“ESSA AINDA NÃO É PRÁ TOCAR NO RÁDIO”: Da moeda como medida e expressão do Valor Jason Tadeu Borba (*) O governo brasileiro está empenhado no estabelecimento de uma "muralha de confiança" para trazer de volta os "investidores" internacionais. Com o fracasso do "Real", a questão da medida de valores para a riqueza nacional está reposta. "Seria a crise atual uma crise na ou da globalização?", era a pergunta em agosto para o BOLETIM. Escrevia que as bases para a disseminação do esquema da âncora cambial na periferia do sistema tinham se esgotado. A internacionalização excludente teria que encontrar outro estilo financeiro: é o que faz agora nos marcos de crescente instabilidade monetária. A desvalorização do Real era inevitável, assim como continua sendo a moratória interna e externa. Se antes a discussão era o timing da maxi-desvalorização, agora está em jogo a reindexação geral da economia e a moratória interna. Estamos em compasso de espera. Aparentemente o governo gerencia a crise, ministrando taxas de juros ascendentes como forma de conter os preços. Na realidade, as taxas de juros reais continuarão inflexíveis para baixo enquanto permanecer a pressão do giro da dívida. É bastante perigosa a tentativa de enganar o mercado descolando a taxa real da nominal. Daí a dolarização crescente dos títulos públicos. O problema, então, se transfere para realidade ou não do dólar oficial. Quando o governo instala um especulador no BACEN para vigiar e atemorizar o mercado, o caráter precário da situação está exposto. Qual seria, então, o dólar real para a nova situação da economia: R$ 1,80 ou R$ 2,24? Seria esta uma nova "mega-banda"? Otimismo. Todo mundo sabe que melou e os modelos mais escatológicos estão se apresentando. O "currency board" é um deles. Trata-se, em suma, da dolarização total da economia, atrelamento total ao Dólar, podendo chegar até à aniquilação do padrão monetário nacional como medida de valor: padrão ouro, atual padrão Dólar. Mas a política cambial anterior era um "currency" com jogo de cintura. Nossa tese é de que esse modelo de "currency" climatizado já se esgotou. A menos que exista um novo patamar mágico de estabilidade para os preços relativos internos e externos, tudo não passa de loucura. A contabilização do impacto dos insumos dolarizados nos custos e preços relativos é absolutamente ingênua. Mas as loucuras podem ser perpetradas pelos mais diversos motivos e circunstâncias. Em o sendo, a realidade mais cedo ou mais tarde se impõe cruelmente. Em termos de política nacional isso é sério. As tentativas oficiais, em conjunto com os organismos internacionais de monitoramento, de programar a economia para os próximos anos com base em metas para o setor externo são ilusórias: US$ 11 bilhões de superávit comercial para 1999! Se os ingressos comerciais líquidos, de alguma maneira, estiverem relacionados com a liberação de recursos do FMI, a proposta já furou! Afinal de contas, quem libera os recursos nos organismos pára-nacionais deve explicação aos seus pares. O jogo de interesses é pesadíssimo na cultura interna destes organismos. Mas até o momento, temos que convir, o gerenciamento internacional da megacrise financeira brasileira foi impecável. Os capitais voláteis internacionais, na sua parte significativa, já foram embora em busca do seu "porto seguro" no mercado norteamericano, o que não quer dizer que não irão encontrar problemas futuros por lá. As aplicações em títulos brasileiros nos portfólios internacionais tornou-se marginal. Especuladores internacionais estão gratos à pronta e total disposição em abrir-lhes a porta de saída, com Dólar a baixíssimo custo: o governo brasileiro salvou a lavoura - americana é claro! Mas quem está girando a dívida pública interna? Restaram como principais credores a burguesia nacional e camadas superiores da classe média. O calote da dívida pública será contra eles. Essa escolha, perigosa para a base de sustentação social e política do governo, já foi feita e seus passos decorrentes estão em curso. A panacéia do controle do déficit primário está denunciada e escancarada numa luta política sem tréguas em todos os poros da estrutura estatal brasileira, envolvendo as esferas federal, estadual e municipal. Ainda existem algumas últimas ilusões adesistas por parte de alguns governadores. Mas, a burguesia nacional e as classes médias irão buscar nos governos estaduais e municipais sua trincheira de resistência. Ao partirem para a contra-ofensiva, o governo federal estará sitiado, sustentando-se somente no "apoio da comunidade internacional", com direito às falas amigáveis de Clinton's e FMI's da vida. Mas esse teatro já não engana ninguém, muito menos o investidor internacional. É o pior e mais próximo dos cenários. Adeus "muralha de credibilidade"! Mas a economia internacional também está em compasso de espera, na expectativa da economia norte-americana passar "liso" por essa crise cíclica. Lá, o descolamento do capital fictício da base real de valor é assustador. O crescimento ininterrupto nos últimos 8 anos é inédito no pós-guerra, ladeado com o record no déficit comercial em 1998, apontando a fragilidade nos fundamentos da economia. Este déficit ainda está segurando a) a economia européia, prestes a mergulhar numa crise sem precedentes , b) a economia japonesa, que não sai da sua crise, e c) a economia chinesa, que já mostra sinais da grande fragilidade interna da sua transição. Em verdade, as contradições do componente estrutural mais profundo da ordem econômica mundial instalada no pósguerra estão apresentando sua fatura de modo cruel e inexorável ao arsenal da macroeconomia e da economia financeira, as quais perspectivam o curto/curtíssimo prazo. No cenário nacional, as engenhosas peripécias da economia financeira, num mercado especulativo par excellence, e a truculência governamental, no âmbito da regulação macroeconômica, mostram sua exaustão. Talvez estejamos presenciando a falência prática do paradigma de análise neoclássico-keynesiano. Urge fundir as análises estruturais, mais amplas e profundas, e as análises conjunturais. No paradigma neoclássicokeynesiano, o intervencionismo estatal garantiria a estabilidade no curto prazo. Os investimentos dela decorrentes, no quadro na "globalização", resolveriam o longo prazo. Esta estratégia, a "neoliberal", fracassou. Trata-se de um impasse constrangedor para a economia tradicional: temos uma moeda que não tira sua essência dos movimentos conjunturais da política econômica. Ela expressa as contradições estruturais de fundo da economia mundial: seus pressupostos. Daí a crescente instabilidade do curso monetário no mundo e no Brasil. Se o quadro mundial é o de instabilidade monetária, para quem espera uma reindexação suave ou a viabilidade da adoção de um "currency board", essa análise não dá para tocar no rádio (música de Gilberto Gil na qual me inspirei para o título). Observemos a economia norte-americana nos próximos meses: crise a vista! *Professor Assistente Doutor do Departamento de Economia da FEA/PUCSP.