princípios constitucionais

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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
1. ACEPÇÃO DO TERMO PRINCÍPIO
A palavra "Princípio", do latim pricipium, significa, numa acepção vulgar, início,
começo, origem das coisas. Tal noção, explica-nos PAULO BONAVIDES, deriva da
linguagem da geometria, "onde designa as verdades primeiras" (Curso de Direito
Constitucional. 7a ed. Malheiros, São Paulo, 1998, p. 228). Não é este, porém, o sentido
que adotamos quando nos referimos aos "princípios constitucionais".
Na linguagem filosófica, o termo foi introduzido por Anaximandro com o significado de
fundamento, causa. Não indica a coisa, mas a razão de ser da coisa ensina J.Cretella
Júnior, pois, no âmbito da filosofia, principio é o fundamento ou razão para justificar
por que é que as coisas são o que são.
Mas como, ponto de partida, princípios de uma ciência são as proposições básicas,
fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturas subseqüentes, sendo o
alicerce, os fundamentos da ciência.
Enfim, embora seja palavra principio um termo equivocado, aparecendo em sentidos
diversos, é ela indispensável à ciência e a filosofia e, no Direito, seu significado não
difere dos acima mencionados, nomeadamente em Direito Constitucional, por envolver
a idéia de Constituição como norma suprema e condicionante de todo o ordenamento
jurídico, que dela tira seu fundamento de validade.
Realmente, aqui a palavra princípio conota a idéia de "mandamento nuclear de um
sistema", logo princípio é, por definição, “mandamento nuclear de um sistema”,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no
que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Em sentido semelhante, a Corte Constitucional italiana assim definiu princípios: "são
aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam
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deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas,
que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do
ordenamento jurídico." - apud BONAVIDES, Paulo. Curso...p. 230)
Dada a fundamental característica normativa dos princípios, afigura-se acertada a noção
desenvolvida por CRISAFULI, já em 1952:
"Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante
de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e
especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais),
das quais determinam, e, portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois,
estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo
princípio geral que as contém" (Apud BONAVIDES, Paulo. Curso...p. 230.
Em sentido contrário, ARNALDO VASCONCELOS: "Os princípios gerais de Direito,
nada obstante sua força vinculante, não são, contudo, normas jurídicas no sentido
formal do termo" (Teoria da Norma Jurídica, 3a ed. Malheiros, São Paulo, 1993, p.
210). "(...) apesar de terem positividade, não constituem normas jurídicas" (p. 208).
Porém, mais à frente, o professor cearense, contraditoriamente, sustenta que o princípio
"não representa mera aspiração ideológica (...), mais do que isso: uma norma jurídica
iguais às outras, sem mais, nem menos, tanto que não lhe falta a possibilidade de
sancionamento"- p. 210).
Partindo dessa "pré-compreensão" de princípio como norma jurídica, cumpre fazer uma
melhor distinção entre regras e princípios, que são, na atual fase de evolução da Teoria
Geral do Direito, as duas espécies de normas (Deve ser ressaltado, igualmente, que
alguns autores (Perez Luño, Pietro Sanchis e García de Enterria) incluem os valores, ao
lado dos princípios e das regras, como espécies de norma. Porém, por transcender aos
estreitos limites do objeto desse estudo, deixaremos de tratar dos valores como espécie
de normas, preferindo incluí-los como parte componente do próprio princípio, tendo em
vista a enorme carga valorativa que nele está inserida). O próximo tópico tratará do
assunto.
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2. NORMAS, PRINCÍPIOS E REGRAS
Durante muito tempo houve uma dissociação dos conceitos de normas e princípios, o
que leva, ainda hoje, a grandes juristas incorrerem no erro primário de igualar as regras
às normas.
Dissertando sobre princípios e regras, Tercio Sampaio Ferraz Jr. propõe alguns critérios
distintivos: 1. os princípios ao exigem um comportamento especifico, isto é,
estabelecem ou pontos de partida ou metas genéricas; as regras, ao contrário, são
especificas ou em pautas; 2 os princípios tem um peso ou importância relativa, ao passo
que as regras tem uma inponibilidade mais estrita; assim, os princípios comportam
avaliações, sem que a substituição de um por outro de maior peso signifique a exclusão
do primeiro; já as regas embora admitam exceções, quando contraditadas provocam a
exclusão do dispositivo colidente; 3. o conceito de validade cabe bem para as regras,
mas não para os princípios que, por serem submetidos a avaliação de importância, mais
bem se encaixam no conceito de legitimidade.
Graças, em grande parte, aos estudos de ROBERT ALEXY e do jus filósofo norteamericano RONALD DWORKIN, sucessor de HERBERT HART na cátedra de
Jurisprudence
na
Universidade
de
Oxford,
essa
dissociação
foi
superada:
A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as
normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias
diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também
referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem.
Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de
abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.
Seguindo esta trilha, BOBBIO faz um clara análise dos princípios gerais do Direito
(Segundo PAULO BONAVIDES, os princípios gerais do direito foram os antecedentes
históricos dos princípios constitucionais. Vale ressaltar que SAMPAIO DÓRIA, em
trabalho pioneiro escrito em 1926 (!), cujo título era Princípios Constitucionais, tendo
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como referência a Constituição Republicana de 1891, já definia os princípios como
normas: Assim, os princípios se entendem por normas gerais e fundamentais que
inferem leis. E, em direito constitucional, princípios são as bases orgânicos do Estado,
aquelas generalidades do direito publico, que como naus da civilização devem
sobrenadar ás tempestades políticas, e ás paixões dos homens. Os princípios
constitucionais da União brasileira são aqueles cânones, sem os quais não existiria esta
União tal qual é nas suas características essenciais" (apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.
Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 109),
inserindo-os no amplo conceito de normas:
"Os princípios gerais são apenas, no meu entendimento, normas fundamentais ou
generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva ao engano,
tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. A meu ver
não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também
a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os
argumentos são dois, e ambos válidos: antes de tudo, se são normas aquelas das quais
os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização
sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie
animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função
para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é,
a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna?
Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo
escopo que servem as normas. E por que não deveriam ser normas?"( BOBBIO,
Norbeto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 7a ed. Unb, Brasília, 1996, p. 159).
Dessume-se, por conseguinte, que, na atual classificação, de cunho pós-positivista,
norma é o gênero do qual são espécies as regras e os princípios (e os valores, para os
que aceitam essa tese), que se diferenciam lógica e qualitativamente. Não pode, pois, o
estudioso do direito equiparar a norma jurídica às regras. Estas são apenas uma das
faces das normas. O jurista, ao analisá-las, deve aferir-lhes a espécie (princípios ou
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regras) e a hierarquia (norma constitucional, legal ou mesmo infralegal) para bem
entender seu posicionamento no ordenamento jurídico.
E qual seria a diferença entre regras e princípios?
A resposta não é simples, mas se pode, com a ajuda de doutrinadores, chegarem a uma
distinção satisfatória.
Para saber como distinguir, no âmbito do conceito norma, entre regras e princípios, é
uma tarefa particularmente complexa, podendo, porém, ser utilizado os seguintes
critérios
por
ele
sugeridos
CANOTILHO:
"a) O grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração
relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração
relativamente
reduzida.
b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem
vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do
juiz?),
enquanto
as
regras
são
susceptíveis
de
aplicação
direta.
c) Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são
normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à
sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua
importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de
Direito).
d) ´Proximidade da idéia de direito` : os princípios são ´Standards` juridicamente
vinculantes radicados nas exigências de ´justiça` (DWORKIN) ou na ´idéia de direito`
(LARENZ); as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente
formal.
e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas
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que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso,
uma função normogenética fundamentante" (Apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.
Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 65).
Na lição de WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, as regras "possuem a estrutura
lógica que tradicionalmente se atribui às normas do Direito, com a descrição (ou
"tipificação") de um fato, ao que se acrescenta a sua qualificação prescritiva, amparada
em uma sanção (ou na ausência dela, no caso da qualificação como "fato permitido"). Já
os princípios fundamentais - prossegue o jurista -, igualmente dotados de validade
positiva e de um modo geral estabelecidos na constituição, não se reportam a um fato
específico, que se possa precisar com facilidade a ocorrência, extraindo a conseqüência
prevista normativamente. Eles devem ser entendidos como indicadores de uma opção
pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica
de uma infinidade de fatos e situações possíveis, juntamente com outras tantas opções
dessas, outros princípios igualmente adotados, que em determinado caso concreto
podem se conflitar uns com os outros, quando já não são mesmo, in abstracto,
antinômicos
entre
si"
(Direitos
Fundamentais,
processo
e
princípio
da
proporcionalidade. In: Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais. Coor.
WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO. Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre,
1997, p. 17).
Em
outras
palavras:
a) as regras descrevem uma situação jurídica, ou melhor, vinculam fatos hipotéticos
específicos, que, preenchidos os pressupostos por ela descrito, exigem, proíbem ou
permitem algo em termos definitivos (direito definitivo), sem qualquer exceção. P. ex.
"aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio,
deverá nomear à autoria o proprietário ou o possuidor" (art. 62 do CPC);
b) os princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem descrever uma
situação jurídica, nem se reportar a um fato particular, exigindo, porém, a realização de
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algo, da melhor maneira possível, observadas as possibilidades fáticas e jurídicas
(reserva do possível). Possuem um maior grau de abstração e, portanto, irradiam-se por
diferentes partes do sistemas, informando a compreensão das regras, dando unidade e
harmonia ao sistema normativo. P. ex., "todos são iguais perante a lei", onde a
igualdade surge como a instância valorativa adotada pela Carta Magna.
Como se observa, a diferença entre os princípios e as regras são quantitativas e
qualitativas.
Já no século passado, JEAN BOULANGER, que, segundo PAULO BONAVIDES, foi o
mais
insigne
predecessor
da
normatividade
dos
princípios,
dizia:
"Há entre princípio e regra jurídica não somente uma disparidade de importância mas
uma diferença de natureza. Uma vez mais o vocábulo é a fonte de confusão: a
generalidade da regra jurídica não se deve entender da mesma maneira que a
generalidade de um princípio" (BONAVIDES, Paulo. Idem, p. 239).
Pode-se dizer, assim, que as regras são "concreções dos princípios" (GRAU, Eros
Roberto. Licitação e Contrato Administrativo. Malheiros, São Paulo, 1995, p. 16), e
estes são "mandamentos de otimização" (A expressão é de Alexy, conforme SANTOS,
Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Celso
Bastos Editor, São Paulo, 1999, p. 14. Ressalte-se que Alexy é um dos grandes
expoentes dessa dogmática principialista que domina os discursos constitucionais da
atualidade) das regras. Afinal, por trás de toda regra há um princípio que a fundamenta
(Dessa assertiva, vem logo à tona a famosa frase do jurisconsulto WACH de que "a lei é
mais sábia que o legislador", ou seja, a regra "tem no espírito do intérprete sua usina e
complemento de produção" (FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. Malheiros,
São Paulo, 1997, p. 265). Cabe, pois, ao hermeneuta extrair da regra o sentido que
melhor se coadune com a diretriz dada pelo princípio que fundamenta essa regra
mesma). É a natureza normogenética dos princípios.
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Importante salientar que tanto as regras quanto os princípios são necessários à
composição
do
sistema
jurídico,
pois,
na
lição
de
CANOTILHO:
"Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um
sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa
exaustiva e completa - legalismo - do mundo da vida, fixando, em termos definitivos, as
premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um ´sistema de
segurança`, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e
desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um
sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a
introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses,
de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política
monodimensional
(...).
O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios (...) levar-nos-ía a
conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras
precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a dependência do ´possível` fático e
jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e
tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema" (Apud
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos
Tribunais, São Paulo, 1999, p. 186).
Malgrado possa parecer que essa idéia de sistema jurídico como o somatório de regras e
princípios tenha valor meramente doutrinário, o certo é que ela enfatiza a força
normativa e vinculante dos princípios, impondo sua aplicação sempre e sempre.
De fato, na antiga noção que distinguia as normas dos princípios, estes, por possuírem
grande traços de indeterminação, tinham valor suplementar, meramente indicativo,
quando muito, subsidiário. Tratava-se mais de disposição política do que jurídica. Ainda
hoje, há juristas que não compreendem a verdadeira força normativa dos princípios.
Assim, por exemplo, há quem entenda que a violação a um princípio não justifica a
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concessão de um mandado de segurança, porquanto, no caso, não haveria um "direito"
líquido e certo a ser protegido. Trata-se, porém, de uma visão distorcida e desatualizada
que, na verdade, retira grande parte da eficácia protetiva do mandado de segurança, vez
que, na maioria dos casos, a violação a direito líquido e certo ocorre por transgressão a
princípios.
Realmente, considerando que a Constituição é um sistema de normas. Constituição,
uma vez posta em vigência, é um documento jurídico, é um sistema de normas. As
normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas, conservam os
atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De regra, como qualquer
outra norma, elas contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força
jurídica e não apenas moral. Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo
próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade,
inclusive pelo estabelecimento das conseqüências de insubmissão ao seu comando. As
disposições constitucionais são não apenas normas jurídicas, como têm um caráter
hierarquicamente superior, não obstante a paradoxal equivocidade que longamente
campeou nesta matéria, considerando-as prescrições desprovidas de sanção, mero
ideário não-jurídico.
Concretizar o princípio, seguindo a lição de CANOTILHO, é fazer com que ele chegue
até a norma de decisão, ou seja, é fazer com o princípio "construa" a norma jurídica
concreta, passando de normas generalíssimas abstratas (dos textos normativosconstitucionais) a normas concretas de decisão (contextos jurídicos-decisionais).
Densificar, por sua vez, significa preencher, complementar e precisar o espaço
normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a
fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos.
As tarefas de concretização e de densificação de normas andam pois, associadas:
densifica-se um espaço normativo (= preenche-se uma norma) para tornar possível sua
concretização e a conseqüente aplicação a um caso concreto.
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É de grande importância ter em mente que a densificação não é tarefa apenas do
legislador. De fato, a densificação de um princípio é uma tarefa complexa, que se inicia
com a leitura isolada do texto que enuncia o princípio, passando, em uma segunda fase,
por uma análise sistemática do texto constitucional, e, a partir daí, buscando os
contornos capazes de preencher o significado do princípio. Esses "contornos", portanto,
podem ser encontrados tanto no próprio texto constitucional, quanto na lei, na doutrina,
na jurisprudência etc. Ou seja, a densificação do princípio é qualquer atividade capaz de
fornecer subsídios hábeis a melhorar a compreensão do significado da norma.
3. PRINCÍPIOS EXPRESSOS E NÃO EXPRESSOS: "DESCOBRINDO" OS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Se por um lado parece fácil aceitar a idéia de que os princípios expressos são normas
jurídicas e, por isso mesmo, devem ser tratados como normas capazes de impor
obrigações e direitos no mundo fático, o mesmo não se pode afirmar quando nos
referimos aos princípios não expressos.
Ademais, uma vez incorporados a Constituição, os princípios fundamentais passam a
suscitar interesse no tocante a sua tipificação ou enquadramento normativo. Seria o caso
então de indagar da força normativa dos princípios, isto é, se os mesmos tem alguma ou
acentuada expressão normativa. A distinção, pois, entre principio e normas jurídicas não
resulta na negação dos princípios como espécie normativa: uma vez positivados no
texto constitucional, ascendem os princípios a categoria normativa , pelo que devem ser
tidos como normas jurídicas.
Com efeito, ninguém duvida que o "princípio da função social da propriedade",
explícito no art. 5o, inc. XXIII, da CF/88, deve ser por todos observado, sobretudo por
se tratar de norma elevada à categoria de cláusula pétrea ou, como preferem alguns,
garantia de eternidade.
Por outro lado, bem mais difícil é admitir a juridicidade de princípios tais qual o da
proporcionalidade, ou mesmo da unidade da Constituição, que carecem de disposição
expressa. Quanto ao princípio da proporcionalidade, é de se anotar que várias leis
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infraconstitucionais fazem a ele referência, sendo de se destacar que a recente Lei do
Processo Administrativo Federal (9.784, de 29 de janeiro de 1999), em seu art. 2o,
inclui expressamente a proporcionalidade entre os informadores do procedimento
administrativo.
No entanto, deve-se ter em conta - e isto já é pacífico, apesar das intermináveis
discussões em torno do Direito Natural, que parece estar superada em face do
surgimento dessa nova teoria pós-positivista que, ao "valorizar" a norma, considera que
o Direito Natural está "positivado" - que os princípios não necessitam estar expressos
num determinado diploma jurídico para ter força vinculante, vez que eles podem ser
encontrados "de forma latente" no ordenamento. Assim como quem tem vida física,
esteja ou não inscrito no Registro Civil, também os princípios ´gozam de vida própria e
valor substantivo pelo mero fato de serem princípios, figurem ou não nos Códigos.
Crítica interessante acerca da necessidade de se "normatizar" a Constituição em matéria
de Direito Constitucional, é fundamental que se diga, ser positivista não significa
reduzir o direito a norma, mas sim elevá-lo à condição de norma, pois ele tem sido
menos que isto. Não é próprio das normas e das normas constitucionais - sugerir,
aconselhar, alvitrar. São elas comandos imperativos. O resgate da imperatividade do
texto constitucional, por óbvio que possa parecer, é uma instigante novidade neste País
habituado a maltratar suas instituições.
Com efeito, os princípios jurídicos podem estar expressamente enunciados em normas
explícitas ou podem ser descobertos no ordenamento jurídico, sendo que, neste último
caso, eles continuam possuindo força normativa. Ou seja, não é por não ser expresso
que o princípio deixará de ser norma jurídica. Reconhece-se, destarte, normatividade
não só aos princípios que são, expressa e explicitamente, contemplados no âmago da
ordem jurídica, mas também aos que, defluentes de seu sistema, são anunciados pela
doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito (ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito
de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 55).
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Apesar disso, o mais prudente é que os princípios sejam, na medida do possível,
expressos, a fim de que se prestigiem a segurança jurídica e a harmonia sistemática do
direito Neste sentido, JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA: "Segundo alguns, os
princípios não necessitariam de formulação normativa explícita.
No entanto, pensamos que a falta de concreção normativa dos princípios, expressão da
certeza jurídica, pode trazer certo grau de insegurança.
Vale a pena reproduzir o ensinamento de CANOTILHO sobre o assunto: "Mas o que
deve entender-se por princípios consignados na constituição? Apenas os princípios
constitucionais escritos ou também os princípios constitucionais não escritos? A
resposta mais aceitável, dentro da perceptiva principialista, é a de que a consideração de
princípios constitucionais não escritos como elementos integrantes do bloco da
constitucionalidade só merece aplauso relativamente a princípios reconduzíveis a uma
densificação ou revelação específica de princípios constitucionais positivamente
plasmados" - ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais.
Revista
dos
Tribunais,
São
Paulo,
1999,
p.
198)
LUÍS ROBERTO BARROSO, no mesmo texto já citado, enumera alguns princípios
que, embora não expressos no texto constitucional ou em qualquer outro diploma
escrito, são de comum observância: princípio da supremacia da Constituição, princípio
da unidade da Constituição, princípio da continuidade da ordem jurídica, princípio da
interpretação conforme a Constituição. Em suma: são princípios que, embora não
constem no texto constitucional, estão positivados, pois decorrem do próprio sistema em
que estão inseridos.
Aliás, é interessante notar que a própria Constituição pátria vigente "positiva" este
entendimento quando afirma que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados" (§2o, do
art. 5o).
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4. PODE UM PRINCÍPIO EMBASAR UMA PRETENSÃO EM JUÍZO?
Feitas essas considerações, podemos agora formular e responder uma questão
processual que atormenta deveras os juristas. Diz respeito às condições da ação, mais
especificamente à possibilidade jurídica do pedido: pode um princípio, por si só,
fundamentar uma pretensão em juízo? Em outras palavras: decorrem direitos subjetivos
dos princípios ou seria "juridicamente impossível" recorrer ao judiciário fundamentado
tão-somente em um princípio constitucional?
Nossa resposta a essa pergunta é categórica: é óbvio que os princípios, enquanto normas
jurídicas podem fundamentar autonomamente uma pretensão!
Embora possa não parecer difícil essa assimilação, sobretudo em face de tudo o que foi
exposto acerca da normatividade dos princípios, o certo é que não foi fácil - como ainda
hoje para alguns juristas não o é - aceitar que os princípios podem gerar direitos
subjetivos. Até CANOTILHO já defendeu, nos seus primeiros estudos, que os
princípios não poderiam, de per si, fundamentar autonomamente pretensões: "enquanto
um direito constitucional pode ser diretamente invocado em tribunal como justificativo
de um recurso de direito público, já a inobservância de um princípio é considerada
insusceptível de, por si só, fundamentar autonomamente um recurso contencioso. Seria,
por exemplo, difícil fazer valer uma pretensão em tribunal invocando-se tão somente o
princípio da proporcionalidade. Os princípios fundamentais, fornecendo embora
directivas jurídicas para uma correta análise dos problemas constitucionais, não
possuem normatividade individualizadora que os torne suscetíveis de aplicação imediata
e autônoma" (Esse texto pode ser encontrado na primeira edição de seu Direito
Constitucional, de 1977). Somente posteriormente, após seu "encontro teórico" com
ALEXY e DWORDIN, é que o mestre português passou a ter um posicionamento mais
principialista, passando a reconhecer a força normativa imediata dos princípios
constitucionais.
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5.
AFRONTA
A
PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
E
O
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
No nosso entender, quando a Constituição determina que caberá recurso extraordinário
quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição (art. 102, III, a), é
inegável que, se a decisão recorrida contrariar princípio constitucional, configurado está
o pressuposto para o cabimento do recurso extraordinário.
Nem se diga que, no caso, a contrariedade seria "reflexa" ou "mediata". Primeiro,
porque a Constituição não exige que a contrariedade seja direta; segundo, porque os
princípios constitucionais são normas jurídicas e, por isso, sempre que a decisão
contrariar o princípio estará contrariando a norma constitucional diretamente e na sua
pior forma de violação, que é a contrariedade a princípio. Do contrário, o princípio
constitucional seria mero ideário político, destituído do força sancionatória, e todos se
sentiriam "à vontade" para os contrariar.
6. CONCLUSÃO
Os princípios, ao lado das regras, são normas jurídicas. E mais: os princípios, cuja
ambiência natural é a Constituição, são normas jurídicas com um grau máximo de
juridicidade, cuja normatividade é, por conseguinte, potencializada. Se isso é verdade e, nesse ponto, parece que não há mais tanta discussão quanto havia outrora -, por que
então os nossos Tribunais insistem em não reconhecer a força normativa dos princípios.
violar um princípio constitucional não é violar a própria Constituição, de forma direta?
A resposta para todas essas questões é bem simples: os nossos juristas ainda não dão o
devido valor à força normativa dos princípios. E o pior: fazem uma completa inversão
de valores, fazendo com o princípio tenha que se rebaixar à lei para ser aplicado, como
se fosse o princípio que girasse em torno da lei, e não o inverso. Tudo quanto
escrevemos fartamente acerca dos princípios, em busca de sua normatividade, se resume
no seguinte: não há distinção entre princípios e normas, os princípios são dotados de
normatividade, as normas compreendem regras e princípios, a distinção relevante não é,
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como nos primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e
princípios, sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a espécie.
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