CORREIO BRAZILIENSE, quinta-feira, 20set04 A zoeira do Copom Marcelo Pimentel Advogado, ex-ministro do Trabalho, ex-presidente do TST Afinal, os juros foram aumentados. Pior que isso é a zoeira que se faz. Os males do aumento são poucos, porque todos aqueles que precisam de crédito sabem que estão sempre sujeitos a tais intempéries. E as suportam. Mas as repercussões do barulho são mais danosas. Ao longo dos próximos quinze dias prenunciam-se ações de interessados no sentido de majorar preços. Não na proporção de 0,25 ponto percentual, conforme a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), mas várias vezes acima desse patamar. O ônus vai representar encargo inexpressivo a longo prazo, se limitado ao que foi decidido. Ainda assim, o reajuste nos preços não será retirado, mesmo que haja redução futura dos juros. O que não se pode manter é a sádica política de, mensalmente, sair a discussão: vai haver aumento ou não elevação das taxas — um jogo de cabras cegas altamente lesivo ao interesse da política econômica. Deveria ser suprimido esse aprazamento de data, e o Copom só se reunir quando necessário, sem anúncio prévio. Acabaria a política de tensão pré-Copom, como disse o patrono da política nacional, o presidente Lula, com suas tiradas humorísticas. A bolsa, os operadores do mercado cambial, os investidores, o mundo interessado ficaria menos tenso. Afinal, a 14ªpotência econômica do mundo — curioso sermos potência — não pode viver de sustos, porque também é titular de uma absurda dívida, desproporcional ao seu PIB. A cada susto desses, a dívida, tecnicamente, sobe um R$ 1 bilhão. Isso nas contas do governo, fora o que aumenta nas contas do setor privado. Para um país que dispõe de elenco de mais de meia centena de impostos, encargo transferido ao bolso do contribuinte no final do processo de formação de preços, a política deveria ser levada mais a sério e eliminadas semelhantes deformações, que só tumultuam o equilíbrio interno. O nosso problema não está na demanda ou aumento de consumo ou juros. O que temos é uma inflação de impostos. O Brasil, quando do milagre econômico, era a 9ªeconomia mundial. As várias crises que enfrentamos, inclusive a do petróleo — alta patrocinada pela Opep —, os erros sucessivos e a política recessiva foram empurrando o país para o buraco. Houve aumento brutal das dívidas interna e externa, que nos dá hoje o laurel de maior devedor das Américas (proporcionalmente). Felizmente, a dívida atrelada ao dólar praticamente foi eliminada, mas continuamos com dívida correspondente a 55% do PIB. Dividida a soma por cidadão, somos individualmente devedores de alto percentual! Certo é que não podemos divisar melhoria a prazo curto. Apesar do modesto progresso atual (que não vai ser afetado pela alta dos juros), a falta de infraestrutura não nos permite um horizonte mais promissor, se pensarmos, por exemplo, que a melhoria dos portos vai consumir acima de R$ 120 bilhões apenas para mantê-los em funcionamento mais eficaz. Teríamos quer considerar que, em prazo curto, o escoamento da produção continuará sendo mais oneroso. Mas aí teríamos que consertar as estradas, ampliá-las, melhorar as ferrovias, enfim correr para continuar competitivos. Um técnico apontou há tempos que o Brasil precisará de meio trilhão de dólares, em dez anos, para colocar sua infra-estrutura atualizada, isto é, remendar as estradas, retornar a um mínimo de navegação de cabotagem, promover o saneamento básico e construir algumas extensões básicas de ferrovias para, então, almejar um período de progresso sustentável. Todavia, o Brasil, vive de uma agroeconomia de sobremesa de onde sai o saldo das exportações. Café não é sustentáculo de nada, agora que venceu sua crise recente. A soja amanhã não vai dar mais nada porque o mundo agrícola vai plantando; o cereal comestível é a busca permanente de todos. Daqui a pouco o mercado brasileiro não será mais competitivo e ficará ao deus-dará. Corre o risco de exportar apenas matéria-prima, porque, com juros altos, mão-de-obra tecnicamente de má-formação (embora melhorada) e o ônus fiscal tributário, previdenciário e da CLT, vai ser difícil enfrentar a crise previsível na competição mundial. O nosso sistema ferroviário remonta ao pós-Império. A República pouco fez, salvo entregar aos ingleses a exploração das vias férreas precariamente instaladas. Após a Segunda Guerra Mundial, quase nada foi feito, além da redução da malha com a extinção de ramais. E aí paramos nos poucos trilhos que nos restam. A maioria dos brasileiros nunca viu trem. Washington Luiz presidente dizia que governar é abrir estradas. Política que JK seguiu no seu binômio. Enquanto o mundo ampliava o sistema ferroviário, inclusive com os TGV, o Brasil passou a andar sobre rodas, gastando gasolina. Ignorou as ferrovias. A Norte-Sul, essencial, ainda está lá pelo Maranhão. Se temos que gastar meio trilhão de dólares para viabilizar suporte estratégico ao progresso nacional, vê-se que, aumentando-se o PIB 2,5% ao ano, só com a ajuda da engenharia divina poderemos enxergar um futuro risonho. Carecemos de um grande salto para o futuro e não há de ser com esse programa PPP (Parceira Público-Privada), que tanto se defende, que vamos alcançá-lo. Isso vai acabar no loteamento do Tesouro Nacional, porque o empresário que se associar ao governo, na hora em que verificar que os seus lucros vão minguar, vai arrepiar carreira e deixar o ônus nas mãos da viúva. Melhor será o governo abrir oportunidades diretas nas programações como se fez com a exploração das estradas. Cria-se o projeto e entrega-se, mediante licitação, a quem quiser investir, sem fazer o loteamento do Tesouro, como vai acontecer com a PPP. Quem viver verá que isso será pior que as privatizações, que tiraram do país parte do seu patrimônio sem a menor rentabilidade. Precisamos, outrossim, partir para programas sociais mais consistentes. O Bolsa Escola, sem fiscalização, é uma dilapidação do patrimônio público, porque é dinheiro sem rentabilidade. Melhor é financiar programas de emprego do que distribuir esmolas. A falta de vigilância e de correta administração dos recursos consignados ao programa Bolsa Escola resulta em crianças fora das salas de aula, ignorantes hoje e no futuro. Essa visão assistencialista é programa para país subdesenvolvido, que apenas quer fazer teatro para o resto do mundo. A miséria, o analfabetismo e a fome exigem programas nacionais mais eficazes e originais.