o modo e a forma da unidade política, o Poder
Derivado não poderia modificar os núcleos essenciais da Constituição.
A corrente da transponibilidade dos limites materiais entende que os limites materiais não
têm qualquer valor, quando muito teriam mera eficácia jurídica. Para os que pensam assim, o
Poder Constituinte Originário não poderia impor limites materiais ao Poder Derivado, mas tão
somente limites formais.
O fundamento dos defensores dessa corrente é no sentido de que as gerações futuras não
deveriam ficar obrigadas pelas concepções do mundo e valorações da geração que exercera o
Poder Constituinte.
São defensores dessa corrente, entre outros, Georges Vedel, Ferdinand Lassale e Karl
Lowenstein. Lassale defende que os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas
de poder, estabelecendo o antagonismo entre a Constituição verdadeira ou real, que exprime a
correlação de forças reais do país e a Constituição escrita ou formal, qualificada por ele de “folha
de papel”, sendo que a Constituição real prima sobre a Constituição positiva ou jurídica
O termo “indivíduo” é aqui utilizado como parte pertencente a uma classe. Trata-se de termo precisamente utilizado pela
Teoria das Classes
133
80
Ainda na transponibilidade, Karl Lowenstein afirma que “em um desenvolvimento normal
da dinâmica política, pode ser que até certo ponto se mantenham firmes (as cláusula pétreas), mas
em épocas de crise são tão só pedaços de papel varridos pelo vento da realidade política”134.
Por fim, a corrente da relevância relativa das normas sobre limites materiais sustenta que
devem ser respeitados os limites materiais à reforma constitucional enquanto estiverem (tais
limites) em vigor, nada impedindo que os mesmos sejam alterados como quaisquer outras normas
jurídicas.
Pela relevância relativa, a modificação de enunciados integrantes da classe das cláusulas
pétreas poderia ocorrer através de dois momentos: numa primeira revisão constitucional alterarse-ia a norma relativa ao limite material e, numa segunda revisão, modificar-se-ia a norma
constitucional antes protegida.
São defensores dessa corrente, entre outros, Jorge Miranda e Manoel Gonçalves Ferreira
Filho.
Apresentadas as características básicas de cada uma dessas correntes, cabe-nos apresentar a
nossa posição em relação a elas.
Entendemos que Constituição é um conjunto de normas jurídicas, de grau hierarquicamente
superior ao das demais normas jurídicas, e que têm por objetivo não só a fixação dos modelos de
Estado e de Governo adotados no país, mas também a criação da estrutura do ordenamento
jurídico desse país.
Assim, a Constituição no seu objetivo de traçar
um retrato do Estado a ser implantado (ou já implantado) num país, fixa as bases do ordenamento
jurídico, ordenamento jurídico esse que irá, na prática, levar a sociedade a se comportar de forma
que o retrato, isto é, o modelo de Estado adotado se consolide.
Ora, não se tem dúvida de que para se atingir um determinado objetivo é necessário
transpor vários obstáculos e, mais especificamente, para a consolidação de um modelo estatal (e,
conseqüentemente, de sociedade) fixado por uma Constituição, tais obstáculos envolvem forças
políticas contrárias, muitas vezes movidas por interesses de grupos específicos e que não refletem
a vontade majoritária do povo.
Isto é, para nós, uma Constituição, para realizar o seu objetivo de fixação de um modelo
estatal, deve ser munida de força suficiente para resistir às forças políticas contrárias. É
importante que esclareçamos que não defendemos a impossibilidade de modificação do modelo
estatal, mas entendemos que tal somente pode ser procedido por “revolução” que institua nova
Constituição.
E é por tal motivo que, a priori, tendemos à filiação à corrente da instransponibilidade,
mas com o realce de que, para possibilitar a sobrevivência da Constituição (e do modelo estatal
por ela adotado), é possível a alteração de determinada cláusula pétrea desde que tal modificação
seja condição sine qua non para a manutenção do modelo estatal, para a manutenção da estrutura
constitucional e até mesmo para a eficácia do próprio direito petrificado.
Luís Rodolfo Ararigboia de Souza Dantas, na dissertação “Limites Materiais ao Poder de
Reforma Constitucional” apresentada junto à Universidade de São Paulo no ano de 2002,
apresenta posição que se compatibiliza com a nossa :
“...qualquer purismo jurídico que pretenda ver nas cláusulas pétreas uma barreira
absoluta e definitiva ao Poder de reforma, sem que se leve em conta a relevância maior ou
134
LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Barcelona : Ariel, 1965, p. 191
81
menor daquilo que se petrificou, será sempre um fator de instigação de um colapso
constitucional...”
“ Na realidade, devemos admitir, nenhum poder é totalmente jurisfeito, mantendo-se
sempre como potencial ameaça àquilo que se petrifica, do mesmo modo que nenhum limite
material é totalmente inabalável ao ponto de suscitar, em vez de harmonia, instabilidade”
“ As cláusulas pétreas podem e devem ser fator de manutenção e aumento de estima
constitucional, mas é também imprescindível detectar o que merece efetivamente ser
considerado pétreo.”
Em suma, a interpretação dos enunciados constitucionais que inserem hipóteses de
cláusulas pétreas deve levar em consideração, além das técnicas normalmente utilizadas para a
interpretação dos enunciados constitucionais em geral (critérios gramatical, lógico-sistemático,
histórico), deverá desvendar especial atenção para o critério axiológico, que deverá se
instrumentalizar, nos seguintes pontos :
- deve-se alcançar a melhor forma de composição da vida social (justiça)
- deve alcançar a maior rigidez possível, o que significa envolver o maior número de
hipóteses possíveis extraídas da possibilidade semântica do enunciado (texto)
- a necessidade de manutenção da eficácia social (real) do direito petrificado e a
manutenção dos modelos estatal e social fixados pelo Poder Constituinte Originário são os pontos
capazes de amenizar a rigidez das normas petrificantes, permitindo a sua relatividade (restrita a
tais pontos)
Sobre a interpretação dos limites materiais à reforma constitucional, Miguel Reale135,
defendendo que o não-pagamento da contribuição previdenciária pelo servidor não constitui um
direito adquirido de maneira definitiva, mas antes uma situação jurídica suscetível de ser alterada
em razão de impostergáveis exigências de ordem financeiro, doutrina no sentido da possibilidade
de extrapolação dos limites materiais de reforma constitucional, desde que tal extrapolação seja
necessária para a “salvaguarda da ordem jurídica” :
“... a interpretação de um texto constitucional distingue-se da pertinente às regras
ordinárias pelo seu sentido eminentemente político, em virtude do qual seu texto deve ser
compreendido como destinado tanto à salvaguarda da ordem jurídica quanto de sua alteração
em razão das necessidades sociais, econômicas, financeiras, etc. Pensar de outra forma é
conceber a Carta Magna como um sistema engessado de preceitos sem levar em conta as
mutações que se operam no processo histórico”
b) A interpretação do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88
Entendemos já possuir elementos teóricos suficientes para interpretar o
parágrafo 4 .do artigo 60 da CF/88, que é, em realidade, o enunciado constitucional que insere
hipóteses de limites materiais ao poder de reforma da dita Carta Maior.
o
135
No texto Contrastes e confrontos constitucionais, publicado no jornal O Estado de São Paulo, publicado em 13/11/1999,
citado por Luís Rodolfo Arrarigboia de Souza Dantas na sua dissertação “ Limites materiais ao poder de reforma
constitucional”
82
Nesse trabalho interpretativo procuraremos aplicar o procedimento de
interpretação constitucional, com todas as suas nuances, por nós fixados na letra “a” desse
trabalho, procedendo-se da seguinte forma :
Primeiro momento dialético de interpretação
Início de construção da virtualidade
Método gramatical e sistemático
Hipóteses finais que compõem a
Virtualidade (término do
primeiro momento dialético de interpretação)
Segundo momento dialético de interpretação
Adequação aos valores cultuados na sociedade
Verificação da hipótese mais justa
Norma jurídica como resultado final
b.1) Aplicação do método gramatical. Início da construção das hipóteses que compõem a
virtualidade interpretativa
É sabido que os textos legais em geral, inclusive e em especial o texto constitucional, são
construídos por legisladores que, regra geral, utiliza-se de linguagem ordinária, comum,
linguagem essa que, diferentemente das linguagens científica e formalizada, caracterizam-se pela
vaguidade e ambigüidade.
Paulo de Barros Carvalho136 bem descreve a linguagem natural (também chamada de
comum ou ordinária), descrição essa que é importante para que nós percebamos a relatividade de
tal linguagem :
136
BARROS CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila de autoria do Professor Paulo de Barros Carvalho para o módulo
“Lógica Jurídica”, ministrado no programa de mestrado em direito da PUC/SP, item “5” do Capítulo II – “Língua e Linguagem
– signos Lingüísticos – Funções – Formas e Tipos de Linguagem – Hierarquia de Linguagens”
83
“ A linguagem natural aparece como instrumento por excelência da comunicação
entre pessoas. Espontaneamente desenvolvida, não encontra limitações rígidas, vindo
fortemente acompanhada de outros sistemas de significação coadjuvantes, entre os quais,
quando falada, a mímica.
Entre suas múltiplas características figura o descomprometimento com aspectos
demarcatórios do assunto sobre que se fala ou escreve: flui com ampla liberdade e
corresponde, por isso, à reivindicação própria da comunicação cotidiana. Sobremais, lida
com significações muitas vezes imprecisas, não se prendendo a esquemas rígidos de
formação sintática de enunciados. A combinação desses fatores prejudica a economia do
discurso, acentuando a dependência das mensagens à boa compreensão da conjuntura
contextual. De outra parte, sua dimensão pragmática é riquíssima, evoluindo soltamente
entre emissor e destinatário. Nela, percebem-se com clareza as pautas valorativas e as
inclinações ideológicas dos interlocutores que, em manifestações despreocupadas, exibem
suas intenções, dando a conhecer os vínculos psicológicos e sociais que entre eles se
estabelecem.”
Se de um lado, pelo exposto, é certo que o método gramatical não é suficiente para a
interpretação de enunciados jurídicos, de outro lado, como a interpretação, como por nós já
apontado, não pode extrapolar o limite semântico dos termos utilizados nos enunciados
prescritivos (sob pena de afronta ao Estado Democrático de Direito e, mais especificamente, ao
princípio da legalidade), há a necessidade de verificação das possibilidades semânticas do texto
para, após, através dos outros métodos interpretativos (sistemático, histórico e axiológico),
finalizarmos o trabalho interpretativo com o apontamento do sentido e alcance da norma jurídica.
Vamos então à verificação das hipóteses semânticas extraíveis do texto do parágrafo 4o. do
artigo 60 da CF/88, cujo conteúdo é o seguinte :
“ Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir :
“
Constatamos que as expressões-chave para a construção das hipóteses
semânticas de tal texto normativo são : “deliberação”, “proposta de emenda”, “tendente a abolir”.
Analisemos cada uma delas :
b.1.1) Análise das possibilidades semânticas do termo “deliberação”
Aurélio Buarque de Holanda137 aponta os seguintes significados para a
expressão “deliberação” :
“deliberação [Do lat. deliberatione.] S. f. 1. Ação de deliberar; discussão
para se estudar ou resolver um assunto, um problema, ou tomar uma decisão: O
conselho está em deliberação. 2. Exame interior; reflexão, meditação. 3.
Resolução, decisão: tomar uma deliberação. 4. Capacidade de resolver, decidir,
deliberar; decisão, resolução: Resolvem tudo por ele: não tem deliberação.”
Em seu “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, edição informatizada oferecida pelo site www.uol.com.br, editora Nova
Fronteira
137
84
Luiz Emilio A. Montera e Sandra Amendola Barbosa Lima 138 apresentam os seguintes
significados :
“ Deliberação, s.f. Ato de deliberar, resolução, decisão (Lat. Deliberatione).”
“ Deliberar, v.t. Decidir; resolver depois de exame, assentar; int. refletir,
consultar, meditar no que se há de fazer; pron. resolver-se, determinar-se”
De tais dicionários já podemos extrair que “deliberação” é sinônimo de trabalho de
discussão, de reflexão, sobre determinado assunto com o fim de decisão.
É importante, entretanto, termos consciência de que o termo “deliberação”, sem fugir
totalmente dos significados acima especificados, tem um tratamento específico na Constituição de
1988, especificamente no que tange ao processo legislativo.
A estrutura do processo legislativo brasileiro é a seguinte : propositura dos projetos de lei,
deliberação, votação, promulgação/sanção (no caso das emendas à constituição não há
possibilidade de sanção pelo Presidente da República) e publicação.
Como ensina Alexandre de Moraes139, no processo legislativo brasileiro há 2(duas)
espécies de deliberações : a deliberação parlamentar e a deliberação executiva.
Entende-se por deliberação parlamentar a discussão sobre determinado projeto de lei por
Comissões Parlamentares, sendo que, aprovado pelas comissões, o projeto volta a ser discutido em
plenário nas casas do congresso. Exceção à regra de prévia deliberação por comissões
parlamentares consta da parte final do inciso I do parágrafo 2o. do artigo 58 da CF/88.
Já na deliberação executiva, após o término da deliberação parlamentar, o projeto de lei
aprovado pelo Congresso Nacional é remetido à deliberação executiva, onde será analisado pelo
Presidente da República, podendo este vetá-lo ou sanciona-lo.
Assim, chegamos aos seguintes significados para o termo “deliberação” :
- trabalho de discussão, de reflexão, sobre determinado assunto com o fim de decisão
(significado comum, constante de dicionários)
parcial)
discussão de projetos de lei em comissões parlamentares (deliberação parlamentar
- discussão de projetos de lei no plenário das casas do congresso (deliberação parlamentar)
- discussão de projetos de lei nas comissões parlamentares e, após aprovação pro essas,
discussão no plenário das casas do congresso (deliberação parlamentar total)
- discussão de projetos de lei, após aprovação pelo plenário das casas do congresso, pelo
Poder Executivo, mais especificamente pelo Presidente da República, que poderá sancionar ou
vetar
138
139
“Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, São Paulo : Editora Mundo Musical, 1975
Ob. cit. pp.518/522
85
b.1.2) Análise das possibilidades semânticas do termo “proposta de emenda”
Procederemos a nossa investigação semântica pela verificação dos significados possíveis
para a palavra “proposta” e para a palavra “emenda”
Por “proposta”, Aurélio Buarque de Holanda140 entende :
proposta . [F. subst. do adj. proposto.] S. f. 1. Ato ou efeito de propor. 2. Aquilo
que se propõe, se apresenta; proposição: Sua proposta de aumento de salário foi
recusada. 3. Plano ou projeto proposto: A firma perdeu a concorrência por ser a sua
proposta onerosa demais. 4. Oferecimento, oferta. 5. Moção (3). 6. Determinação,
resolução.
propor . [Do lat. proponere.] V. t. d. 1. Oferecer a exame; submeter a apreciação;
apresentar: Três deputados propuseram projetos conflitantes. 2. Fazer sugestão de;
lembrar, sugerir, alvitrar: As crianças propuseram um passeio. 3. Requerer em juízo;
intentar: propor uma ação criminal. 4. Fazer propósito de; prometer: O criminoso propôs
emendar-se. 5. Fazer conhecer; expor, apresentar: Ninguém propôs uma dúvida sequer.
6. Dispor, ordenar, determinar: A jovem esposa cumpria tudo que o marido propunha. 7.
Oferecer à vista; mostrar, apresentar: O presidente propôs oficialmente os candidatos. T.
d. e c. T. c. 8. Oferecer como preço: O comprador propôs 100.000 reais pelo terreno;
Gostou da peça leiloada, mas propôs apenas 100 reais. T. d. e i. 9. Submeter a exame,
ou a apreciação; apresentar: O deputado propôs uma lei ao Congresso. 10. Referir,
relatar, expor: A mãe propôs histórias ao filhinho para adormecê-lo. 11. Oferecer,
endereçar, dirigir: O escritor propôs seu livro a todos os jovens; "Na segunda-feira da
semana que findou, acordei cedo, pouco depois das galinhas, e dei-me ao gosto de
propor a mim mesmo um problema." (Machado de Assis, A Semana, I, p. 13) 12. Propor
(8): "Na véspera do dia em que ele devia ser queimado, os juízes propuseram-lhe o
perdão a troco do simples depoimento de que não era legítima a sua mulher." (Ramalho
Ortigão, As Farpas, p. 318.) 13. Ordenar, fixar, determinar: A lei propõe aos cidadãos
numerosas obrigações. 14. Apresentar como sugestão; lembrar, sugerir: O irmão mais
velho propôs aos demais uma tarefa. 15. Requerer em juízo; intentar: O locador propôs
uma ação de despejo contra o inquilino. Transobj. 16. Apresentar como: Propôs
secretário do clube o velho amigo. T. i. 17. Tomar intento; fazer propósito: Os atletas
propuseram de vencer a partida. Int. 18. Apresentar proposição; fazer alvitres: A princípio
os cidadãos atenienses votavam proposições, mas não podiam propor. P. 19. Ter em
vista; tencionar, planear: Esta escola propõe-se formar técnicos de nível médio; "Vestiu
de livros as paredes do seu gabinete, propondo-se o recreio do estudo" (Camilo Castelo
Branco, Amor de Salvação, p. 131); "Propunha-me dormir no teu regaço / as quentes
horas da comprida sesta" (Tomás Antônio Gonzaga, Marília de Dirceu, p. 107); "tal o
material de que necessitamos, sempre que nos proponhamos a examinar, expor e criticar
o sistema jurídico de um povo." (Pontes de Miranda, Fontes e Evolução do Direito Civil
Brasileiro, p. 1) 20. Destinar-se, dispor-se a: Os segredos só podem ser revelados
àqueles que se proponham abraçar a doutrina; "Propôs-se a ajudar-me nos estudos com
o seu próprio ensino, latim, francês, inglês, história..." (Machado de Assis, Páginas
Recolhidas, pp. 30-31) 21. Apresentar-se como candidato: Propôs-se a deputado. [Irreg.
Conjug.: v. pôr. Cf. prepor.]
Em seu “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, edição informatizada oferecida pelo site www.uol.com.br, editora Nova
Fronteira
140
86
Luiz Emilio A. Montera e Sandra Amendola Barbosa Lima 141 apresentam os seguintes
significados :
“ Proposta.s.f. Proposição; oferecimento; projeto; argumento, asserção.”
Importante destacar que na Constituição Federal de 1988, o termo “proposta” é utilizado
para representar o ato de exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou
a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar142).
Do ponto de vista jurídico-constitucional, pode-se entender por “proposta” também o
documento escrito que consubstancia o exercício da iniciativa de lei.
Alcançamos, pois, aos seguintes significados para o termo “proposta” :
- aquilo que se propõe, que se oferece a exame
- o ato de exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou a algum
órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar143).
- documento escrito que consubstancia o exercício da iniciativa de lei
Vamos agora à análise do termo “emenda”.
Por “emenda”, Aurélio Buarque de Holanda144 entende :
emenda . [Dev. de emendar.] S. f. 1. Ato de emendar, de corrigir falta ou defeito;
correção: emenda de um texto; Saiu a emenda pior que o soneto. 2. Ato ou efeito de
emendar-se, de melhorar a própria conduta, de corrigir-se; regeneração: Apesar das
promessas de emenda, comete os mesmos erros. 3. Ato de ligar uma peça a outra: Fez
emenda da tábua com uma ensambladura. 4. Peça que se junta a outra para aumentarlhe as dimensões, corrigir defeito, etc.: O fio precisou de uma emenda para atingir a
tomada. 5. Lugar onde se ligam ou juntam duas peças ou dois objetos, ou parte deles:
A emenda do tecido ficou malfeita. 6. Numa assembléia, alteração proposta para um
texto submetido à discussão ou votação: Os deputados apresentaram diversas
emendas à lei de incentivos fiscais. 7. Tip. Correção na fôrma dos erros assinalados na
revisão. 8. Tip. Cada um dos erros indicados na prova pelo revisor; correção. Sob
emenda. 1. Salvo emenda; com dependência de emenda.
emendar . [Do lat. emendare.] V. t. d. 1. Alterar, modificar: Cumpria emendar
tudo quanto escrevera. 2. Tirar defeito(s) a; melhorar; corrigir; rever: Não cessava
de emendar a própria obra. 3. Reparar, indenizar: Urge emendar as injustiças. 4.
Acrescentar, ajuntar, para formar um todo: Emendou os retalhos e fez uma colcha.
P. 5. Arrepender-se; corrigir-se: Era um glutão, mas, com a idade, emendou-se.
[Pret. imperf. ind.: emendava, .... emendáveis, emendavam. Cf. emendáveis, pl. de
emendável.]
“Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, São Paulo : Editora Mundo Musical, 1975
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
143
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
144
Em seu “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, edição informatizada oferecida pelo site www.uol.com.br, editora Nova
Fronteira
141
142
87
Luiz Emilio A. Montera e Sandra Amendola Barbosa Lima 145 apresentam os seguintes
significados :
“emenda, s.f. Correção de falta, erro ou defeito; ato de melhorar, lugar onde duas
peças se unem; ato de unir uma peça a outra, sambladura.”
“ emendar, v.t. Melhorar; corrigir; acrescentar; tornar mais comprido por meio de
emenda; pron. tornar-se melhor; arrepender-se;”
Destacamos que a Constituição Federal de 1988, utiliza a palavra “emenda” para
representar uma das espécies normativas constitucionalmente previstas, espécie normativa
essa que é reflexo do exercício do Poder Constituinte Derivado e tem como resultado o
acréscimo, o decréscimo ou a modificação de enunciados (textos) constantes da Constituição
Extraímos, assim, as seguintes possibilidades de significado para o termo emendar :
- ato de alterar, modificar, corrigir algo
- resultado do exercício do ato de alterar, modificar ou corrigir algo, isto é, a
modificação, a alteração, a correção de algo
- ato de unir um objeto a outro
- resultado do exercício do ato de unir um objeto a outro
- representação de uma das espécies normativas constitucionalmente previstas,
espécie normativa essa que é reflexo do exercício do Poder Constituinte Derivado e tem
como resultado o acréscimo, o decréscimo ou a modificação de enunciados (textos)
constantes da Constituição
Necessário é, agora, procedermos a conjunção entre os significados possíveis dos
termos “proposta” e “emenda” para que possamos alcançar o significado da expressão
“proposta de emenda”.
Encontramos, nesse processo de conjunção dos termos, os seguintes significados para
“proposta de emenda” :
- ato de oferecer a exame a modificação de algo
- o instrumento escrito onde se consubstancia o oferecimento da modificação de algo
- o ato de exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou a
algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar146) em relação a uma alteração, acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto)
constitucional
145
146
“Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, São Paulo : Editora Mundo Musical, 1975
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
88
- documento escrito que consubstancia o exercício da iniciativa de lei (que é
faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao
Legislativo, podendo ser parlamentar ou extra-parlamentar147) em relação a uma alteração,
acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto) constitucional
b.1.3) Análise das possibilidades semânticas do termo “tendente a abolir”
Da mesma forma que tratamos da expressão “proposta de emenda”, trataremos da
expressão “tendente a abolir”, isto é, analisaremos inicialmente os significados individuais de
cada uma das palavras que compõe a expressão - “tendente” e “abolir”- e, após,
procederemos a conjunção dos significados montando as hipóteses de significação da
expressão “tendente a abolir”
A fim de manter a coerência do procedimento de pesquisa, iniciaremos pela
significação apresentada por Aurélio Buarque de Holanda148:
tendente . [Do lat. tendente.] Adj. 2 g. 1. Que tende: "Os mais extravagantes
critérios eram adotados, as mais estranhas normas se exigiam, todas tendentes a
dificultar o aparecimento de novos escritores." (Guilherme Figueiredo, Cobras &
Lagartos, p. 45); "O instinto sexual, normalmente tendente para o sexo oposto, é o mais
rudimentar dos instintos morais." (Fernando Pessoa, Páginas de Doutrina Estética, p.
72) 2. Que se inclina. 3. Que tem vocação.
tender . [Do lat. tendere.] V. t. d. 1. Estirar; estender: tender a mão. 2. Encher,
enfunar: "As galés de Castela, havia meses ancoradas no Tejo, sarparam, tenderam
velas e demandaram a barra" (Antero de Figueiredo, Leonor Teles, p. 229) 3.
Desfraldar, hastear: tender a bandeira. 4. Bater e arredondar na masseira, etc. (o pão
que se vai cozer). T. i. 5. Ter vocação; inclinar-se; propender: Desde criança tende para
a advocacia. 6. Dirigir-se, encaminhar-se; propender: Vai mal de negócios, tende para a
falência. 7. Visar, ter em vista ou por fim; dispor-se, destinar-se: As conversações
tendiam a apaziguar os ânimos. 8. Apresentar tendência, inclinação ou disposição para
algo: "Toda contemplação tende a formar em nós um composto de representações
característico, afim com a coisa contemplada." (Rosário Fusco, Introdução à
Experiência Estética, p. 37); "Já no tempo de Plauto .... tendia o dativo a expressar-se
pelo acusativo com ad." (Carlos Henrique da Rocha Lima, Uma Preposição Portuguesa,
p. 15); "Tendem para a poesia, segundo creio, todos os gêneros literários." (Henriqueta
Lisboa, Vigília Poética, p. 33) 9. Aproximar-se, acercar-se: A cor dos seus olhos tende
para o verde. 10. Aspirar, pretender: O bom artista tende para o domínio técnico de sua
arte. T. c. 11. Inclinar-se, voltar-se: O navio tendeu para a esquerda. P. 12. Alargar-se,
estender-se. [Inf. pess.: tender, tenderes, etc. Cf. tênder e pl. tênderes.]
Luiz Emilio A. Montera e Sandra Amendola Barbosa Lima 149 apresentam os seguintes
significados :
147
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
Em seu “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, edição informatizada oferecida pelo site www.uol.com.br, editora Nova
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148
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“Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, São Paulo : Editora Mundo Musical, 1975
89
“ Tendência, s.f. Propensão, disposição. Intenção, força que determina o
movimento do corpo”
Com base nos significados acima, podemos extrair as seguintes hipóteses de interpretação
do termo “tendente” constante do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88 :
- disposição, aptidão, que tem a função de
- propensão, inclinação, que tem a inclinação a
- intenção, que tem a intenção de
Vamos ao termo “abolir “.
Consta do “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, de Aurélio Buarque de Holanda 150 os
seguintes significados para a palavra “abolir”:
abolir [Do lat. abolere.] V. t. d. 1. Acabar com (instituições, leis, usos, etc.);
extinguir. 2. Fazer desaparecer; eliminar, suprimir. 3. Deixar de usar; largar: Aboliu o
cigarro e recuperou a saúde. T. d. e c. 4. Eliminar, banir, suprimir. [Defect. Não tem as f.
em que ao l da raiz se seguiria a ou o: a 1ª pess. sing. do pres. ind., todo o pres. subj. e o
imperat. neg. Imperf. ind.: abolia, etc. Cf. abulia.]
Luiz Emilio A. Montera e Sandra Amendola Barbosa Lima 151 apresentam os seguintes
significados :
Abolição, s.f. Ato de abolir, extinção
Do acima exposto, podemos constatarr as seguintes hipóteses de
interpretação do termo “abolir” :
- acabar com algo, eliminar
- suprimir algo
Possível é, nesse momento, efetuarmos a conjunção entre os
significados possíveis dos termos “tendente” e “abolir” para que possamos alcançar o
significado da expressão “tendente a abolir”.
Encontramos, nesse processo de conjunção dos termos, os seguintes significados para
“proposta de emenda” :
1) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
acabar com algo;
2) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
suprimir a forma original de norma jurídica constitucional considerada imutável
Em seu “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, edição informatizada oferecida pelo site www.uol.com.br, editora Nova
Fronteira
150
151
“Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, São Paulo : Editora Mundo Musical, 1975
90
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição, isto é, na
Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando ou reduzindo o seu campo de atuação
3) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
suprimir a forma original de norma jurídica constitucional considerada imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição, isto é, na
Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando o seu campo de atuação
4) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
suprimir a forma original de norma jurídica constitucional considerada imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição, isto é, na
Constituinte que deu origem à CF/88), reduzindo o seu campo de atuação
5) intenção (conduta dolosa) de suprimir algo, entendendo-se “suprimir” como o
afastamento total de norma jurídica constitucional considerada imutável (objeto passa a não
mais existir)
6) intenção (conduta dolosa) de suprimir a forma original de de norma jurídica
constitucional considerada imutável (características que foram aderidas ao objeto no
momento de sua constituição, isto é, na Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando
ou reduzindo o seu campo de atuação
7) intenção (conduta dolosa) de suprimir a forma original de norma jurídica
constitucional considerada imutável (características que foram aderidas ao objeto no
momento de sua constituição, isto é, na Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando
o seu campo de atuação
8) intenção (conduta dolosa) de suprimir a forma original de norma jurídica
constitucional considerada imutável (características que foram aderidas ao objeto no
momento de sua constituição, isto é, na Constituinte que deu origem à CF/88), reduzindo o
seu campo de atuação
9) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) de
determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável (processo
entendido como fenômeno que se protrai no tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão,
intencional ou não, extinguir algo). Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da
eficácia de um objeto já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação
10) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma
original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder
Constituinte Originário que deu origem à CF/88), aumentando ou reduzindo o seu campo
de atuação. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um objeto
já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para a
noção de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando
constituído
11) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma
original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável
91
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder
Constituinte Originário que deu origem à CF/88), reduzindo o seu campo de atuação e/ou
utilidade. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um objeto já
pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para a noção
de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando constituído
12) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma
original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder
Constituinte Originário que deu origem à CF/88), aumentando o seu campo de atuação
e/ou utilidade. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um
objeto já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para
a noção de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando
constituído
b.2) Análise lógico-sistemática dos termos constituintes da expressão “Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”
Nos itens anteriores trabalhamos no sentido de verificar a amplitude de
significações (amplitude semântica) dos termos que compõe a expressão “Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”, constante do parágrafo 4o. do artigo 60 da
CF/88.
É necessário agora procedermos a compatibilização dos significados
apontados com os significados apontados aos mesmos termos em outros artigos da citada
Constituição. Isto é, entende-se, para os fins do presente trabalho, análise lógico-sistemática como
a integração total da Constituição Federal de 1988, partindo-se do princípio lógico de que os
mesmos termos são utilizados com o mesmos significados em todas as vezes que são utilizados no
corpo da Constituição. Trata-se de um raciocínio lógico do qual não podemos nos afastar.
Através dessa análise lógico-sistemática, não modificaremos a estrutura
interna da hipóteses semânticas por nós levantadas no item anterior (vez que o significado lógicosistemático já esta constante numa das hipóteses levantadas, mesmo porque pretendemos na
análise gramatical-semântica, levantar todas as hipóteses de significação dos termos), mas, sim,
excluir alguma(s) hipótese(s) que não se compatibilizam com os significados utilizados em outras
partes da Constituição.
Essa análise significa para nós a aplicação do princípio da UNIDADE DA
CONSTITUIÇÃO, na forma apontada por Gomes Canotilho, citado por Alexandre de Moraes152,:
“a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas
normas”153.
b.2.1) Análise lógico-sistemática do termo “deliberação”
Extraímos no item “b.1.1” os seguintes significados para o termo “deliberação” :
152
Ob. cit. p. 42
153
92
1) trabalho de discussão, de reflexão, sobre determinado assunto com o fim de decisão
(significado comum, constante de dicionários)
2) discussão de projetos de lei em comissões parlamentares (deliberação parlamentar
parcial)
3) discussão de projetos de lei no plenário das casas do congresso (deliberação
parlamentar)
4) discussão de projetos de lei nas comissões parlamentares e, após aprovação pro essas,
discussão no plenário das casas do congresso (deliberação parlamentar total)
5) discussão de projetos de lei, após aprovação pelo plenário das casas do congresso, pelo
Poder Executivo, mais especificamente pelo Presidente da República, que poderá sancionar ou
vetar
Desde já podemos, para os objetivos desse trabalho (interpretação
jurídica do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88), excluir a hipótese semântica “1” (“trabalho de
discussão, de reflexão, sobre determinado assunto com o fim de decisão (significado comum,
constante de dicionários”), vez tratar-se de um significado “lato”, afastado da específica
significação científica-jurídica. Não podemos, entretanto, deixar de ressaltar que as demais
hipóteses semânticas foram alcançadas também levando em consideração a amplitude inicial da
hipótese “1”, destacando-se, assim, a necessidade da sua análise para fins de investigação.
Estamos tratando de interpretação de enunciado prescritivo que tem por objetivo fixar
limites materiais às emendas constitucionais. Melhor dizendo, o nosso foco são as emendas
constitucionais e não as demais espécies normativas. Ora, conforme procedimento constante no
artigo 60 da CF/88, o processo legislativo da emenda constitucional não inclui a deliberação
executiva, vez que o Presidente da República não possui o direito de veto em relação as propostas
de emenda constitucional aprovadas pelo Poder Constituinte Derivado, motivo pelo qual fica
afastada a hipótese semântica “5” (“discussão de projetos de lei, após aprovação pelo plenário das
casas do congresso, pelo Poder Executivo, mais especificamente pelo Presidente da República,
que poderá sancionar ou vetar”).
Assim, descartando-se as hipóteses semânticas incompatíveis com o “sistema
constitucional brasileiro”, limitamos a nossa interpretação somente as seguintes hipóteses :
2) discussão de projetos de lei em comissões parlamentares (deliberação parlamentar
parcial)
3) discussão de projetos de lei no plenário das casas do congresso (deliberação
parlamentar)
4) discussão de projetos de lei nas comissões parlamentares e, após aprovação pro essas,
discussão no plenário das casas do congresso (deliberação parlamentar total)
Essas hipóteses restantes serão objeto de análise de outras técnicas interpretativas, quais
sejam, a histórica e a axiológica.
b.2.2) Análise lógico-sistemática do termo “proposta de emenda”
93
No item “b.1.2” (análise gramatical), extraímos os seguintes
significados para o termo “proposta de emenda” :
1) ato de oferecer a exame a modificação de algo
2) o instrumento escrito onde se consubstancia o oferecimento da modificação de algo
3) o ato de exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou a
algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar154) em relação a uma alteração, acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto)
constitucional
4) documento escrito que consubstancia o exercício da iniciativa de lei (que é
faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao
Legislativo, podendo ser parlamentar ou extra-parlamentar155) em relação a uma alteração,
acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto) constitucional
Da mesma forma como já ocorrera no item anterior, desde já podemos,
para os objetivos desse trabalho (interpretação jurídica do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88),
excluir as hipóteses semânticas “1” e “2” ( “ato de oferecer a exame a modificação de algo” e “o
instrumento escrito onde se consubstancia o oferecimento da modificação de algo”), vez tratar-se
de significados “lato”, afastados da específica significação científica-jurídica. Não podemos,
entretanto, deixar de ressaltar que as demais hipóteses semânticas foram alcançadas também
levando em consideração a amplitude inicial das hipóteses “1” e “2”, destacando-se, assim, a
necessidade da sua análise para fins de investigação.
De outro lado, os trabalhos legislativos são devidamente formalizados
na forma determinada pela Constituição, como também pela Lei Complementar 95/98 (que
dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis) e pelo
Regimento Interno das Casas do Congresso, motivo pelo qual o simples comportamento não
formalizado não gera efeitos em termos de processo legislativo. Melhor esclarecendo, uma
simples intenção de proposta de emenda constitucional não gera reflexo, mas uma proposta
formalizada (escrita) de emenda constitucional proposta por quem tem competência para tal ato
possui, sim, efetivos efeitos.
Por tal razão, resta excluída também a hipótese semântica “3” (“o ato
de exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para
apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extra-parlamentar156) em
relação a uma alteração, acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto) constitucional”).
Descartando-se as hipóteses incompatíveis com o sistema
constitucional, mantém-se tão somente a hipótese “4” (“documento escrito que consubstancia
o exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão
para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar157) em relação a uma alteração, acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto)
constitucional”)
154
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
156
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
157
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
155
94
b.2.3) Análise lógico-sistemática do termo “tendente a abolir”
No item “b.1.3” (análise gramatical), extraímos os seguintes
significados para o termo “proposta de emenda” :
1) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
acabar com algo;
2) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
suprimir a forma original de norma jurídica constitucional considerada imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição, isto é, na
Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando ou reduzindo o seu campo de atuação
3) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
suprimir a forma original de norma jurídica constitucional considerada imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição, isto é, na
Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando o seu campo de atuação
4) disposição, aptidão, intencional ou não, de algo ou de algum instrumento para
suprimir a forma original de norma jurídica constitucional considerada imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição, isto é, na
Constituinte que deu origem à CF/88), reduzindo o seu campo de atuação
5) intenção (conduta dolosa) de suprimir algo, entendendo-se “suprimir” como o
afastamento total de norma jurídica constitucional considerada imutável (objeto passa a não
mais existir)
6) intenção (conduta dolosa) de suprimir a forma original de de norma jurídica
constitucional considerada imutável (características que foram aderidas ao objeto no
momento de sua constituição, isto é, na Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando
ou reduzindo o seu campo de atuação
7) intenção (conduta dolosa) de suprimir a forma original de norma jurídica
constitucional considerada imutável (características que foram aderidas ao objeto no
momento de sua constituição, isto é, na Constituinte que deu origem à CF/88), aumentando
o seu campo de atuação
8) intenção (conduta dolosa) de suprimir a forma original de norma jurídica
constitucional considerada imutável (características que foram aderidas ao objeto no
momento de sua constituição, isto é, na Constituinte que deu origem à CF/88), reduzindo o
seu campo de atuação
9) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) de
determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável (processo
entendido como fenômeno que se protrai no tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão,
intencional ou não, extinguir algo). Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da
eficácia de um objeto já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação
10) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma
95
original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder
Constituinte Originário que deu origem à CF/88), aumentando ou reduzindo o seu campo
de atuação. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um objeto
já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para a
noção de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando
constituído
11) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma
original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder
Constituinte Originário que deu origem à CF/88), reduzindo o seu campo de atuação e/ou
utilidade. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um objeto já
pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para a noção
de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando constituído
12) processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se protrai no
tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma
original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável
(características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder
Constituinte Originário que deu origem à CF/88), aumentando o seu campo de atuação
e/ou utilidade. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um
objeto já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para
a noção de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando
constituído
De todas as hipóteses acima apontadas, entendemos que a única que não mantém
compatibilidade lógica com a CF/88 é a hipótese “1” (disposição, aptidão, intencional ou não, de
algo ou de algum instrumento para acabar com algo), vez tratar-se de significado “lato”, afastado
da específica significação científica-jurídica.
Destaque-se que as demais hipóteses semântica não encontram incompatibilidade com
eventuais significados dirigidos aos mesmos termos em outros artigos da CF/88, sendo certo que
as técnicas histórica e axiológica serão determinantes na análise de tais hipóteses semânticas
restantes.
b.3) Análise histórica da expressão “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir”
Numa Constituição todos os enunciados introduzidos pelo Poder Constituinte Originária
têm uma razão de ser, tem um fundamento histórico que levou o Constituinte a cercar a matéria.
Sobre a interpretação histórica, interessante é citar Maria Helena Diniz158 :
158
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo : Saraiva, 7a. edição, atualizada, 1995,
p.391
96
“ A técnica interpretativa histórica, oriunda das obras de Savigny e Puchta,
cujas idéias foram compartilhadas por Espínola, Gabba e Holder, Biermann, Cimbali,
Wach, Alípio Silveira, Cosak, Salvioli, Endemann, Bufnoir, Bekker etc, baseia-se na
averiguação dos antecedentes da norma. Refere-se ao histórico do processo
legislativo, desde o projeto de lei, sua justificativa ou exposição de motivos, emendas,
aprovação e promulgação, ou às circunstâncias fáticas que precederam e que lhe
deram origem, às causas ou necessidades que induziram o órgão a elabora-la, ou seja,
às condições culturais ou psicológicas sob as quais o preceito normativo surgiu
(ocasio legis). Como a maior parte das normas constitui a continuidade ou
modificação das disposições precedentes, é bastante útil que o aplicador investigue o
desenvolvimento histórico das instituições jurídicas, a fim de captar o exato
significado das normas, tendo sempre em vista a razão delas (ratio legis), ou seja, os
resultados que visam atingir.”
Já adentrando no mérito histórico do texto do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88, vale citar
Luís Rodolfo Ararigboia de Souza Dantas em sua dissertação “Limites Materiais ao Poder de
Reforma Constitucional”159:
“ Primeiramente, lembremos que a fórmula “tendente a abolir” está
presente em todas as nossas Constituições que instituíram limites à reforma
constitucional, desde a Constituição de 1891, e a sua presença no atual texto
constitucional pode ser explicada por esta tradição”
Se de um lado o Brasil já possuía uma tradição constitucional em fixação de cláusulas
pétreas em suas Cartas Políticas, de outro lado há que se destacar o movimento político-social
contemporâneo à Assembléia Constituinte que deu origem à Constituição de 1988.Trata-se de um
período de tentativa de redemocratização do país após longo período de ditadura e esse contexto
histórico não pode ser afastado do procedimento interpretativo do campo de abrangência das
cláusulas pétreas e, por conseguinte, da interpretação do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88.
De importante destaque que, à exceção da forma federativa de Estado (inciso I do parágrafo
4 . do artigo 60 da CF/88), todas as demais previsões de conteúdo de limites materiais à reforma
constitucional, isto é, “o voto direto, secreto, universal e periódico”(inciso II), “a separação dos
Poderes” (inciso III) e “os direitos e garantias individuais” (inciso IV), têm como objetivo impedir
a volta de um regime ditatorial, a volta de um regime que impeça a liberdade dos cidadãos e é com
esse objetivo de natureza histórica, de manutenção de “um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça” (trecho do preâmbulo da Constituição de 1988) e que
“tem como fundamentos a I-soberania, II – a cidadania, III- a dignidade da pessoa humana, IV –
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e V- o pluralismo jurídico” (trecho do artigo 1o.
da CF/88).
o
E, por esses motivos, defendemos que o parágrafo constitucional em exame seja
interpretado de forma a conservar esses valores históricos, que deram origem às características de
petrificação de algumas normas constitucionais
b.4) Análise axiológica da expressão “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir”
159
Ob. cit. p. 207
97
Ab initio, interessante é comentar que apesar das doutrinas muito falarem sobre os
princípios, suas classificações e seus objetivos, poucos autores apresentam uma definição
satisfatória para esse instituto.
Ora, cabe-nos, pois, interpretar o que vem a ser um “princípio” e iniciamos através de uma
análise semântica, vez que princípio é sinônimo de começo, de primeiro, de inaugural. No
entanto, para uma perfeita interpretação de tal instituto, é necessária, além de uma análise
sintática, uma análise semântica e pragmática.
Se princípio é o começo, início, necessário é perguntar : início do que ? E nesse ponto é
necessário introduzirmos o significado de sistema, que é um conjunto harmônico e coordenados
de elementos segundo uma referência, um valor, para que possamos afirmar que princípio
significa um valor que tem por objetivo harmonizar e coordenar os diversos elementos de um
sistema.
É a referência que correlaciona e integra os elementos de um sistema e, por conseguinte,
não há como afastar o tratamento de princípios do estudo do sistema a que ele se referem.
Como ensina Paulo César Conrado160, “o termo princípio é utilizado, no campo da Ciência
do Direito, para denotar as diretrizes que iluminam a compreensão de setores normativos (mais ou
menos abrangentes, segundo o caso), imprimindo-lhes caráter de unidade e servindo, em virtude
dessa mesma unidade, de fator de agregação das normas integrantes dos apontados setores”.
E a definição do Professor Conrado, a despeito de tratar especificamente de princípios
jurídicos, compatibiliza-se, em seu âmago, com a definição genérica de princípio, por nós
apontada acima.
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior161 apontam que “os princípios
são regras-mestras dentro do sistema positivo. Devem ser identificados dentro da Constituição de
cada Estado as estruturas básicas, os fundamentos e os alicerces desse sistema. Fazendo isso
estaremos identificando os princípios constitucionais”.
Carlos Ari Sandfeld162, por sua vez, ente que “os princípios são idéias centrais de um
sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo
de organizar-se. “
As citações anteriores confirmam a definição de “princípio” por nós apontada, qual seja :
“conjunto harmônico e coordenados de elementos segundo uma referência, um valor, para que
possamos afirmar que princípio significa um valor que tem por objetivo harmonizar e coordenar
os diversos elementos de um sistema”.
Já partindo para a espécie “constitucional” do gênero “princípio”, citamos Celso Ribeiro
Bastos apresenta a sua visão :
163
“ Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores
fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não
objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre
todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o
seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade
160
CONRADO, Paulo César. Introdução à Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: Max Limonad
ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Editora
Saraiva, 7ª edição, revista e atualizada, 2003, p.59
162
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo : Malheiros, 1992, p. 137
163
Ob. cit. p. 143
161
98
semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre
uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos.
Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a
espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas”
Luiz Alberto David Araújo, em seu estudo a respeito da proteção constitucional do
transexual, cita Luís Roberto Barroso, para quem “os princípios constitucionais são, precisamente,
a síntese dos valores principais da ordem jurídica”, são “as premissas básicas de uma dada ordem
jurídica, irradiando-se por todo um sistema . Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a
serem percorridos.”164
Fixado está que os princípios constitucionais, se não são os próprios principais valores da
ordem jurídica, são os instrumentos pelos quais os mesmos são apresentados no Direito Posto. No
entanto, entendemos que a simples vinculação dos valores à ordem jurídica não é suficiente para a
perfeita compreensão dos princípios. Necessário é a vinculação de tais valores à sociedade, no
sentido de serem valores cultuados pela sociedade no momento da análise constitucional, como
aponta David Araújo :
“ ... a atualidade guarda relação com a necessidade de manter a coerência
entre os princípios constitucionais, firmados no sistema fundamental, e os projetos e
ideais do povo, estabelecidos no ordenamento jurídico, no presente momento.”165
Pela necessidade de compatibilidade entre os valores fixados através de princípios
constitucionais e os valores dominantes na sociedade no momento da aplicação do Direito é que
os valores inseridos pelos princípios constitucionais são, caracteristicamente, valores profundos,
fortemente inerentes à sociedade a que se refere, e não valores transitórios, voláteis, facilmente
esquecidos. Para demonstração, perguntamos : há alguma perspectiva na sociedade brasileira para
que a mesma rejeite valores como o da igualdade, da proteção da intimidade e da vida privada, da
inviolabilidade da vida ...? Claro que não.
A rejeição da sociedade a valores fixados em princípios constitucionais reflete uma
mudança de rumo da sociedade, ensejando “revolução” que dá origem a Poder Constituinte
Originário.
Assim, por entendermos que princípios constitucionais são instrumentos de exibição de
valores cultuados pela sociedade a que se referem, é que estamos certos que a apreciação dos
princípios constitucionais é de relevância sem igual para o que fixamos ser a interpretação
axiológica do parágrafo 4o.do artigo 60 da CF/88.
E entendemos que, fora o próprio histórico de introdução de cláusulas pétreas nas
Constituições Brasileiras e o momento social e político enfrentados pelo Constituinte de 1988, o
que já foi analisado quando da “interpretação histórica”, o parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88,
bem como os seus incisos, devem ser interpretados levando em consideração o constante do
preâmbulo e do artigo 1o. da CF/88, abaixo transcritos :
“ Preâmbulo
164
165
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção Constitucional do Transexual. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 80
Ob.cit.p. 92
99
Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna
e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos sob a proteção de
Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”
“ Artigo 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e
tem como fundamentos :
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político
Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. “
Ora, à exceção da forma federativa de Estado (inciso I do parágrafo 4o. do artigo 60 da
CF/88), todas as demais previsões de conteúdo de limites materiais à reforma constitucional, isto
é, “o voto direto, secreto, universal e periódico”(inciso II), “a separação dos Poderes” (inciso III) e
“os direitos e garantias individuais” (inciso IV), têm como objetivo impedir a volta de um regime
ditatorial, a volta de um regime que impeça a liberdade dos cidadãos e é com esse objetivo de
natureza histórica, de manutenção de “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça” (trecho do preâmbulo da Constituição de 1988) e que “tem como
fundamentos a I-soberania, II – a cidadania, III- a dignidade da pessoa humana, IV – os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e V- o pluralismo jurídico” (trecho do artigo 1o. da CF/88).
Em suma, quando tratamos de voto secreto e universal, de separação de poderes e de
direitos e garantias individuais, estamos tratando de bases para que se atinja em plenitude o
modelo de Estado Democrático de direito que cumpra o seu papel de “assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social”
Antes de adentrarmos mais especificamente no campo do inciso IV do parágrafo em
comentários, importante fundamentarmos o porquê apontamos a “forma federativa de Estado”
como exceção à regra de que todo o conteúdo do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88, inclusive
seus incisos, é condição para a existência de um Estado Democrático de Direito, e fazemos tal
fundamentação citando Oscar Vilhena Vieira166 :
“ Isto não significa que todos os princípios e valores protegidos como cláusulas
superconstitucionais tenham valor ético transcendente. O princípio da Federação, por exemplo,
166
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 241
100
prima facie, não possui valor moral em si. Diversas são as nações que se organizam de maneira
unitária sem que isso signifique uma ordem injusta ou autoritária. Pode-se argumentar, no entanto,
que uma nação de vasto território e com forte tradição de centralização do poder na esfera do
governo central, o estabelecimento do princípio federativo tem importância significativa para o
desenvolvimento da democracia. “
Outro ponto a destacar. Os direitos petrificados o foram com o efetivos objetivos, isto é, no
sentido não só da sua existência teórica, mas na sua existência prática. Em termos da ciência do
direito, o que se busca não é somente uma eficácia jurídica das normas jurídicas que inserem os
direitos tidos como invioláveis pela reforma constitucional, mas também a sua eficácia social.
Importante, nesse ponto, a distinção entre eficácia jurídica e eficácia social. Sendo que,
para diferenciar dois institutos é necessário, inicialmente, que os conheçamos, ou melhor, que
saibamos os seus respectivos significados, quais sejam :
Eficácia jurídica : é o mecanismo de incidência, o processo pelo qual, efetivando-se o fato
relatado no antecedente, projetam-se os efeitos prescritos no conseqüente. É característica do fato
juridicizado (fato previsto pela norma), e não da norma.
Eficácia social : é a produção concreta dos fatos na ordem dos fatos sociais, ou seja, é a
característica de cumprimento da norma pelo seu destinatário. É uma característica da norma.
Assim :
a)
quanto ao objeto a que se refere : enquanto a eficácia jurídica é uma característica
do fato juridicizado (fato previsto na norma), a eficácia social é uma característica da própria
norma.
b)
quanto ao momento de ocorrência : a eficácia jurídica é apontada quando do
mecanismo de subsunção, sendo que a eficácia social é apontada em momento posterior,
relacionado à efetivação da previsão abstrata da norma
c)
quanto ao estudo : a eficácia jurídica é conceito da dogmática jurídica, enquanto
que a eficácia social é conceito da sociologia, mais precisamente da sociologia jurídica.
Assim, o que interessa não é somente estar prevista na constituição norma jurídica de
direito à igualdade, mas que sejam apresentados a favor da sociedade instrumentos para o alcance
de tais direitos. Isto é, quando tratamos, por exemplo, da petrificação dos direitos e garantias
individuais, estamos incluindo no campo da impossibilidade de modificação outras normas
jurídicas constitucionais necessárias à “eficácia social” de determinado direito ou garantia
individual.
Após esse esforço teórico, cabe a nós, agora, aplicando a técnica
axiológica de interpretação apontarmos, finalizando esse capítulo do trabalho, a interpretação do
parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88.
b.4.1) Interpretação axiológica da expressão “deliberação”
101
Ao final da interpretação sistemática, chegamos às seguintes hipóteses semânticas possíveis
(já excluídas aquelas incompatíveis sistematicamente com a unidade constitucional):
2) discussão de projetos de lei em comissões parlamentares (deliberação parlamentar
parcial)
3) discussão de projetos de lei no plenário das casas do congresso (deliberação
parlamentar)
4) discussão de projetos de lei nas comissões parlamentares e, após aprovação pro essas,
discussão no plenário das casas do congresso (deliberação parlamentar total)
Ora, se o objetivo do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88, como já apontado anteriormente,
é impedir que sejam suprimidas normas jurídicas petrificadas seja através de supressão, seja
através da introdução de novas normas jurídicas constitucionais que afastem a existência ou a
eficácia social de normas jurídicas incluídas no rol do parágrafo em exame, outra não deve ser a
interpretação do termo “deliberação” senão a mais ampla possível, incluindo não só as discussões
nas comissões parlamentares de projeto de emenda que tenda a abolir direitos petrificados, como
também as discussões no plenário das casas do congresso, motivo pelo qual prospera a hipótese
semântica “4” (“discussão de projetos de emendas consticicuonais nas comissões parlamentares e,
após aprovação pro essas, discussão no plenário das casas do congresso”), isto é, a deliberação
parlamentar total.
b.4.2) Interpretação axiológica da expressão “proposta de emenda”
Através das técnicas anteriores de interpretação (gramatical e sistemática) restou-nos
somente a interpretação de “proposta de emenda” como documento escrito que consubstancia o
exercício da iniciativa de lei (que é faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para
apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extra-parlamentar167) em
relação a uma alteração, acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto) constitucional.
Tendo restado somente uma hipótese, resta afastada a necessidade do crivo da interpretação
axiológica nesse ponto.
b.4.3) Interpretação axiológica da expressão “tendente a abolir”
Entendemos que a expressão “tendente a abolir” é a mais importante de
todo o parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88, sendo a que impõe maior acuidade na utilização da
interpretação axiológica.
Se o objetivo é a manutenção de “um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça” (trecho do preâmbulo da Constituição de 1988) e que
“tem como fundamentos a I-soberania, II – a cidadania, III- a dignidade da pessoa humana, IV –
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e V- o pluralismo jurídico” (trecho do artigo 1o.
da CF/88) e, como já visto, o conteúdo do parágrafo 4o. do artigo 60 é considerado pelo Poder
Constituinte Originário como requisito sine qua non para que se atinja tal modelo estatal,
167
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
102
entendemos que deve ser feita a interpretação que mais zele por tal conteúdo, sendo, pois,
necessária uma interpretação ampla.
Assim, ante o acima exposto, entendemos que a melhor interpretação
para a expressão “ tendente a abolir” é “processo de extinção (processo entendido como fenômeno
que se protrai no tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo)
da forma original de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como
imutável (características que foram aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo
Poder Constituinte Originário que deu origem à CF/88), reduzindo o seu campo de atuação e/ou
utilidade. Nesse sentido a operação de redução do conteúdo ou da eficácia de um objeto já pode
ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem como base para a noção de redução
de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando constituído”.
Perceba-se que, pela nossa conclusão, não é proibido o aumento de
eficácia jurídica e/ou eficácia social às normas jurídicas enquadradas como pétreas, mas tão
somente a sua redação.
b.5) O raciocíonio desenvolvido por Gustavo Just da Costa Silva
Abordando tema semelhante ao que se propõe nessa monografia, Gustavo Just da Costa e
Silva identifica os limites explícitos e os limites implícitos da reforma constitucional. Em
relação aos limites explícitos é evidente que esses correspondem aos limites previstos no artigo
60, §4º da Constituição Federal. A dificuldade, segundo o autor, está em identificar quais seriam
os limites implícitos ao poder de reforma.
168
Ao enfrentar a questão dos limites da reforma constitucional, o referido autor, em relação
ao tema que interessa ao presente trabalho, primeiramente interpreta o dispositivo constitucional
que veda emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, inciso IV). No
entendimento de Gustavo Silva, embora diversos doutrinadores propugnem por uma interpretação
extensiva do termo “direitos e garantias individuais”, buscando incluir neste o rol os direitos
sociais, considera tal interpretação equivocada. Isso porque o termo “individual” não se refere à
titularidade do direito, mas sim a um determinado “estágio do ethos do Estado constitucional”.
Conforme explicita o autor, os direitos individuais (direitos de liberdade) assim foram
denominados porque caracterizaram as constituições liberais destacando a marca do
individualismo, fixando uma relação entre o Estado e o indivíduo e estabelecendo uma
determinada autonomia deste em relação àquele.
Além disso, destaca que o constituinte não utiliza as expressões aleatoriamente, havendo
um sentido na qualificação dos direitos fundamentais em individuais, sociais e políticos.
A partir destas constatações, Gustavo Silva conclui que está errado dizer que os direitos
sociais são limites ao poder de reforma constitucional por estarem abrigados na expressão
“direitos e garantias individuais”. Sendo assim, desenvolve seu trabalho buscando identificar
justificativas que impedem a reforma dos direitos sociais.
Primeiramente, observa o autor que os direitos sociais são imprescindíveis para a ordem
constitucional, uma vez que a incorporação dos direitos sociais às constituições não significou
apenas uma agregação de uma ética solidária, baseada no valor igualdade, à ética individualista,
baseada no valor liberdade. Considera o autor que “o significado profundo da incorporação dos
direitos sociais ao constitucionalismo foi o de uma redefinição da liberdade e dos sues direitos. E
168
SILVA, Gustavo Just da Costa e. Os limites da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 124
e seguintes.
103
é em favor dos direitos de liberdade redefinidos que aparecem os direitos sociais, formando assim
um horizonte legitimador unitário, em que são incindíveis os direitos de liberdade e os direitos
sociais.”169
Explicando a passagem do Estado Liberal ao Estado Social e os motivos que justificaram o
aparecimento dos direitos sociais, Gustavo Silva relata que em determinado estágio de
desenvolvimento da sociedade percebeu-se que não bastava impor ao Estado um dever de não
violar os direitos de liberdade dos indivíduos, sendo necessário remover os obstáculos, permitindo
o efetivo exercício de tais direitos. “Os direitos sociais surgem porque os direitos de liberdade não
são mais concebidos simplesmente como expressão da prerrogativa jurídica de viver ou de pensar
e agir livremente, mas como direito às condições materiais de efetivamente viver ou escolher
entre diferentes formas de crer, de pensar, de se manifestar ou de agir.”170
Merece respaldo a tese defendida por Gustavo Silva ao afirmar que a proteção dos direitos
sociais é imprescindível na medida em que permitem a efetivação dos direitos de liberdade, pois
de nada adianta assegurar o direito à vida, à liberdade, à igualdade, etc., sem dar as condições
sociais de efetivo exercício daqueles direitos.
Partindo desse entendimento, o autor constata que os direitos individuais e os direitos
sociais distinguem-se principalmente no que diz respeito à estrutura normativa. Entretanto, em
relação ao conteúdo legitimador das constituições contemporâneas, a diferença entre tais direitos é
relativa, pois a existência de uns implica na existência de outros.
Diante da relevância dos direitos sociais nas constituições contemporâneas e da
impossibilidade de fundamentar a sua inclusão na expressão “direitos e garantias individuais”,
Gustavo Silva conclui que os direitos sociais constituem uma limitação implícita da reforma
constitucional. De acordo com o posicionamento do autor, “a expressão ‘direitos e garantias
individuais’, o §4º do art. 60 em seu conjunto, além de outros dispositivos ‘identificadores’ da
ordem constitucional, apontam para um conteúdo irredutível da Constituição do qual fazem parte
os direitos sociais.”171
Estabelecido o entendimento de que os direitos sociais são limites implícitos à reforma
constitucional, Gustavo Silva levanta hipóteses sobre as razões que justificam a ausência dos
direitos sociais do rol dos limites expressos. A respeito desse tema, por fugir do objeto do presente
trabalho, destaca-se apenas a observação do autor ao afirmar que a inclusão dos direitos sociais no
artigo 60, §4§, e, portanto, a sua petrificação, poderia dificultar o desenvolvimento constitucional.
Trata-se de opinião relevante e que fora considerada para efeito de reflexão sobre o tema da
presente monografia, sendo certo que, como se verifica do constante do presente estudo, em
especial da conclusão do presente capítulo, os membros do grupo que desenvolve esta monografia
não concordam in totum com a visão de Gustavo Just.
b.6) Interpretação final do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88
169
170
171
SILVA, Gustavo Just da Costa e. Os limites da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 131.
SILVA, Gustavo Just da Costa e. Os limites da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 132.
SILVA, Gustavo Just da Costa e. Os limites da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 134.
104
Assim, o enunciado “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir “ gera, através de interpretação, a seguinte norma jurídica :
“ É proibida discussão de projetos de emendas constitucionais nas comissões parlamentares e ou no
plenário do Congresso Nacional, isto é, a deliberação parlamentar em geral (deliberação) de documento
escrito que consubstancia o exercício da iniciativa legistiva (que é faculdade que se atribui a alguém ou a
algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar172) em relação a uma alteração, acréscimo ou decréscimo de enunciado (texto) constitucional
(proposta de emenda), que signifique processo de extinção (processo entendido como fenômeno que se
protrai no tempo e que tem, ou pode ter, por aptidão, intencional ou não, extinguir algo) da forma original
de determinado objeto tratado pela Constituição Federal de 1988 como imutável (características que foram
aderidas ao objeto no momento de sua constituição pelo Poder Constituinte Originário que deu origem à
CF/88), reduzindo o seu campo de atuação e/ou utilidade. Nesse sentido a operação de redução do
conteúdo ou da eficácia de um objeto já pode ser entendido como uma tendência a sua eliminação e se tem
como base para a noção de redução de conteúdo e eficácia as características inerentes ao objeto quando
constituído.”
b.7) Conclusão deste capítulo
Esmiuçando a norma jurídica acima apontada, temos que :
- são petrificados não somente os enunciados constitucionais que se enquadram a um dos
incisos do parágrafo 4o. do artigo 60 da CF/88, mas também outros enunciados constitucionais que
servem como instrumento “sine qua non”(imprescindíveis) para a eficácia social dos enunciados
constitucionais constantes dos incisos do parágrafo acima citado
- não só as emendas que são abolicionistas de direitos petrificados, mas também aquelas
que reduzem o seu conceito ou o seu campo de eficácia, modificando o texto original em
desprestígio da executividade das normas petrificadas são também proibidas pelo parágrafo 4o. do
artigo 60 da CF/88
E, quanto à possibilidade extraordinária de redução do conceito e da executividade do
garantido nos incisos do parágrafo 4o. da CF/88, temos que, fundamentado e concluído no item
“a.3” desse capítulo :
- tendemos à filiação à corrente da instransponibilidade dos limites materiais à emenda
constitucional, mas com o realce de que, para possibilitar a sobrevivência da Constituição (e
do modelo estatal por ela adotado), é possível a alteração de determinada cláusula pétrea
desde que tal modificação seja condição sine qua non para a manutenção do modelo estatal,
para a manutenção da estrutura constitucional e até mesmo para a eficácia do próprio
direito petrificado
- assim podem ser reduzido o conceito e/ou eficácia de determinada norma jurídica
petrificada, desde que tal redução seja condição sine qua non para a sobrevivência da
própria norma petrificada ou para a sobrevivência de outra norma petrificada
- o “termômetro” mensurador da possibilidade de redução acima indicada será o princípio
da proporcionalidade, no sentido de que, a restrição da liberdade do indivíduo somente deve
ser considerada como forma necessária para a liberdade e segurança da sociedade. Isto é, a
regra é pela liberdade de comportamento, e a exceção é gerada pela necessidade de
preservação da sociedade.
172
Definição apresentada por Alexandre de Moraes, em obra já citada, página 513
105
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