Que lições o Brasil pode tirar da instabilidade financeira mundial

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Que lições o Brasil pode tirar da instabilidade financeira mundial?
No ano passado, com a queda generalizada das bolsas de valores, a economia
mundial observou mais um momento de instabilidade que, segundo as novas
projeções do FMI, afetará negativamente o crescimento do PIB mundial. Esta
instabilidade global é resultante da crise de confiança sobre o mercado imobiliário
dos EUA. Essa crise iniciou-se como decorrência de um aumento inesperado da
inadimplência das hipotecas da casa própria. Como este mercado ganhou
proporções consideráveis na última década, perdas generalizadas acabam afetando
outros setores da economia e atingindo os investidores que estão presentes nas
bolsas de valores.
A reversão (parcial) na queda das bolsas foi possível porque o Federal Reserve e
bancos centrais de Europa, Japão e Austrália injetaram dinheiro em seus
respectivos sistemas financeiros para resolver os seus problemas de liquidez. No
entanto, deve-se considerar o fato de que a instabilidade tornou-se uma
característica importante das economias de mercado nos anos recentes,
especialmente, para os países em desenvolvimento. É verdade que grande parte
dessa instabilidade é conseqüência da financeirização das economias, mas é
verdade também que grande parte dessa instabilidade depende das políticas
adotadas pelos Estados Nacionais. No caso dos países da América Latina, essas
políticas tendem a gerar, direta ou indiretamente, sobrevalorização da taxa de
câmbio.
Do ponto de vista macroeconômico, deve-se observar que os programas de
estabilização colocados em prática nos últimos anos por alguns países da América
Latina, tiveram por objetivo principal controlar a inflação. Este controle foi
alcançado na fase inicial desses programas, com o uso extensivo de uma política de
valorização cambial. A resultante dessa política é a obtenção de déficits crescentes
no saldo das transações correntes. Logo, para manter o programa de estabilização,
fez-se necessário uma política complementar de financiamento desses déficits, ou
seja, de atração de poupança externa e, para tanto, estimulou-se a "entrada de
capitais" por intermédio de uma abertura crescente da conta de capitais do balanço
de pagamentos.
No caso do Brasil, essa dinâmica é bastante representativa. A estabilização
econômica colocada em prática a partir de 1994, com o Plano Real, amplamente
estruturada sobre uma "âncora cambial", acabou por determinar o fim do processo
inflacionário a partir de uma bem articulada engenharia econômica. No entanto, a
política de sobrevalorização cambial trouxe a tona os problemas de ajuste das
contas externas e, neste caso, o ingresso de capitais tornou-se fator determinante
para a manutenção da estabilidade do programa.
A dinâmica da economia brasileira continua sendo influenciada pelo humor dos
mercados financeiros internacionais
No período de 1994 à 1999, os fluxos de capitais tinham o objetivo de financiar os
déficits crescentes do saldo das transações correntes. Logo, num cenário de
elevada liquidez internacional, o crescimento econômico com ampliação dos déficits
em conta corrente podia ser suportado desde que o fluxo de ingresso de capitais
fosse contínuo. Essa política perdurou até que uma série de crises internacionais
acabaram por deflagrar um movimento de saída de capitais e um ataque
especulativo contra a moeda nacional. Após o Banco Central queimar as suas
reservas na tentativa de conter a fuga de capitais, o governo foi obrigado a
desvalorizar o câmbio e a revisar os rumos da política econômica.
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A partir de 1999, o governo brasileiro adotou uma nova política econômica baseada
fundamentalmente em três pilares: taxa de câmbio flutuante com livre mobilidade
de capitais; metas de inflação; e política de superávit primário crescente, para
conter o endividamento do setor público. Nesse contexto, a pergunta relevante a
ser feita é: esse modelo macroeconômico seria capaz de isolar o Brasil de uma crise
financeira internacional?
Atualmente o Brasil não incorre em déficits em transações correntes, de forma que
a dependência de capitais externos para o financiamento do balanço de
pagamentos é bastante reduzida. As reservas internacionais são elevadas e a taxa
de câmbio pode se desvalorizar instantaneamente para corrigir eventuais
desequilíbrios na balança comercial. Assim, o que poderia dar errado? Na
eventualidade de um aprofundamento da crise financeira internacional recente
gerar uma parada súbita dos fluxos de capitais para países emergentes, haveria
uma imediata depreciação da taxa nominal de câmbio no Brasil. Isso porque uma
parcela significativa da apreciação da taxa nominal de câmbio ocorrida nos últimos
dois anos deveu-se a entradas de capitais de curto prazo no Brasil, atraídos pelo
enorme diferencial entre a taxa de juros doméstica e a taxa de juros internacional.
A depender da magnitude dessa valorização, o BCB seria forçado a reverter o
processo de redução da taxa nominal de juros em função dos efeitos da
depreciação do câmbio sobre a taxa de inflação. A elevação da taxa de juros atuaria
no sentido de interromper o atual estágio de retomada do crescimento da economia
brasileira, seja por aumentar o custo do capital, desestimulando assim as decisões
de investimento, essenciais para a sustentabilidade do atual ciclo de crescimento;
seja por deprimir as expectativas empresariais, ao jogar um balde de água fria nas
mesmas, haja vista o efeito sinalização extremamente desfavorável de uma
elevação da taxa de juros sobre as perspectivas de crescimento da economia
brasileira.
Daqui se segue que a dinâmica de crescimento da economia brasileira continua
sendo influenciada pelo humor dos mercados financeiros internacionais. Enquanto
não mudarmos o regime de abertura da conta de capitais do balanço de
pagamentos, com a introdução de controles a entrada de capitais especulativos, de
forma a reduzir a apreciação da taxa nominal de câmbio nos momentos de liquidez
abundante nos mercados financeiros internacionais, estaremos expondo a economia
brasileira a uma interrupção súbita dos seus ciclos de crescimento, em função de
crises financeiras de caráter temporário ocorridas nos países desenvolvidos.
Fonte
MISSIO, Fabricio; OREIRO, José. Que lições o Brasil pode tirar da instabilidade
financeira mundial?. Valor Econômico, São Paulo, 15 jan. 2008. Disponível em:
<http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=405579>. Acesso em:
14 abr. 2008.
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