TÍTULO Gestão, marketing e modernização: sucesso e paixão nos cursos de formação de profissionais para clubes de futebol RESUMO EXPANDIDO A organização institucional do futebol brasileiro tem passado por diversas transformações, com clubes tradicionais adotando lógicas empresariais. Com esta transformação, está crescendo também um novo mercado de formação de profissionais em cursos de extensão, especialização ou MBA em gestão do futebol, gestão esportiva ou marketing esportivo. Estes cursos vêm preparando profissionais para atuar em diversas áreas ligadas ao esporte, entre as quais a participação na gestão de clubes, até então um campo exclusivamente ligado à tradição, no qual sócios disputavam capital político e atingiam a presidência do clube. O reconhecimento do campo como profissional e a existência dos cursos de formação não é um processo isolado; está ligado a questões presentes na globalização e na transformação das instituições que a tem acompanhado. A prevalência do mercado como foco nos modelos organizacionais encontra um campo diferenciado no futebol, e é esta a questão central a ser levantada. Através da análise de textos voltados para a formação de profissionais da gestão e do marketing esportivo e dos discursos de agentes ligados aos cursos de formação, discutiremos em que medida as noções amadoras, românticas e tradicionais são incorporadas, ressignificadas e instrumentalizadas na criação de um campo específico. Ao pensarmos a formação de um campo profissional da administração do futebol e de um campo acadêmico correspondente entra em questão, de um lado, a imposição de questões identitárias relacionadas à legitimação do esporte como elemento importante da sociedade, e de outro a legitimação de soluções para uma ideia de crise do futebol brasileiro. O objetivo deste trabalho é discutir como essas noções ganham relevância, e em que elementos se apoiam para serem legitimadas: de que modo são tratadas no meio do conhecimento aplicado empresarial as questões particulares do futebol, como a relação dos clubes com torcedores, o caráter público de instituições de natureza privada e a interdependência entre as instituições concorrentes? O ponto mais flagrante na constituição deste campo é a busca de modelos no exterior para pautar as discussões sobre o futebol brasileiro, principalmente na adoção de medidas já “testadas” em países europeus como medidas de modernização, conceito que passa a ter importância quando se considera que há um problema no futebol brasileiro e que este problema é derivado de um atraso estrutural do campo. Segundo Helal (2002), desde os anos 70 já era apontada pela imprensa a existência de uma crise no futebol brasileiro. Tal crise estaria presente em diversas esferas: econômica (clubes passando por dificuldades financeiras), político-administrativa (dirigentes amadores ligados a casos de fraudes e corrupção), técnica (ausência de grandes ídolos nacionais e transferência massiva de jogadores para o exterior) e social (casos de violência nos estádios colocam o futebol como um problema na sociedade). Teóricos da gestão do esporte passaram a ver modelos europeus como soluções “modernizantes” para o “atraso” brasileiro. Aidar (2010) propõe as soluções para a boa administração de um clube de futebol apontando quatro itens fundamentais: tratar o torcedor como cliente; oferta de serviços nos estádios visando torcedores de classes mais altas; investir na formação de atletas, visando a venda para o exterior; e substituição de dirigentes amadores por diretores remunerados, profissionalizando a gestão do clube. Essas soluções não começaram a aparecer agora, estando presentes nos anos 70 e 80 com a abertura de espaços de patrocínio e com a Lei Zico que deu autonomia aos clubes e federações e abriu espaço para a profissionalização de dirigentes e a transformação de clubes em empresas. Segundo Celso Grellet (2010), as mudanças estruturais de um clube eventualmente trariam também melhores resultados dentro de campo, sendo portanto do interesse do torcedor interessado no sucesso do time. O interesse do torcedor aparece neste caso como legitimador das mudanças. Ele segue identificando particularidades do futebol e ressalta que não pode ser igualado à administração de empresas comuns, pois um clube não é uma empresa em um ambiente capitalista, que busca o lucro, a maximização do valor para seus donos e, se possível, a conquista total do mercado, gerando um monopólio; um clube de futebol objetiva a vitória em competições, o que requer a existência de outras “empresas”, pois a competição está na base do seu negócio. É um mercado que depende da colaboração entre concorrentes. A excelência de gestão jamais seria atingida por um clube isoladamente, mas sim pelo conjunto de clubes em disputa. Além disso, ele chama a atenção para a imprevisibilidade dos resultados no futebol, o que impede a criação de modelos que levem a times vitoriosos. Percebemos aí pontos importantes da particularidade do futebol presente no entendimento da gestão empresarial. Todas essas questões passam pela complexidade da relação entre clubes e torcedores, caracterizada pelo conceito de pertencimento clubístico. De fato, não podemos igualar o consumo de futebol ao consumo de outros produtos; o consumo do futebol depende da adesão a um clube, e na constituição do indivíduo como torcedor, o que tem uma série de implicações, já exploradas por Damo (2008). Com a entrada de novos categorias profissionais no futebol, podemos pensar ainda se as implicações apontados por ele sobre a profissionalização de jogadores, que cria uma desconfiança entre torcedores e jogadores (Damo 2008), estarão presentes também na relação entre torcedores e os novos dirigentes, com interesses próprios ligados à carreira e sem a mesma paixão pelo clube, que poderia ser reconhecida pelo torcedor no dirigente tradicional. Como a formação desses profissionais, com elementos como o entendimento de clubes rivais como parceiros comerciais, lidará com essa questão? A busca da legitimidade do profissional como defensor dos interesses do clube se torna mais complicada quando esse elemento surge, mas esta ainda é uma questão pouco presente nas fontes já pesquisadas. Segundo Bourdieu (1983), o que separa o produto esportivo de outros produtos é a manutenção de um certo romantismo em torno dele, de expectativas de amadorismo que mascaram o puro negócio. Este romantismo, no entanto, está longe de ser uma característica intrínseca do esporte, tendo sua construção frequentemente reafirmada nas narrativas do esporte. Levantamos neste trabalho, ainda, de que forma a gestão profissional do esporte compreende e realiza a reafirmação das características românticas do futebol. Não cabe aqui tentar criticar uma visão baseada na ciência aplicada com base no conhecimento das ciências sociais, mas sim observar a forma como certos elementos que ganham importância na abordagem das ciências sociais aparecem representados no campo da ciência aplicada que dá respaldo à formação profissional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIDAR, A. C. K.. O torcedor como cliente: uma solução para aumentar a receita dos clubes brasileiros. Cadernos FGV Projetos, ano 5, n. 13, p. 30-37, 2010. BOURDIEU, Pierre. “Como se pode ser esportivo?” In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. DAMO, Arlei . Dom, amor e dinheiro no futebol de espetáculo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, p. 139-150, 2008. GRELLET, Celso. Copa 2014 e clubes de futebol no Brasil. Cadernos FGV Projetos, ano 5, n. 13, p. 53-56, 2010. HELAL, Ronaldo ; GORDON JUNIOR, C. . A Crise do Futebol Brasileiro: perspectivas para o século XXI. Eco-Pós (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 37-55, 2002.