Jornal “O Público” 02-10-14 Economia e Psicologia: os prémio Nobel 2002 Paulo Trigo Pereira, * Há uns anos, o "Financial Times" e o "El País" fizeram um concurso com os seus leitores. Quem queria participar teria apenas que escolher um número entre 0 e 100, ganhando um prémio aquele que escolhesse o número mais perto de dois terços da média dos números seleccionados. Ou seja, se a média dos números entrados fosse 50, ganharia o concurso aquele que tivesse escolhido 33,3 ou mais perto disso. Nesta situação, que número escolheria? Em primeiro lugar, note-se que seria irracional escolher um número superior a 66,6 (2/3 de 100). Depois, se eu pensar que a maioria dos indivíduos escolherá 50, devo apostar no 33,3. Mas se todos pensarem assim então a média será 33,3 e valerá a pena apostar no 22,2. E assim sucessivamente, até chegarmos a zero! É óbvio que a maioria dos leitores desses jornais não escolheu zero, embora zero fosse o equilíbrio de Nash deste jogo, ou seja, o valor que se prevê que os indivíduos deveriam escolher se fossem ilimitadamente racionais e se pensassem que os outros também o eram. Suponha agora que participa noutro jogo. Tem uma nota de 100 euros e deve decidir, desse dinheiro, quanto vai dar a outro indivíduo que você não conhece e que está numa sala ao lado e que nunca irá voltar a ver. O indivíduo que recebe, só tem duas opções, ou aceita o dinheiro ou não aceita, e nesse caso nem ele nem você recebem um cêntimo. Pare um pouco e pense quanto daria.... Se ambos os indivíduos forem racionais e egoístas, o que esperamos que aconteça é que você vai dar uma importância muito pequena ao outro indivíduo e ele aceitará. Na realidade, as experiências laboratoriais, mostram o contrário, tipicamente as pessoas oferecem entre 20 e 40 por cento do que têm. Estas são apenas duas de milhares de experiências que se realizam hoje um pouco por todo o mundo, dos Estados Unidos ao Japão, da Rússia a África, passando obviamente pela Europa, envolvendo centenas de milhares de pessoas, sobretudo estudantes universitários, mas não só. Realizam-se pagamentos reais, em que aquilo que as pessoas recebem depende das escolhas individuais. Qual o interesse destas experiências? Que relevância poderão ter? A economia é uma ciência que pretende fazer previsões e que para isso utiliza certos postulados acerca do comportamento humano. Embora Adam Smith tenha escrito um livro esquecido, a "Teoria dos Sentimentos Morais", foi outro livro seu, "A Riqueza das Nações", que fundou a ciência económica moderna e que avançou com o modelo de comportamento humano num contexto mercantil, o "homo oeconomicus", o indivíduo racional, egoísta, que pretende maximizar o seu bem-estar pessoal. Este modelo tem na realidade grande capacidade explicativa e as primeiras experiências realizadas, e publicadas como artigos científicos, são ilustrativas disso. Na área da economia industrial, Edward Chamberlin (1948) estudou as características de mercados "puramente" competitivos, Reinhard Selten (1959) estudou, através de experiências, mercados com três competidores, concluindo que a previsão da teoria económica (equilíbrio de Cournot) é uma boa previsão para mercados oligopolistas. Finalmente, um dos dois laureados com o Nobel da Economia 2003, Vernon Smith (1962), conseguiu replicar a lei da oferta e da procura em mercados competitivos. Smith, à semelhança de Cristóvão Colombo, não foi o primeiro a realizar experiências, mas foi o último a perceber que certos protocolos devem ser respeitados para se poderem realizar experiências em economia de forma controlada e de modo a os seus resultados terem validade científica. Isto abriu um leque imenso de aplicações experimentais para a economia. Desde a coisa mais simples que é a tomada de decisão individual e o estudo da racionalidade limitada, até situações de interacção entre agentes na presença de bens públicos (quem contribui, quanto e porquê?), análise de situações de negociação e regateio, estrutura de mercados e o desenho e desempenho de diferentes tipos de leilões (inglês, holandês, melhor oferta, segunda melhor oferta). Ainda recentemente, experimentalistas foram consultados (o próprio Vernon Smith) sobre a melhor forma de organizar mercados de energia, ou desenhar um leilão em processos de privatizações ou de venda de licenças de telemóveis. É claro que o desenho de uma experiência é um processo moroso, muito detalhado e em que tudo tem que ser estudado ao ínfimo pormenor. Mesmo as palavras utilizadas nas instruções aos participantes devem ser escolhidas cuidadosamente, para não induzir certo tipo de comportamentos. É aqui que entra a psicologia e Daniel Kahneman, o outro laureado com o Nobel, do departamento de Psicologia da Universidade de Princeton. Tem-se tornado claro nas últimas décadas, e os jogos acima descritos confirmam-no, que o modelo de comportamento humano usado pelos economistas é válido para certas situações, mas não para outras. Emoções, considerações de justiça e equidade relativa, percepções, a memória de eventos passados, tudo isso deve ser considerado. A psicologia está de parabéns, ganhou o seu primeiro prémio Nobel!