Breve introdução à noção de “Indústria Cultural” Adorno e Horkheimer A expressão “Indústria Cultural” foi, provavelmente, utilizada pela primeira ver por Adorno e Horkheimer, em 1947, no livro A Dialéctica do Iluminismo. Nas versões iniciais do livro falavam de “cultura de massas” mas decidiram substituir esta expressão para não ser utilizada por quem desta pudesse servir-se como algo que fosse proveniente das próprias massas, como a forma contemporânea de arte popular. Adorno concebe este termo como sendo algo contraditório a esta concepção pois, para ele, a indústria da cultura reorganiza os hábitos antigos, dotando-os de novas qualidades, integrando-os no sistema de forma ordenada e de forma conveniente aos sectores económicos e administrativos, ou seja, ao poder. A função da indústria cultural é destruir a resistência rebelde que existia nas formas artísticas antes de serem controladas por esta. Ela subverte a atenção concedida às massas ao reforçar uma mentalidade que, segundo o autor, não é desejável que evolua. A autonomia das obras de arte é subvertida pelos agentes desta indústria, limitando-se a reproduzir os desejos daquilo que os homens desejam ver; é uma cacofonia cultural. Não existe uma verdadeira criação neste tipo de discurso mas apenas uma concepção mercantil destas; a sua verdadeira função é o lucro e o modo de o conseguir é através da promoção de consensos, através de uma estrutura conservadora que procura aparentar ser inovadora. Porém, o termo “indústria” não deve ser tomado num sentido literal pois refere-se à padronização do objecto. Funciona como uma linha de montagem de produtos culturais que é perfeitamente visível no studio system de Hollywood. Como táctica de manutenção da “linha de montagem”, cada produto apresenta-se como algo único que, no entanto, contribui para reforçar a ideologia que lhe dá origem. Este artifício contribui para alimentar o sistema enquanto os espectadores julgam experimentar algo novo de cada vez que fruem de uma actividade cultural. O termo fruição é correcto na medida em que é o que se pode retirar deste tipo de espectáculos: entretenimento. O discurso dominante tenta mostrar que esta indústria é determinante para a formação das consciências mas são excluídas do seu discurso questões como a sua qualidade, verdade ou até do nível estético que é apresentado, servindo, ao invés disto, um princípio funesto quanto aos seus efeitos sociais. Esta “gestão espiritual das massas” faz com que o público deixe de reflectir nas questões que não lhe são apresentadas pelo poder; ora, como o objectivo do poder é manter-se inalterado, o seu monopólio é promovido neste processo. A indústria cultural tornou-se numa arma da propaganda política pois as informações contidas nestes produtos são irrelevantes: as histórias que apresentam são individualizadas e promovem as normas sociais; deixa assim de ser geradora de consciências porque reforça apenas uma grande consciência que colabora com as estruturas sociais, com a manutenção do status quo. Segundo as palavras de Adorno e Horkheimer, “o Iluminismo, isto é, o progressivo domínio técnico da Natureza, converteu-se num logro colectivo, num instrumento de coação da consciência.” Com isto deixa de ser possível que se formem indivíduos com consciência própria, capazes de decidir. Ortega y Gasset A questão que Ortega y Gasset tenta compreender é de “como se produziu o homem-massa que domina a vida pública da sociedade contemporânea?” Para o autor, ele foi originado no século XIX. Existe uma premissa de Hegel, segundo a qual, a falta de uma força espiritual que guiasse as massas numa era revolucionária, poderia originar uma catástrofe; como tal, no século XIX, ocorreu uma reconfiguração da sociedade que impediu que tal acontecesse. Neste século a classe média ganhou a oportunidade de ascensão e as grandes fortunas diminuíram; no entanto, a vida da classe operária tornava-se cada vez mais dura. No século XX verificou-se uma ascensão social da classe mais baixa que começou a lutar pelos seus direitos, seguindo o exemplo da classe média no século anterior. Todos os homens se tornaram legalmente iguais. A manutenção deste estatuto aparente foi tornado possível pela instauração da técnica. O homem pobre de hoje em dia vive melhor do que o rico de outrora; o problema é que o homem é ambicioso e o descontentamento continua a grassar. Ortega y Gasset compara o homem actual a um “menino mimado” que considera que só tem direitos e não tem deveres; o problema é que, apesar desta estratificação da sociedade, as massas continuam, por natureza, infelizes por terem perdido a memória dos tempos anteriores e não serem capazes de apreciar o que lhes é oferecido. O homem-massa, o modo de ser do homem na sociedade contemporânea representa o nosso tempo. As estruturas sociais mudaram fundamentalmente através da técnica e, como é nela que a sociedade é fundada, o mais respeitado dos homens contemporâneos é o técnico, o protótipo do homem-massa. Ora, o técnico é, por natureza, um especialista, só domina uma parcela do conhecimento mas, com esta reconfiguração social, ele tornou-se no sábio contemporâneo, obrigado a opinar sobre toda a realidade para a manutenção do seu estatuto social. Este estatuto social é a base da decadência da sociedade contemporânea, não pode originar progresso pois os homens que determinam os nossos destinos são, no fundo, incapazes de o fazer. Como tal, Ortega y Gasset considera que a sociedade actual tem de se reinventar para originar processo social, ao invés de meras inovações técnicas. Francisco Palma, 2006