1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE Excelentíssima Senhora Juíza de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Porto Velho. O Ministério Público do Estado de Rondônia, pelos Promotores de Justiça infra-assinados, com atribuições na Defesa do Consumidor e Saúde, Criança e Juventude, com fundamento nos arts. 129, incisos II e III da Constituição Federal; art. 25, inciso IV da Lei Federal n.º 8.625/93; arts. 1º, inciso II, 3º, 5º, 11, 12, §2º e 21, todos da Lei Federal n.º 7.347/85; art. 82, inciso I da Lei Federal n.º 8.078/90; arts. 3º, 4º, II, VII, XI da Lei Federal n.º9.961/00; arts. 1º, I e II, §1º e §2º da Lei Federal n.º9.656/98 e artigo 4º da Lei n. 8.069/90 (ECA), vem promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de liminar antecipatória dos efeitos da tutela “inaudita altera pars” em face do Estado de Rondônia que deverá ser citado na pessoa do Procurador Geral do Estado que poderá ser encontrado na Procuradoria Geral do Estado, sediada na Avenida dos Imigrantes n° 3.503, Bairro Costa e Silva, nesta cidade, pelos motivos de fato e de direito a seguir descritos: DOS FATOS Conforme se constata no Procedimento de Investigação Preliminar n. 2007001060007331 (anexo à presente ação), instaurado em razão de representação da Presidente da Associação Rondoniense de Pais e Pacientes com Fibrose Cística, Senhora Nildete Maria de Arruda Galão, existem neste Estado três crianças em estado grave de saúde com suspeita de serem portadores da doença fibrose cística. E, para a realização do diagnóstico, necessitam realizar procedimento adequado, não realizado neste Estado. De acordo com o Manual de Fibrose Cística confeccionado pelo Dr. Paulo Kussef, médico chefe da Unidade de Fibrose Cística do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba no Estado do Paraná (fls.23/55), a doença hereditária também conhecida por muscoviscidose causa o mal funcionamento de certas glândulas do corpo, chamadas exócrinas: ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE glândulas sudoríparas, de muco, lágrimas, saliva e sucos digestivos, que produzem um muco muito espesso, acarretando, principalmente, a sintomatologia no sistema respiratório e digestivo. “O muco espesso entope os ductos (canais) das glândulas, causando mal funcionamento”. Os sintomas mais comuns são: tosse crônica, pneumonias freqüentes, suor excessivo e muito salgado, desidratação sem causa aparente, obstrução intestinal, dor abdominal, doença no fígado, dificuldade em ganhar peso e altura, dentre outros. Referida doença pode ser detectada através do “teste do pezinho” em fase mais avançada (fase III). No entanto atualmente no país existem apenas três unidades da federação que fornecem aos usuários o referido serviço. Lamentavelmente o Estado de Rondônia não figura dentre elas. Assim, não realizado o exame pelo teste do pezinho já nos primeiros dias de vida, o profissional médico apenas possui condições de constatação da fibrose cística após a observância da sintomatologia, pela realização de um exame chamado teste do suor, utilizado pela técnica iontoferese por pilocarpina, que é o emprego de um medicamento na pele da criança, que sob a ação de eletrodos, provoca o suor, retirado para análise (verificar fotografia às fls.62). Das informações obtidas junto ao Departamento de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde (fls.12-verso;19/55) observou-se que o teste do suor é um exame muito importante e necessita ser realizado segundo determinados padrões técnicos, no entanto, apesar do Ministério da Saúde ainda não haver publicado portaria normatizando o protocolo clínico do exame (a Portaria n.263/01/SAS e anexos apenas exige o exame de dosagem de “Clem suor”, não especificando seu modo de execução – fls.14/17), a senhora Tânia Carvalho, assessora técnica, declarou que “já foram traçadas algumas diretrizes no último Congresso de Fibrose Cística” (fls.12 e 19). Pesquisando sobre o assunto ficou constatado que o teste do suor deve ser realizado de forma meticulosa para evitar resultados falso-negativos ou falso-positivos, adotando-se a técnica adequada, qual seja, aquela desenvolvida por Gibson e Cook em 1959. Nesse sentido: “A única técnica aceita é a descrita por Gibson e Cooke (iontoferese por pilocarpina). Outras técnicas não devem ser aceitas como diagnóstico.” Associação Brasileira de Assistência à http://www.abram.org.br/novo/suor.htm (fls.20) Fibrose Cística. “A técnica básica de coleta consiste na colocação de uma substância chamada pilocarpina numa pequena ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE região da pele, que vai estimular a sudorese. A coleta do suor é feita colocando-se um papel filtro sobre a região ou o tal do equipamento de coleta.” Tânia Marine de Carvalho, assessora técnica do Ministério da Saúde, fls.19. Consultado a respeito, o médico Dr. Nilson Paniágua, responsável técnico pela UTI Neonatal do Hospital Regina Pacis e colaborador da Associação, relatou que o diagnóstico da fibrose cística é feito pela iontoferese de transpiração estimulada pela pilocarpina, declarando ainda: “O procedimento deve ser feito de forma meticulosa para evitar resultados tanto falso-positivos quanto falso-negativos. Tendo em vista a relevância do diagnóstico da fibrose cística, ressaltamos que desconhecemos a existência do exame de Iontoferese de transpiração estimulada pela pilocarpina no Estado de Rondônia.”(fls.61) Investigando-se os fatos, constatou-se que o Estado de Rondônia recusa-se a encaminhar as crianças para a realização do teste em outro Estado sob alegação de que é o procedimento é exeqüível em Porto Velho em laboratório credenciado pelo SUS (fl. 12), contudo, ao ser solicitada informação a respeito da técnica utilizada para realização do exame “teste do suor”, o Laboratório Ary Pinheiro informou que “a) a coleta deverá ser feita por sudorese provocada naturalmente por exercício físico (andar durante 20 minutos) b) induzida por medicamentos, acompanhada de cuidados médicos” , bem assim, o método é Colorimétrico (fl.64). Segundo a Senhora Presidente da Associação Rondoniense de Pais e Pacientes com Fibrose Cística, a entidade não mais aceita que as crianças sejam submetidas ao procedimento adotado pelo laboratório Ary Pinheiro, credenciado para realização do “teste do suor”, já que tomaram conhecimento de que ali não se realiza a técnica da Iontoferese por pilocarpina, mas sim, técnica de sudorese provocada naturalmente, relatando: “(...) uma das crianças que realizou o exame, de dois anos de idade, foi submetida a subir e descer escadas várias vezes até começar a suar e ficar em um quarto escuro e fechado – o que não é adequado e pode causar traumas nas crianças (fls.03) (...) o exame realizado por este laboratório não obedece as normas preconizadas pelo Ministério da Saúde, que as crianças são “ensacadas” em plástico para suarem, ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE que este não é o procedimento adequado para realizar o exame, assim, os resultados podem possuir erros fatais; os medicamentos que os médicos deverão administrar nos pacientes por longo período de tempo dependem desses resultados para a posologia que, se for errada, pode causar a morte” (fls.03) Ressaltou que a Associação possui convênio com hospital infantil do Estado de Minas Gerais, onde os usuários são recebidos e atendidos sem que necessitem realizar quaisquer pagamentos, sendo necessário apenas o encaminhamento pela Secretaria de Estado da Saúde, fornecendo as passagens aéreas para o deslocamento e diárias para manutenção no local, já que o Estado de Rondônia não realiza o procedimento tido como ideal. Diante do impasse, as crianças: Diogo Guimarães da Silva, de 6 meses de idade (fls.05/06), Yago Soares Barbosa Evangelista, de 5 anos (fls.07/09), Igor Pansini Carneiro, de 1 ano e sete meses (fls.10), estão aguardando providências da Secretaria de Estado da Saúde para realização do exame no Estado de Minas Gerais há aproximadamente três meses, não obstante a declaração de urgência, conforme se pode constatar nos laudos médicos acostados às fls.58/60. Ressalte-se que a necessidade de realização do exame em outra unidade da federação se deve exclusivamente à intenção de se evitar o risco de exposição desnecessária das crianças no laboratório credenciado ao Estado. Primeiro porque a forma como a sudorese é provocada, além de ser deprimente, expõe as crianças a traumas psicológicos em razão do método artesanal e, segundo porque há risco do resultado acusar falsos positivos ou negativos, fato este que pode levar os pacientes a óbito diante da não realização de tratamento adequado para a doença. Assim, enquanto o Estado de Rondônia não possuir um laboratório que utilize método adequado para a realização do teste do suor, como medida de prevenção a possíveis danos que podem ser causados à saúde e vida dos pacientes, todas as crianças que necessitem ser submetidas ao exame mencionado devem ser encaminhadas pela Secretaria de Estado da Saúde para o programa de Tratamento Fora de Domicílio – TFD -, devendo o Estado apenas fornecer as passagens para o deslocamento, já que a Associação possui convênio firmado com hospital especializado. DO DIREITO ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE A Constituição Federal confere ao Ministério Público a tarefa institucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos por ela assegurados (art. 129, inciso II). Isso significa que é dever impostergável do Ministério Público a defesa do povo. Por sua vez o art. 196 da Constituição Federal dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de riscos de doenças e outros agravos, e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. O art. 197 do texto constitucional determina expressamente que as ações e serviços de saúde são de relevância pública e o 198, inciso II garante o atendimento integral, na esteira do que dispõe o art. 194 inciso I, também da Carta Magna, de universalidade do atendimento público de saúde. Também o art. 2º, §1º da Lei Federal n.º 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), que estrutura o Sistema Único de Saúde: “O dever do Estado em garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” Seu art. 7º estabelece como diretriz: “I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (...) IV – igualdade de assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie” Por sua vez, o artigo 227 da Constituição Federal (artigo 227, caput) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º) preconizam: ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Como é sabido, a doutrina da proteção integral, base jurídica da Declaração Universal e da Convenção Internacional dos direitos da criança, foi adotada pela Constituição Federal (art. 227) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta proteção integral assegura que todos são sujeitos de direitos, independentemente de sua condição social. Deste modo, a realização artesanal do procedimento denominado de “teste do suor” no Estado de Rondônia, em desacordo com os padrões técnicos aceitos na área da saúde, fere os direitos fundamentais da pessoa humana, além de provocar riscos à saúde e até mesmo à vida de todos que a ele devem se submeter. Não deve ser esquecido que o dever de prestação dos serviços de saúde pertence primariamente ao poder público, porquanto o art. 6º do CDC prescreve: “são direitos básicos do consumidor (...); X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. Tratando-se de serviço essencial, resta incontroverso que a prestação desse serviço deve ser adequada, o que significa dizer que o Estado deve adotar todas as medidas necessárias para garanti-lo. Afetado acentuadamente o serviço público para diagnóstico da fibrose cística, prejudicada está, irremediavelmente, toda a população infantil, já que o exame é realizado somente nas crianças, uma vez que a doença é possível ser detectada nos primeiros meses de vida. Assim, adequação do serviço público é requisito essencial ao serviço público relevante, de forma a não prejudicar o direito da comunidade usuária do serviço em questão e de toda a coletividade em geral. contínua dever de qualquer qualquer A população é titular do interesse difuso à prestação e adequada dos serviços públicos essenciais, tendo os prestadores o executá-los. Não podem estes, por comodismo, indiferença ou sob pretexto, simplesmente deixarem comprometidas, paralisadas ou de forma, reduzidas as atividades inerentes ao mesmo. Analisando fato relacionado à saúde, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se manifestou acerca do tema: ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE EMENTA: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERNAÇÃO EM UNIDADE DE TRATAMENTO INTENSIVO. MENOR PORTADOR DE DERRAME PLEURAL. -Tem legitimidade o Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais de menor. Atribuição prevista no artigo 201, V, da Lei nº 8.069/90. -A garantia de saúde pública é dever do Estado, especialmente por ligar-se ao maior de todos os direitos, que é o direito à vida, e também ao princípio da dignidade humana, vetor do Estado brasileiro (artigo 1º, da CF). Exegese do artigo 196, da CF de 1988 e da Lei Estadual nº 9.908/93. -Recurso não provido. Agravo Nº 70011810736, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leila Vani Pandolfo Machado, Julgado em 16/06/2005 (grifo nosso). Observa-se, outrossim, a necessidade do pagamento de ajuda de custo (diárias) para a manutenção das crianças e acompanhantes pois se tratam de pessoas com poucos recursos financeiros, sendo que a mencionada ajuda será de extrema relevância à subsistência em local distante de seus lares. Dispõe a Portaria SAS/055 de 1999, que trata da rotina do Tratamento fora de Domicílio no Sistema Único de Saúde – SUS - , que são permitidas despesas pelo TFD relativamente a transporte e diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado. A respeito assim tem se pronunciado o Eg. Tribunal de Justiça de Rondônia: Mandado de segurança. Saúde. Tratamento fora do domicílio. Ajuda de Custo. Portaria 055/SAS. Alimentação e estadia do paciente e acompanhante. Dever do Estado. O direito à saúde é um direito fundamental garantido na Constituição, sendo dever do Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. O paciente encaminhado pelo ente público para tratamento fora de seu domicílio, bem como seu acompanhante, se for ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE necessário, têm direito a receber daquele ajuda de custo para suprir suas despesas diárias com estadia e alimentação, conforme previsto na portaria que disciplina a matéria.1 A par de tudo o que já foi dito, deve-se volver os olhos para um direito fundamental lesado, que é o dos usuários que necessitam realizar o “teste do suor” para investigação da fibrose cística, sumariamente violentado, sendo certo que tal situação é insustentável, como bem prevê a Lei Federal n.º 8.080/90, n.°8.069/90 e diretrizes terapêuticas existentes nas outras unidades federativas. DA NATUREZA DOS INTERESSES TUTELADOS Pelo que se depreende do exposto, a presente demanda busca a defesa dos interesses e direitos difusos dos cidadãos usuários dos serviços de saúde pública relativos ao teste do suor, existentes no Estado de Rondônia. Iniludível que se está diante de interesses difusos diante dos fatos narrados, segundo a definição do art. 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: “Art. 81 (...) Parágrafo único (...) I – Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desse código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato.” A respeito do tema, tem-se o escorreito magistério de Marcelo Pimentel, verbis: “A legitimação do direito individual coletivo pressupõe a não-ofensa a qualquer outro direito individual ou coletivo 1 Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia 200.000.2005.008343-0 Mandado de Segurança Impetrante : Ministério Público do Estado de Rondônia Impetrado : Secretário de Saúde do Estado de Rondônia Relator : Desembargador Renato Mimessi ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE previsto em lei, por isso, a doutrina criou a categoria dos interesses difusos, que são exatamente os interesses que se caracterizam pela conflitualidade social, isto é, interesses coletivos em oposição uns com os outros, de tal sorte que se tornam geradores de conflito na própria sociedade. Ora, a greve pode muitas vezes envolver interesses difusos, porque a paralisação interessa a um grande grupo de trabalhadores, ao mesmo tempo em que pode chegar a um ponto (o prolongamento da greve ou a prática decorrente dela) em que afete interesses maiores de toda a sociedade. Sábio, mesmo, seria o constituinte ou a lei previsse uma intervenção da autoridade pública (o Poder Judiciário ou o próprio Legislativo) nestes casos de grave conflitualidade de interesses sociais, quando evidente a prevalência do interesse público na cessação da greve”. (Abuso do direito de greve, Revista Ltr., vol. 54, n.º 12, dezembro de 1990, p. 1.441) Realmente se constata de pronto o interesse e direito de todas as crianças o acesso à prestação adequada e eficaz do serviço público. O interesse é indivisível porque diz respeito a todos aqueles que, ligados por circunstâncias de fato, utilizam ou estão expostos a utilizarem o serviço declaradamente inadequado, ante a falta de condições dignas para sua realização e obtenção de resultados eficazes. Sobre direitos difusos Ada Pellegrini Grinover leciona: “O objeto dos direitos difusos (no sentido amplo, que também engloba os coletivos) é sempre um bem coletivo insuscetível de divisão, sendo que a satisfação de um interessado implica, necessariamente, a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um indica a lesão de toda a coletividade” (A problemática dos interesses difusos, in A Tutela dos Interesses Difusos, Ed. Mx Limonad, 1984, p. 31). DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO Entre as funções institucionais do Ministério Público, também se insere a de zelar pelo efetivo respeito dos direitos dos consumidores, tidos como de relevância pública dentre os direitos assegurados na Constituição Federal e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (Constituição Federal, art. ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE 129, II), portanto, legitimado a ajuizar Ação Civil Pública para pleitear a defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF) e, também, na defesa de outros interesses individuais (art. 129, IX, CF). Na esteira desse dispositivo constitucional, o art. 201, V, dispõe que compete ao Ministério Público promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no artigo 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal. Ademais, a Lei Federal nº 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos causados aos consumidores, em decorrência da violação de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (arts. 1º, 3º, 5º e 21). Por derradeiro, a Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) concede ao Ministério Público legitimidade para a defesa coletiva dos interesses e direitos difusos e individuais homogêneos do consumidor (art. 82, I ) e no art. 91 prescreve que “os legitimados de que trata o art. 82, poderão propor, em nome próprio ou no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, na forma dos artigos seguintes”. O texto constitucional e legislação ordinária normatizam, portanto, a função institucional do Ministério Público, sendo o parquet parte legítima para promover ação civil pública na defesa de interesses coletivos e individuais homogêneos (legitimação ordinária). Isso significa que é dever impostergável do Ministério Público a defesa do povo, cabendo-lhe exigir a fiel prestação dos serviços relevantes e essenciais. Nestes termos, a presente ação civil pública colima assegurar e defender os direitos difusos da classe de usuários dos serviços de saúde oferecidos pelo Estado de Rondônia. DO CABIMENTO E NECESSIDADE DE CONCESSÃO, POR MEIO DE LIMINAR, DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA Verifica-se que estão presentes os pressupostos exigidos pelo artigo 273 do Código de Processo Civil para a concessão da tutela antecipada, quais sejam: prova inequívoca do direito reclamado e ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE verossimilhança da alegação, sendo que há claro e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito subjetivo dos infantes que necessitam do diagnóstico para tratamento da doença conhecida por Fibrose Cística. A antecipação da tutela se impõe, desde já, porque o provimento da pretensão, ao final, poderá ser inócuo para prevenir a perpetuidade do dano, especialmente às crianças Diogo Guimarães da Silva, de 6 meses de idade (fls.05/06), Yago Soares Barbosa Evangelista, de 5 anos (fls.07/09), Igor Pansini Carneiro, de 1 ano e sete meses (fls.10), para os quais a necessidade de realização do teste do suor é imprescindível para a investigação da fibrose cística e possível início de tratamento médico (laudos médicos acostados às fls.58/60), sendo relevante o fundamento da lide, à vista da presença dos indissociáveis requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, nos termos do art. 12 da Lei Federal n.º 7.347/85, ou subsidiariamente antecipando a tutela pretendida nos termos do art. 273, §1º do CPC, face à presença dos requisitos de seus incisos I e II. Presentes a aparência do direito e o perigo da demora, pois conforme já foi exaustivamente ressaltado, o serviço de saúde reclamado precisa ser realizado com a mais alta urgência, posto que incorrem em risco de vida as crianças supracitadas ou outras ainda não identificadas. O perigo da demora também está suficientemente ressaltado nesta petição inicial, justificado o receio de ineficácia do provimento final, razão pela qual é preciso que seja concedida liminarmente a tutela pleiteada. O direito dos consumidores à saúde se consubstancia em um direito público subjetivo, exigindo do Estado atuação positiva para sua eficácia e garantia. Por isto resta evidente que a demora na decisão acarretará prejuízos irreparáveis ao bem aqui tutelado, qual seja, a saúde e vida das pessoas, sendo medida de extrema urgência que reste estabelecido em medida judicial a garantia dos serviços adequados, eficientes e eficazes aos usuários, como forma de se precaver da ocorrência de possíveis imposições ou restrições da seguradora na autorização do procedimento no decorrer da demanda. DOS PEDIDOS Em face de tudo quanto foi exposto, o Ministério Público requer: ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE 1. Seja concedida a antecipação de tutela “inaudita altera pars”, compelindo o Estado de Rondônia, pelo Senhor Secretário de Estado da Saúde a: a) encaminhar para Tratamento Fora do Domicílio (Hospital Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais: Núcleo de Atendimento à Neonatologira e fibrose Cística da UFMG – NUPAT - Estado de Minas Gerais ) os pacientes Yago Soares Barbosa Evangelista, Igor Pansini Carneiro e Diogo Guimarães da Silva, para realização do teste do suor (iontoferese por pilocarpina), com o pagamento das respectivas diárias; providenciar o traslado dos usuários e acompanhantes do Município de Cacoal para Porto Velho em veículos adequados em razão do frágil estado de saúde das crianças; b) enquanto não existir no Estado de Rondônia, clínica, pessoal técnico especializado, materiais e equipamentos próprios para a realização do teste do suor pela técnica da iontoferese por pilocarpina, encaminhar para TFD no Estado de Minas Gerais (ou outro Estado que possua as condições adequadas, de preferência indicado pela respectiva Associação) todas as crianças que venham a necessitar da realização do exame, sob pena de imposição de multa diária; 2. Ao final, a procedência do pedido, condenando os requeridos, além do pagamento de custas e demais despesas processuais, à obrigação de fazer, ou seja, fornecer meios para que todas as crianças e seus acompanhantes sejam encaminhados para a localidade onde seja realizado o teste do suor da maneira como preconizada e relatada nesta petição; 3. Cominar no atraso de descumprimento da atividade devida postulada, o pagamento de multa diária pelo Senhor Secretário de Estado da Saúde, para cuja estimativa, ante a natureza e importância do direito em foco, sugere o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) como forma de inibir a requerida a não descumprir a determinação judicial, quantia esta sujeita a correção monetária pelos índices oficiais, desde a distribuição da inicial até o efetivo adimplemento, destinada a recolhimento ao Fundo Estadual de Saúde. 5. Seja determinada a citação do requerido, na pessoa de seu representante legal ou substituto legal, utilizando-se da faculdade conferida pelo art. 172, §2º do CPC, a fim de que, advertida da sujeição aos efeitos da revelia, consoante o disposto no art. 285, última parte, do CPC e, se desejarem, apresentarem resposta ao pedido formulado, no prazo de 15 dias. Requer mais: ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE 1. A produção de todas as provas admitidas em Direito, notadamente documentos, oitiva de testemunhas, laudos, realização de perícias, vistorias e inspeções judiciais, inclusive a inversão do ônus da prova, demonstrada a verossimilhança da alegação e hipossuficiência do consumidor (art.6º, inciso VIII do CDC); 2. A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no art. 18 da Lei Federal n.º 7.347/85 e no art. 87 do Código de Defesa do Consumidor; 3. A realização de suas intimações dos atos e termos processuais, na forma do art. 236, §2º do CPC, na Rua Jamary, n.º 1555, Bairro Pedrinhas, nesta capital e rua Almirante Barroso 1403, bairro Nossa Senhora das Graças, Porto Velho. Embora seja a rigor inestimável, dá-se à causa, simplesmente em atenção ao disposto no art. 258 do CPC, o valor de R$1.000,00. Porto Velho, 28 de maio de 2007. Emília Oiye Promotora de Justiça Marcelo Lima de Oliveira Promotor de Justiça ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700