1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _VARA CÍVEL DA COMARCA DE PORTO VELHO - RO O MINISTÉRIO PÚBLICO DE RONDÔNIA, pela Promotora de Justiça que esta subscreve, com atribuição na Defesa do Consumidor e Saúde, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, legitimada por força do disposto no art. 129, inciso III da Constituição Federal, arts. 3º e 5º da Lei Federal n.º 7.347/85, art. 14, parágrafo 4º da Lei Federal n.º 8.078/90, propor a presente: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com pedido de liminar e com preceito cominatório de obrigação de não fazer (não realizar o procedimento cirúrgico denominado gastroplastia – cirurgia bariátrica, em desacordo com as normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e Conselho Federal de Medicina), e de fazer (ressarcir as vítimas em razão dos prejuízos causados pela não observância da lei), visando a tutela dos interesses difusos e individuais homogêneos envolvidos, em face de ALEXANDRE BRITO DA SILVA, médico, portador da cédula de identidade n.º 11.767.8573, registro no CRM n.º 1593, podendo ser encontrado no Hospital da AMERON, Av. Calama, n.º 2615, Bairro Liberdade, nesta capital, local em que trabalha e AMERON – ASSISTÊNCIA MÉDICA E ODONTOLÓGICA DE RONDÔNIA LTDA, inscrita no CGC sob n.º 84.638.345/001-65, tendo sua sede na Av. Calama, n.º 2615, Bairro Liberdade, nesta capital, na pessoa de seus representantes legais, pelas razões fáticas e de direito a seguir articuladas. DOS FATOS ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE Através da reclamação da Sra. Maria Joelma de Almeida Reski, bem como de outras reclamações oferecidas por diversas pessoas, chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça que o médico Alexandre Britto da Silva realiza, através da AMERON, o procedimento cirúrgico denominado gastroplastia, em total inobservância aos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, Conselho Federal de Medicina e Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, os quais normatizam, dentre outros, que a gastroplastia deverá ser realizada, excluindo-se os casos em que o paciente apresente índice de massa corpórea – IMC - superior a 35kg/m2 e sejam portadores de doença crônica associada (diabetes, hipertensão, artroplastias, hérnia de disco ou apnéia de sono), cuja situação clínica é agravada pela obesidade, somente após dois anos contínuos de comprovada resistência aos tratamentos conservadores, bem como que o Hospital possua equipe multidisciplinar, contendo clínico, nutricionista, psiquiatra ou psicólogo, fisioterapeuta e auxiliares de enfermagem familiarizados com o manejo dos pacientes portadores da obesidade mórbida. Ainda, segundo a Resolução CFM n.º1.766/05 (documento em anexo) deverá haver “compreensão, por parte do paciente e familiares, dos riscos e mudanças de hábitos inerentes a uma cirurgia de grande porte e da necessidade de acompanhamento pós-operatório com a equipe multidisciplinar por toda a vida do paciente”. Consoante o depoimento da Sra. Maria Joelma de Almeida Reski (fls. 02/03 PA n.º 2006001060002008), a paciente procurou o médico Alexandre Brito da Silva no mês de maio de 2004 para uma consulta médica, pois estava com o índice IMC 52kg/m2, o que prejudicava o desempenho de suas atividades cotidianas e causava uma série de outros transtornos decorrentes do elevado grau de obesidade. Acontece que na ocasião da consulta médica, a paciente recebeu como proposta de tratamento pelo médico assistente, a realização do procedimento de cirurgia bariátrica, sendo exigido apenas que realizasse os exames pré-operatórios ao prazo de duas semanas, e buscasse autorização junto ao IPAM (plano médico-hospitalar ao qual é segurada, que por sua vez possui convênio com a AMERON). A reclamante informou ainda que em nenhum momento foi informada de que após a cirurgia deveria realizar acompanhamento periódico com equipe multidisciplinar, ou que as conseqüências da cirurgia poderiam levá-la a óbito, caso em tal acompanhamento não obtivesse êxito. Relatou, inclusive, que ao receber a alta hospitalar, indagou ao médico acerca da dieta que deveria seguir, recebendo orientação de alimentação sem restrições, inclusive com ingestão de muita ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE carne (o que, de plano denota a negligência do médico, uma vez que após o procedimento cirúrgico em tela, o correto seria a ingestão de dieta líquida por um período mínimo de quinze dias, consoante orientação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica – fls. 05/14 do PA). Dessa forma, assim como a paciente adentrou o consultório do médico Alexandre Brito da Silva e rapidamente (aproximadamente duas semanas) realizou a gastroplastia, em igual proporção obteve alta hospitalar, e nesse contexto passou a sofrer uma série de conseqüências inerentes ao despreparo físico e psicológico antes e depois da mencionada cirurgia, conforme laudo da médica Nakuxe Mendes (fls. 04 do PA), como desnutrição protéico-calórica, distúrbio hidro-eletrolítico, anemia severa, necessidade de transfusão sanguínea, hipotireoidismo severo, depressão, diarréia, pneumonia e cirrose hepática, restando claro a ocorrência de negligência e imprudência médica ao realizar um procedimento cirúrgico que requer tantos cuidados, mesmo antes como após sua concretização, e que ocorreu de maneira precipitada, omissa, inconsiderada e sem qualquer cautela, levando a paciente a seríssimas conseqüências, tendo inclusive que arcar com o custeio de todo o tratamento posterior às complicações tardias decorrentes da negligência médico-hospitalar. Vale anotar, também, que no momento em que o médico Alexandre Brito da Silva realizou a gastroplastia contratada pela paciente, retirou também um órgão da mesma (vesícula), sem que a paciente ou quaisquer familiares houvessem consentido para tanto. Ainda, a paciente somente ficou sabendo do ocorrido quando no leito do hospital, após os efeitos da anestesia, avistou o órgão, que se encontrava dentro de um frasco de vidro e, indagando ao médico o que se tratava aquilo, o mesmo informou que havia retirado, pois aquele órgão “não seria mais necessário”. O caso da Sra. Maria Joelma de Almeida Reski é apenas um exemplo de como vem ocorrendo a realização do procedimento precipitado e sem cautela com que o médico Alexandre Brito da Silva vem realizando gastroplastia no Estado, através da seguradora AMERON. Insta consignar que, segundo informado oficialmente pelo próprio requerido Dr. Alexandre (fls. 022 – PA), bem como por um colega de profissão, Dr. Adriano Calçado (fls.062 - PA), que, apesar de jovem, o médico e sua equipe já realizaram aproximadamente duzentas (200) cirurgias bariátricas. Existem regras normatizadas pelo Ministério da Saúde para realização de tal procedimento, recomendação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, bem como Resolução proposta pelo Conselho Federal de Medicina (todos documentos se encontram em anexo), onde se estabelecem ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE normas seguras para a realização da gastroplastia, que devem ser seguidas por todos os hospitais e médicos atuantes na área, com a finalidade única de preservar um direito fundamental garantido constitucionalmente: o direito a vida, e que evidentemente está sendo desrespeitado e lesado pelo médico Alexandre Brito da Silva e pela AMERON, que conhecedora da conduta do médico e das regras que devem ser obedecidas, omite-se, permitindo que situações como a da Sra. Maria Joelma aconteçam naquele nosocômio. Prestando esclarecimentos a esta Promotoria de Justiça, o médico requerido buscou eximir-se de toda a culpa, alegando preliminarmente que o insucesso da cirurgia deveu-se ao não atendimento da paciente às prescrições médicas, considerando por fim absurdas as declarações postuladas em seu desfavor, por falta de qualquer amparo legal. Verifique-se que o próprio médico, em sua defesa, declarou: “em todas as consultas cobrei o acompanhamento com o nutricionista, porém a paciente sempre informava que não podia pagar e que o convênio não cobria” (fls. 21/23 do PA). Assim, resta claro que o médico e a seguradora AMERON não possuem, em seu quadro clínico, os profissionais multidisciplinares exigidos para o fiel cumprimento das determinações legais que regem a categoria, e que também proporcionam a garantia aos pacientes-consumidores, maior segurança na prestação dos serviços médico-hospitalares. Nos autos é incontestável a prática da conduta negligente e imprudente do médico e da seguradora, quanto à prática de conduta em desacordo com as normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, na Portaria n.º 196, de 29/02/00, publicada no DOU n.º 43-E em 31/03/00, seção I, bem como na Resolução n.º 1.766/05, publicada no DOU em 11/07/05, do Conselho Federal de Medicina, onde se exige do Hospital a existência de equipe multidisciplinar para acompanhamento dos pacientes que realizam gastroplastia, contendo, inclusive, nutricionista. Ora, em sua defesa, o médico declarou que nas consultas sempre questionava da paciente se estava fazendo acompanhamento com outros profissionais, sendo que a mesma lhe informava que o convênio não cobria as despesas com nutricionista (fls.21-PA), e a mesma não possuía condições financeiras para arcar com tais despesas. Como então pode o médico informar que realiza, na AMERON, o procedimento dentro dos padrões exigidos por lei? O procedimento de gastroplastia realizado pelo médico Alexandre Brito da Silva em seus pacientes é denominado técnica de ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE Duodenal Switch ou Scorpinaro, técnica esta permitida pelo Conselho Federal de Medicina, onde mais da metade do estômago é retirada, sendo feito um desvio no intestino, que provoca uma má absorção dos alimentos, fazendo com que o paciente emagreça mais rapidamente. No entanto, os pacientes devem ser devidamente informados dos riscos do pós-operatório, do acompanhamento obrigatório com profissionais de diversas áreas da saúde, mas, acima de tudo, deveria ser realizado todo um trabalho anterior ao procedimento cirúrgico, o que de fato não acontece na AMERON. Para que seja realizada a gastroplastia, o paciente deve percorrer diversas etapas de tratamentos médicos. Ainda, procedimento somente pode ser realizado após dois anos de tratamentos infrutíferos para obesidade com medicamentos, e o paciente deve possuir a doença (obesidade mórbida) há pelo menos cinco anos. Como exemplo de observância do disposto na legislação que regulamenta a cirurgia bariátrica, encontram-se em anexo documentos do Hospital de Base Ary Pinheiro, contendo informações acerca do Programa de Cirurgia Bariátrica que os pacientes e profissionais envolvidos devem obrigatoriamente seguir (anote-se que uma etapa não concluída impede o paciente de prosseguir para as demais); da UNIMED, negando a autorização da cirurgia a uma paciente que não preenchia os requisitos exigidos pela lei; bem como informações obtidas da Casa de Saúde São José, no Estado do Rio de Janeiro, contendo inclusive fotos das reuniões realizadas para a conscientização dos pacientes, acerca do tratamento que deverá ser realizado a vida inteira, das complicações inerentes a um acompanhamento insatisfatório da cirurgia, e de seus riscos. Observa-se, com isso, que o médico Alexandre Brito da Silva e a AMERON não realizam o procedimento de maneira a garantir aos pacientes a segurança e o conforto de um processo cauteloso, ordenado e consciente. Os pacientes procuram o médico, que verifica a existência da obesidade mórbida, e em seguida sugere ao paciente a realização da gastroplastia, após a apresentação de exames rotineiros pré-operatórios, sendo logo em seguida realizado o procedimento, sem qualquer acompanhamento de equipe multidisciplinar, pois tal equipe sequer existe no convênio com a seguradora AMERON. É exatamente nesse ponto, na possibilidade de ocorrência de um dano maior a outros consumidores e pacientes que utilizam ou venham a utilizar o serviço negligente e imprudente atualmente fornecido pelos requeridos, que até o presente momento, por não estarem agindo de acordo com a legislação pertinente, apenas estão auferindo lucros e vantagens ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE em virtude da conduta ilícita, em detrimento dos interesses comuns dos profissionais da medicina e também dos pacientes, que se objetiva a tutela dos direitos difusos e individuais homogêneos aqui pleiteados. DO DIREITO A) Da Legitimidade ad causam do Ministério Público Entre as funções institucionais do Ministério Público, também se insere a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (Constituição Federal, art. 129, II), portanto, legitimado a ajuizar Ação Civil Pública para pleitear a defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF) e, também, na defesa de outros interesses individuais (art. 129, IX, CF). Assim se expressa Nelson Nery Júnior, acerca do tema: “O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ACP, não apenas na defesa dos interesses difusos e coletivos, mas de outros direitos individuais. A CF, em seu art.129, XI, autoriza a lei infraconstitucional a cometer outras atribuições ao MP, desde que compatíveis com sua função institucional de atuar no interesse público, defendendo os direitos sociais e os individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput).” Na esteira desse dispositivo constitucional, o art. 42, IV, “a” da Lei Complementar Estadual n.º 093, de 03/11/93 assim dispõe: “Art. 43 – Incumbe ao Ministério Público, além de outras atribuições previstas em lei: (...) IV – Promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens de direitos de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico e a outros interesses difusos, coletivos e individuais, indisponíveis e homogêneos”. ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE Ademais, a Lei Federal n.º 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos causados a comunidade usuária dos serviços de relevância pública, em decorrência da violação de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (arts. 1º, 3º, 5º e 21). Por derradeiro, a Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) concede ao Ministério Público legitimidade para a defesa coletiva dos interesses e direitos difusos e individuais homogêneos do consumidor (art. 82, I ) e no art. 91 prescreve que “os legitimados de que trata o art. 82, poderão propor, em nome próprio ou no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, na forma dos artigos seguintes”. O texto constitucional e legislação ordinária normatizam, portanto, a função institucional do Ministério Público, sendo o parquet parte legítima para promover ação civil pública na defesa de interesses difusos e coletivos (legitimação ordinária). Isso significa que é dever impostergável do Ministério Público a defesa do povo, cabendo-lhe exigir a fiel prestação dos serviços relevantes e essenciais. Nestes termos, a presente ação civil pública colima assegurar e defender direitos difusos e individuais homogêneos dos consumidores que utilizaram ou irão utilizar-se do serviço de cirurgia bariátrica fornecido pelos requeridos. O art. 196 da CF dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. O art. 197 do texto constitucional determina expressamente que as ações e serviços de saúde são de relevância pública. A respeito da obrigação da prestação de serviços de relevância pública, o art. 22 da Lei n.º 8.080/90 (Código de Defesa do Consumidor) assim dispõe: “Art. 22 – Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único – nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prescrita deste Código.” No tocante à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, o art. 14 do CDC assim define: “Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Parágrafo 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, dentre as quais: I – o modo de seu fornecimento”. Assim, tratando-se de serviço de relevância pública, resta incontroverso que a prestação deve ser adequada, eficiente e segura; o que de fato não vem ocorrendo na prestação de serviços pelos requeridos, estando evidente a existência dos três pressupostos exigidos para a caracterização do aperfeiçoamento da responsabilidade: a existência de defeito na prestação do serviço, o evento danoso, e a relação de causalidade entre o defeito do serviço e o dano. Com referência à responsabilidade do médico, o art. 14, em seu parágrafo 4º / CDC dispõe que: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” Nessa esteira, depreende-se que em razão da natureza intuitu personae do contrato celebrado entre o médico e a paciente, a ocorrência de culpa, nas modalidades de negligência e imprudência restaram perfeitamente delineadas na presente, quando demonstrada a ocorrência da ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE prestação de serviços em desacordo com as normas técnicas atinentes à matéria, os prejuízos causados a Sra. Maria Joelma, bem como a ocorrência de danos que outros consumidores porventura tenham sofrido, ou mesmo, que venham a sofrer. Por ser a Medicina uma profissão a serviço da saúde humana e da coletividade, está revestida de normas éticas que devem ser seguidas pelos profissionais, no exercício de suas funções, com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade, pois assim dispõe o Código de Ética Médica (Resolução CFM n.º 1246/88, publicada no DOU em 26/01/88): “Art. 2º - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Art. 29 – É vedado ao médico praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.” Todo médico deve ter por objetivo guardar absoluto respeito à vida, atuando sempre em benefício do paciente, considerando-se, dessa forma, inadmissível a conduta praticada pelo requerido, quando da inobervância às normas estabelecidas para a realização do procedimento cirúrgico, mais parece preocupar-se com a aferição de lucros e vantagens pecuniárias, colocando em detrimento o bem estar de seus pacientes, que movidos pela boa-fé contratam seus serviços. “Há um salutar princípio jurídico geral que, objetivando resguardar os interesses, os direitos e as obrigações do homem no seio da sociedade, estabelece a todo indivíduo mentalmente sadio é capaz a obrigação de responder por prejuízos cometidos a outrem, por meio de dolo ou da atuação negligente, imprudente e imperita, obrigação esta que será calculada, sob perspectiva civilista, exclusivamente sobre a extensão do dano e não pelo grau de culpa, seja ela grave, seja leve” (CROCE, Delton e Júnior in “Erro Médico”, 1ª Edição, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997). É notório, portanto, que o serviço de gastroplastia atualmente prestado pelos requeridos não observa os requisitos exigidos à sua ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE consecução, pois provada a sua incúria que comprometeu a vida da Sra. Maria Joelma, assim como poderá vir a causar danos maiores também a outros pacientes, não sendo concebível que tal prática continue a ocorrer, sendo a população a titular do interesse difuso à prestação do serviço eficiente e seguro, tendo os prestadores o dever de executa-los na forma exata como prescreve a lei. Com referência à seguradora AMERON, notória a responsabilidade solidária, quando, ao ceder suas instalações para a realização das cirurgias bariátricas, concede confiança de atendimento em hospital respeitável, agindo com aparência de responsabilidade pelo tratamento ali ministrado. Vejamos o entendimento do STJ: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso Especial não conhecido. (STJ – Ac. REsp. 138059/MG – 3ª T. Rel. Min. Ari Pargendler, j. 13/03/01 unânime) Também assim decidem os demais Tribunais: “A jurisprudência tem reconhecido que o médico que integra o quadro clínico de um hospital e a pessoa física ou jurídica que mantém o estabelecimento de saúde são respectivamente prepostos e preponente, independente de vínculo empregatício.” (TJSP – 8ª C. – Ap. – Rel. Aldo Magalhães – j. 22/05/96 – RT 731/243) “A responsabilidade deriva do fato de que os médicos estavam prestando serviços naquelas dependências, nas quais, inclusive, houve internação. Se a autora usufruiu de seus cômodos, laboratórios e médicos que lhe foram colocados a disposição, caracterizada está a efetiva prestação de serviços, abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, donde resulta a correta aplicação do art. 14 da referida Lei, legitimando o hospital a responder os termos da presente ação.” (TA PR – AC 137458500 – Ponta Grassa – 7ª Vara Cível – Rel. Juiz Miguel Pessoa – DJPR 19/05/00 – Ementa Parcial) ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE B) Da Natureza dos Interesses Tutelados Pelo que se depreende do exposto, a presente demanda busca a defesa de interesses e direitos difusos e individuais homogêneos dos consumidores usuários do serviço de saúde – gastroplastia – fornecido pelos requeridos. Iniludível que se está diante de interesses difusos perante os fatos narrados, segundo a definição do art. 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: “Art. 81 – (...) Parágrafo único – (...) I – Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas determinadas e ligadas por circunstâncias de fato”. A respeito do tema, tem-se o escorreito magistério de Hugo Nigro Mazzilli, verbis: “Os interesses difusos compreendem um grupo menos determinável de pessoas, entre as quais inexiste um vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas. Assim, por exemplo, a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhada por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificada ou dividida entre os membros da coletividade; também o produto da eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido entre os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio interesse em si é indivisível. Destarte, estão incluídos no grupo lesado não só os atuais moradores da região atingida, como também os futuros moradores do local; não só as pessoas que ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE ali vivem atualmente, mas até mesmo as gerações futuras, que, não raro, também suportarão os efeitos da degradação ambiental. Em si mesmo, o próprio interesse em jogo é indivisível. Já os interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato” (MAZZILLI, Hugro Nigro in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 18ª edição, Ed. Saraiva, 2005) O interesse é indivisível porque diz respeito a todos aqueles que, ligados por circunstâncias exclusivamente fáticas, ficaram expostos e sofrem danos ante a conduta negligente e imprudente dos requeridos. A propósito da sobredita indivisibilidade, José Carlos Barbosa Moreira preleciona: “um bem (latíssimo senso) indivisível, no sentido insusceptível de divisão (mesmo ideal) em quotas atribuíveis individualmente a cada um dos interessados. Estes se põem numa espécie de comunhão tipificada pelo fato de que a satisfação de todos, assim como a lesão a um só, constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade” (in “Legitimação para a Defesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro, Revista AJURIS/RS, n.º 32/82). Nesse mesmo sentido podemos citar lição de Ada Pellegrine Grinover, segundo a qual “o objeto dos interesses difusos (no sentido amplo, que também engloba os coletivos), é sempre um bem coletivo insusceptível de divisão, sendo que a satisfação de um interessado implica, necessariamente, a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um indica a lesão de toda a coletividade”(“A Problemática dos Interesses Difusos”, in “A Tutela dos Interesses Difusos”, ed.Max Limonad, 1984, p.31). DOS PEDIDOS A) Do Pedido de Concessão de Tutela Antecipada Diante do exposto, o Ministério Público de Rondônia requer a Vossa Excelência a concessão de liminar inaudita altera pars, com expedição de mandado, para impor que: ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE 1.O médico e a seguradora requeridos se abstenham de realizar o procedimento cirúrgico gastroplastia em desacordo com os critérios mínimos exigidos por lei (documentos em anexo); 2. Fixação de multa no valor de R$ 50.000,00 para cada cirurgia bariátrica realizada em desacordo com o procedimento padrão, montante este suficiente para que os requeridos se sintam desestimulados a descumprir qualquer uma das determinações deste juízo, ou a cumpri-las fora do prazo determinado, devendo, neste último caso, o valor da multa ser aplicado diariamente até o efetivo cumprimento da obrigação, tudo nos termos do art. 11 da Lei n.º 7.347/85 e do parágrafo 4º do art. 84 da Lei n.º 8.078/90, sem prejuízo da responsabilização do recalcitrante pela prática do crime de desobediência; 3. Requer ainda que Vossa Excelência determine a publicação, via Diário Oficial, da r. decisão concessiva da medida liminar, a fim de que chegue ao conhecimento de todos o teor da decisão a ser proferida. B) Dos pedidos de tutela definitiva Outrossim, requer o órgão ministerial que seja julgada procedente a presente demanda, tornando definitivas as liminares concedidas. Requer ainda que os requeridos, em virtude da conduta negligente e imprudente com que vinham realizando as cirurgias bariátricas, sejam condenados genericamente a cumprir, solidariamente, a obrigação de fazer, consistente em ressarcirem integralmente cada uma das vítimas lesadas, quer seja por danos morais, quer seja por danos materiais ou estéticos. Por fim, requer a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII do CDC, bem como que os demandados sejam condenados ao pagamento das custas e honorários advocatícios. C) Requerimentos Finais Requer, finalmente, o autor: 1. A citação dos requeridos, sob a autorização do art. 172, parágrafo 2º do CPC, nos endereços mencionados no preâmbulo, para que, querendo, contestem a presente demanda, sob pena de confissão quanto às matérias de fato e sob os efeitos da revelia; ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA PROMOTORIA DO CONSUMIDOR E SAÚDE 2. A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto no art. 18 da Lei n.º 7.347/85 e 87 da Lei n.º 8.078/90; 3. A publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor, tudo com previsão no art. 94 da Lei n.º 8.078/90. 4. A juntada do inquérito civil n.º 2006001060002008, instaurado e concluído pelo Ministério Público Estadual, como prova documental em desfavor dos requeridos; 5. A intimação pessoal do autor, na pessoa de seu agente subscritor, mediante a entrega e vista dos autos na sede da 7ª Promotoria do Consumidor e Saúde, situada à Rua Jamary, n.º 1555, Bairro Pedrinhas, dado o disposto no art. 236, parágrafo 2º do CPC e na Lei Complementar Estadual do Ministério Público. Protesta o autor provar o alegado pelos meios de prova em direito permitidos, bem como oitiva de testemunhas, cujo rol, se necessário, será oferecido oportunamente. Embora esta ação seja de natureza economicamente inestimável, dá-se à causa, meramente para efeitos legais, o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais). Termos em que Pede deferimento. Porto Velho, 05 de julho de 2006. Priscila Matzenbacher Tibes Schmidt Promotora de Justiça – Curadora da Saúde ____________________________________________________________________________ Rua Jamary, nº 1555 – Bairro Olaria – CEP 78.903-037 – Porto Velho/RO (69) 3216-3700