RESUMO DE DIREITO COMERCIAL I RESUMO DE DIREITO COMERCIAL Vol. I – DA SOCIEDADE LIMITADA 1. História e conceito de sociedade limitada Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “A sociedade limitada-anteriormente chamada sociedade por quotas de responsabilidade limitada - tem uma história pequena e pobre. Sua criação é, em relação às demais sociedades, recente, e decorre da iniciativa de parlamentares, para atender ao interesse de pequenos e médios empreendedores, que queriam beneficiar-se, na exploração de atividade econômica, da limitação da responsabilidade típica das anônimas, mas sem atender às complexas formalidades destas, nem se sujeitar à prévia autorização governamental. Registra-se que as primeiras tentativas de albergar esse interesse traduziram-se em regras de simplificação das sociedades por ações. Na Inglaterra, a limited by shares, referida no Companies Act de 1862, e, na França, a société à responsabilité limitée, de 1863, mais que tipos novos de sociedade, são exemplos de um verdadeiro subtipo da anônima, ajustado a empreendimentos que não reclamam elevadas somas de recursos. No Brasil, o projeto do Ministro da Justiça Nabuco de Araújo, de 1865, tentou criar essa sociedade por ações simplificada, sob o nome de sociedade de responsabilidade limitada, mas a propositura não recebeu o apoio do Conselho de Estado, e foi rejeitada, em 1867, pelo imperador D. Pedro II.” Como um tipo próprio de organização societária, a sociedade limitada surge na Alemanha no final do século XIX a partir de iniciativa parlamentar. A “Gusellschaft mit beschränkter Haftung” corresponde aos anseios do médio empresariado de tal forma, que acaba inspirando o direito de vários outros países, inclusive o Brasil, que a adota em 1919. O Prof. Haroldo Verçosa, parafraseando Jorge Manuel Coutinho de Abreu, conceitua sociedade como sendo “a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um patrimônio autônomo para o exercício de atividade econômica que não é de mera fruição, a fim de (em regra) obter lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas”. Para Luiz Tzirulnik, “A sociedade limitada é a sociedade em que os direitos, as obrigações e as responsabilidades de cada participante (sócio) são predeterminados, de acordo com a efetiva contribuição e atuação com que este sócio pode fazer parte da finalidade comum do grupo”. Fran Martins conceitua a sociedade limitada como a sociedade “que é formada por duas ou mais pessoas, assumindo todas, de forma subsidiária, responsabilidade solidária pelo total do capital social”. No Código Civil Brasileiro de 2002, a sociedade limitada é juridicamente regulamentada pelos artigos 1.052 a 1.089. Nos casos de omissão destes dispositivos legais, a sociedade limitada será regulamentada pelas mesmas normas que regem a sociedade simples (art. 1.053, CC). 2. Formação da sociedade limitada Como é sabido, a sociedade é um contrato que, levado a registro no órgão competente adquire personalidade jurídica. A sociedade limitada se constitui através do contrato social. Este contrato deverá conter, obrigatoriamente, além das cláusulas específicas estipuladas pelas partes que o produzem, as seguintes informações essenciais, contidas no art.997 do CC: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas. II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade. III – capital da Sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária. IV – a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la. V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços. VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições. VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas. VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações naturais. É importante ressaltar que para ser válido, o contrato social da sociedade limitada deve, primeiramente, obedecer aos requisitos gerais de validade de qualquer ato jurídico, definidos, no nosso ordenamento jurídico, pelo art.104 do CC: I – agente capaz. II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável. III – forma prescrita ou não defesa em lei. Fábio Ulhoa Coelho menciona que “além dos requisitos gerais de validade de qualquer ato jurídico, para ser inteiramente válido, o contrato social de limitada deve preencher também dois outros, que decorrem de sua natureza particular”. São eles: A contribuição dos Sócios e a distribuição dos lucros. O primeiro diz que todos os sócios devem contribuir para a formação da sociedade, e o segundo que todos participem dos resultados sociais. Além dos requisitos de validade do contrato social descritos acima, para que a sociedade exista é necessário que ela atenda a dois pressupostos: a) a pluralidade dos sócios; b) a affectio societatis. O primeiro pressuposto diz que no Brasil, a sociedade limitada só será reconhecida se for formada por pelo menos duas pessoas (físicas ou jurídicas), pois não se admite a hipótese de uma sociedade limitada originariamente unipessoal. A affectio societatis diz respeito à disposição dos sócios em formar e manter a sociedade uns com os outros. A partir do momento que não existir ou desaparecer esse ânimo, a sociedade não se constitui ou deve ser dissolvida. Caso esses dois pressupostos de existência não sejam atendidos, não se forma o contrato social. Após a formulação do contrato social, a sociedade deve requerer sua inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas de sua sede no prazo de 30 (trinta) dias da sua constituição (art. 998 CC). Ao requerimento de inscrição deverão ser anexados: o instrumento do contrato devidamente autenticado; em caso de sócios representados por procuradores, o instrumento de procuração devidamente autenticado; e, nos casos que assim o exijam, o instrumento da prova de autorização emitida por autoridade competente (art. 998, §1º CC). A inscrição será tomada em livro de registro próprio, e receberá um número de ordem, que é contínua e cronológica para todas as sociedades inscritas (art. 998, §2º CC). A sociedade que funciona sem o registro do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, ou antes dele, é considerada irregular. Por fim, os sócios tem o direito de mudar o contrato social, para isso é necessário a concordância do sócio ou sócios titulares de ¾ do capital social. Qualquer que seja a modificação realizada no teor do contrato, ela deverá ser averbada à inscrição original, cumprindo-se as formalidades legais. 3. Deveres e responsabilidades dos sócios O início das obrigações de cada sócio coincide com a data de realização do contrato que institui a sociedade, a menos que haja, neste mesmo contrato, cláusula que estipule outra data para que tais obrigações tenham início. Com a extinção das responsabilidades sociais decorrentes da dissolução e liquidação da sociedade, terminam as obrigações dos sócios para com a sociedade (art. 1.001, CC). Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “a principal obrigação que o sócio contrai ao assinar o contrato social é a de investir, na sociedade, determinados recursos, geralmente referidos em moeda”, ou seja, “cada contratante assume perante o outro, a obrigação de disponibilizar, de seu patrimônio, os recursos que considerar necessários ao negócio que vão explorar em parceria”. Outras obrigações dos sócios são em relação ao montante de recursos necessários à implantação da empresa e o momento em que esses recursos serão entregues. Os sócios devem tratar também da distribuição do capital entre eles, isto é, definir a quota do capital com que cada um se compromete. O professor Fábio Ulhoa Coelho divide a responsabilidade dos sócios em quatro modalidades: a responsabilidade limitada, a responsabilidade ilimitada, a responsabilidade por irregularidades e a responsabilidade subsidiária. 3.1. Responsabilidade limitada Os sócios respondem, na limitada, pelas obrigações sociais dentro de certo limite. O limite da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da limitada é o total do capital social subscrito e não integralizado, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052, CC). 3.2. Responsabilidade ilimitada De acordo com o professor Fábio Ulhoa Coelho, “a regra do direito societário é a da irresponsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Exceções há, contudo, em que os credores da sociedade podem saciar a sede creditícia no patrimônio social”. A responsabilidade ilimitada corresponde a uma dessas formas de exceções, ela relaciona-se à tutela dos credores que não dispõem, diante da autonomia patrimonial da sociedade limitada, de meios negociais para a preservação de seus interesses. São eles o credor fiscal, a Seguridade Social, o empregado e o titular de direito extracontratual à indenização. Contudo, o direito brasileiro tutela apenas o credor tributário e o INSS. Apenas eles podem invocar, na proteção de seus créditos, tratamento que afaste a regra da limitação da responsabilidade dos sócios, ao total do capital subscrito e não integralizado. 3.3. Responsabilidade por irregularidades Essa modalidade de exceções à regra da irresponsabilidade dos sócios tem o sentido de sancionar as condutas ilícitas. Para Fábio Ulhoa Coelho,”a limitação da responsabilidade é preceito destinado ao estímulo de atividades econômicas, e não pode servir para viabilizar ou acobertar práticas irregulares. A regra limitativa existe, por outras palavras, para socializar, entre agentes econômicos, os riscos de insucesso das empresas”. O sócio responde direta, pessoal e ilimitadamente pela irregularidade em que incorrer, seja em razão da desconsideração da personalidade jurídica ou com base no art. 1.080 do Código Civil. 3.4. Responsabilidade subsidiária A responsabilidade subsidiária corresponde a regra de que integralizado o capital social da limitada, enquanto houver patrimônio social, o do sócio não pode ser alcançado, na satisfação dos direitos dos credores (CC, art. 1.024; CPC, art. 596). O benefício de ordem é sempre oponível aos credores negociais da sociedade. Nas palavras do professor Fábio Ulhoa Coelho, “a responsabilidade dos sócios pela integralização do capital social é subsidiária, e pressupõe o anterior exaurimento do patrimônio social, no processo de falência. Na repressão a irregularidades e na proteção ao crédito fiscal e do INSS, a responsabilização é direta”. 4. Administração da sociedade limitada No código civil, os artigos que tratam da administração da sociedade limitada vão do artigo 1.010 ao artigo 1.021. A diretoria é o órgão responsável por, no plano interno, administrar a empresa, e, externamente, manifestar a vontade da pessoa jurídica. Os administradores devem ser identificados no contrato social ou em ato apartado. Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, os administradores “são escolhidos, sempre, pela maioria societária qualificada, variando o quorum de deliberação segundo o instrumento de designação (contrato social ou ato apartado) e o status do administrador (sócio ou não). A escolha do administrador só pode recair sobre pessoa não sócia se expressamente permitido pelo contrato social”. Quanto às responsabilidades do administrador, estes têm os deveres de diligência e lealdade. Sobre o dever de diligência, “o administrador deve observar, na condução dos negócios sociais, os preceitos da tecnologia da administração de empresas, fazendo o que esse conhecimento recomenda, e deixando de fazer o que ele desaconselha”. (Fábio Ulhoa Coelho). Para cumprir o dever de lealdade, o diretor não pode beneficiar-se de informações a que teve acesso, devido ao cargo que possui, em detrimento da sociedade. Não deve utilizar recursos humanos e materiais da empresa para fins particulares, e finalmente, não pode concorrer com a sociedade, ou envolver-se em negócios, quando presente virtual conflito de interesses. Caso o administrador desrespeite estes dois princípios, e, em decorrência, a sociedade sofra danos, ele deverá obrigatoriamente ressarci-los. Uma das obrigações do administrador diz respeito à responsabilidade tributária. O art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional diz que o administrador é pessoalmente responsável pelas obrigações tributárias da sociedade limitada, quando originadas de “atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Da leitura desse artigo conclui-se que o administrador nem sempre será responsabilizado por obrigação tributária da sociedade limitada. Será afastada a possibilidade de o fisco exigir dele as dívidas da pessoa jurídica, quando incorridas ilicitudes ou irregularidades na gestão social. Quanto à função externa dos administradores, chamada de representação legal, diz respeito da exteriorização da vontade da pessoa jurídica, eles, falando e agindo em nome da sociedade empresária, negociam operações e assinam documentos. A representação legal da pessoa jurídica deve ter suas condições fixadas no contrato social da limitada. Fábio Ulhoa Coelho diz que “para que a sociedade limitada seja validamente obrigada na celebração do negócio jurídico, devem-se observar estritamente as condições estabelecidas no contrato social, na outorga dos poderes de representação. Se o ato constitutivo estabelece que certa operação somente poderá ser realizada pela sociedade com a atuação conjunta de dois administradores, se apenas um deles assina o documento respectivo, a obrigação não vincula a pessoa jurídica”. Por fim o administrador poderá ser destituído do cargo a qualquer tempo pelos sócios. 5. Dissolução da sociedade limitada A dissolução da sociedade limitada está regulada no artigo 1.033 do Código Civil que diz: “dissolve-se a sociedade quando ocorrer”: I – O vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II – O consenso unânime dos sócios; III – A deliberação dos sócios por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV – A falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V – A extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. “A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: anulada a sua constituição, e quando exaurido o fim social, ou verificada a sua inexeqüibilidade”. (art. 1.034, I e II, CC). Outra causa de dissolução encontra-se no artigo 1.035, “o contrato pode prever outras causas de dissolução a serem verificadas judicialmente quando contestadas”. Por fim, a sociedade empresária dissolve-se também pela declaração de falência. O procedimento da dissolução envolve três partes: a dissolução - ato, a liquidação e a partilha. A primeira parte:a dissolução - ato, se dá por decisão judicial ou pela decisão assemblear (ou, ainda, pelo distrato assinado por todos os sócios da limitada). E conclui-se com o registro do instrumento dissolutório na Junta Comercial. A segunda parte da dissolução, chamada liquidação, diz respeito a solução das pendências obrigacionais .”Os objetivos da liquidação são, de um lado, a realização do ativo e, de outro, a satisfação do passivo. A realização do ativo compreende, em princípio, a venda dos bens da sociedade liquidanda e a cobrança dos seus devedores. A satisfação do passivo é o pagamento dos credores” (Fábio Ulhoa Coelho). Por fim, após a realização do ativo e a satisfação do passivo, o patrimônio liquido remanescente é divido entre os sócios, esta terceira parte é conhecida como partilha. Essa divisão geralmente é realizada segundo a participação de cada um no capital social, mas nada impede que os sócios a realizem de outras maneiras. 7. Bibliografia COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial Vol. 2. 8ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007. NEGRÃO, Ricardo, Manual de Direito Comercial e de Empresa, Vol. I, 5ª. ed., São Paulo, Saraiva, 2007. VERÇOSA, Haroldo M. D., Curso de Direito Comercial, Vol. 2, 1ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2006. REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Comercial. 20ª ed. São Paulo, Saraiva, 1991. HENTZ, Luiz Antônio Soares, Direito Empresarial. 2ª ed. Franca, UNESP, 1996. MARTINS, Fran, Curso de Direito Comercial. 20ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1994. TZIRULNIK, Luiz, Empresas e empresários – No novo Código Civil. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.