DESAFIOS DA PESQUISA E DA FORMAÇÃO: A PARTICIPAÇÃO E A COLABORAÇÃO ENTRE PESQUISADORES E PROFESSORES Adir Luiz Ferreira – UFRN UM POUCO DA HISTÓRIA SOBRE A SEPARAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA E A EDUCAÇÃO Pensar na relação entre a formação de professores e a pesquisa remete à controvérsia sobre a separação entre teoria e prática: um assunto recorrente nas ciências sociais e na educação em especial. A própria apresentação aparentemente natural dessa díade é reveladora: primeiro a teoria e depois a prática. Como se o pensamento precedesse a ação, quando o próprio pensamento é resultado de uma inegável ação mental-cerebral, biossocial e psicocultural. Como se o livro sobre a vida pudesse ser escrito antes da vida vivida... Mas, a idéia também pode preceder ao ato, mesmo que ela seja inconsciente (no sentido psicanalítico, a partir do id em Freud, ou ideológico, da falsa consciência em Marx), podendo ser encontrada mesmo na teoria do caos (do grego Khaos, a mitológica unidade primordial preexistente à criação). Na forma bíblica, o Verbo já existia antes da criação... Não é meu propósito dar conta dessa polêmica filosófica, mas é certo que ela está presente na suposta divisão pedagógica entre os que “pensam” (teorizam) a educação, como os especialistas e os pesquisadores, e os que praticam a educação, os professores. Tradicionalmente, o status de intelectual é atribuído aos “pensadores” da educação enquanto o prestígio social dos “práticos” da educação é menor, apesar do desgaste profissional de ambos na realidade brasileira. Na língua portuguesa, diferente do espanhol (maestro e profesor), do inglês (teacher e professor) e do francês (maître, enseignant e professeur), que diferenciam os que apenas ensinam, instrutores ou “ensinantes”, a denominação de professor é aplicada indistintamente tanto para professores e pesquisadores universitários quanto para as outras categorias de professores (educação infantil e ensino fundamental). Aliás, isso é irônico, pois ao contrário de mostrar uma visão anti-aristocrática revela em sua origem a pouca importância reservada à educação formal em geral. Em Raízes do Brasil (1992), Sérgio Buarque de Holanda mostra que os padrões amáveis de convívio social do “homem cordial” brasileiro, formado no meio rural e patriarcal, e personalista nas 2 relações com o Estado, não são frutos da educação e da civilidade moderna ligadas às instituições extrafamiliares e democráticas, mas sim de um exacerbado individualismo particularista, avesso aos rituais públicos e à autêntica sociabilidade impessoal. Esse tipo de “homem cordial” não precisava de escola, ele prescindia de educação pública: a formação na família patriarcal lhe bastava. Com o desenvolvimento cultural advindo do capital agrário e da indústria nacional, entre as famílias de posses o ensino universitário e a forma do bacharelismo prosperaram, enquanto o povo miserável permanecia sem uma efetiva instrução pública e popular. Para a essa elite diplomada, que fazia as leis e a política desde o Império, não cabiam instrutores públicos, só serviriam educadores com o status de professores, modelos de mestres da moral e doutores das ciências. A partir das demandas do capitalismo industrial e financeiro avançado, com a importância política e social das massas consumidoras urbanas de trabalhadores e de classes médias, até a atual globalização da economia, esse quadro se modificou nas últimas décadas no Brasil: acompanhando o processo de ampliação do mercado, a educação pública foi popularizada e massificada (MELLO, 2004). O atraso e as desigualdades são enormes. Mas, o país parece ter acordado para a dimensão quantitativa e qualitativa da necessidade de professores para o povo, como conseqüência surgiu uma nova preocupação com as políticas de formação docente inicial e de requalificação dos professores em exercício profissional. Essas mudanças educacionais também têm despertado um grande interesse para as pesquisas universitárias. Além do tema óbvio da formação docente, atingem de forma inevitável os campos da didática, do currículo e das metodologias de pesquisa. A CRÍTICA AO PADRÃO POSITIVISTA DE PESQUISA E O PROFESSOR COMO PESQUISADOR Contudo, é preciso avançar na crítica das investigações acadêmicas moldadas pela abordagem positivista, ainda baseadas na valorização do domínio de técnicas e de conhecimentos instrumentais, nas explicações a partir de sistemas explicativos complexos desajustados às condições concretas e na arrogância teórica diante das exigências pragmáticas da realidade. São essas as orientações técnicas das atuais políticas de formação docente, concebidas muitas vezes como programas rígidos “à 3 prova de professores”. De fato, já existem alternativas baseadas no ensino como pesquisa e na aprendizagem colaborativa, que se pode encontrar nas obras de Lawrence Stenhouse (1984) e John Elliott (1989). Mas, nessa condição, o professor é visto como um pesquisador do seu próprio currículo escolar, numa crítica à panacéia indicada pelos especialistas e pelos pesquisadores acadêmicos. Sob a mesma inspiração, a pedagogia radical em oposição à prática educacional tradicional, proposta, entre outros, por Henry Giroux (1997), coloca o professor como intelectual transformador. O autor reitera o argumento de Dewey de que os programas de treinamento de professores que enfatizam somente o conhecimento técnico prestam um desserviço (1997: 159). O professor não é apenas um “executor” passivo de políticas educacionais, mas é alguém que inclui em seu conhecimento profissional a reflexão, a criatividade e a experimentação, isto é, sendo todas elas habilidades de um verdadeiro pesquisador. Como compreender a formação e a pesquisa sem estarmos orientados pela distinção tradicional entre pesquisadores intelectuais e práticos docentes? Como as pesquisas podem contribuir para que os professores enfrentem melhor a complexidade das situações educativas cotidianas? Como formar, com conhecimento crítico e com significado social, crianças, jovens, adultos, e os próprios professores, formadores e pesquisadores, capazes de enfrentar os desafios da contemporaneidade? Essas reflexões têm levado à discussão sobre métodos de pesquisa educacional mais compreensivos, flexíveis e inseridos nos próprios fenômenos investigados. Ainda que esse questionamento aconteça também em outras profissões, as críticas dirigidas contra o fosso entre a universidade e o meio escolar, ou seja, o distanciamento entre os estudos acadêmicos e as exigências cotidianas dos professores, tem tido pouca repercussão sobre as práticas educacionais dos sistemas de ensino. Onde estaria o problema para melhorar a relação entre pesquisa e formação: dificuldades na difusão de resultados? ; inadequação na escolha de objetos de pesquisa? ; carências nos métodos de pesquisa e na pertinência dos resultados? Provavelmente, as respostas com maiores chances de transformar esse quadro precisariam combinar todos desses problemas, mas é inevitável a revisão das metodologias de pesquisa educacional existentes. DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA À PESQUISA-AÇÃO 4 Desde que a pós-graduação em educação se desenvolveu no Brasil, a partir dos anos 70, as propostas de pesquisa incluíam várias modalidades de intervenção pedagógica nas escolas e nas salas de aula. Alterar a realidade do ensino e da aprendizagem, imprimindo-lhe uma dinâmica mais eficaz baseada em critérios científicos surgidos pela experimentação era o princípio das pesquisas de cunho behaviorista, originadas na psicologia comportamental. É o tempo da escola-laboratório e da pesquisa experimental. Contudo, o modelo de intervenção científica externa de especialistas, com técnicas instrumentais de verificação dos resultados, ainda prevalece nos projetos de investigação dos fenômenos educativos. Em reação a essa noção de pesquisa científica de laboratório, surgiram as diferentes propostas de pesquisa-ação, nas quais se incluem variadas formas de participação dos atores das pesquisas no processo de investigação. No seu uso genérico ou simplificado, a pesquisa-ação não se diferencia da pesquisa participante. A denominação action research surge com Kurt Lewin em 1946: inspirado por John Dewey, ele propõe que o pesquisador se oriente para uma ciência da ação, incorporando a conscientização do grupo no processo de pesquisa (LAVOIE; MARQUIS; LAURIN, 1996: 15). Ao contrário das pesquisas positivistas que buscaram uma unidade metodológica, as investigações orientadas pela pesquisa-ação são sempre criações particulares de cada processo de interação entre os pesquisadores e os participantes, considerados como atores na ação e autores na reflexão. As múltiplas definições e experiências das pesquisas orientadas pela ação variam desde a simples observação participante até a pesquisa militante, na qual o que prevalece é a conscientização e a prática de um projeto político de mudança desejado e elaborado pelos próprios atoresautores. Até hoje, ainda é o modelo da pesquisa conscientizadora e engajada. Os efeitos da pesquisa-ação se observam não apenas nas eventuais mudanças provocadas nos participantes, mas também na produção de conhecimento originado da ligação vivenciada entre teoria e prática. Um dos riscos da pesquisa-ação é quando o seu encaminhamento radical provoca no pesquisador inclinações “missionárias” sempre propícias à perda do mínimo de objetividade (THIOLLENT, 1998: 17), na qual o pesquisador, que também é um militante, ao mesmo tempo em que traz uma perspectiva crítica teórica tenta impor aos participantes aos seus propósitos políticos externos à comunidade. Ao inverso, quando o pesquisador se submete inteiramente ao projeto político e ao cotidiano pedagógico dos participantes pode acontecer dos objetivos 5 científicos da pesquisa serem virtualmente abandonados. Os alunos de pós-graduação às vezes descobrem tarde demais esse perigo... As exigências científicas da pesquisa, entretanto, podem ser preservadas através de um conceito dialético de implicação, definido como o engajamento pessoal e coletivo em e por sua práxis científica (BARBIER, 1985: 120), pelo qual o pesquisador se compromete a associar a reflexão sobre a visão de mundo dos participantes com a pertinência e clareza teórica próprias do intelectual profissional. Todavia o campo da pesquisa-ação é unidimensional, sendo cada instituição pesquisada considerada como o microcosmo social de convívio e produção de conhecimento comum, o que acaba determinando a preeminência da investigação local. Dentro dos limites desse suposto microsistema (e em suas interações com o macrosistema geral) os objetivos no processo de conhecimento resultante da reflexãoação são os mesmos para todos os envolvidos com o processo da pesquisa, pesquisadores e participantes confundidos. Em geral, a sutileza hermenêutica e a reflexão crítica dos pesquisadores são afogadas tanto nas calmarias quanto nas correntezas das águas cotidianas da vida nas escolas. As instituições educativas estabelecidas e os interesses de professores, pais e alunos resistem às mudanças Os desvios desse envolvimento indistinto são, por exemplo, os projetos políticopedagógicos de escolas que mais parecem monografias acadêmicas, ou estudos acadêmicos descritivos fundamentados tão somente nas falas de professores e alunos. Aos olhos de alguns pesquisadores a ação pedagógica, mostrada em trechos de entrevistas ou observações, é auto-explicativa e dispensa as interpretações, consideradas abstratas e desvinculadas das realidades ou, são exemplos indiscutíveis de teorias universais da educação. Ainda há o caso de confusão quando a denominação de pesquisa-ação é usada para pesquisas convencionais: é quando departamentos, faculdades ou institutos de educação transformam alguns estabelecimentos escolares em “reserva de caça” para estudantes de graduação ou pós-graduação buscarem dados ou informações para os seus trabalhos acadêmicos. São espaços de reflexão tutelados por pesquisadores guiados pelo conformismo aos cânones conservadores das instituições acadêmicas, quando poderiam ser territórios de transformação e de articulação entre a teoria e a prática. Para Thiollent (1998: 19), na pesquisa-ação a ênfase pode ser dada aos seguintes aspectos: resolução de problemas, tomada de consciência ou produção do 6 conhecimento. Muitas vezes, só se consegue alcançar um ou outro desses aspectos, com maior amadurecimento metodológico e quando bem conduzida, poderá vir a alcançar todos. Outras vezes, os pesquisadores parecem se comportar como seqüestradores da cultura pedagógica local, retirando-a do sítio de compreensão dos participantes e reservando-a para a discussão nas universidades, consideradas como lócus privilegiado de produção do conhecimento (LÜDKE, 2001: 17), em detrimento do meio escolar de origem. Então, os resultados da pesquisa-ação, que eram para ser simultaneamente processo de produção de conhecimento e vinculação entre teoria e prática, podem derivar para um ou outro extremo: abandonar a teoria em nome da ação ou vice-versa. APRESENTANDO A PESQUISA COLABORATIVA Sem renegar todas as contribuições que a pesquisa-ação permitiu para a compreensão da realidade do currículo e do ensino, os seus limites e suas possíveis derivações levaram à proposta de uma interação mais equilibrada entre pesquisa e formação: esse é o pressuposto da pesquisa colaborativa. A fundamentação epistemológica e sociológica permanece a mesma: incorporar a competência prática e reflexiva do ator em seu contexto natural. Segundo GIDDENS (1987): (...) essa “competência” que não tem nada a ver com o sentido normativo habitual que lhe é dado, remete à capacidade de qualquer ator social de exercer seu julgamento e de orientar sua tomada de decisão em situação, em função da compreensão que ele tem das condições que prevalecem e do que está em jogo no momento, no contexto de sua ação específica. (Apud in DESGAGNÉ, 1998) Todavia, há uma “competência” que também vale para o investigador acadêmico que busca compreender essa prática no quadro da pesquisa científica, sem que isso signifique menosprezar o professor prático voltado especialmente para a docência, para a qual ele se interessa em aprimorá-la. Assim, há uma legítima e assumida dualidade de interesses, o da pesquisa e o da formação, mas que podem se enriquecer mutuamente. Nesse sentido, no processo de pesquisa é preciso reconhecer capacidades distintas entre ambos e não agir de maneira que todos os práticos possam participar em tarefas de pesquisa para as quais eles não foram formados, para as quais eles também não tenham 7 necessariamente interesse em serem formados. O principal interesse para a maioria dos professores é o de melhorar suas práticas de ensino, o que não exige deles que aprendam a fazer uma pesquisa sistemática segundo os critérios oficiais de cientificidade. Após a participação em projetos de pesquisa colaborativa, alguns professores acabam se interessando em prosseguirem sua formação em cursos de pós-graduação, mas não é essa a motivação que deveria orientar a participação dos professores práticos. Para o benefício dos professores e do funcionamento da escola, seria mais adequado contribuir principalmente para a melhoria das capacidades de ensino. Já para os pesquisadores, essa articulação entre pesquisa e formação oferece uma oportunidade insubstituível para a co-construção de conhecimentos sobre as práticas de ensino, o que não seria possível através de outra metodologia. Sob esse aspecto, a pesquisa colaborativa cria, mais facilmente do que a pesquisa-ação, o enquadramento ético das condições de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, pois traz subjacente o princípio da sensibilidade, como atitude do pesquisador, e o pressuposto da implicação dialética, como ética de pesquisa. Partindo da autoreflexão mútua de pesquisadores e participantes, como condição para o desenvolvimento da empatia e da alteridade, amadurecendo a compreensão e a interação, a intersubjetividade dará significado e sentido para a reflexão-ação. É com esse compromisso estabelecido no processo da investigação e da formação que a pesquisa propicia a mudança dos atores sociais no contexto educacional. PRINCÍPIO DA SENSIBILIDADE (Atitude do Pesquisador) AUTOREFLEXÃO EMPATIA Pesquisador Compreensão Participantes do Outro ALTERIDADE Interação com o Outro INTERSUBJETIVIDADE Reflexão compartilhada Pesquisador-Participante PARTICIPANTES DA PESQUISA PRESSUPOSTO DE IMPLICAÇÃO DIALÉTICA (Ética da Pesquisa) PESQUISA FORMAÇÃO MUDANÇA 8 O processo que parte da autoreflexão para chegar na intersubjetividade deve guardar, contudo, as exigências da pesquisa científica tanto quanto a pertinência com as necessidades práticas da realidade. Subjetividade e rigor científico não são excludentes, se forem controlados e desenvolvidos claramente no processo de análise e interpretação do discurso do outro e de si mesmo. É a alteridade aberta à desconstrução discursiva dos relatos, falas e ações dos sujeitos e atores sociais. Na análise de discurso não há como ocultar a ambigüidade da linguagem, sempre social, circunstancial e contextual. A atitude implícita do pesquisador é a de implicação interpretativa e não a de distanciamento explicativo. Assim, os posicionamentos individuais se tornam focos reveladores na análise. Como conceber a reflexão transformadora sem a exposição sincera de pré-conceitos e a suspensão de concepções prévias? Trata-se, em suma do esclarecimento das questões éticas que são subjacentes a qualquer pesquisa qualitativa que vise à transformação social, que é a natureza profunda do ensino e da educação. A pesquisa colaborativa propiciaria mesmo a convivência dialética entre os diferentes interesses do pesquisador e do professor participante. Enquanto para o pesquisador a busca do conhecimento co-construído, objeto de investigação, será atividade de pesquisa, para os professores práticos a pesquisa é vista como uma ocasião de aperfeiçoamento, ou seja, uma atividade de formação. O pesquisador encarregado de enquadrar a atividade deverá, em conseqüência, acumular os papéis de pesquisador e formador (DESGAGNÉ, 1998). Na prática da pesquisa isso significa, em geral, o paralelismo de duas formas de planejamento das atividades: o projeto de pesquisa científico e o plano de trabalho para a formação. Embora ocorra uma alimentação recíproca, de recursos, vivências e aprendizagens, eles têm objetivos e procedimentos distintos. Ao final, os encaminhamentos também são próprios a cada uma dessas formas: o pesquisador conclui o seu relatório de pesquisa, incluindo os dados, análises e interpretações advindas do convívio cooperativo com os participantes, enquanto os professores alcançam uma condição de melhoria na sua formação. Se os professores percebem a situação como oportunidade de aperfeiçoamento profissional, o próprio pesquisador é beneficiado com a experiência prática de formador, o que também para ele é uma situação de formação de competência em contexto. Assim, a pesquisa colaborativa em educação, além de desenvolver o sentido social da aproximação entre 9 os pesquisadores acadêmicos e as carências da prática de ensino dos professores, abre os caminhos para a autoformação de ambos. Com essa perspectiva de colaboração, vários projetos de pesquisa e formação vêm se desenvolvendo atualmente em muitas instituições do Brasil. Como exemplos, há a associação entre a Universidade Federal do Piauí e a Prefeitura de Teresina para a elaboração e execução de um projeto que vai reformular a Educação de Jovens e Adultos; também há um acordo negociado com várias prefeituras do interior da Bahia e a Universidade do Estado da Bahia para a pesquisa e formação de professores para Educação Ambiental, na perspectiva da transversalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em educação os termos de parceria, de colaboração, e mesmo de pesquisa-ação se tornaram conceitos vale-tudo, que se originam em várias crenças, em geral bemintencionadas, de pesquisadores universitários interessados em se associar aos docentes nas escolas. A preocupação pela qualidade educacional das escolas, especialmente na rede pública, se justifica pela condição de que os conhecimentos acadêmicos possam contribuir para a melhoria das condições práticas de ensino. As Universidades que buscam a legitimidade social e o reconhecimento da comunidade têm muitas vantagens a ganhar com essa aproximação. Porém, a conceituação de pesquisa colaborativa supõe uma parceria efetiva, no sentido amplo de uma associação ao mesmo tempo institucional (entre meio escolar e universitário) e relacional (entre pesquisadores e docentes) em vista de um projeto comum a ser negociado e realizado. Essa concepção da abordagem colaborativa de pesquisa supõe um certo parentesco com a pesquisa-ação, na medida que, através de um processo sistemático de exploração na ação, ela mobiliza os docentes em um projeto de questionamento rigoroso sobre suas práticas. Mas, é necessário refletir sobre esses conceitos buscando melhor delimitar suas potencialidades e limites. Entre outras questões, parece que os conceitos de pesquisa-ação e de pesquisa colaborativa se ligam a interesses ideológicos um pouco diferentes. A pesquisa-ação, nascida nas ciências sociais com claras motivações políticas, visava recuperar para os atores sociais “o poder competente” sobre suas vidas. No caso dos professores isso 10 significava fazer deles os pesquisadores sobre a sua participação nos currículos escolares, quer dizer, educadores profissionais que questionassem suas práticas. Sem excluir isso, a pesquisa colaborativa é um projeto sociopedagógico que busca reaproximar os pesquisadores universitários e os professores práticos, em vista de uma co-construção de “sentidos”, sem, entretanto, querer transformar esses professores em pesquisadores de acordo com os modelos acadêmicos. A abordagem colaborativa aposta no desenvolvimento de conhecimentos ligados à prática e oriundos de um processo de reflexão-ação-reflexão. É uma “tomada de poder” da formação, mas compartilhada entre pesquisadores universitários e professores docentes. REFERÊNCIAS BARBIER, René. A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. DESGAGNÉ, Serge. Réflexions sur le concept de recherche collaborative. Les Journées du CIRADE. Centre Interdisciplinaire de Recherche sur l’Apprentissage et le Développement em Éducation, Université du Québec à Montreal, octobre-1998. pp. 3146 ELLIOT, J. Developing hypotheses about classrooms from teachers’ practical constructs: An account of the work of Ford teaching project. Interchange, 7 (2), 1976. pp. 2-22 GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais. Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympo, 1992. LAVOIE, Louisette; DANIELLE, Marquis; LAURIN, Paul. Recherche-action: ouvrage d’apprentissage autogéré ou manuel d’autoformation. Montreal: Presses de l’Université du Québec, 1996. LÜDKE, Menga (org.) O professor e a pesquisa. São Paulo: Papirus, 2001. MELLO, Guiomar Namo de. Educação escolar brasileira: o que trouxemos do século XX? Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarolllo del currículo. Madrid: Morata, 1984. THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1998.