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CEGUIDADE-TRONCO
Prof. Dr. Paulo Cesar da Silva
Doutor e mestre em filosofia, graduado em Letras, Filosofia e
Teologia, professor no Mestrado em Direito e na graduação do
UNISAL, coordenador do Grupo de Pesquisa de Bioética e Biodireito
do programa do Mestrado em Direito do UNISAL, autor dos livros A
antropologia personalista de Karol Wojtyla, A ética personalista de
Karol Wojtyla, Ocultismo e Cristianismo, co-autor com sua esposa,
Vilma Aparecida Tirelli da Silva, de Combatendo no Espírito, O
Direito e a ética (vários), Biodireito, ética e cidadania (vários), co-org.
e autor de Questões atuais de direito, ética e ecologia (vários) e autor
de artigos para revista.
O uso ou não de células-tronco embrionárias para quaisquer fins
envolve muitos aspectos e variadas questões. As partes, por um lado, convergem
no objetivo do atendimento terapêutico de pessoas que sofrem diversos tipos de
enfermidades. As divergências fundamentais se encontram
nas
matrizes
argumentativas que resultam, particularmente, na defesa do meio para a terapia.
1.
O grupo que defende o uso dos humanos em fase embrionária está
convencido, aparentemente, de que o ente que principia, até determinada fase, não
é um ser humano. Sendo, não poderia, então, ser utilizado como material para fins
terapêuticos. O princípio onto-antropo-axiológico permanece, portanto, referência
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essencial para o procedimento técnico: o ser humano não pode ser meio para
algum fim em nenhuma situação.
2.
A maior dificuldade se encontra no convencimento de que um
minúsculo ente não se reduz ao que aparenta ser, mesmo que ampliado
muitíssimas vezes por instrumentos tecnológicos. O problema gnosiológico é a
questão inicial. A razão humana é capaz de conhecer além das aparências? A
realidade se restringe ao sensível? A questão vem de longe. Depara-se, em nossos
tempos, com uma nova expressão do ceticismo dos antigos sofistas e das idéias
nominalistas iniciadas no século XIII. A teoria da representação, como termo do
conhecimento, resulta em uma progressiva perda de contato com a realidade.
Kant, por sua vez, expressará a tese nominalista pela redução do conhecimento ao
fenômeno das coisas e não a coisa em si. Heidegger, ao abordar a questão do ser
com a linguagem unívoca, e não com a analógica, contribui para o
enclausuramento da razão na imanência do ens commune. O positivismo de
diversos matizes resultará no cientificismo. Cientistas e técnicos presumem
poderem responder às questões fundamentais de sentido da existência
extrapolam sua competência,
predominantemente poiética,
e
para o teórico e
ético. É o fenômeno antigo do ceticismo de diversas ordens que leva a um
perigoso retrocesso de civilização, inclusive da verdadeira democracia.
3.
A noética reducionista, portanto, contribui, poderosamente, para a
ceguidade-tronco cujo um dos galhos é o não-convencimento de que, desde a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide, procria-se uma original e irrepetível
pessoa humana. A razão do ser humano, pessoal e culturalmente ofuscada e
mutilada, em seu exercício pleno, encontra-se anêmica para transcender os limites
do empírico para chegar à fundação ontológica que ilumina a identidade não só da
vida humana em seus primeiros instantes, mas, inclusive, de suas fases
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posteriores, o que é demonstrado pelos diversos tipos de injustiças e violências
sofridas pela pessoa humana, em nossos dias.
4.
Outro
galho
da
ceguidade-tronco
é
embaralhar,
pura
e
simplesmente, uma questão inicialmente de natureza ética com a religião. Parece
ser, por vezes, mais uma estratégia que teria duplo objetivo: denegrir a religião,
particularmente a católica, e conquistar a aprovação da opinião pública para a tese
da utilização dos embriões. Manifesta-se, entretanto, a ignorância do significado e
valor da religião em si e para a humanidade, outra conseqüência do equívoco
nóetico reducionista que leva a pensar, e não a conhecer, que ou se prova ou se
crê. Exclui-se, a partir de um preconceito, que a razão não tem poder de conhecer
a realidade em si, transpondo os limites dos fenômenos que, por sua vez, já
manifestam a própria realidade negada em seus fundamentos.
5.
A luz aí se encontra. Sem perder a esperança de que é possível a
ceguidade ser superada, questiona-se: a) por que há uma espécie de surdez sobre
as possibilidades terapêuticas, algumas já confirmadas, das células adultas? b) Por
que os resultados, em dez anos de pesquisa, com as células embrionárias
resultaram nulos, quando não em tumores cancerígenos? c) Por que insistir que a
pesquisa com células embrionárias é necessária para o avanço do conhecimento e
terapia objetivadas (o discurso manipulador das promessas curativas das células
embrionárias está mudando), se a mesma pesquisa pode ser feita com células de
animais? O Dr. Iamanaka pesquisa, com sucesso, com células de camudongos; d)
Por que se rejeitam outras fontes das células terapêuticas? e) Por que não
reconhecer, publicamente, que existem outras fontes de células embrionárias, além
do embrião, como o líquido amniótico, as espermatogônias e oogônias que se
consegue reverter para o estágio embrionário, e as iPCs( induced pluripotent
cells), células pluripotentes por indução que são desenvolvidas por Dr. Yamanaka;
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este cientista obtém as informações das células de camundongos. f) Como
explicar que o próprio descobridor das células embrionárias está migrando para as
adultas? g) Por que o discurso do grupo que defende o uso dos embriões se
restringe à defesa dos enfermos e não, também, da pessoa atual e adulto potencial
que é o embrião, enquanto os defensores dos seres humanos, em sua fase
embrionária, incluem os enfermos na mesma defesa e dignidade?
h) O fim
justifica o meio? Também na política (capitalismo e coletivismo),
na ética
(utilitarismo e hedonismo)? Nos meios de comunicação (propaganda enganosa)?
O que a história nos ensina? i) A justificação da destruição de seres pessoais, no
início de sua vida, abre caminho para obscurecer a consciência frente a outros
tipos de ataque à vida e dignidade humanas como o abortamento, a eutanásia, a
pedofilia, as injustiças, a ética na vida pública, o levar vantagem em tudo? Não
são todos galhos do mesmo tronco?
6.
Um dos argumentos biológicos da existência do cérebro para se
definir o humano implica em duas questões: a) confusão entre quantia e
identidade, própria do reducionismo cientifico - tecnicista predominante. Uma
pessoa com alguma deficiência é menos humana ou infra-humana? Os eugenistas,
herdeiros de bárbaros próximos e distantes pensam, mas, não conhecem, que sim.
b) O que os sentidos não constatam e o que não pode ser medido não existem (o
amor dos pais pelos filhos, a solidariedade são, portanto, fantasias).
7.
Questão: se o blastócito e, pouco depois, as células embrionárias,
não possuem todo o corpo humano em potência, como explicar que elas são
suficientemente potentes para originar qualquer tecido do mesmo corpo humano?
O que é acrescentado à sua estrutura, de fora, na sua evolução em direção às fases
seguintes? O Dr. Jerôme Lejeune, descobridor da causa da síndrome de Down, é
lapidar quando afirma que, se o zigoto não é um ser humano, nunca o será.
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8.
O paralelo entre a morte encefálica e o não-surgimento da pessoa
humana pela pressuposta ausência do suporte neural é improcedente. O equívoco
deste argumento, mais uma vez, encontra-se no reducionismo noético que
pressupõe a quantia para se determinar a identidade. Toda a realidade somática da
pessoa já se encontra inscrita no seu DNA e, como o elemento ôntico espiritual
não ocupa espaço, ele encontra o suporte biológico de que necessita para a união
substancial que origina uma nova pessoa humana.
9.
Outro argumento se assenta na confusão entre a pessoa em fase
embrionária, em si, e as condições uterinas ou não para o seu normal
desenvolvimento. A inseminação extra-útero é, por si, já a dupla negação do
direito do novo ser humano à forma de procriação típica da espécie e ao ambiente
adequado para o seu crescimento. O seu locus humano originário lhe é subtraído
e não, entretanto, a sua identidade e dignidade. O útero não é determinante para a
sua personalidade ôntica própria da pessoa humana. Esta identidade, entretanto,
possui, na sua estrutura ôntica, os direitos ao modo humano de vir à existência e
ao acolhimento físico, afetivo e moral da mãe e do pai para que se processe o
natural e sadio crescimento do novo ser humano.
10. O direito ao acompanhamento pré-natal permite deduzir que o
legislador reconhece que existem dois sujeitos de direito, filho ou filha e a mãe,
cuja saúde é um valor a ser protegido e preservado.
11. Os que pensam ser a mãe a causa do embrião, afirmando-se uma
dependência que leva à indistinção entre o novo indivíduo biológico-pessoa e a
realidade materna,
minimizando-se e, mesmo, negando-se o papel do pai,
confundem condição e causa. Certas comparações demonstram, inclusive, que
não se distinguem órgão e organismo. A condição uterina para o desenvolvimento
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do embrião só confirma que o que se desenvolve possui, intrinsecamente, a
qualidade de desenvolvível como ser pessoal e não outro.
12. Dado o fato daquilo que se caracteriza mais como produção que
procriação do ser humano, o que fazer com os embriões congelados e vivos? A
sua destinação, conforme a identidade e dignidade da pessoa humana, deve seguir
um dos caminhos, em ordem humana e axiológica decrescente: a) pai e mãe
assumam a própria responsabilidade e, se possível, a mãe acolha, em seu útero, ou
seu filho ou filha; b) adoção; c) o embrião humano seja um “doador” de células,
sem, porém, ser destruído; d) a gestação se realize em útero artificial, quando
tecnicamente possível (triste mundo novo, progressista e eticamente retrógrado); e)
interditadas as anteriores, permitir que o processo natural do falecimento, se ainda
não houve, ocorra e se proceda, então, conforme o costume do ser humano com
os corpos de seus mortos.
13. A última opção, supra, ainda é preferível à ação sacrifical da
pessoa humana no altar do Prometeu-poiético que pode até afirmar uma ética
dos fins, mas
violenta
a ética dos meios, na louvação de um utilitarismo
predominante que entende o ser humano como coisa e produto mercadológico,
apesar dos discursos humanitaristas, porém, destoantes de um verdadeiro
humanismo que conheça a diferença entre pessoa e indivíduo.
14. A ceguidade-tronco, em toda a história, originou os galhos dos
totalitarismos e ditaduras de diversas naturezas, os diversos tipos de violência
social, individual, as injustiças mais cruéis, a destruição de vidas inocentes, as
presunções e ilusões de paraísos (o homem contemporâneo quer ser imortal, nos
limites deste mundo, no dizer de Chesterton). A ceguidade-tronco atual está
resultando nos galhos do consumismo, da idolatria do prazer (tráfico e comércio
das drogas são exemplos), do poder, na manipulação das consciências femininas e
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masculinas, na degeneração ecológica, na inconsciência da hierarquia ontoaxiológica da realidade (nivelamento entre botânica, zoologia e antropologia).
Desliza-se do antropocentrismo ao cosmocentrismo. O que se entende por
progresso é, na verdade, o retrocesso da consciência do humano que é confundido
com o meritório avanço da ciência e da técnica, verdadeiros valores que, se nas
mãos de políticos e profissionais sem a devida e competente formação ética
(fundada em uma antropologia integral), transformam-se em armas letais para o
ser humano a que estão destinados a servir.
15. O ser humano não possui o poder de ser o criador e o organizador
da estrutura ontológica da realidade. O positivismo jurídico já demonstrou a que
veio, na medida em que tutelou a eugenia, o racismo e outras formas de negação
da identidade e dignidade do ser humano. A confecção e a aplicação das leis
exigem, além do ser humano técnico, o sábio e, portanto, capaz de conhecer a
realidade além de sua aparência
e transcender a imanência. A proteção do
verdadeiro bem pessoal e comum não pode ficar nos limites de pessoas que
galgam postos públicos e privados ou de quaisquer outras que, a partir de um
convencionalismo insustentável, pretendem assumir o lugar que não lhe foi
reservado à sua condição criatural.
16. É insubsistente querer que a personalidade ôntica dependa, em seu
direito à vida, em seu valor e dignidade, da personalidade jurídica. Pretende-se
inverter a ordem devida a partir de um a priori nominalista-idealista pelo qual se
procura criar uma nova realidade e não reconhecê-la. Nega-se o ser em nome do
conhecer e do poiético. Rejeitado o ser, desliza-se, inevitavelmente, para a perda
de sentido e conseqüentes equívocos, inclusive de ordem jurídica.
17. O Ocidente teve, em sua história, a mancha da escravidão. A
consciência axiológica da maioria, naquele período, não alcançava a gravidade
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moral da instrumentalização escravagista. Foi um verdadeiro avanço da
civilização a condenação da escravatura de quaisquer naturezas. Os seres humanos
ocidentais, entretanto, manifestam a existência de outras sombras, na sua
consciência axiológica, entre elas,
o não reconhecimento da identidade
e
dignidade da pessoa humana do início ao fim de sua vida, neste mundo.
18. Haverá outros poderosos interesses, não confessáveis, ofuscando e
movendo as consciências? Existe, no pretérito, no presente e no futuro, a
vulnerabilidade axiológica de quem se presta a servir o sistema em vigor,
buscando as próprias vantagens, mesmo que venda a própria alma. A pessoa, cuja
consciência valorativa é incompetente para valorar a realidade do semelhante,
sofre, também, a perda da percepção do próprio valor. Vende-se à maior oferta,
apesar dos discursos para fins de imagem pública. Se este é um fenômeno de
muitos na política, porque não daqueles comprometidos em direção oposta à
defesa da vida de todos os seres humanos, em qualquer período de sua existência,
neste mundo? Haverá, certamente, pessoas de boa vontade que, apesar de
equivocadas, estejam sinceramente comprometidas com o objetivo que professam.
19. As pessoas da mídia que, com razão, rejeitam, veementemente, a
censura não estão, por sua vez, censurando, sonegando e distorcendo informações,
manipulando esperanças e discriminando pessoas cujas convicções conflitam com
as idéias e interesses dos proprietários das empresas de comunicação?
A consciência dos próprios limites criaturais e, ao mesmo tempo, de
suas possibilidades da verdadeira auto-transcendência, é uma exigência
fundamental para o verdadeiro avanço em direção à realização pessoal e
comunitária, local e global.
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A ceguidade-tronco, aparentemente invencível para alguns, não seria,
por outro lado, a conseqüência, presente nas profundezas da coração humano, de
outro fato que poderia ser denominado de queda-raiz?
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