Revista de Administração Nobel, Nº 03, p. 21-32, jan./jun.2004 Marketing Verde: Estratégias para produtos ambientalmente corretos GALILEU LIMONTA MAIA (CESPAR/Nobel) 1 FRANCISCO GIOVANNI DAVID VIEIRA (UEM) 2 RESUMO O artigo tem a intenção de apresentar o marketing verde como ferramenta que pode levar à diferenciação das organizações em ambientes altamente competitivos, através da obtenção de vantagens sobre os concorrentes. Trata-se de um ensaio teórico-empírico, onde busca-se assinalar as estratégias utilizadas por um pequeno grupo de empresas, desde o planejamento e desenvolvimento de novos produtos até o seu descarte, passando pela sua produção e consumo. Dentre as empresas investigadas, observa-se uma preocupação de conservação ambiental que vai além das exigências governamentais, envolvendo parceria e certificação de fornecedores, bem como a educação ambiental para alunos do ensino fundamental. Considera-se, ao final, que mesmo com a maior parte da população brasileira possuindo uma renda per capita pequena, e ainda com pouca sensibilidade às questões ambientais, existem nichos de mercados, que, com melhor renda e melhor acesso à informação, podem valorizar ações de preservação ambiental, tornando-se segmentos promissores. Palavras-chave: Marketing verde. Produtos ecológicos. Vantagem competitiva. 1 Mestre em Engenharia de Produção pela UFSC, membro do GIPEM - Grupo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos em Marketing, UEM/Nobel/UFLA/CNPq – [email protected] 2 Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, membro do GIPEM - Grupo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos em Marketing, UEM/Nobel/UFLA/CNPq – [email protected] Revista de Administração Nobel 22 INTRODUÇÃO As questões ambientais estão cada vez mais presentes no dia a dia dos consumidores, seja pela inserção do ensino ambiental nas escolas, seja através da mídia, em que organizações não governamentais, setores da administração pública e diversos setores da sociedade civil organizada pregam o consumo responsável e a preservação do meio ambiente. Desde a Eco RIO 92, evento mundial organizado pela ONU no Rio de Janeiro para o debate e realização de acordos em torno da questão ambiental, que o meio ambiente e os diferentes aspectos ecológicos da atividade empresarial ganharam destaque e passaram a ser motivo de investigação e medidas administrativas.0 Observa-se que, em países desenvolvidos, comparativamente com aqueles menos desenvolvidos, há uma maior valorização dos produtos ecologicamente corretos. Os países desenvolvidos, pelo próprio fato de terem se industrializado bem antes e por possuírem sociedades mais organizadas do ponto de vista institucional, perceberam a existência de espaço e viabilidade mercadológica para produtos ecologicamente corretos. Não obstante, as organizações que operam em países menos desenvolvidos também têm voltado suas atenções para o trabalho com produtos ecologicamente corretos. Tais organizações perceberam que nesses países existem nichos de mercados nos quais a utilização de estratégias de marketing verde pode tornar-se um diferencial competitivo. Por outro lado, tem sido evidenciado que as organizações não são responsáveis apenas pela realização de negócios, mas também são responsáveis pela sociedade e pelo meio ambiente. Nesse contexto, as organizações não estão isoladas e fazem parte de uma rede, de modo que suas ações trazem implicações para os outros e para elas mesmas. Há, assim, a noção de que as organizações são socialmente responsáveis pelos desdobramentos de suas ações no mundo dos negócios. Isso implica em uma visão holística que envolve organizações, mercado, sociedade e meio ambiente. Este artigo, cuja versão preliminar foi apresentada no último CONBRADCongresso Brasileiro de Administração -, parte desse contexto de análise e procura apresentar algumas estratégias adotadas pelas organizações para fazer face à questão ambiental. O enfoque do artigo está voltado, de modo particular, para as estratégias de marketing verde utilizadas por um grupo de organizações, como forma de levá-las não só a sobreviverem, mas também a crescerem em mercados altamente competitivos, adquirindo vantagens diferenciais perante seus concorrentes. Inicialmente, aborda-se a evolução das filosofias mercadológicas até chegar-se ao conceito de marketing verde. Em seguida, são apresentadas estratégias de marketing verde utilizadas pelas organizações, desde o planejamento e desenvolvimento de novos produtos ambientalmente corretos até o seu descarte no meio ambiente. Logo após, são apresentadas as considerações finais do trabalho. DAS DIFERENTES CONCEPÇÕES ATÉ O MARKETING VERDE Para se entender o conceito de marketing verde ou marketing ambiental, torna-se necessário o conhecimento da evolução das filosofias de administração de marketing. Ressalta-se que esse não é um modelo único para todos os mercados, pois diferentes mercados vivem realidades e influências ambientais diferentes. De modo geral, Revista de Administração Nobel 23 entretanto, essa evolução apresenta o papel da concorrência no processo de entrega de produtos/serviços de valor ao cliente. Kotler e Armstrong (1998) apresentam inicialmente o conceito de produção no qual os consumidores estão sensíveis a produtos baratos. Sendo assim, as empresas deveriam procurar melhorias constantes no processo produtivo para baratear seus produtos. Com o desenvolvimento da concorrência, surge o conceito de produção, em que, ainda segundo Kotler e Armstrong (1998), as organizações passam a diferenciar seus produtos/serviços através de aspectos inovadores, com melhor qualidade e desempenho frente aos seus concorrentes. Já Churchill e Peter (2000) apresentam uma terceira filosofia de administração de marketing, ou seja, a orientação para vendas aplicada a ambientes em que a concorrência é acirrada, sendo a oferta maior que a demanda pelo produto. Assim, torna-se necessário um grande esforço em vendas, ou seja, vendedores capacitados e constantes promoções ao consumidor. Kotler (2000) apresenta a quarta filosofia, ou seja, a orientação para o Marketing, em que a empresa deve ser mais eficaz que a concorrência na criação, comunicação e entrega de valor ao cliente. Busca-se entender quais são as necessidades e desejos dos consumidores-alvo, para, em seguida, elaborar produtos/serviços que realmente venham a atendê-las. Mas, atualmente, devido à intensa concorrência em determinados mercados, apenas a orientação para o marketing não é garantia de sucesso. Nickels e Wood (1999) afirmam que é necessário criar relacionamento com o cliente. Assim, surge o Marketing de Relacionamento, que busca estabelecer relacionamentos duradouros com os vários clientes da organização. Kotler (2000) comenta que, em época na qual a deterioração do meio ambiente, a escassez de recursos naturais, a fome e a miséria são presentes, não basta atender as necessidades e desejos dos clientes; torna-se necessário também respeitar e preservar o ambiente no qual o consumidor está inserido. Assim, surge a orientação de marketing societal. Kotler (2000) afirma, ainda, que o marketing societal preocupa-se com questões ambientais e sociais, como apoio a entidades beneficentes, arrecadação de fundos para causas sociais e também com a preservação do meio ambiente. Nessa perspectiva, Churchill e Peter (2000, p. 44) assinalam que marketing verde consiste em “atividades de marketing destinadas a minimizar os efeitos negativos sobre o ambiente físico ou melhorar a sua qualidade”. De modo complementar, Peattie (1995, p. 15) define marketing verde como “(…) um processo administrativo holístico responsável por identificar, antecipar e satisfazer as exigências dos consumidores e da sociedade, de uma forma lucrativa e sustentável”. O Marketing verde, ou ambiental, surge, então, como ferramenta de apoio e monitoramento, desde o processo de desenvolvimento, produção, entrega, até o descarte do produto, buscando atender as necessidades e desejos dos consumidores e apresentando aos seus vários públicos a busca pelo lucro com responsabilidade ambiental. Trata-se, portanto, de uma nova orientação, conforme pode ser observada através da Figura 1, logo abaixo. Revista de Administração Nobel 24 Figura 1 – Nova orientação para o marketing verde Fonte: SHETH e PARVATIYAR (1995) Diante do exposto até o momento, percebe-se que o marketing verde pode colaborar de modo fundamental no processo de desenvolvimento de produtos ambientalmente corretos. A próxima seção busca apresentar exemplos de organizações nacionais e internacionais que fazem uso dessa prática. CRIANDO E DESENVOLVENDO PRODUTOS AMBIENTALMENTE CORRETOS Para Smith, Roy e Potter (1996), as empresas podem desenvolver produtos considerados verdes para aumentarem sua participação de mercado ou para ingressarem em novos mercados, o que representa uma postura empresarial proativa. Por outro lado, obviamente, e com uma posição contrária, as empresas podem apenas assumir uma postura reativa às pressões da legislação e dos consumidores. Essa é uma possibilidade sempre presente, porém significativamente menos promissora. De modo complementar, Kärnä, Hansen e Juslin (2003) interpretam que uma postura empresarial proativa em relação ao meio ambiente representa muito mais uma Nova orientação de marketing Atual orientação de marketing Marketing sustentável Marketing convencional Revista de Administração Nobel 25 busca por competitividade do que uma posição de bom relacionamento com comunidades e consumidores. Sob esse aspecto, valores ambientais, estratégias de marketing verde, bem como estrutura e funções empresariais estão logicamente interligados dentro de um processo maior de planejamento (Figura 2). Figura 2 – Valores e planejamento de marketing verde Fonte: KÄRNA, HANSEN e JUSLIN (2003) Churchill e Peter (2000, p. 262) afirmam que “as organizações precisam desenvolver novos produtos para sobreviver e prosperar”. A grande competição mundial pode levar a empresas que não inovarem a perderam mercado para as organizações inovadoras. Por sua vez, Kotler (2000) pondera que, ao mesmo tempo em que inovar é VALORES DE MARKETING VERDE � Dimensões de responsabilidade social Planejamento de Marketing Verde ESTRATÉGIAS � Produtos � Consumidores � Vantagem competitiva ESTRUTURAS � Sistemas de administração � Processos organizacionais � Sistema de informação FUNÇÕES � Comunicação e propaganda � Logística e distribuição � Precificação Revista de Administração Nobel 26 preciso, o desenvolvimento de um novo produto tornou-se um negócio arriscado. Tanto é que, segundo dados presentes no texto do próprio Kotler (2000), 80% dos novos lançamentos fracassam num curto espaço de tempo. São muitas as discussões em torno das razões para um elevado índice de fracassos. Kotler (2000), por exemplo, sustenta que um dos diferentes motivos para que esse índice seja alto é o fato dos novos produtos se depararem com restrições sociais e governamentais. Em outras palavras, isso significa que os novos produtos devem atender aos requisitos ambientais e de segurança. Devem, portanto, conter um planejamento que em algum momento envolva uma concepção ou, no mínimo, aspectos relacionados ao marketing verde. A esse propósito, a Sony e o seu projeto Gestão Verde 2005 são apresentados por Holliday, Schimidheiny e Watts (2002) como exemplo de empresa preocupada com a preservação ambiental, desde o processo de desenvolvimento de novos produtos. O projeto busca motivar a mudança e inovação dentro do grupo Sony, em que os colaboradores são incentivados a incorporar perspectivas ambientais em seu trabalho, iniciando pela área de planejamento e desenvolvimento de novos produtos. Como algumas metas da Gestão Verde 2005, pode-se citar a busca por embalagens mais sensíveis ao meio ambiente, utilizando-se também de material reciclado, reduzir em 20% o peso do produto ou a quantidade de componentes, aumentar o uso de material reciclado na fabricação e reduzir em 30% a geração total de resíduos. Como forma de capacitar os funcionários para a tarefa, a empresa partiu para a educação da equipe de colaboradores através da realização de seminários gerenciais sobre meio ambiente, focando assuntos como desenvolvimento e projeto de produtos. No Brasil destaca-se a empresa Natura, com sua nova linha de produtos Natura Ekos. Desde o nome sugestivo para o produto, em termos de ecologia, a empresa busca comprar matérias-primas vegetais e óleos naturais, extraídos de modo a não prejudicar o meio ambiente, mantendo o ecossistema vivo. Segundo a empresa (www.naturaekos.com.br), as fórmulas são totalmente biodegradáveis, decompondo-se em até 28 dias. A embalagem prevê a utilização de papel e resinas plásticas recicláveis. Um outro aspecto, que cabe ressaltar na experiência desenvolvida pela Natura, diz respeito ao programa de certificação de ativos que está em sua primeira fase. Esse programa busca certificar ambientalmente os fornecedores da empresa, expedindo no final um certificado de manejo florestal sustentável. Nesse sentido, a Natura já investiu onze milhões de reais em pesquisa, desenvolvimento e esforços de marketing para lançar a nova linha. Tais ações caracterizam-se de forma bastante próxima a uma atuação empresarial em rede. De acordo com Wasik (1997), o padrão de organização social é um padrão que é estabelecido em rede, ainda que isso não seja claramente percebido em alguns momentos quando as empresas estão em plena ação no mercado. Com efeito, isso significa que a ação de uma empresa reflete diretamente em outras esferas e situações, fato que pode ser ilustrado pela ação da Natura quando procura classificar e certificar seus parceiros fornecedores. Por outro lado, essa ação tem também o sentido de preservar a imagem da empresa, pois quando se trata de ação em rede, as ações e imagem de uma empresa podem ser refletidas nas ações e imagens de outras empresas. Revista de Administração Nobel 27 PRODUZINDO PRODUTOS AMBIENTALMENTE CORRETOS O marketing verde também se preocupa com o processo produtivo e os rejeitos desse processo. Uma empresa que libera resíduos tóxicos que agridem o meio ambiente estará não só prejudicando as comunidades próximas, como também desgastando sua imagem perante seus clientes. E conforme lembra Wasik (1997), além das empresas serem responsáveis pela venda, são também responsáveis pela produção dos produtos. Churchill e Peter (2000, p. 45) destacam que vários estudos mostram números relevantes sobre a vinculação da decisão de compra com impacto ambiental. Tais autores apontam, por exemplo, que 93% dos adultos consideram que o impacto ambiental causado por um produto é um fator importante para eles ao tomarem decisões de compras. Por outro lado, mencionam que dois terços dos adultos têm uma expectativa de que produtos não-prejudiciais ao ambiente não custem mais que os seus concorrentes. Considerações como essas que são feitas por consumidores norte-americanos, apontadas por Churchill e Peter (2000) já há algum tempo, vêm encontrando correspondência no mercado brasileiro. Isso é fruto de uma maior conscientização que, segundo Vieira (2001), está relacionada à elevação da renda de parte dos consumidores brasileiros, aumento do grau de instrução da população, leis de proteção ambiental e ao consumidor, e ainda à crescente percepção de deterioração do meio ambiente no Brasil. Assim, além das punições pela agressão ao meio ambiente aplicadas pelos órgãos governamentais, as empresas poderão ser punidas pelos próprios consumidores, os quais podem deixar de consumir os seus produtos. Estudo desenvolvido por Motta e Rossi (2003) mostra que o fator ecológico está começando a estar presente em decisões de compra no Brasil. Como exemplo de empresa preocupada com o destino dos rejeitos do processo produtivo dos seus produtos, pode-se citar a indústria Docol Metais Sanitários. Toda a água utilizada no seu processo produtivo passa por uma estação de tratamento de efluentes que, segundo a empresa (www.docol.com.br), é devolvida ao meio ambiente com a mesma pureza que foi retirada. Para tanto, a empresa investiu em 1996 mais de quatro milhões e quinhentos mil dólares. Como complemento, a Docol ainda possui uma estação de tratamento de efluentes sanitários. Tais ações levaram ao reconhecimento de outras organizações através da outorga do prêmio Fritz Muller no ano de 2002, concedido pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina. Outros prêmios também lhe foram atribuídos, como Ação Verde, Expressão Ecológica e Água e Cidade. No conjunto, essas premiações expressam um bom relacionamento da empresa para com seus vários públicos, o qual é indicado por Robbins (2000) como fundamental para o desenvolvimento das organizações. VANTAGEM COMPETITIVA ATRAVÉS DE BENEFÍCIOS AMBIENTAIS Segundo Boone e Kurtz (1998, p. 250), “produto é um agregado de atributos físicos, simbólicos e de serviço, concebidos para aumentar a satisfação desejada pelo consumidor”. Já para Nickels e Wood (1998, p. 162), “produto é um bem, um serviço ou uma idéia que um consumidor adquire através de uma troca de marketing para satisfazer uma necessidade ou um desejo”. Esses últimos autores afirmam, ainda, que os Revista de Administração Nobel 28 consumidores valorizam os benefícios dos produtos e não suas características. Pode-se apresentar como diferença entre característica e benefícios o seguinte exemplo: quando o consumidor adquire um sabão em pó com amaciante, ele adquire um produto que possui como característica conter amaciante, e como benefício as roupas macias decorrentes do uso do produto. Levitt (1991) desenvolveu a compreensão e a especificação mercadológica de que os produtos envolvem três níveis. O primeiro nível, que corresponde ao produto básico, e que é o mínimo que o consumidor obtém pela aquisição de um produto ou serviço; o segundo nível que diz respeito ao produto real e refere-se as suas características, à qualidade, ao design, à marca e à embalagem; e, por fim, o terceiro nível, que concerne ao produto ampliado, o qual implica na oferta de benefícios adicionais ao comprador, em que muitas vezes a empresa consegue diferenciar-se do concorrente, podendo levar a uma vantagem competitiva. O caso da empresa Deca S. A. pode ser apresentado como forma de oferecer produtos com benefícios ampliados ao consumidor através da conservação do meio ambiente. A empresa atua no mercado nacional produzindo e comercializando metais sanitários, torneiras, registros, duchas e válvulas de descarga, entre outros. Segundo a empresa (www.deca.com.br), que toma como base alguns dados do World Resources Institute, considerando a água total disponível no planeta, 97,50% estão nos oceanos, 2,493% são água doce de difícil acesso e apenas 0,007% são fontes de água doce acessíveis. Desses 0,007%, são destinados 70% para agricultura, outros 22% vão para indústria, e somente os 8% que restam são destinados para o consumo individual. Sendo assim, a empresa trabalha para que seus produtos tenham decisiva participação na preservação desta riqueza fundamental para a sobrevivência da humanidade. Conforme a Deca S. A. procura destacar, através de pesquisa realizada pela USP (Universidade de São Paulo), que os principais pontos de consumo de água na residência são a bacia sanitária, com 29%, seguida pelo chuveiro, com 28%, e a pia da cozinha, com 17%. Tomando com base esses dados, a empresa passou a oferecer produtos que possibilitassem, além do controle sobre a saída da água, também uma economia no seu consumo, através de produtos adequadamente projetados. Comparando-se a utilização de um chuveiro comum com um chuveiro com restritor de vazão, pode-se chegar, segundo a empresa, a uma economia de 30%. Para o produto misturador de cozinha comum, comparando-se com o produto misturador de cozinha com arejador de vazão constante, pode-se chegar a uma economia de 70%. E para a torneira de lavatório comum (pia do banheiro), comparando-se com a torneira Decamatic, a economia é de aproximadamente 60%. Assim, através da utilização desses produtos, o consumidor obtém um ganho financeiro e também colabora para a preservação da água no planeta. Tais produtos, portanto, caracterizam-se como uma espécie de vantagem competitiva da empresa em relação aos seus concorrentes, ao mesmo tempo em que se constituem em claros benefícios ambientais. MARKETING VERDE E O DESCARTE DO PRODUTO Para Engel, Blackwell e Minard (2000), o problema de descarte do produto depois do consumo sempre existiu, mas agora torna-se crítico a partir do aumento das preocupações ambientais por parte dos consumidores. Engel, Blackwell e Minard (2000, Revista de Administração Nobel 29 p. 184) dividem a possibilidade de descarte em três categorias: descarte direto, reciclagem e remarketing. O descarte direto, mais comum, ocorre quando o produto ou as sobras deste são simplesmente abandonadas na natureza, indo parar nos lixões ou aterros sanitários. A reciclagem ocorre quando os produtos ou parte deles são reutilizados ou reaproveitados em um novo processo produtivo, aumentando sua vida útil e reduzindo a extração de produtos naturais e o remarketing que ocorre na forma de venda de produtos usados, tais como roupas e carros, entre outros. A reciclagem tem obtido cada vez mais adesão entre as empresas e os consumidores e tem sido bastante estimulada pela mídia através de campanhas vinculadas à educação ambiental. Desde produtos simples, como plástico, papel e papelão, até produtos mais complexos, como automóveis, várias têm sido as experiências. Um exemplo de reciclagem mais complexa e com maiores valores envolvidos pode ser observado em Churchill e Peter (2000), quando mencionam o caso do Volvo S-40, de fabricação holandesa, que é 90% reciclável e projetado para fácil desmontagem e separação das peças. No Brasil, pode-se citar o caso da empresa Tetra Pak como exemplo de empresa preocupada com a reciclagem do seu produto. Essa empresa atua em dois ramos de negócios: os sistemas de processamentos e as embalagens cartonadas. As embalagens cartonadas são utilizadas para acondicionar alimentos, como o leite, que pode permanecer fora da geladeira antes de aberto por até 180 dias. A embalagem longa vida é formada por três camadas, sendo 75% de papel, 20% de plástico e 5% de alumínio. Até pouco tempo atrás, tinha-se a impressão de que as embalagens longa vida não poderiam ser recicladas. Desta forma, elas se transformavam em um problema para a empresa, particularmente junto aos consumidores com consciência ambiental que poderiam deixar de consumir produtos com esse tipo de embalagem, o que levaria os clientes da Tetra Pak a mudarem de fornecedor. Diante dessa possibilidade, a empresa desenvolveu algumas ações para garantir a sobrevivência e o sucesso da organização, centrado substancialmente na embalagem por ela produzida. Segundo informações da empresa (www.tetrapak.com.br), buscou-se, inicialmente, incorporar a conservação do meio ambiente como parte do próprio negócio da empresa. O processo de extração de matérias-prima também foi considerado no que se refere a uma atuação ambientalmente correta. Adicionalmente, a empresa procurou obter a certificação NBR ISO 14001 e desenvolveu planos de ações ambientais, coleta seletiva e educação ambiental. Uma outra vertente de ação da empresa concerniu ao trabalho em parceria com empresas recicladoras de papel, aumentando a transferência de tecnologias para reciclagem e criando um mercado para as embalagens longa vida pós-consumo, posto que, com a fibra de papel, pode-se produzir papelão ondulado, bandejas de ovos, palmilhas de sapato e papel higiênico, entre outros. Dentro da mesma perspectiva, o plástico e o alumínio podem ser vendidos para empresas de processamento de plástico, para que, após um processo de secagem, trituração, extrusão e injeção, sejam produzidos cabides, réguas, canetas e pé de geladeira, entre outros possíveis produtos. Por outro lado, no que tange à educação ambiental, a empresa possui o projeto “Cultura Ambiental em Escolas”. Trata-se de levar informações sobre o gerenciamento integrado do lixo urbano, coleta seletiva, reciclagem e ciclo de vida dos materiais. No Revista de Administração Nobel 30 ano de 1998, a empresa conseguiu envolver mais de 1 milhão de alunos do primeiro grau nesse projeto. Dessa forma, e tendo em vista o conjunto de suas ações em diferentes frentes, a empresa não só busca assinalar para o consumidor a sua preocupação com o meio ambiente, como também procura mostrar que seus produtos podem ser reciclados de forma a não agredir o meio ambiente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma primeira consideração que deve ser feita, ao final desse artigo, é a de que quando os administradores de marketing desenvolvem suas atividades e estabelecem a relação de suas empresas com o mercado, essa relação se dá ou é construída dentro de um contexto social. Conforme ressaltam Kärnä, Hansen e Juslin (2003), essa é uma consideração imperativa em direção ao entendimento do papel das organizações na sociedade contemporânea, e que, naturalmente, remete a algumas indagações, do tipo: qual é o contexto atual? Para o que ele aponta? Que tipos de questões têm desafiado as empresas nos últimos anos? A quê elas precisam oferecer respostas? Certamente não existem respostas fáceis para essas indagações. Não obstante, cada vez mais configura-se uma situação em que estão presentes, e de modo complementar, as noções de responsabilidade social e ambiental. As discussões apresentadas nas seções anteriores mostram o caráter integrado de responsabilidade social e ambiental, ao mesmo tempo em que mostram a necessidade das organizações utilizarem estratégias de marketing verde em todas as etapas de entrega de valor ao cliente; ou seja, desde a concepção, criação e desenvolvimento do produto até o seu descarte. É preciso destacar, todavia, a existência de limites e que são grandes os desafios em torno do marketing verde, bem como são longos os caminhos que ainda devem ser trilhados em busca de sua consolidação como concepção e, sobretudo, como prática empresarial. Como apontam Smith, Roy e Potter (1996), algumas questões permanecem no universo empresarial como, por exemplo, a discussão sobre o sucesso mercadológico do produto considerado verde e o questionamento sobre sua lucratividade. De acordo com Smith, Roy e Potter (1996), os produtos ambientalmente corretos só se tornarão um sucesso de mercado se eles forem pelo menos compatíveis com os produtos concorrentes ou se forem superiores naquilo que entregam aos consumidores e, por outro lado, embora as margens de lucros de produtos ambientalmente corretos tendam a ser similares àquelas encontradas nos produtos convencionais, o período de retorno (payback) do investimento realizado nos mesmos tende a ser maior em função dos maiores custos para desenvolvê-los. Trata-se, assim, de um balanço entre pontos que são bastante positivos e pontos que representam alguns limites que precisam ser vencidos não só pelas ações de marketing verde, mas também pelo planejamento administrativo integrado. No Brasil, ainda devido à baixa renda per capita de grande parte da população, uma parcela significativa dos consumidores ainda é pouco sensível aos apelos ecológicos dos produtos. Esse quadro, contudo, está em processo de modificação rápida devido à divulgação mais freqüente de apelos ambientais e programas de educação ambiental por parte de diferentes organizações e mesmo órgãos de mídia. Nesse sentido, não se pode deixar de atentar para um nicho de mercado com possibilidades reais de Revista de Administração Nobel 31 crescimento, possuindo consumidores com renda e instrução suficientes para valorizar o marketing verde e os produtos ambientalmente corretos. Empresas, portanto, que possuem visão de longo prazo, tomam uma dupla medida: além de atenderem as regulamentações governamentais sobre a questão ambiental, incluem o meio ambiente na sua filosofia empresarial e o adotam como questão estratégica para sobrevivência dos seus negócios. Desse modo, considera-se que o marketing verde surge como uma ferramenta para auxiliar as organizações no processo de entrega de valor aos seus clientes com garantia de preservação ambiental. ______________ REFERÊNCIAS ANDRADE, R. O. B.; TACHIZAWA, T.; CARVALHO, A. B. Gestão ambiental: enfoque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Pearson Education. 2003. BOONE, L. E.; KURTZ, D. L. Marketing contemporâneo. Rio de Janeiro: LTC. 1998. CHURCHILL Jr, G. A; PETER, J. P. Marketing: criando valor para o cliente. São Paulo: Saraiva, 2000. CORREA, L. B. C. G. Comércio e meio ambiente: atuação diplomática brasileira em relação ao selo verde. Brasília: Instituto Rio Branco, 1998. ENGEL, J. F.; BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W. Comportamento do consumidor. 8. ed., Rio de Janeiro: LTC. 2000. HOLLIDAY Jr, C. O.; SCHMIDHEINY, S.; WATTS, P. Cumprindo o prometido: casos de sucesso de desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Campus, 2002. GURGEL, F. C. A. 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