AVALIAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS EM RATOS WISTAR SUBMETIDOS AO TRATAMENTO CRÔNICO COM LÍTIO Guilherme José Agnoletto1, Letícia Soares Boing1, Carolina Giesel Grala1, Marielli Benedet Dal Bó1, Vitor de Sousa Medeiros1, Jucélia Jeremias Fortunato1,2 ¹Laboratório de Pesquisa Básica e Experimental em Neurociências, Curso de Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina, 88704-900, Tubarão, SC, Brasil; 2Laboratório de Neurociências, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense, 88806-000, Criciúma, SC, Brasil. Correspondência do autor: Profa. Jucélia Jeremias Fortunato, M.Sc Laboratório de Pesquisa Básica e Experimental em Neurociências, Universidade do Sul de Santa Catarina, 88704-900, Tubarão, SC, Brasil. Fone: 55 48 3621 3185. Fax: # 55 48 3621 3185. E-mail: [email protected] Palavras-chaves: atividade motora, lítio, modelo animal 1. INTRODUÇÃO O Transtorno Bipolar (TB), denominado até bem pouco tempo de psicose maníaco-depressiva, é uma doença crônica, incurável e recorrente (MACHADO-VIEIRA et al., 2004). Caracteriza-se pela presença de episódios alternados de humor (mania/hipomania e depressão), os quais variam em intensidade, duração e freqüência. Além dos episódios clássicos de mania, hipomania e depressão, há ainda aqueles mistos, ou seja, episódios nos quais ocorrem sintomas tanto característicos das fases de mania/hipomania como da depressão. Afeta homens e mulheres sem predileção por sexo ou idade, porém pelo menos metade dos casos surge antes dos 25 anos (KESSLER et al., 2005). A ocorrência de sintomas psicóticos tende a ser um indicador da gravidade do episódio nas diferentes fases da doença, bem como a alta freqüência destes episódios tende a marcar a cronicidade da doença (ROCCA e LAFER, 2006). Para Machado-Vieira e colaboradores (2005), o TB caracteriza-se por oscilações do humor que causam prejuízos significativos no âmbito biopsicossocial. O interesse da comunidade científica por este transtorno vem aumentando nos últimos cinco anos em função de sua crescente prevalência associada ao refinamento diagnóstico, à ampliação de artesanal terapêutico e ao conhecimento dos avanços nas pesquisas da neurobiologia do transtorno. Como já descrito anteriormente, ainda não há cura para o TB, porém existem alternativas de tratamento que auxiliam os portadores desse transtorno a controlar melhor as mudanças de humor, assim como os outros sintomas relacionados (SACHS et. al., 2000). Entre os estabilizadores de humor mais utilizados para o tratamento do TB destaca-se o lítio, utilizado como medicamento de escolha e útil em cerca de 60% dos casos. Foi o primeiro fármaco aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o TB, sendo utilizado há mais de 50 anos para o tratamento das fases agudas e de manutenção da doença bipolar, o único medicamento com propriedades estabilizadoras do humor comprovado (ROSA et.al., 2006). No campo da psiquiatria, o lítio é encontrado na forma de comprimidos (carbolitium) ou como preparados de liberação lenta (carbolitium CR), sendo que os primeiros atingem seu nível sérico máximo em uma a duas horas enquanto que os segundos levam de quatro a quatro horas e meia. Essa substância é excretada quase inteiramente pelos rins, com meia-vida entre 14-30 horas. As preparações convencionais (comprimidos) podem ser administradas em duas tomadas diárias, podendo as de liberação lenta ser utilizadas em dose única diária, geralmente à noite. O lítio exerce efeito anti-suicida e mostra-se eficaz em reduzir as crises maníacas e depressivas, porém o tratamento efetivo é comprometido devido à baixa adesão ao tratamento. Isso ocorre pela influência das características de cada paciente e também pela característica farmacológica do lítio, que por sua vez dificultam seu uso (ROSA et.al.,2006). Apesar de o lítio exercer efeito anti-suicida e mostrar-se eficaz em reduzir as crises maníacas e depressivas (ROSA et.al.,2006), a literatura sugere que o uso contínuo de antidepressivos pode aumentar a freqüência dos episódios de mania, podendo levar a ciclagem rápida (TAMADA e LAFER, 2003). Neste sentido, justifica-se a importância de um estudo mais efetivo que avalie as alterações comportamentais após tratamento crônico em modelo animal. 2. MATERIAIS E MÉTODOS O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina – CEP/UNISUL sob protocolo 08.152.7.07.V Foram utilizados 30 ratos Wistar machos, provenientes do Biotério da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), com idade entre dois e três meses, pesando entre 250-300 gramas. Os animais foram previamente randomizados e divididos em grupos de cinco ratos em cada gaiola, mantidos em temperatura controlada (22 oC + 1) e ciclos de luz artificial (12 horas claro e 12 horas escuro), recebendo ração comercial padronizada para ratos de laboratório e água ad libitum durante todo o período experimental. Os procedimentos foram realizados no período matutino (entre 7 e 8 horas) e no período noturno (entre 18:00 e 19:00 horas), considerando a ritmicidade circadiana dos animais experimentais. Durante catorze dias consecutivos, administrou-se uma injeção intraperitonial diária de metilfenidato (MPD), na dose de 2,5 mg/kg, para indução de modelo de mania. Concomitantemente, os animais foram divididos em dois grupos experimentais: a) grupo controle (injeção intraperitoneal de solução salina 0.9%, b) grupo experimental (ratos tratados com lítio na dose de 47,5 mg/kg). Em ambos os grupos, administrou-se uma injeção diária durante sete dias consecutivos, às 07 horas. A atividade motora (crossing e rearing) foi avaliada no Teste de Habituação em Campo Aberto (open-field task), realizado no último dia da administração dos fármacos. Após o teste, os animais foram anestesiados com cloridrato de ketamina e eutanasiados pelo método de decapitação. As análises foram realizadas por software estatístico (SPSS), os dados submetidos à análise de variância (ANOVA) de uma via. 3. RESULTADOS Nossos resultados mostraram que o tratamento crônico com lítio não alterou de forma significativa o número de crossings nos animais experimentais, quando comparados os valores de treino e teste. No entanto, observamos um número maior de rearings nos animais tratados cronicamente com lítio (comparação entre treino e teste) [F(3,36) = 15.45]. Porém nenhum dos resultados encontrados atingiu valores tidos como significativos para Tukey: p<0,05. (Figura 2) 4. DISCUSSÃO O desenvolvimento de novas medidas terapêuticas para o Transtorno Bipolar, assim como para outros transtornos de humor, tem sido dificultada pelo limitado conhecimento tanto da neurobiologia do estudo bem como dos mecanismos de ação a longo prazo das mais úteis medicações (Gould et al., 2004; Quiroz et al., 2004). Desde que o Lítio começou a ser usado clinicamente para o tratamento de TB, depressão e outras condições, pesquisadores tem estado atentos para caracterizar esses efeitos no comportamento de roedores. Estes modelos comportamentais podem ser relevantes para a saúde humana e para endofenótipos clínicos. Conforme esperado, os animais experimentais que receberam o metilfenidato durante catorze dias tiveram um aumento significativo na atividade locomotora horizontal e vertical, caracterizando assim o modelo de mania. Analisando os estudos de O’Donnell and Gould, pode-se observar que o lítio diminui consistentemente a atividade exploratória, a capacidade de criação, agressão e a hiperlocomoção induzida por anfetamina, corroborando assim, com nossos resultados que mostraram um decréscimo da atividade motora. Porém, esse decréscimo não ocorreu de maneira tida como significativa para os parâmetros por nós adotados. Além disso, os resultados encontrados no quesito de movimentos locomotores verticais sofreram um ligeiro aumento na avaliação treino-teste, modificação essa que pode ter sido originada por alterações neuroplásticas no sistema dopaminérgico meso-límbico causada pelo uso repetitivo de medicamentos de classes semelhantes à anfetamina (Roob e Swerdlow 1988), ou ainda pode ser explicada pela ocorrência de uma sensibilização comportamental (behavioral sensitization), como sugerido por Benicio N. Frey. Dessa forma, nossos resultados mostraram que a variação no número de movimentos locomotores horizontais e verticais sugere que o lítio empregado isoladamente não permite prever de forma completa seus efeitos comportamentais.