razoabilidade e proporcionalidade nos atos

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RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NOS ATOS
ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar a necessidade que se faz da aplicação dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade na atuação estatal, em especial quanto
aos atos administrativos discricionários. Projeta-se uma análise sobre os atributos e
requisitos dos atos administrativos, para que o tema principal seja abordado de uma
forma mais concreta e consciente. Em linhas finais, são tecidos comentários acerca do
controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos.
Palavras-chave:
Atos
administrativos.
Discricionariedade.
Razoabilidade.
Proporcionalidade. Controle Jurisdicional.
1 Introdução
Diante da conjuntura de subordinação a que estamos submetidos perante a
Administração pública, se faz necessário o uso de limites para que a atuação desta não
viole os direitos e garantias fundamentais definidos pela Carta Magna. Sabemos que o
administrador público por muitas vezes é autorizado pela norma administrativa a agir de
forma discricionária, observando os primados da conveniência e oportunidade na
adoção de seus atos. No entanto, não pode o administrante, no exercício de suas
funções, basear-se tão somente na conveniência e oportunidade do ato em respeito
apenas ao princípio da supremacia do interesse público. Sendo assim, deve o gestor,
utilizando-se dos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, adotar
meios adequados, e que tragam menos sacrifícios ao direito dos administrados, para se
chegar aos fins pretendidos pela Administração Pública. Afinal de contas, em um
Estado Democrático de Direito, principalmente em se tratando da máquina estatal que
regula a vida de milhões de cidadãos, não há mais espaço para a frase maquiavélica de
que “os fins justificam os meios”. Ao contrário, condutas desarrazoadas, bizarras e
incoerentes com o senso comum do povo devem ser banidas do sistema administrativo
brasileiro.
1
2 Dos atos administrativos
Sem disposição legal que o regule, o ato administrativo não possue conceito
definido, cabendo à doutrina essa função. Sendo assim, estranho seria se não houvesse
divergências quanto ao conceito e outras características dos atos administrativos,
levando-se em consideração que a nenhum jurista cabe rotular como verdadeira a sua
concepção. Nas tradicionais lições de Hely Lopes Meirelles:
“Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da
Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato
adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou
impor obrigações aos administrados ou a si própria”. 1
Com o devido respeito à obra do saudoso jurista, tal conceito já se encontra
ultrapassado, por apresentar aspectos muito restritivos acerca do que vem a ser o ato
administrativo. Inicialmente, utilizando-se dos ensinamentos do Prof. José dos Santos
Carvalho Filho, é necessário fazer um “parêntese” no que tange aos sujeitos dessa
manifestação unilateral de vontade. A conceituação adotada por Hely Lopes acaba por
restringir essa manifestação de vontade à Administração Pública, o que leva a crer que
são apenas os agentes que integram a estrutura funcional dos órgãos administrativos que
têm competência para praticar atos administrativos, excluindo assim os agentes
delegatários, que apesar de não integrarem os quadros da máquina estatal, são dotados
de prerrogativas desta. Sendo assim, melhor seria estender, no conceito, a titularidade
do ato administrativo à figura dos agentes delegatários, em consonância com o
entendimento abaixo exposto de Carvalho Filho:
“Não são todas as pessoas que têm competência para praticar atos
administrativos. Para que o ato assim se qualifique, é necessário que o sujeito
da manifestação volitiva esteja, de alguma forma, vinculado à Administração
Pública. Por esse motivo é que, no conceito, aludimos a duas categorias de
sujeitos dos atos administrativos: os agentes da Administração e os
delegatários”.2
Continuando a linha de raciocínio aqui adotada, em busca do conceito que
melhor defina ato administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello, em acepção
restrita, conceitua ato administrativo como:
“declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas,
manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou,
excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente
vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle
de legitimidade por órgão jurisdicional” .3 (Grifos nossos)
Da definição adotada pelo Prof. Celso de Mello, é válido destacar dois aspectos
do ato administrativo. Primeiramente, que este não abrange atos normativos, bem como
1
Direito Administrativo Brasileiro.33ª ed. São Paulo: Malheiros,2007, p. 150.
Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 93
3
Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 354.
2
2
os atos não produtores de efeitos jurídicos diretos, o que o coloca no patamar de ato
infralegal de efeitos jurídicos imediatos, como verdadeiro comando concreto4. O
segundo aspecto está relacionado ao controle jurisdicional dos atos administrativos, ou
seja, esses não são definitivos e absolutos perante o Direito, já que tal ato pode ser
invalidado por força de decisão prolatada pelo Poder Judiciário.
Por fim, citamos o conceito elaborado pelo Prof. Dirley da Cunha Júnior, o qual
nos parece mais claro e completo, tendo em vista que faz referência inclusive à natureza
jurídica do ato administrativo. Senão vejamos:
“Ato administrativo, portanto, é espécie do gênero ato jurídico, regido pelo
direito público, do qual se vale o Estado ou quem age em nome dele, para
exprimir, unilateralmente, uma declaração de vontade, fundada na lei e
voltada ao desempenho de funções administrativas na gestão do interesse
coletivo.”5
2.1 Atributos dos atos administrativos
Por ser ato jurídico regido pelo direito público, o ato administrativo apresenta
características peculiares da Administração Pública. Limitamos-nos apenas a tratar dos
atributos empregados pela doutrina clássica, sendo estes: presunção de legitimidade e
veracidade; imperatividade; e auto-executoriedade. Vale ressaltar que alguns
doutrinadores entendem que os atos administrativos têm como atributos ainda, a
exigibilidade e a tipicidade.
A presunção de legitimidade confere aos atos administrativos a qualidade de
serem considerados, desde seu surgimento, dentro dos parâmetros legais. Diante disso,
presumisse que o ato administrativo é fruto da legalidade, até que se prove o contrário,
sendo que cabe ao administrado o ônus probandi da afirmativa de sua ilegalidade.
Trata-se, portanto, de uma presunção relativa de legitimidade, juris tantum, sendo
possível a sua prova em contrário. Quanto à presunção de veracidade, utilizando-se dos
ensinamentos da Profª. Maria Sylvia de Zanella Pietro6 , essa leva a crer que se
presumem verdadeiros os fatos ou conteúdos do ato exercido pela Administração
Pública. No entanto, da mesma forma que na presunção de legitimidade, o administrado
pode fazer prova contrária acerca da veracidade dos fatos ou conteúdos do ato.
Proveniente do jus imperium, a imperatividade é considerada um dos atributos
mais expressivos dos atos administrativos, e que lhes imprime a marca do Direito
4
É o entendimento também de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (Direito Administrativo. 12ª
ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 181).
5
Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 78.
6
Op. cit., p. 191.
3
Público. Por conseguinte, a imperatividade atribui aos atos administrativos caráter
cogente, o que impõe obrigações aos seus destinatários, independentemente de
concordância ou não. Nos dizeres do Prof. Celso de Mello, a imperatividade:
“Decorre do que Renato Alessi chama de ‘poder extroverso’, que permite ao
Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito
emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas,
constituindo-as unilateralmente em obrigações.”7
Cumpre asseverar que a imperatividade reside apenas nos atos administrativos que
impõem obrigações, afastando assim a sua atribuição à atos negociais (v.g., concessão,
autorização, permissão, licença, admissão), por resultarem da provocação dos
administrados, e aos atos enunciativos (v.g., certidão, declaração, parecer, informação).
Por último, a auto-executoriedade consiste na possibilidade que a Administração
Pública tem de executar seus próprios atos, impondo aos particulares, de forma coativa,
o fiel cumprimento das obrigações neles determinadas. A própria natureza do ato
reclama uma atuação rápida e eficaz da Administração, não podendo a execução desse
ficar à espera da manifestação ou autorização de outro poder ou outros órgãos. Contudo,
a auto-executoriedade não se sobrepõe aos atos que aplicam penalidades de natureza
pecuniária (v.g., multas decorrentes de infrações a obrigações tributárias), sendo que
nesse caso a execução se dará por via judicial.
2.2 Elementos ou requisitos dos atos administrativos
Feitas as disposições necessárias acerca dos atributos dos atos administrativos,
imprescindível discorrer sobre os requisitos ou elementos de validação do ato. Nas
palavras do célebre professor Dirley da Cunha, “o ato administrativo, para constituir-se
validamente, carece de elementos”8. É certo que a doutrina se diverge quanto a qual
terminologia seria mais apropriada, elementos ou requisitos, bem como quanto ao
número de requisitos que comporiam o ato. Apesar das divergências aludidas, nos
atemos a tecer comentários sobre os cinco requisitos ou elementos adotados pela
doutrina tradicional, sendo estes: competência; finalidade; forma; motivo; e objeto
(ou conteúdo).
A competência é a condição primeira de validade do ato administrativo. Nada
mais é do que a delimitação legal das atribuições conferidas ao agente que pratica o ato.
Por ser requisito ou elemento de ordem pública, a competência é inderrogável, tanto
7
8
Op. cit., p. 383.
Op. cit., p. 83.
4
pela vontade da Administração, como pela vontade dos interessados. Todavia, desde
que não haja vedação expressa em lei, a competência poderá ser delegada ou avocada.
Incidindo sobre os atos administrativos, a finalidade é requisito para validação
do ato, onde a Administração deve sempre almejar o resultado prático e final a que deve
alcançar o seu objeto, sendo aquele, em concepção ampla, o bem comum, ou em
concepção estrita, o resultado específico que cada ato deve produzir em consonância
com a lei. Decorre, em verdade, de um dos princípios implícitos da Administração
Pública, qual seja o Princípio da Finalidade, através da idéia que a Administração só
existe e se justifica para atender a um fim público, onde “se subjuga ao dever de ter
sempre em mira o interesse do povo, adscrevendo-se a ele”9.
Por sua vez, o aspecto formal do ato consiste na sua exteriorização, na
corporificarão do ato. Muito mais relevante no Direito Administrativo do que no Direito
Privado, a observância à forma e ao procedimento definido em lei, corresponde a uma
garantia jurídica para a Administração e os seus destinatários, sendo que é através da
forma que se pode exercer um maior controle do ato administrativo. Ressalte-se que,
quanto à forma, os atos administrativos geralmente são escritos, no entanto, também se
exteriorizam de forma tácita ou oral.
Motivo ou causa é a situação fática ou jurídica, cuja ocorrência justifica a prática
de um determinado ato administrativo, sendo que a maior parte da doutrina
administrativista entende que todo ato administrativo deve ser motivado. Conforme
leciona o Prof. Carvalho Filho, “é inaceitável, em sede de direito público, a prática de
ato administrativo sem que seu autor tenha tido, para tanto, razões de fato ou de direito,
responsáveis pela extroversão da vontade”
10
. Previsto na lei ou não, nas respectivas
hipóteses dos atos vinculados e dos atos discricionários, o motivo não se confunde com
motivação. Enquanto o motivo é o fato real ou situação jurídica concreta, a motivação é
a exposição dos motivos, a demonstração de que os pressupostos para realização do ato,
de fato, existiram.
Por fim, quanto a objeto e conteúdo, a doutrina é divergente quanto ao
entendimento se tais denominações podem ser utilizadas como sinônimos,
especificamente na tratativa de requisito ou elemento dos atos administrativos.
Apegamos-nos à parte majoritária e tradicional, trazendo objeto e conteúdo, nessa
ocasião, como sinônimos, e conceituando estes como o efeito imediato que o ato
9
Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. Brasília: Senado Federal, 2007, p. 92.
Op. cit., p. 103.
10
5
administrativo produz, enuncia, prescreve ou dispõe, causando alterações no mundo
jurídico11.
3 Dos atos administrativos discricionários
Feitas as análises necessárias à respeito da natureza jurídica do ato
administrativo, dos seus atributos e requisitos, passaremos agora a tratar estritamente
sobre os atos administrativos discricionários.
Decorrente do Poder Discricionário atribuído à Administração Pública, o ato é
discricionário quando a lei confere ao administrador duas ou mais opções de solução, ou
uma margem de atuação no exercício de suas funções administrativas, segundo critérios
de oportunidade, conveniência, justiça e eqüidade. Vale ressaltar que, apesar de ser um
ato onde o agente público tem maior poder de decisão, o ato discricionário não se
confunde com o ato arbitrário. Este se trata de um ato contrário ou excedente da lei,
enquanto o primeiro representa a liberdade de atuação dentro dos limites legais.
Por serem apenas uma classificação adotada quanto ao regramento do ato
administrativo, os atos discricionários também se encontram adstritos a requisitos, para
que assim sejam validados perante o ordenamento jurídico. Diferentemente dos atos
vinculados, que são totalmente limitados ao que a lei previamente define, no ato
discricionário existe uma margem de liberdade na atuação do administrador, no que
tange ao seu motivo, objeto e finalidade. Quanto ao motivo e o objeto, a
discricionariedade comumente se localiza quando a lei não os define ou utiliza-se de
noções vagas e imprecisas nas suas estipulações. Por outro lado, esses requisitos serão
vinculados à lei que descrevê-los com expressões precisas, que não dão margem para
outras interpretações. Já na finalidade, a discricionariedade se manifesta somente em
sua acepção ampla, correspondente ao interesse público como um todo, por ser uma
definição que dá espaço para diversas interpretações por parte do administrador.
Todavia, se for uma finalidade em concepção estrita – o resultado específico que cada
ato deve produzir conforme lei prévia – esse ato deve ter sua finalidade vinculada ao
que a norma dispõe. Por sua vez, a competência e a forma de exteriorização do ato serão
sempre vinculadas ao que a lei previamente dispor.
A discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na
impossibilidade que o legislador tem em prevê todas as situações que poderão vir a
11
É o entendimento dos ilustres JOSÉ DO SANTOS CARVALHO FILHO (op. cit., p. 100) e HELY
LOPES MEIRELLES (op. cit., p. 155).
6
surgir, onde o agente público terá que atuar de alguma forma, tendo em vista que a
Máquina Pública não pode parar. Por vivermos em constante transformação, com uma
sociedade tão variante e um Direito apresentando-se de forma estática, a dinâmica do
interesse público acaba por exigir uma maior flexibilidade na atuação do administrador.
É nesse diapasão que entram os princípios constitucionais da razoabilidade e
proporcionalidade, como limitadores da atuação discricionária do agente público.
4 Efeitos e implicações da utilização da razoabilidade e da proporcionalidade nos
atos administrativos discricionários
Presentes implicitamente na Carta Constitucional de 1988, como decorrência dos
princípios da legalidade e da finalidade, e previstos no art. 2º da lei federal nº. 9.784/99,
os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade buscam garantir uma atividade
estatal mais justa e equilibrada, afastando assim hipóteses de excesso e desproporção na
regra jurídica aplicada pela Administração Pública.
Adotando a conceituação adotada pelo eminente Hely Lopes Meirelles, o
princípio da razoabilidade:
“Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que,
em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins,
de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da
Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais”. 12 (Grifos
nossos)
Já o princípio da proporcionalidade, considerado um desdobramento do
princípio da razoabilidade, consiste na exigência que se faz de uma proporção entre as
conseqüências jurídicas emanadas da extensão e intensidade da atuação da
Administração Pública, e o fato que ocasionou toda essa demanda. Ou seja, que as
conseqüências jurídicas de um fato sejam na extensão e intensidade proporcionadas por
ele, sem qualquer forma de amenização ou exagero por parte da Administração.
Por ser uma declaração unilateral do Estado, dotada de legitimidade,
imperatividade e auto-executoriedade, o ato administrativo discricionário requer maior
plausibilidade do administrador, levando-se em conta que a atuação estatal de forma
desarrazoada e desbalanceada pode trazer efeitos negativos e prejudiciais à esfera dos
administrados. Uma atitude onde a Administração Pública, podendo utilizar-se de
medidas menos drásticas e restritivas ao direito do administrado, adota meios
desnecessários para se chegar a um fim determinado, poderá, v.g., levar uma empresa à
falência, partindo do ponto de vista que tais meios podem elevar consideravelmente os
12
Op. cit., p. 93.
7
seus custos. Consequentemente, um fechamento de portas aumentará o rol de
desempregados no país, trazendo mudanças gravosas à sociedade como um todo. Ou
seja, o mau uso da discricionariedade, mesmo que dentro dos limites legais, é capaz de
trazer conseqüências que poderiam ser possivelmente evitadas, caso o administrador se
utilizasse da razoabilidade e da proporcionalidade no exercício de seus atos.
No entendimento do Prof. José dos Santos Carvalho Filho, “razoabilidade é a
qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis,
ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma
pouco diversa.”13 O ilustre doutrinador defende ainda que, por “o razoável” ser uma
atuação dentro dos limites legais, não cabe ao Poder Judiciário intervir na conduta do
administrador, sobre a alegação de que não entendeu razoável o seu ato. Na sua
percepção, isso configura uma óbice à separação de funções que rege as atividades
estatais. Deveras, o judiciário, limitar-se apenas ao exame da legalidade dos atos, de
seus requisitos, e não ao exame do juízo de valoração do administrador.
Com a máxima vênia, discordamos do entendimento do eminente jus
administrativista. Ora, razoabilidade e legalidade, apesar de serem princípios
estritamente ligados, não se confundem na sede dessa discussão. Por muitas vezes, o
administrador, atuando dentro dos limites legais especificados, pode adotar um meio
exagerado para a consecução de um fim. Ou seja, parte desse ato é excessivo, abusivo,
vai além do necessário, no entanto, encontra-se dentro dos limites legais. É nesse
escopo que entra o princípio constitucional da razoabilidade, como segundo limitador
da conduta do administrador. Sendo assim, entendemos que a razoabilidade dos atos
administrativos deve ser controlada pelo Poder Judiciário, afinal, “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consoante a claridade do
inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal..
No mesmo sentido, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, com a propriedade da
Exa. Ministra Eliana Calmon, entende que:
“Na atualidade, a Administração Pública está submetida ao império da lei,
inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo. (...) O
Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da
administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e
oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de
moralidade e razoabilidade”.14 (Grifos nosso)
Ademais, para o Prof. Celso de Mello, a discricionariedade é a:
13
Op. cit., p. 31.
Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 429570/GO; Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 22.03.2004,
p.277.
14
8
“Margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo
critérios de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos
cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a
solução mais adequada à satisfação da finalidade legal.” 15 (Grifos nossos)
Em linhas conclusivas, os atos discricionários devem estar limitados sim ao bom
uso da razoabilidade. Razoabilidade esta que faz a exigência de três subprincípios:
adequação (ou utilidade), necessidade (ou exigibilidade) e proporcionalidade em
sentido estrito16. Adequação no sentido que a Administração Pública deve adotar
medidas que sejam adequadas a consecução do fim almejado. Conseqüentemente, entre
os meios adequados, o administrador deve adotar aquele que traga menos sacrifícios ou
restrições ao direito do administrado, ou seja, o meio necessário, na dosagem certa. Por
fim, como desdobramento da razoabilidade, utiliza-se a proporcionalidade, onde se
busca o equilíbrio entre o motivo que ensejou a atuação da Administração Pública e a
providência por esta tomada para alcançar o objetivo visado. Dessa forma, “os atos
administrativos não podem ser praticados, quando se tratar de atuação discricionária,
com excesso ou escassez para prejudicar o administrado”
17
. A atuação tem que ser na
justa medida.
5 Considerações finais
Ante o exposto, conclui-se primeiramente que o ato administrativo é a
manifestação unilateral da Administração Pública ou de seus delegatários, sob a égide
do direito público, de forma direta ou imediata, com o intuito de regular a sociedade no
âmbito das atividades estatais. Outrossim, apresenta atributos, como prerrogativas que o
diferencia de atos da atividade privada, e deve obedecer a requisitos objetivos para a sua
validação. Em continuidade, os atos administrativos discricionários, conforme
detalhamos, concedem ao administrador uma maior linha de atuação, já que a lei não os
vincula a determinado dispositivo, por muitas vezes, não os definindo, utilizando-se de
expressões vagas na definição, ou delimitando opções de soluções a serem adotadas
pelo gestor público.
Todavia, além de estar dentro de certos limites legais, essa discricionariedade
tem de estar em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
levando-se em consideração que até mesmo uma atuação dentro dos limites legais
estabelecidos, desde que desarrazoada e desproporcional, pode ensejar em efeitos
15
Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 48.
Delimitação do princípio da razoabilidade feita pelo Prof. DIRLEY DA CUNHA (op. cit., p. 25-26).
17
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 24.
16
9
gravosos para o administrado. Diante disso, necessário se faz o controle jurisdicional,
como forma de se evitar a lesão ou ameaça a direito do administrado.
Portanto, a razoabilidade e a proporcionalidade são inerentes a toda atividade
administrativa, em especial aos atos discricionários. Sendo assim, após uma análise
acerca da composição do ato administrativo, resta claro que o Poder Judiciário tem
legitimidade para controlar o mérito dos atos discricionários, quando estes não
estiverem enquadrados em padrões de adequação, necessidade e proporcionalidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal (1988). Brasília, DF: Senado Federal, 1988, Art. 5º,
inciso XXXV.
_________. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 429570/GO; Rel. Min. Eliana
Calmon, DJ 22.03.2004, p.277.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
CUNHA, Rubem Dário Peregrino. A Jurisdicização da Discricionariedade
Administrativa. Salvador: Vercia, 2005.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador:
Juspodivm, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas,
2000.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. São Paulo:
Malheiros,2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2004.
_________. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001.
MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. Brasília:
Senado Federal, 2007.
10
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