Ordem Econômica

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:: Introdução ::
A Constituição Federal de 1988 é um importante marco jurídico de transição
democrática brasileira, e conseqüente ruptura com o anterior modelo autoritário da
ditadura militar, assim como da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Os
princípios fundamentais e valores adotados pela nova Constituição convergem para um
sistema econômico capitalista e um modelo econômico neoliberal, tendo em vista a
proteção à propriedade privada, a livre concorrência e iniciativa, bem como confere
valorização do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de
mercado.
A Constituição nacional, apesar de ter adotado os institutos do modo de
produção capitalista, reconhecendo uma estrutura nacional de mercado, de caráter
neoliberal, prevê também formas de intervenção, diretas e indiretas, do Estado na
economia, objetivando assim, além de manter o equilíbrio desse mercado para a
promoção do bem estar sócio-econômico e político do país, promover o
desenvolvimento nacional.
A jurista Adriana Maurano, afirma: “A coexistência de valores, fundamentos e
princípios diversos no texto constitucional repercute sobre o modelo econômico adotado
de modo a descaracterizá-lo como sendo de natureza puramente descentralizada. Podese falar, na verdade, da adoção de um modelo econômico misto que não só resguarda os
princípios liberais da livre iniciativa e da concorrência, mas também ampara a atuação
normativa e reguladora do Estado brasileiro diante da atividade econômica.”1
:: Ordem Econômica ::
A ordem econômica representa uma parcela da ordem jurídica. A expressão
“ordem econômica” é incorporada à linguagem jurídica à partir da primeira metade do
século XX. A primeira referência brasileira constitucional a uma “ordem econômica e
social” apareceu na Constituição Brasileira de 1934. Na Constituição Federal vigente
(1988) entendeu-se por bem distinguir a ordem econômica da ordem social.
1
MAURANO, Adriana. Sistema e modelo econômico na Constituição de 1988 . Jus Navigandi,
Teresina,
ano
10,
n.
918,
7
jan.
2006.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7797>.
Na obra de Eros Roberto Grau2, o autor faz menção à obra “Economia y
Sociedad” de Max Weber, na qual este classifica ordem jurídica (sistema de princípios e
normas jurídicas) na esfera ideal do dever ser, e classifica a ordem econômica na esfera
dos acontecimentos reais. A partir desse sustentáculo é que Eros Roberto Grau
desenvolve todo seu trabalho conceitual acerca da ordem econômica.
A princípio o autor explana sobre as expressões ordem e desordem, esclarecendo
que “desordem” na realidade, não existe, pois trata-se da ordem da qual não estamos de
acordo, e ainda, que a defesa da ordem, no âmbito das relações sociais, envolve uma
preferência pela manutenção das situações já instaladas, ou seja, pela preservação das
estruturas existentes (uma opção social, insustentável, pelo imobilismo). Destarte, a
passagem de uma ordem para a outra envolve, necessariamente, uma ruptura de
estruturas da primeira, e para ilustrar tal situação o autor se utiliza da afirmativa: a
ordem jurídica liberal sucede a ordem jurídica intervencionista.
Voltando às observações de Max Weber, e acrescentando às de Vital Moreira,
Eros Roberto Grau conclui que a ordem econômica, mundo do ser, é o modo de ser
empírico de uma determinada economia concreta, portanto um conceito de fato, e não
normativo ou de valor. A ordem econômica trata de uma relação entre fenômenos
econômicos e materiais, ou seja, entre fatores econômicos concretos.
Um segundo sentido da expressão ordem econômica apontado pelo autor é
aquele em que se designa um conjunto de normas, de qualquer natureza, que respeitam à
regulação do comportamento dos sujeitos econômicos. É o sistema normativo, no
sentido sociológico, da ação econômica. Um terceiro sentido à expressão a resumiria à
ordem jurídica da economia: o conjunto de normas que define, institucionalmente, um
determinado modo de produção econômica3.
Eros Roberto Grau, então, nos ensina: “A expressão ‘ordem econômica’, ao ser
utilizada como termo de conceito de fato, para conotar o modo de ser empírico de
determinada economia concreta, apresenta essa mesma economia, realidade do mundo
do ser, como suficientemente normatizada. Como o vocábulo ‘ordem’, no seu amplo
arco de denotações, significa, também, um conjunto ou mesmo um sistema de normas, a
realidade do mundo do ser, quando referida pela expressão, é antecipadamente descrita
2
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 7ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
“Assim, ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não é senão o conjunto de
normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser).” (GRAU, 2002:61)
3
2
(na síntese que a expressão encerra) como adequadamente ‘ordenada’, isto é,
normatizada e, portanto, regulada. Daí porque essa realidade, por já se manifestar no
mundo dos fatos de modo ordenado (auto-ordenado), regulada (auto-regulada),
prescindiria de qualquer outra ordenação ou regulação.” (GRAU, 2002:58)
Para encerarmos a parte conceitual no âmbito do Direito Econômico,
observemos as considerações do jurista Fábio Nusdeo4: “A Economia ou Ciência
Econômica pode ser dividida em duas grandes partes. Economia positiva em sentido
estrito e Economia normativa. Não se trata de matérias de conteúdo diferente de cada
uma dessas partes, mas de enfoques diversos da mesma matéria. A Economia positiva
destina-se a explicar e, dentro de certos limites, prever a evolução futura de um dado
fenômeno. A Economia normativa prescreve ou indica determinadas medidas para que
certos objetivos sejam alcançados. Os objetivos são fixados em nível político e não
técnico e a Economia os toma também como dados da realidade, sem se imiscuir na sua
formação.” (NUSDEO, 2001:95)
:: Autonomia ::
Destarte, perante o dinamismo da econômica, tanto em âmbito doméstico quanto
no âmbito internacional, o campo econômico possui certa autonomia que o distingue
dos demais ramos jurídicos. Essa autonomia advém da globalização e da dinâmica
internacionalização das relações econômicas que trazem por conseqüências, entre
outras, a formação dos blocos econômicos regionais, bem como a criação de organismos
internacionais, à exemplo do extinto GATT, atual OMC, para regulamentar e
harmonizar o comércio mundial.
O Estado tem que garantir a autonomia desse ramo do direito e não engessá-lo,
com inúmeras amarras normativas, como muitas vezes ocorre em outros ramos
jurídicos, pois a conjuntura das relações econômicas foge às barreiras nacionais e estão
inter-relacionadas ao dinâmico jogo de poder dos agentes do sistema internacional.
No que tange a esse sistema de autonomia, o jurista Fábio Nusdeo, afirma:
“...esse modelo tem como característica básica não a coincidência, mas a separação total
dos planos decisórios político e econômico, ou seja, enquanto o Estado circunscreve-se
ao primeiro deles, as decisões econômicas, próprias do segundo, estarão entregues aos
particulares, aos cidadãos, quer agindo individualmente, quer atuando agrupadamente,
4
NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. 3ª ed, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2001.
3
como famílias, associações, sociedades, cooperativas, sindicatos e quaisquer outros
entes coletivos. E, para esse fim, cada uma dessas pessoas ou entidades constitui-se num
centro decisório independente ou autônomo, sendo genericamente chamadas de agentes
econômicos. Daí o nome sistema de autonomia ou descentralizado, porque as decisões
são deixadas à autonomia da vontade de cada agente, estando por eles disseminadas e,
portanto, descentralizadas em relação ao poder público.” (NUSDEO, 2001:113)
O ideal, no que se refere à autonomia econômica, seria que os Estados à
respeitassem ao máximo no sentido de agir apenas indiretamente, de forma subsidiária,
ou seja, quando o sistema econômico não puder se auto-equilibrar sem seu
intervencionismo, isso apenas para garantir a manutenção de seus meios de produção e a
preservação dos seus interesses estatais perante a comunidade internacional, sempre
vislumbrando o interesse mor de bem estar social. O ilustre economista Adam Smith, de
pensamento liberal, afirmou em sua obra “Riqueza das Nações”, de 1776, que sem o
intervencionismo Estatal a economia se auto-regularia gerando, por conseqüência, um
sustentado equilíbrio, e assim surgiu sua alegoria da “Mão Invisível”.
Os Estados têm autonomia de autodeterminação de suas políticas econômicas,
isso por conta da sua soberania e frente à anarquia do sistema internacional, ou seja, há
ausência de um poder supranacional que tenha verdadeiro poder coercitivo sobre os
países, por isso os Estados são ditos soberanos, contudo, não podemos deixar de
considerar a crescente interdependência, especialmente no campo econômico do
comércio internacional, das nações.
Sabemos que na prática intervencionismos no comércio internacional – por meio
de barreiras tarifárias e não tarifárias, bem como intervenções na flutuação do câmbio
(para deixá-lo confortável para o país) – são comportamentos corriqueiros dos Estados,
o que acaba gerando inúmeras disputas em foros internacionais, e, por conseguinte, se
torna alvo de manobras diplomáticas, embargos, sanções, etc. Isso tudo se explica,
porque o Estado, antes de liberal, é racional, e visa à satisfação de seus interesses
nacionais.
Por fim, vale ressaltar algumas características do direito econômico: ele é ramo
autônomo no universo jurídico, possui caráter misto (público e privado), não está
codificado em um único diploma, ou seja, possui normas reguladoras dispersas, entre
elas nacionais e internacionais.
4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DUARTE JÚNIOR, Edvanil Albuquerque. Intervenção direta do Estado no domínio
econômico e discricionariedade administrativa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG,
ano 5, n. 208. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1657>
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 7ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002.
MAURANO, Adriana. Sistema e modelo econômico na Constituição de 1988 . Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 918, 7 jan. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7797>.
MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para o conceito de Constituição
econômica. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1979.
NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
RAMOS, Elival da Silva. O Estado na Ordem Econômica. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. Vol. 43, p. 49/56. São Paulo: RT, abril-jun/2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
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