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Saúde
Estresse: o mal do século
Sete em cada dez brasileiros reclamam de estresse no trabalho. Destes, pelo menos três
sofrem da chamada síndrome de Burnout - esgotamento mental e físico intenso causado
por pressões no ambiente profissional
por Fátima Bittencourt
Muito se fala sobre o estresse, que vem sendo caracterizado como a doença do século
XXI. Um levantamento realizado pela Associação Internacional do Controle do
Estresse, ISMA (International Stress Management Association), revelou que o Brasil é
o segundo país do mundo com níveis de estresse altíssimos. Pelo menos três em cada
sete trabalhadores sofrem a síndrome de Burnout e não sabem. Resultado da soma de
algumas respostas mentais e físicas, o estresse fisiológico, sem sobrecargas, pode
contribuir de forma saudável para o crescimento e o desenvolvimento dos nossos
ossos, músculos, cérebro e demais partes do corpo. Sua causa como doença, porém,
está relacionada aos estímulos externos e à pressão a qual é submetida uma
determinada pessoa e ao desgaste que ela pode sofrer sob esta pressão. Para atender
a essa demanda de cura, normalmente os tratamentos são associados à medicação e
atividade física relaxante.
O termo “estresse” designa desgaste e tensão, tendo sua origem na física. Sua rápida
propagação no mundo pode estar associada ao fato de que, por milhões de anos, o ser
humano foi se adaptando biologicamente a um estilo de vida diurno e não sedentário,
além de um ritmo de mudanças muito mais lento do que encontramos nos dias atuais,
especialmente nas grandes cidades. O excesso de ruídos, as luzes artificiais que nos
mantêm acordados à noite, a falta de exercício, a poluição, os engarrafamentos, o
excesso de informações e de preocupações são exemplos de fontes de estresse no
mundo moderno para os quais o nosso corpo não se adaptou.
Muito embora estejam intimamente ligados, estresse, ansiedade e
transtornos de ansiedade são conceitos diferentes. Ansiedade é um
estado de alerta especial que desenvolvemos quando estamos em
situações de estresse, com o objetivo de aumentar a nossa
capacidade de adaptação a situações novas e potencialmente
perigosas. O nosso corpo desenvolveu complexos mecanismos que
integram funções cerebrais e hormonais para regular quando ativar e
desativar uma resposta de ansiedade e qual o tipo e a intensidade de
resposta será a mais adequada às situações que vivenciamos.
Quando estes mecanismos não estão funcionando adequadamente,
dizemos que há, então, um transtorno de ansiedade. A introdução
de pequenas mudanças no cotidiano, como meditação, prática
de atividades físicas prazerosas e a alimentação balanceada,
pode ajudar a combater o estresse
O excesso de informações e de preocupações são exemplos de fontes de
estresse no mundo moderno
Os transtornos de ansiedade podem ter diferentes tipos de estresse em sua origem,
tendo muitas das vezes como sintomas o transtorno de ansiedade generalizada,
quando o indivíduo tem dificuldade de desativar o estado de ansiedade e passa a maior
parte do tempo tenso e ansioso na expectativa de que algo ruim possa acontecer; além
do transtorno obsessivo-compulsivo, quando a mente é invadida por pensamentos
desagradáveis associados aos medos do indivíduo e muita ansiedade. Há, ainda, as
fobias, que são fortes reações de ansiedade, e o medo paralisante, que pode impedir o
indivíduo de lidar com a situação temida; a síndrome do pânico, caracterizada por
ataques repetidos de ansiedade súbita com sintomas corporais fortes, como sudorese,
falta de ar e medo de morrer ou de enlouquecer; e o transtorno de estresse pós-
traumático, quando a pessoa revive repetidas vezes em sua mente situações
traumáticas pelas quais passou.
Observamos, porém, que toda resposta fisiológica de ansiedade ao estresse é
autolimitada e feita para durar pouco tempo. É por isso que o excesso de estresse
pode levar a tantos problemas de saúde, como pressão alta, gastrite, cólon irritável,
depressão, pânico, alcoolismo e muitas outras doenças. O excesso de estresse
também já foi associado a um maior risco de se desenvolver câncer, doenças
autoimunes, asma, fibromialgia, fadiga crônica, doenças cardíacas, dermatológicas e
baixa imunidade; podendo estimular, ainda, o desenvolvimento da síndrome de
Burnout, distúrbio psíquicos de caráter depressivo, ainda pouco conhecido pela
população. De acordo com Herbert J. Freudenberger, a síndrome de Burnout é “um
estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida
profissional”.
Os efeitos
A síndrome de Burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento físico, é
uma doença gerada pelo grau mais elevado do estresse, caracterizada pelo
esgotamento mental intenso causado por pressões no ambiente profissional, que leva
ao esgotamento total do paciente e atinge três em cada dez trabalhadores do País. O
portador dessa doença muitas vezes não sabe que a possui e passa a medir sua
autoestima pela capacidade de realização e sucesso profissional. Sendo assim, sente a
necessidade de se afirmar, transformando em obstinação e compulsão o desejo de
realização profissional. Este fenômeno pode estar ligado à ideia de que ser um
workaholic – pessoas que vivem para o trabalho – se tornou status para a maioria das
pessoas que vivem nas grandes cidades, nas quais o número de estressados é maior,
e como consequência, a probabilidade do surgimento da síndrome é aumentada.
• mudança de comportamento
Segundo matéria do jornal O Globo, cresce o número de empresas que criam
programas para encorajar workaholics a equilibrarem suas vidas profissional e privada.
Uma pesquisa do International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR)
mostra que hoje, executivos de empresas privadas e profissionais liberais trabalham de
50 a 52 horas semanais, apesar de a Constituição limitar a carga a 44 horas. Uma das
dificuldades para instaurar uma mudança de comportamento, diz a presidente da
ISMA-BR, Ana Maria Rossi, é que muitas companhias querem que esses funcionários
desacelerem, mas seus líderes não mudam o hábito de permanecer muitas horas na
empresa, trabalhando.
Embora a doença esteja diretamente ligada ao campo profissional, o seu
desenvolvimento não se restringe apenas à profissão. Um indivíduo pode trabalhar
muito, mas ter uma relação saudável com o trabalho. Os profissionais de alto
rendimento, alta responsabilidade e competitividade, como médicos, professores,
corretores, enfermeiros, estão mais propensos a desenvolver a síndrome de Burnout e
o mercado de trabalho das grandes metrópoles, extremamente competitivo, é cenário
perfeito para que muitos profissionais acabem sucumbindo à doença.
Dados sugerem que o Burnout atinge um número significativo de indivíduos, variando
de aproximadamente 4% a 85,7%, conforme a população estudada. Pode apresentar
comodidade com alguns transtornos psiquiátricos, como a depressão. Seus efeitos
podem prejudicar o profissional em três níveis: individual (físico, mental, profissional e
social), profissional (atendimento negligente e lento ao cliente, contato impessoal com
colegas de trabalho e/ou pacientes/clientes) e organizacional (conflito com os membros
da equipe, rotatividade, absenteísmo, diminuição da qualidade dos serviços). Mais
pesquisas devem ser realizadas para que mudanças positivas nas organizações de
trabalho sejam baseadas em evidências científicas.
Como o Burnout é consequente a um processo crônico de estresse, cabe relatar que,
na Europa, o estresse aparece como um dos fatores mais importantes em relação à
diminuição da qualidade da saúde na década de 1990 (European Foundation for the
Improvement of Living and Working Conditions, 1995/6).]
Nos Estados Unidos, o estresse e problemas relacionados, como o Burnout, provocam
um custo calculado de mais de US$ 150 bilhões anualmente para as organizações
(Donatelle e Hawkins, 1989). As implicações financeiras específicas do Burnout
merecem ser avaliadas diante da insatisfação, absenteísmo, rotatividade e
aposentadoria precoce causados pela síndrome (World Health Organization, 2003).
Em estudo de equipe pertencente à Organização Mundial da Saúde (OMS),
considerou-se o Burnout como uma das principais doenças dos europeus e
americanos, ao lado do diabetes e das doenças cardiovasculares (Akerstedt, 2004;
Weber e Jaekel-Rreinhard, 2000). A OMS convocou um grupo internacional de
conhecedores no assunto como Cherniss (EUA), Cooper (Rreino Unido), entre outros,
a fim de elaborar medidas para a sua prevenção (World Health Organization, 1998).
Em relação à população geral, pouco se sabe sobre a prevalência do Burnout. Um
levantamento alemão estimou que 4,2% de sua população de trabalhadores era
acometida pela síndrome (Houtman et al., 1998).3
Sendo assim, no combate a essa doença, que quando não cuidada pode até levar à
morte, pequenas mudanças no cotidiano podem ser fortes aliadas, tais como:
alimentação balanceada, praticar atividades físicas, ter um hobby, manter relações
sociais e integração familiar. Apesar da simplicidade dessas recomendações, poucos
são os trabalhadores de hoje que podem segui-las.
O principal sintoma da síndrome de Burnout é a sensação de ter sido consumido pelo
estresse, de estar esgotado e sem energia. Vários outros sintomas são comuns, como
sono ruim, cansaço, dores no corpo; lapsos de memória; dificuldade de concentração;
irritabilidade; desesperança; tristeza e transtorno de humor; esgotamento profissional
que corresponde ao colapso físico e mental; avaliação negativa de si mesmo;
depressão e insensibilidade com relação a quase tudo e todos; descaso com as
necessidades pessoais (comer, dormir e sair com os amigos); recalque de conflitos, em
que o portador percebe que algo não vai bem, mas não enfrenta o problema;
discriminação pelos colegas de trabalho. Cinismo e agressão também são bastante
evidentes.
A prevalência do Burnout nos vários países ainda é incerta, mas dados apontam
acometimento significativo que justifica mais estudos a respeito dessa patologia com
fatores de risco multifatoriais (indivíduo, trabalho, organização).
Pode-se apresentar em conjunto com algumas doenças psiquiátricas ou até
desencadeá-las, como Burnout seguido por transtorno depressivo. Entretanto, não se
encontraram estudos que avaliassem, por entrevistas estruturadas, essas taxas entre
as duas condições e possíveis relações causais.
Políticas Públicas
As pressões na saúde mental mundial estão se intensificando. De acordo com as
Nações Unidas, o mundo será mais velho, mais populoso e mais pobre
aproximadamente em 2050. Como essas condições ao seu redor, entre outras, criam
tensão (estresse) e ansiedade, mais pessoas serão suscetíveis a transtornos mentais
Segundo a OMS, “nossa saúde mental tem um impacto opressivo em nossas
habilidades para funcionar e participar na sociedade. Temos de começar a colocar
mais de nossos recursos a favor da saúde mental”.
Para mudanças positivas, as decisões nas instituições têm de ser baseadas em
evidências científicas sobre a abordagem e o tratamento que mantenham a saúde
mental para, só assim, alterarem as políticas de benefícios e os recursos humanos
direcionados (Moreno-Jimenez, 2000). Mais pesquisas sobre a síndrome de Burnout
devem ser realizadas.
Você sabia que:
Existem dois diferentes níveis de estresse que podem
ser caracterizados como:
1. Eustress: estresse positivo, necessário para corresponder
suas demandas do dia a dia.
2. Destress: estresse negativo com efeito prejudicial ao desempenho. Ultrapassa o que
necessitamos.
Existem três fases do estresse:
1. Alarme: mobiliza a energia, as forças não têm prejuízo. Estresse positivo é
necessário para ação. Estado de alerta.
2. Resistência: a fase dos sintomas, o corpo dá sinal. Às vezes não se dá conta disto.
Fase da intervenção.
3. Esgotamento: acabou a energia (Burnout). É necessário tratamento multidisciplinar
para restabelecimento físico e emocional do paciente.
O tratamento para quem sofre de
estresse excessivo, entre eles a
síndrome de Burnout, geralmente
associa medicação à atividade
física relaxante
As consequências do Burnout têm efeitos negativos para a organização, para o
indivíduo e sua profissão (Goetzel et al., 2002; Moreno-Jimenez, 2000; Murofuse et al.,
2005; Sschaufeli, 1999b).
Estresse x Memória
De um ponto de vista evolucionário, Bruce McEwen, da Universidade Rrockefeller,
afirma ser fácil entender por que a memória e o estresse estão inter-relacionados. Os
eventos estressantes, percebidos como ameaçadores à homeostase ou à
sobrevivência do organismo, são os mais importantes a serem lembrados. As
memórias associadas a esses eventos podem se formar instantaneamente e serem
recobradas com a mesma rapidez para garantir a sobrevivência em uma situação de
ameaça posterior. Essas memórias são formadas por uma parte do cérebro que se
chama amígdala cerebelar (região do cérebro responsável pela resposta em situações
emocionais e de emergência) e trabalham em associação íntima com o hipocampo,
que é o “guardião da cidadela da memória”. Para garantir que os eventos estressantes
fiquem gravados com força na memória, o hipocampo possui alguns receptores
destinados ao cortisol, principal hormônio do estresse que auxilia a formação de
memórias. No entanto, em níveis altos e crônicos, pode acarretar déficits de memória e
de funções cognitivas.
Isso acontece porque, de acordo com Rrobert Ssapolsky, da Universidade Sstanford,
os glicocorticoides, a classe de hormônios que reabastece o combustível ao qual
pertence o cortisol, tem, nessas situações, efeito tóxico sobre as células cerebrais do
hipocampo, matando-as. O hipocampo também participa do desligamento da reação
hormonal ao estresse, mandando sinais inibitórios ao hipotálamo, em que a reação
hormonal ao estresse é controlada, pelo eixo HPA.
Características da personalidade
Fatores Individuais podem associar o surgimento da Síndrome de Burnout.
Padrão de personalidade: pessoas competitivas, esforçadas, impacientes, com
excesso de necessidade em ter o controle da situação, dificuldade de tolerância das
frustrações.
Envolvimento: pessoas empáticas e agradáveis, sensíveis e humanas, com alta
dedicação profissional, altruístas, obsessivas, entusiasmadas.
Pessimismo: costumam destacar aspectos negativos, suspeitam sempre do insucesso,
sofrem por antecipação.
Perfeccionismo: pessoas muito exigentes consigo próprias e com os outros,
intolerância aos erros, insatisfeitas com os resultados.
Grande expectativa profissional: pessoas com grande chance de se decepcionarem.
Centralizadores: pessoas com dificuldade em delegar tarefas ou para trabalhar em
grupo.
Passividade: pessoas sempre defensivas, que tendem à evitação diante das
dificuldades.
Nível educacional: são mais propensas as pessoas com maior nível educacional.
Estado civil: as pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas são mais propensas ao
Burnout.
Sintomas do Estresse
Físicos:
• Indigestão;
• Dores de cabeça;
• Alergias;
• Insônia;
• Mudança de apetite;
• Esgotamento físico;
• Gastrite;
• Taquicardia e outros.
Psicológicos:
• Memória fraca;
• Desmotivação;
• Autoritarismo;
• Introspecção;
• Isolamento;
• “Tiques Nervosos” e outros.
Durante o estresse, cérebros com lesões no hipocampo levam mais tempo e/ou não
conseguem desligar sua reação ao estresse e relaxar, além de apresentarem níveis
mais altos de cortisol, o que leva a níveis ainda mais altos de hormônios do estresse,
danificando cada vez mais o hipocampo em um círculo vicioso. Deste modo, o mesmo
processo cerebral que auxilia a sobrevivência, protegendo o organismo em momentos
de estresse agudo, contribui para o seu adoecimento em momentos de estresse
crônico.
Em contrapartida, os momentos de relaxamento mostram que os níveis de hormônios e
neurotransmissores se revertem, o que representa uma pausa em alguns dos
processos por meio dos quais o cérebro recupera-se dos danos causados pelo
estresse e renova-se. Esses processos são a plasticidade – pela qual o cérebro se
reconfigura em reação a estímulos do mundo externo – e a neurogênese – o
nascimento de novos neurônios.
Embora a doença esteja diretamente ligada ao campo profissional, o seu
desenvolvimento não se restringe apenas à profissão
Nos momentos de estresse, o cérebro detém tanto a plasticidade quanto a
neurogênese, como uma medida de proteção, e isso pode explicar o encolhimento do
hipocampo, uma vez que os hormônios do estresse contribuem para a morte das
células no hipocampo, que não desligam adequadamente a reação hormonal ao
estresse e também não nascem novos neurônios. A boa notícia é que todos esses
danos são reversíveis.
Fátima Bittencourt é psicóloga (USU), pós-graduada em psicossomática (Imepsi) e método
e pesquisa (FGV-RJ), formação holística, terapia sistêmica (Núcleo e Pesquisa),
abordagem transpessoal (Unipaz),membro do ISMA-BR-International Stress Management
Association, mentora do STRESS CHECK-UP e Diretora do Grupo Sanare Saúde
Integrada – www.gruposanare.com
REFERÊNCIAS
Código Internacional de Doenças 10ª edição, OMS. Medicina net. Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/cid10/e.htm. Acessado em 23 nov.
2010. Epocates, enciclopédia médica eletrônica, 2010 Medscape, enciclopédia
médica eletrônica, 2010.
http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/63/Imagens/popup.jpg
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