A Era Inflacionária

Propaganda
Capítulo 12
A Era Inflacionária
Os chamados modelos inflacionários surgiram como uma
evolução natural do Big Bang padrão por volta dos anos ’90, devido ao
fato deste carecer de respostas para uma série de problemas
levantados pelos pesquisadores que analisaram o conjunto de idéias e
dados recolhidos até então. Estes modelos geralmente postulam uma
modificação à expansão dos modelos FRW que teria acontecido muito
cedo na história do universo.
A questão da forma peculiar da expansão pode trazer também
respostas para outras questões associadas de grande importância.
Uma delas é a de compreender o qué determina a escala do universo,
já que não há razão alguma para que o universo tenha a escala que
tem. Bem poderia ser extremamente pequeno (como, por exemplo,
um átomo) ou até muito maior do que parece ser. Se conseguirmos
entender como começou a expansão esta pergunta poderia ser
respondida.
No universo observado, a gravitação é uma força sempre
atrativa, nunca houve qualquer evidência firme de “anti-gravitação”
em laboratório ou sistemas estelares/galácticos. Porém, isto não
necessariamente foi sempre assim, e uma possível solução ao
problema da origem da expansão é o de termos tido uma época onde
a gravitação tenha sido repulsiva. De fato, as equações de Friedmann
(11.7) atribuem um papel importante à relação entre a pressão e a
densidade de energia P(  ) , já que o sinal da aceleração está
determinado por ela. Abre-se assim a possibilidade de ter havido
  0 , na qual a expansão do universo se
alguma época na qual a
acelerou. Éste é o conceito básico da Era Inflacionária.
Deixando de lado por enquanto as razões físicas pelas quais a
matéria pode ter induzido uma Era Inflacionária, podemos descrever
quais caraterísticas gerais possui e que problemas em aberto a inflação
vem resolver. De fato, a idéia da inflação surgiu precisamente para
resolver uma série de questões sem explicação dentro dos modelos
padrão de FRW.
O primeiro destes problemas tem a ver com a isotropia
observada no universo. Conforme aumentamos a escala das amostras
de galáxias o universo parece mais e mais uniforme. A radiação
cósmica de fundo, resultado da passagem liver dos fótons pela matéria
na recombinação, é extremamente isotrópica e os desvios foram
detectados só após várias décadas de esforços. Porém, quando
pensamos que o universo era muito menor do que é hoje na época da
recombinação, percebemos um problema sério com isto: regiões muito
afastadas no céu não poderiam estar em comunicação causal entre
elas em aquela época, e assim não poderiam “saber” umas das outras
quanto para apresentar a mesma temperatura e espectro térmico
observados. Ou aceitamos que de alguma forma elas estavam em
contato causal, ou teremos então que admitir que as condições iniciais
para todas as regiões eram rigorosamente as mesmas. Este dilema é
conhecido como o problema do horizonte.
Um outro assunto relacionado com o horizonte é o da formação
de estrutura (vide Capítulo 18): as maiores estruturas presentes no
universo surgiram a partir de flutuações de densidade  /  que
estavam fora do horizonte até tempos bastante recentes. Assim, elas
não poderiam ter sido formadas por processos causales. O problema
da formação de grandes estruturas resulta similar ao problema do
horizonte já descrito.
Um terceiro problema com a cosmologia FRW existe na própria
existência do universo, já que a menos que haja uma coincidência
quase perfeita no valor dos termos gravitacional e cinético, o universo
teria recolapsado na escala “natural” de tempo 
após a Era de Planck, a densidade estimada

1
2
. Imediatamente
Planck  M Planck / L3Planck
provocaria este recolapso em t  1043 s . O universo sobreviveu 1061
vezes este tempo, e por tanto deve haver um cancelamento perfeito
entre esses dois termos, o qual pode ser descrito recorrendo de novo à
analogia com a partícula newtoniana sujeita à atração da região de
massa M e que se movimenta seguindo a Lei de Hubble (vide abaixo),
ou seja
1 2 1
GmM
mv  m( H 0 R ) 2 
2
2
R
(12.1)
3H 02
4
  crit para impedir o
utilizando que M  R 3 , temos que  
8
3
recolapso violento. Em termos do parámetro    / crit , devemos
estamos incrívelmente próximos de 1 hoje, e devido à evolução
cósmica da densidade, muito mais próximos ainda conforme
retrocedemos na história do universo. Assim, vemos que o universo
precisa ser plano (em outras palavras, a curvatura deve ser nula). Isto
é conhecido como o problema da planura.
Consideremos agora de que forma a inflação ajuda para resolver
os problemas apontados. Para isto definimos primeiro o que
entendemos por “horizonte” . Intuitivamente, diriamos que o horizonte
é uma linha imaginária que linta nossa visão, e que é devida à
geometria (curvatura da terra). Na cosmologia, os horizontes também
existem, mas não necessariamente por efeitos geométricos. O
horizonte mais intuitivo resulta do fato da propagação da luz com
velocidade finita c . Embora geralmente a luz se propagando com
velocidade finita não entra nas nossas considerações, por efeito desta
podemos ver só a fração do universo contida em um raio
t
R luz ( t )  c  dt
(12.2)
0
chamado de horizonte da luz. Éste cresce linearmente conforme
passa o tempo e assim vemos uma fração cada vez maior do universo.
Podemos definir um segundo horizonte relacionado à região física do
universo que está em contato causal, chamado de horizonte de
partícula. Ele depende do tipo do universo no qual vivemos, já que as
distâncias físicas são obtidas multiplicando o fator de escala pela
coordenada r. Por tanto temos
t
dt
(12.3)
R part ( t )  ca( t ) 
a
(
t
)
0
O horizonte de partícula também cresce linearmente com o
tempo na era da radiação ou da matéria, assim, a sua relação com o
horizonte da luz se mantém ao longo da evolução e o problema do
horizonte persiste.
Com o auxílio das soluções gerais já apresentadas no Capítulo 11
podemos agora entender como resolver o problema do horizonte, da
estrutura e da planura. Da eq. (11.13) vemos que se o universo fosse
dominado por um fluido com   1/ 3 , então o fator de escala poderia
evoluir mais rápido do que c  t (!), ou seja de forma superluminal.
Embora isto possa parecer impossível, o fator de escala a( t ) pode
realmente se comportar assim porque não é um objeto físico e não
precisa estar limitado pela velocidade da luz. Se tivermos   1 , então
podemos conferir que as soluções para a( t ) são exponenciais com o
tempo, da forma
a( t )  exp( H0t )
(12.4)
onde H 0 é uma constante positiva. Esta é a forma mais simples
de inflação, ou seja, uma época na qual o fator de escala se expande
exponencialmente, também conhecida como estágio de DeSitter.
Substituindo na definição de horizonte de partícula chegamos ao
comportamento desta quantidade durante o estágio de DeSitter de
duração t
R part ( t inf  t )  R part ( t inf )e Ht
(12.5)
Por tanto, se houver inflação suficiente (ou seja, condições
físicas para que t seja longo o suficiente), o horizonte de partícula
esticará o suficiente para que todo o que observamos tenha estado em
contato causal antes da recombinação, resolvendo os problemas do
horizonte e a formação de estrutura. Este comportamento se resume
na Fig.12.1.
Fig.12.1 : Diagrama espaço-temporal que resume a solução dos
problemas do horizonte e a formação de estrutura fornecidos pela
inflação. As escalas L e L’ evoluem no universo primordial e cruzam o
horizonte de partícula nos pontos marcados com asteriscos. Teriamos
problemas para explicar causalidade da escala maior L’ já que estava
fora do horizonte antes da recombinação t rec . A inflação, porém,
esticou de fato o horizonte de partícula em t inf (agora em linha
pontilhada) e assim todas as escalas menores do que o horizonte da
luz estavam na verdade conectadas causalmente no pasado.
O problema da planura tem também uma solução simples e
elegante nos modelos inflacionários : se examinarmos a eq.(11.7)
vemos de imediato que uma expansão exponencial do fator de escala
diminui também exponencialmente o termo C / a 2 , e assim a inflação
“apaga” qualquer efeito da curvatura na dinâmica do universo. O
universo hoje deve então parecer exatamente plano. Uma visualização
deste fenômeno está na Fig. 12.2.
Fig.12.2 : A solução inflacionária para o problema da planura.
Ao esticar as escalas de forma exponencial a era inflacionária diminui a
curvatura (no exemplo, a curvatura bidimensional da superfície da
roupa) e faz parecer ao final que o espaço-tempo é extremamente
plano.
Com o auxílio da analogia newtoniana é possível esclarecer o
papel da inflação para justificar também a expansão de Hubble
observada. Voltamos à expressão da partícula de massa m atraída pela
massa M que já utilizamos, a conservação da energia é
2
1  dR 
GM
  
2  dt 
R
(12.6)
GM
. Embora na Mecânica
R2
Newtoniana estas expressões sejam corretas, devemos lembrar que na
Relatividade a massa não é constante, e pela equivalência massaenergia devemos levar em conta a conservação segundo dE  PdV .
dM
dV
dR
 P
 4R 2 P
Esta última equação pode ser convertida em
.
dt
dt
dt
Por tanto, justificamos a correção feita à equação (11.7) do Capítulo
anterior. Nossa equação relativística corrigida de movimento da
partícula é agora
..
e sua equação de movimento R  
..
R
4R 3
G
(   3P ) 2
3
R
(12.7)
e se o fluido que compõe a massa tem uma equação de estado
do tipo P    como apontado anteriormente, o membro da direita
será positivo e a atração gravitacional se tornará uma repulsão. Em
outras palavras, quando (   3P )  0 a aceleração R da equação (12.7)
passa a ser positiva. A solução desta equação de movimento é
8G
H 02 
imediata
(com
)
como
apontamos
R( t )  exp( H0t )
3
anteriormente, e se diferenciamos esta solução temos v( t )  H0R( t ) ,
que não é outra coisa do que a expansão de Hubble das galáxias.
Assim, interpretamos a inflação como o estágio no qual a equação de
estado torna repulsiva a gravitação, esta empurra as partículas que
posteriormente se movimentan por inércia com velocidades
proporcionais a suas distâncias, como as galáxias observadas por E.
Hubble nos começos do século XX.
Devemos notar que ainda não dissemos nada a respeito da
natureza da matéria que colocaria o universo nas condições
inflacionárias. Com efeito, não basta postular que ela deve cumprir
P    sem especificar que tipo de fluido é. Assim, esta pergunta nos
leva a considerar situações nas quais tal comportamento seja possível.
Uma das mais comuns é considerar um fluido durante uma transição
de fase. Sabemos da física do laboratório que ao mudar de estado
alguns compostos satisfazem condições análogas as requeridas no
universo inflacionário durante um curto intervalo de tempo. De fato,
uma pressão negativa parece estranha, mas é considerada no dia-adia pelos físicos do estado sólido. Ela é interpretada como uma tensão,
como a que apresenta um cristal em vácuo. Todavia, sequer
precisamos de ter uma situação assim no universo, e a pressão
negativa tem sido modelada apelando para a transição de fase de um
certo campo escalar  desde um estado de maior energia V (   0 )
até um de menor energia, que pode ser definido como V (   0 )  0 .
A dinâmica associada a este não é difícil de compreender : vamos
supor que temos o tal campo representado por uma bolinha em um
potencial como mostrado na Fig. 12.3. Se o potencial V (  ) tem uma
“ladeira” quase-plana no qual o campo escalar  possa “rolar”
 será pequena e pode
suavemente, sua segunda derivada temporal 
ser ignorada. Assim, a equação demovimento para  fica simples, e
pode ser resolvida. Inserindo esta solução na (12.7) pode-se ver que
quando o campo rola pela ladeira o termo (   3P ) é negativo, e
teremos para o universo um estágio de De Sitter. A inflação acaba
quando o campo chega no fundo do potencial e dissipa a energia
V  V (   0 )  V (   0 ) na forma de partículas leves. Este estágio
leva a requentar o universo, já que no estágio de De Sitter a expansão
violenta fez com que a temperatura caísse muito. A injeção de energia
em forma de partículas no final da inflação tem então o efeito de
elevar a temperatura até um valor que depende do modelo adotado.
Fig.12.3. Potencial de um campo escalar responsável pelo
estágio inflacionário. O campo começa na origem e “rola” ladeira
abaixo de forma lenta, assim a equação de estado efetiva determinada
por ele satisfaz os requerimentos para haver inflação (ou seja, a
pressão negativa). Quando ele atinge o poço, dissipa a diferença entre
a energia original e a que sobra la embaixo em forma de partículas
que re-esquentam o universo. Este processo completa-se muito
rapidamente e tem como resultado final um universo que “esticou”
desde as dimensões originais até algo como o mostrado na capa para
a fração hoje observável, além de resolver os problemas do horizonte,
a formação de estrutura e a planura de uma só vez.
Embora falta ainda estabelecer a natureza física do campo
postulado, junto com quaisquer outras caraterísticas que definam
completamente o curto estágio inflacionário, as observações das
flutuações no fundo de radiação (Capítulo 17) somadas às soluções
apontadas e a elegância da proposta convenceram a uma maioria dos
cosmólogos que a inflação realmente aconteceu. Uma apreciação geral
deste assunto pode ser vista no Texto Auxiliar 5.
Download