ADI 3.510 / DF metanormas, isto é, normas que estabelecem a maneira pela qual outras normas devem ser aplicadas. A partir dessa classificação é possível definir a dignidade da pessoa humana como um postulado normativo, ou seja, uma metanorma, que confere significado aos direitos fundamentais, sobretudo ao direito à assinalado, não apenas especialmente, vida, considerado, sob a ótica sob um prisma aqui, como já individual, mas encarado, coletivo. E, para que se possa apreender o conteúdo desse postulado é preciso reportar-se àquilo que a doutrina alemã denomina de Menschenbild, de pessoa ou seja, a imagem que se encontra descrita, de modo amplo, no texto constitucional.54 Helena Regina Lobo da Costa, amparada em Konrad Hesse, assenta que "a imagem da pessoa a de um ser sociais, garantem ignorar 54 de humano portador nacionalidade espaço para que esta existe em nossa de direitos e o exercício pessoa delineada de é coletivos e individuais, direitos livre políticos, que de sua personalidade, em relação Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade Constituição com os demais da pessoa humana lhe sem (Mitsein, e as teorias da prevenção geral positiva. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2003, p. 21. ADI 3.510 / DF em oposição a Selbstsein - existir isoladamente)". 55 Essa pessoa, prossegue ela, deverá, portanto, ser compreendida sempre em sua dupla acepção: como ens individuale e ens sociale.56 Colho das decisões do Supremo Tribunal exemplos de aplicação do postulado da dignidade Federal dois humana como metanorma. O primeiro é aquele em que a Corte ampliou a garantia constitucional do devido processo legal para nela abarcar o rito processual previsto para os crimes relacionados a entorpecentes. 57 Nesse caso, individuale, a Menschenbild empregada correspondia ao ens retratando um ser humano dotado do direito de ver-se processado em rigoroso cumprimento do princípio da legalidade. Já no segundo exemplo, a referida imagem assumiu os contornos de ens sociale, na medida em que foi construída a partir do confronto do indivíduo com o "outro". Cuida-se de decisão que entendeu ser impenhorável o imóvel residencial do devedor (a pressupor, portanto, um credor), enquanto instrumento garantidor de sua subsistência pessoal, bem como a de seus familiares. Ou seja, o direito à propriedade, naquele caso, foi reconfigurado, 55 Idem, loc.cit. 56 Idem, p. 22. RE 515.427, Rel. Min. Gilmar Mendes. 57 ADI 3.510 / DF tendo corno fundamento a metanorma da dignidade da pessoa humana, considerada em sua dimensão social.58 Diante dessas considerações, entendo que o fulcro da discussão, ora submetida a esta Suprema Corte, não se restringe meramente ao estatuto jurídico do embrião gerado in vitro ou das células-tronco que dele podem ser extraídas, devendo abranger, para muito além desse estreito horizonte, a disciplina das pesquisas genéticas e das ações de todos os seus protagonistas, sejam eles doadores de gametas, receptores de óvulos fertilizados, médicos ou cientistas, tendo como parâmetro a dignidade humana, enquanto valor fundante do texto constitucional. 9. CÉLULAS EMBRIONÁRIAS HUMANAS NO DIREITO COMPARADO Examinando o tema à luz da legislação francesa, Brigitte Mintier observa que o direito positivo francês faz uma distinção entre "pessoas" e "coisas".59 Enquadram-se na primeira categoria os indivíduos e os grupos de indivíduos, que adquirem personalidade jurídica 58 ao preencherem determinados requisitos legais. Já os RE 439.003, Rel. Min. Eros Grau. MINTIER, Brigitte Feuillet. Células-tronco embrionárias e o direito francês. In: MARTÍNES, Julio Luis, op. cit., pp. 146-147. 59 ADI 3.510 / DF "coisas". Os integrantes de ambas as animais, são considerados categorias, porém, são merecedores de proteção legal. E explica: "Os animais são juridicamente coisas e, no entanto, são objeto de medidas protetoras. essencial: Existe, as pessoas são de qualquer 'sujeitos modo, uma de direito', diferença enquanto as coisas são 'objetos de direito'. Portanto, é inevitável que esta diferenciação conduza a uma maior proteção para as pessoas". 60 Mais adiante assenta ela que, sem embargo da relativa indefinição sobre o status ''legislação jurídico do óvulo fecundado in vitro, francesa regulamenta efetuadas com embriões humanos". falta textos estatuto de do específicos embrião parece a maior parte das a práticas Isso permite concluir que, "à sobre as aplicável células a essas embrionárias, células".62 o Quer dizer, ainda que não gozem de amparo integral, à semelhança do que ocorre com uma pessoa, os embriões e as células embrionárias, na França, são protegidos pela lei. Veelke Derckx, estudando a legislação dos Países Baixos, revela 60 61 que, lá, Idem, p . 147. Idem, p p . 147-149. entende-se que os direitos subjetivos são ADI 3.510 / DF adquiridos no momento do nascimento da pessoa.62 E, embora um embrião, com base nesse raciocínio, não seja sujeito de direitos, ainda assim é "considerado de proteção".63 digno Isso porque o direito sanitário daquele país baseia-se na "teoria da proteção jurídica progressiva", segundo a qual há um incremento gradativo no nível de proteção "em função do embrião, de seu grau de desenvolvimento".64 Aduz, ainda, "estabelece os limites embriões, vida parte em geral".65 que a "lei dos embriões", ao uso que pode ser feito da dignidade o benefício do respeito à Tais paradigmas, segundo explica, somente podem como o bem-estar da futura "a posição um valor criança, para a saúde e o bem-estar Já qual dos gametas e dos humana e do princípio ser atalhados "quando se deve outorgar valores, a doutrinal superior a outros a cura de doenças ou de casais majoritária estéreis".66 na Alemanha", refletida no direito positivo e na jurisprudência daquele país, "defende dignidade 62 que o embrião já é sujeito não é considerada um direito ou - na medida subjetivo, em que a mas antes um Veelke DERCKX, Veelke. Células-tronco: legislação e doutrina nos Países Baixos. In: MARTÍNES, Julio Luis, op. cit., p.163. 63 Idem, loc. cit. 64 Idem, loc. cit. 65 Idem, loc. cit. 66 Idem, pp. 163-164.