ENCAMINHAMENTO DE FAX

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Vitória,
07 de agosto
de 2007
Mensagem Nº 161/2007
Senhor Presidente:
Comunico a V. Exª que, amparado nos artigos 66, § 2º e 91, IV da
Constituição Estadual, vetei totalmente por inconstitucionalidade o Projeto de Lei nº
128/2007, de autoria da Deputada Aparecida Denadai, que “Dispõe sobre a proibição da
exigência da apresentação de Certidão Negativa emitida pelo SPC, SERASA e congêneres,
como condição fundamental para o ingresso em qualquer tipo de emprego”.
O projeto de lei em apreço, após aprovação nessa Casa de Leis, veiome na forma de Autógrafo de Lei nº 158/2007 para o cumprimento das formalidades
constitucionais, próprias do Poder Executivo.
Submeti o autógrafo ao exame da douta Procuradoria Geral do Estado,
que se manifestou com o parecer que aprovo e adiante subscrevo:
“1. Da vedação à discriminação:
O Estado Democrático de Direito tem seu fundamento, dentre outros, na
valorização da pessoa humana, consagrando o princípio da igualdade, e rejeitando quaisquer
tipos de discriminação, como previsto no art. 5°, caput, cláusula pétrea na Carta Maior:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
(...)
A ordem constitucional instituída em 1988, com a promulgação da atual
Constituição, prevê, dentre os direitos sociais dos trabalhadores, a vedação à discriminação na
relação de emprego/trabalho, na forma dos incisos XXX e, XXXI do art. 7°:
Veto total PL 128-07
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e
critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
(...)”
Dentro de competência legislativa da União, e em atenção à determinação
constitucional expressa no inciso XXX do art. 7° da CF/88, foi publicada a Lei n° 9.029, de 13
de abril de 1995 - que “proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras
práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de
trabalho, e dá outras providências” – vedando práticas discriminatórias ou limitativas do acesso
ao emprego, nos seguintes termos:
“Artigo 1º - Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória
e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação
familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao
menor, previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal.”
Nesta mesma ordem de idéias, sempre atendendo ao princípio da igualdade
e à vedação à discriminação, a Portaria n° 41, de 28 de março de 2007 do Ministério do Trabalho
e Emprego, ao disciplinar o registro da Carteira de Trabalho dos Empregados, proibiu
expressamente o empregador de exigir documentos discriminatórios para a contratação de
empregado, na seguinte forma:
"Art. 1º Proibir ao empregador que, na contratação ou na manutenção do
emprego do trabalhador, faça a exigência de quaisquer documentos
discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente
certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo,
atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez."
Ainda, mesmo antes da publicação da Lei n° 9.029/95 e da CF/88, a
Convenção n° 111 OIT, de 1958, abordou a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão,
vedando esta prática. A citada Convenção, ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 62.150, de
19 de janeiro de 1968, veda qualquer distinção que altere a igualdade de oportunidades de acesso
a emprego:
Artigo 1.º
Veto total PL 128-07
(1) Para os fins da presente Convenção, o termo «discriminação»
compreende:
a) Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor,
sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem
social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou
profissão;
b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha
por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou
de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá
ser especificada pelo Estado Membro interessado depois de
consultadas as organizações representativas de patrões e
trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos
adequados.
(2) As distinções, exclusões ou preferências fundadas em
qualificações exigidas para determinado emprego não são
consideradas como discriminação.
(3) Para fins da presente Convenção as palavras «emprego» e
»profissão» incluem não só o acesso à formação profissional, ao
emprego e às diferentes profissões, como também as condições de
emprego.
Artigo 2.º
Todo o Estado Membro para qual a presente Convenção se
encontre em vigor compromete-se a definir e aplicar uma política
nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às
circunstancias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e
de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objectivo
de eliminar toda a discriminação.
Assim, o presente Autógrafo de Lei caminha no mesmo sentido da
legislação federal e constitucional acerca do combate à discriminação, atendendo também ao
anseio social.
2. Da matéria de Direito do Trabalho
Embora a seleção de empregado entre os pretendentes não seja Contrato de
Trabalho, esta seleção, ou pré-contrato, poderá resultar num contrato de trabalho, que é regido
pelo Direito do Trabalho. Sendo assim, esta fase prévia também seguirá as normas e princípios
deste ramo do direito.
Veto total PL 128-07
Com efeito, imaginar-se que a seleção de candidatos a um emprego seja
regida por regras estranhas ao direito do trabalho, como o direito civil, gera situações
incompatíveis, como aponta a doutrina moderna:
“Hoje, não há mais dúvida de que toda fase pré-contratual à relação de
emprego já é de competência da Justiça do Trabalho, aplicando-se, portanto,
o Direito e Princípios Trabalhistas. Havia, anteriormente, um entendimento
de que o contrato de trabalho só passaria a existir a partir do momento em
que o empregado começasse, de fato, a trabalhar para seu empregador.
Sob esse posicionamento, o mero acordo de vontade entre as partes era
regido pelo Direito Civil, deduzindo-se que a proteção do empregado só
seria iniciada com a efetiva prestação de serviços.”1
“No contrato de trabalho, como nos demais contratos, pode haver um
período pré-contratual. (...) Neste caso, não há que se confundir a proposta
do contrato, que pressupõe que este se forme pelo único fato da aceitação, e
que, por isso, obriga o proponente (Novo Código Civil, art. 427), com os
entendimentos preliminares da fase pré-contratual.”2
Note-se que, embora a seleção de empregados não obrigue o empregador à
contratação de empregado, não só as regras aplicáveis são as trabalhistas, como o julgamento de
eventuais controvérsias decorrentes desta fase é de competência da Justiça do trabalho (art. 114,
I CF), como ensina o prof. Délio Maranhão:
“Assim é que, se os entendimentos preliminares chegaram a um ponto que
faça prever a conclusão do contrato e uma das partes os rompe sem um
motivo justo e razoável (culpa in contrahendo), a outra terá direito ao
ressarcimento do dano causado por esse rompimento (interesse contratual
negativo), quando possa provar que, confiando na previsível conclusão do
contrato, fez despesas em virtude de tais entendimentos, ou deixou de
aceitar outra oferta tanto ou mais vantajosa. Consideramos perfeitamente
cabível uma ação desta natureza na Justiça do Trabalho, em face do art. 144
da Constituição, que fala em “outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho”.3
1
DUARTE, Juliana Braks, e KLÔH, Talita C. S. O perigo da seleção de pessoal que envolve a
verificação de SPC, Serasa, FAC, etc. dos candidatos. Artigo publicado na internet em 24 de junho de
2006: http://calvo.pro.br/artigos/selecao_spc_pinheironeto.pdf
2 SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. 1, pág. 247. 21ª edição. Editora
LTr, São Paulo.
3 SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. 1, pág. 247. 21ª edição. Editora
LTr, São Paulo.
Veto total PL 128-07
Pela competência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria de
discriminação nas relações de trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho da 9ª e da 3ª Regiões
julgaram a matéria, nos seguintes termos:
"Ministério Público do Trabalho move ação civil pública coibindo
empresa que comercializa listas cadastrais com nomes dos que
reclamam na Justiça do Trabalho -. A prática de comercialização,
'venda', de listas com os Competência da Justiça do Trabalho
nomes dos que reclamam na Justiça do Trabalho fere de morte um
dos mais relevantes direitos constitucionais insculpido no artigo 5º,
inciso XXXIV, a da Carta Maior, e qualquer ato atentatório a
liberdade do indivíduo de pedir ao Poder Judiciário a reparação de
qualquer direito deve ser tratado com todos os rigores que a lei
admite, sendo competente esta justiça especializada para apreciar a
matéria."4
“Uma das grandes contribuições da Constituição de 1988, no que concerne
às relações de trabalho, está em mostrar que toda e qualquer discriminação é
odiosa e deve ser veementemente combatida. O princípio da isonomia
alcançou, com a vigente Carta Política, abrangência que a ordem jurídica
brasileira ainda não conhecia. Aplicação imediata das normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais, nos termos do parágrafo 1o. do art.
5o. da Carta Maior."5
Note-se, portanto que a matéria do autógrafo de lei em questão é de Direito
do Trabalho, e a competência para processar e julgar ações que versem sobre o tema é da Justiça
do trabalho.
3. Da competência legislativa
Contudo, em que pese os objetivos sociais do Autógrafo de Lei n° 158/2007,
como acima demonstrado, este cuida de matéria relacionada ao Direito do Trabalho, cuja
competência legislativa é privativa da União, nos termos do art. 22, I da CF/88:
4
TRT - 9a. Reg.- RO-13798/96 - 4a. JCJ de Londrina - Ac. 17277/97 - maioria - 1a. T. - Rel: Juiz Wilson
Pereira - Fonte: DJPR, 04.07.97, pág. 201.
5 TRT - 3a. Reg. - RO-8262/94 - 33a. JCJ de Belo Horizonte - Ac. 3a. T. - unân. - Rel: Juíza Maria Laura
Franco Lima de Faria - Fonte: DJMG II, 04.02.95, pág. 58
Veto total PL 128-07
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...)
Note-se que a discriminação na contratação de empregado é de competência
privativa da União, não dos Estados-Membros, como já sedimentou entendimento o Colendo
STF, como aponta os seguintes julgados:
“Relevância da fundamentação jurídica (invasão da competência privativa
da União, para legislar sobre direito do trabalho, CF, art. 22, I, e,
sobretudo, para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, CF, art.
21, XXIV) da argüição de inconstitucionalidade de Lei estadual que,
como a ora atacada, estabelece medidas de polícia administrativa
destinadas a coibir a discriminação à mulher nas relações de trabalho.
Precedente desta Corte: ADIMC 953.”6
"Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21-11-2005,
que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de
mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. Ofensa à competência
privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e
contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações
públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação
(CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção
do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I)."7
Assim, não restam dúvidas que o autógrafo de lei em questão é
inconstitucional por ter o legislador estadual legislado matéria de competência privativa da
União, invadindo o âmbito da competência constitucional de outra esfera de governo (art. 22, I
da CF).
Ademais, ao incluir em seu art. 1° a expressão “em qualquer tipo de
emprego”, o Autógrafo de Lei n° 158/2007 atrita com a Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT (recepcionado com status de lei ordinária federal), porque traz previsão que contraria o
disposto no art. 508 daquele diploma legal:
6
7
ADI 2.487-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 13-3-02, DJ de 01/08/03.
ADI 3.670, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 02/04/07, DJ de 18/05/07.
Veto total PL 128-07
Art. 508. Considera-se justa causa, para efeito de rescisão de contrato de
trabalho do empregado bancário, a falta contumaz de pagamento de dívidas
legalmente exigíveis.
Note-se que se é motivo para rescisão do contrato de trabalho por justa
causa do empregado bancário (e também de seus equiparados, que trabalham em financeiras –
Súmula n° 55 do TST) a existência de dívidas exigíveis e não pagas. Lógico será concluir-se que
a existência destas dívidas obsta seu acesso a este emprego, sendo permitida, portanto, a
exigência de comprovação da inexistência destas para a contratação deste empregado. O
entendimento contrário levaria à absurda conclusão que não obstaria a contratação, mas ensejaria
imediata rescisão por justa causa no instante seguinte à formação do contrato de trabalho.
Desta forma, também por vedar a exigência de certidões que comprovem a
inexistência de dívidas vencidas e não pagas dos candidatos a qualquer tipo de emprego,
incluindo, portanto, empregados bancários e equiparados, contrariando disposição da CLT, o
Autógrafo de Lei n° 158/2007 não pode ser sancionado.”
Ante as considerações explicitadas acima veto totalmente o Projeto de
Lei nº 128/2007 por entendê-lo inconstitucional.
Atenciosamente
PAULO CESAR HARTUNG GOMES
Governador do Estado
Veto total PL 128-07
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