1 EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE VITÓRIA/ES O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, através da 3ª Promotora de Justiça Cível de Vitória, da 5ª Promotoria Cível de Vila Velha, da 1ª Promotoria de Justiça Cível de Cariacica, da 3ª Promotoria de Justiça Cível da Serra, da 4ª Promotoria de Justiça Cumulativa de Viana e da 2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim, todas com atribuições judiciais e extrajudiciais nas ações e serviços públicos de saúde, em atuação conjunta com o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, e com fundamento na Constituição Federal (artigos 1º, incisos II e III; 3º, incisos I, III e IV; 5º caput e § 1º; 6º; 23, inciso II; 37 caput; 127 caput; 129, incisos II e III; 196 e 198; no Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/90, artigos 22 e 81/100); na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85 – artigos 1º, inciso IV, 5º caput, 11, 12 caput e § 1º; 19 e 21); na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93, artigos 1º caput; 25, inciso IV, alínea “a” e 27, incisos I e II) e na Lei do SUS (Lei Federal 8.080/90, artigos 2º , § 1º; 4º; 5º, inciso III; 6º, inciso I, letra “d”; 7º, incisos I, II, IV e XII; 8º e 17, incisos II, III , IV e IX); vêm ajuizar a presente 2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR pelo rito ordinário comum, em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, que deverá ser citado na pessoa de sua Excelentíssima Sra. Dra. Procuradora Geral do Estado, em seu gabinete, com endereço na Avenida Governador Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 9º andar, Centro – Vitória/ES, CEP 29010-150, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. 1. DO SUPORTE FÁTICO: Desde os idos de 2004, a Promotoria de Justiça Cível de Vitória vem recebendo representações acerca da superlotação dos hospitais da rede pública estadual e da conseqüente dificuldade em garantir a acessibilidade imediata dos pacientes aos serviços de alta complexidade – especialmente as internações hospitalares, o que resultou na instauração dos Procedimentos Administrativos PCVT n.s 121/04, 130/04, 145/04, 74/04, 48/05, 196/06 e 289/06. A notória superlotação de corredores dos hospitais da rede pública estadual (especialmente São Lucas e Dório Silva) tornam evidente a conclusão de que não tem sido garantidos, em quantidade suficiente a atender a demanda da população capixada, leitos de retaguarda, seja de internação hospitalar, seja em Unidades de Terapia Intensiva – UTIS. Como referido, já em 2004, o Ministério Público Estadual havia tido acesso a documentos que davam conta da mora na acessibilidade dos pacientes a leitos de CTI/UTI. 3 O PA PCVT n. 074/04 contém ata de reunião realizada entre o CRM-ES e o Corpo Clínico do Hospital São Lucas, em 02 de abril de 2004, na qual foram elencados os seguintes problemas, entre outros: *Pronto socorro sem área física adequada, dificuldade constante de leitos de retaguarda, superlotação de pacientes, com excedente diário de 100% (20 leitos instalados, mais 22 em média diária nos corredores) prejudicando a relação médico/paciente. *CTI adulto em número insuficiente de leitos (sete) para a capacidade de leitos do Hospital (226) leitos quando no mínimo necessitaria de 22 leitos, sem que leve em conta a demanda do Pronto Socorro. Constavam as seguintes sugestões dos médicos: *Resolver a superlotação do hospital *Aumento e definição de leitos de retaguarda *Aumento de leitos de UTI *Projeto de ampliação a médio prazo, do Hospital São Lucas Consta, ainda, do PA n. 074/04, relatório de auditoria da Secretaria de Estado da Saúde, no prontuário da paciente Ângela Maria Machado, a qual veio a óbito em 29/05/03, após suposta mora na prestação de atendimento de saúde de alta complexidade, dadas as seguintes informações, in verbis: 4 ... a paciente ficou internada aguardando a realização de angiografia cerebral computadorizada, até o dia 08/04/03, quando foi realizada e no laudo consta que foi observado a presença de pequena formação Aneurismática na Comunicante Anterior. Verificamos paciente teve a que cirurgia conforme marcada prontuário, várias vezes a e posteriormente adiada por falta de vagas no CTI para pós-operatório. Em 19/05/03 com a remoção do paciente Élson Sebastião para uma CTI particular, surgiu a vaga que possibilitou que a paciente fosse operada no dia 20/05/03. (...) (DOCUMENTO 01) Ouvida a Direção Geral do Hospital São Lucas, Dra. Egle Madeira Cristóvão, no referido procedimento administrativo, em outras alegações, assim se manifestou: (...) pacientes com diagnóstico de tumor encefálico e aneurisma cerebral costumam ficar muito tempo internado à espera de vaga no CTI para que a cirurgia seja realizada, visto que o pós-operatório desses pacientes é sempre dentro do CTI. Esta questão só poderá ser minimizada com a criação de mais leitos de CTI dentro do hospital São Lucas, pois os outros hospitais não têm condições de atender esses pacientes, cuja referência estadual é o HSL. Consideramos que não sabemos de nenhuma providência que devesse ter sido tomada em relação ao caso e perguntamos, que providências deveríamos tomar? (DOCUMENTO 01) 5 Em agosto de 2004, também foi encaminhado ao MPES, pela Procuradoria da República no Estado do Espírito Santo, cópia de relatório de visita técnica do DENASUS – Departamento Nacional de Auditoria do SUS, no Hospital Doutor Dório Silva, realizada no período de 03/03/04 a 12/03/04 (visita técnica n. 843). Já naquela ocasião, foi feita a seguinte recomendação pelos auditores do SISAUD – Sistema de auditoria: Promova a especialização da Unidade com investimentos em seu PS, ampliação do Centro Cirúrgico, aumento do número de leitos em sua UTI e compra de equipamentos para realização de cirurgias de grande porte. Vale informar que as recomendações objeto da referida atividade de visita técnica repisavam encaminhamentos de correção necessária já propostos através do Relatório de Auditoria n. DENASUS n. 103, ainda não efetivadas. Em 31 de março de 2005, em atenção à solicitação da então Dirigente do Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – MPES, foi encaminhado, através do OFÍCIO/IESP/GDP/Nº 29/05, cópia do relatório de auditorias realizadas nos Hospitais São Lucas e Dório Silva, conforme Portaria nº 057-S, de 02/02/05 e 03/02/05. No relatório de auditoria os auditores da Secretaria de Estado da Saúde reconhecem, in verbis: 6 A falta de atendimento digno é extremamente humilhante para a população e é de responsabilidade do Estado. É a população pobre a mais penalizada. Superlotação, falta de medicamentos, manutenção inadequada dos equipamentos e falta de educação continuada para todos que atendem a população são os fatores mais diretos que podem ser atacados de imediato. Essas foram algumas das constatações efetuadas pelos auditores: Obs: CTI com todos os leitos ocupados Obs: Sala de pequena cirurgia do PS, sendo utilizada como CTI, inadequadamente. Obs: Corredores sendo utilizados como PS. Obs: Corredor do PS com acúmulo de pacientes. Pacientes em atendimento no corredor: 42 pacientes. Obs: Sala de auto risco do PS: pacientes em maca e não em leitos. Obs: Atendimento no corredor do PS. E elaboram quadro de diagnóstico dos Hospitais São Lucas e Dório Silva, com as seguintes conclusões (entre outras), ao focar como ponto de atenção o serviço de pronto socorro e o centro cirúrgico: 7 HOSPITAL SÃO LUCAS PROBLEMAS POSSÍVEIS CAUSAS Longa permanência * Falta de leito de Retaguarda Acúmulo de pacientes no corredor * Ao longo do tempo, as enfermarias de observação do hospital passaram a ser utilizadas como leitos de retaguarda, bem como as salas de pequenas cirurgias e de emergência. Falta de leitos de retaguarda e UTI. HOSPITAL DÓRIO SILVA PROBLEMAS POSSÍVEIS CAUSAS Longa permanência * Falta de leitos de retaguarda. RPA virou CTI * Falta vagas de CTI pós cirurgias. Em 25 de novembro de 2005, o corpo clínico do Hospital Dr. Dório Silva comunicava formalmente à Direção daquele Hospital, ao Conselho Regional de Medicina e ao Secretário de Estado da Saúde as irregularidades que, segundo os médicos plantonistas, estariam colocando em risco o exercício 8 da atividade profissional dos médicos, bem como a vida dos pacientes atendidos pela referida instituição. Assim relatavam os fatos: É público e notório que o Hospital Estadual Dr. Dório Silva vem funcionando acima de sua capacidade de diária de atendimento à população, há alguns anos. Os pacientes permanecem “internados” em macas de ambulâncias pelos corredores do pronto socorro, por períodos superiores a 24 horas, sendo que alguns ficam nessas condições durante dias seguidos. Cumpre ressaltar que NÃO há diferenciação entre pacientes jovens, idosos, homens ou mulheres, sendo que todos permanecem nessas condições, inclusive os portadores de doenças infecto contagiosas e acidentados em estado grave. Os pacientes que necessitam de cuidados intensivos permanecem dentro da sala de emergência aguardando leito em UTI, por dias consecutivos, sendo que vários vão a óbito antes do surgimento da vaga na UTI. (...) É importante salientar que o número de atendimentos no pronto socorro em 24 horas de palntão, normalmente é de 250 pessoas, sendo que o número de leitos do pornto socorro é de 44. Em 03 de agosto de 2006, nova carta do corpo clínico do Dório Silva foi protocolizada (Protocolo n. 29665/2006) no MPES, contendo a reiteração das queixas formuladas no comunicado anterior, sob o argumento de que não foram adotadas providências para a solução das irregularidades, nos seguintes termos: 9 Hoje estamos numa situação pior do que a anterior: 08 meses se passaram As condições de trabalho são as mesmas. Pacientes que necessitam de UTI continuam na sala de emergência sem nem previsão de vaga, sem monitoração cardíaca, sem oximetria de pulso, sem leito, etc. Pacientes pelos corredores. Média de 95 pacientes “internados” no Pronto Socorro e corredores do hospital, sendo a capacidade máxima de 44. Via de mão única, em 90% dos casos, entre a CRL/SAMU e o hospital. Envio quase diário de informes ao SAMU e a CRL, sobre impossibilidade total de atendimento de urgência e emergência, que muitas vezes é ignorado. Humilhação, descrédito, derrota... Agressões físicas e morais aos profissionais a todo momento, por usuários e acompanhantes. Necessidade de triagem na porta por não haver mais as mínimas condições de acolher o usuário. Acompanhantes sentados em macas dos pacientes, por não haver nem cadeiras. Índice de infecção hospitalar absurdo Nós estamos recebendo uma carga de estresse muito grande, pois temos um referencial de “vaga zero”, mas não temos retaguarda para isso. Quando passamos pelo corredor somos a todo tempo parados por acompanhantes de pacientes que querem uma solução. Mas que solução????? Nos sentimos incapazes, vazios, desarmados...” 10 Em 08 de agosto daquele ano, o jornal A TRIBUNA publicou reportagem sobre o manifesto do corpo clínico do Hospital Dório Silva, informando que o Conselho Regional de Medicina chegou a cogitar, à época, a possibilidade de uma interdição ética no Hospital Dório Silva. Paralelamente, em 09 de maio de 2006, a imprensa havia novamente noticiado “SUPERLOTAÇÃO E DEMORA NO ATENDIMENTO DO HOSPITAL SÃO LUCAS, EM VITÓRIA”, em reportagem de Álvaro Zanotti (Redação Gazeta Rádios e Internet), em que constava: Superlotação e demora no atendimento. As histórias relacionadas aos problemas na saúde pública capixaba, se repetem diariamente. Mudam apenas os personagens. A estudante Izabel Gomes, de 22 anos, retornou ao hospital São Lucas, em Vitória, na manhã desta terça-feira para visitar a avó de 81 anos que sofreu, em dois dias, dois derrames cerebrais. Os médicos constataram um coágulo que precisa ser retirado imediatamente. Ela está na fila de espera das cirurgias neurológicas. Segundo Izabel, não há previsão de quando ela será atendida. “Ela está numa sala de espera com mais pessoas esperando vaga UTI. Ela precisa de cirurgia com neurocirurgião e tem quatro pessoas na fila. Pelo que o médico diz, ela não vai resistir. Ninguém sabe quando vai ser a vez dela. Quem precisa morre. Vi passando um cadáver aqui. É chocante”, relatou. (...) Listas de espera, dificuldades para conseguir vagas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e superlotação. Somente 11 no corredor estão acomodadas 24 pessoas. Algumas em macas, outras deitadas em colchonetes colocados no chão. A mãe da costureira Mariuza Soares, de 35 anos, é diabética e na quinta-feira foi internada com um hematoma no pé. Passou o dia no corredor da unidade e depois da cirurgia a que foi submetida, teve que aguardar uma vaga nos quartos, que estavam todos ocupados. “Primeiro ela esteve no corredor e ficou deitada no mármore. Depois disso, uma enfermeira viu a gravidade da situação e conseguiu uma maca sem colchão. Quando chegou a noite, conseguiu o colchão. O corredor é muito ruim. É muita gente. O banheiro é um só para várias pessoas”, disse. A despeito do decurso do tempo, ainda perdura a situação de superlotação, recentes noticiamentos dão conta do agravamento cada vez maior da desassistência. Em 30 de junho de 2007, o jornal A GAZETA publicou notícia intitulada “SERVIÇOS DE SAÚDE DO ESTADO NÃO FUNCIONAM”, contendo informações sobre a situação da doméstica Maria dos Anjos Barcelos, 53 anos, que morreu à espera de atendimento no Pronto-Atendimento de Carapina, na Serra, no dia 29 de junho do corrente. Na mesma data, A GAZETA publicou decisão do CRM – Conselho Regional de Medicina de realizar vistoria no Hospital São Lucas, diante de denúncias de médicos que trabalham naquele serviço de saúde e relatou alguns dos problemas do HSL constatados em visita do SIMES – Sindicato dos Médicos do Estado, realizada em 25 de abril deste ano, entre os quais vale mencionar os seguintes: 12 A média dos pacientes internados nos corredores varia entre 100 a 120 pessoas. No dia da vistoria, havia 102 pacientes no corredor. A Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) não consegue atender a demanda e não há boxes individualizados. Cirurgias são adiadas por falta de leitos de apoio ou Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Em 01 e 02 de julho do corrente, o jornal A TRIBUNA também publicou reportagens que relatavam a previsão de fiscalização do Conselho Regional de Medicina nas dependências do Hospital São Lucas de Vitória, a fim de verificar as condições de superlotação daquele nosocômio. A medida partiu de boletim de ocorrência, registrado no DPJ de Vitória por dois médicos que trabalham no local, contendo afirmações de que “há risco dos pacientes morrerem, 62 estavam no corredor.” Na seqüência, em 03 de julho, a imprensa novamente traz á baila à questão da saúde, informando à população capixaba sobre as conclusões do CRM na vistoria realizada aos hospitais públicos, valendo citar: Noventa e sete pacientes deitados no corredor, sendo 52 deles à espera de cirurgias; dois doentes sendo atendidos nas escadas e bandidos algemados entre os demais internados. Esta era a situação do Hospital São Lucas, na tarde de ontem. Os dados são da vistoria do Conselho Regional de Medicina (CRM-ES). (...) O Presidente do CRM-ES disse estar indignado com as cenas que viu. “Medicina não pode ser exercida no chão. A situação é deprimente. Faço uma apelo ao Governador Paulo 13 Hartung para que venha e veja a situação com seus próprios olhos. – A TRIBUNA -. (...) “A situação é bem mais crítica do que se pensava, disse o presidente do CRM, Fernando Costa. (...) “Há pacientes espalhados até pelas escadas e rampas. Muitos estão deitados até no chão, sem direito sequer a uma maca”, relatou. – A GAZETA. Em 04 de julho de 2007, A GAZETA novamente publica: “Hospitais abarrotados, médicos abrindo boletins de ocorrência por conta do caos no atendimento, morte por mora no socorro. A crise da saúde no Estado parece ter chegado ao seu ponto mais crítico. A maioria das ações apresentadas pela Secretaria de Estado da Saúde, como a duplicação do Hospital São Lucas e a contrução do Hospital Central só vai surtir efeito a partir do próximo ano”. A mesma reportagem cita, sobre o tema, a manifestação da Secretária de Saúde da Serra, Rosalie Có, para quem o problema esbarra na falta de leitos, e acrescenta: “Há quantos anos ouvimos falar na ampliação do Dório Silva e do São Lucas?” Em 07 de julho do corrente, o MPES recebeu denúncia (DISCK MP-ES), de que o Pronto Atendimento de Vitória estaria funcionando além de sua capacidade, com dificuldade de encaminhar pacientes que chegam ao local 14 e necessitam ser removidos para hospitais. Por conta disso, a enfermaria do PA estaria lotada de pacientes internados, sendo três deles com problemas de coração, precisando urgentemente de internação hospitalar. Em resposta à solicitação de informações, a Subsecretária Municipal de Atenção à Saúde de Vitória, através dos Ofícios n.º 723/01/SEMUS/GAB, posicionou-se no sentido de reiterar “preocupação com a gravidade dos pacientes do Pronto Atendimento Municipal da Praia do Suá que aguardam leitos de internação de emergência”. Posteriormente, a mesma Subsecretária Municipal de Atenção à Saúde de Vitória, no Ofício n.º 723/07/SEMUS, informou: “(...) a gravidade dos pacientes que se encontram na sala do Pronto Atendimento da Praia do Suá. Nesta manhã, contávamos com 05 pacientes na sala de emergência, quando a mesma comporta apenas dois pacientes, além de uma ambulância do SAMU que aguardava com mais um paciente que teve que ser redirecionado a outro serviço. Dos cinco pacientes um foi a óbito e outro foi internado no HPM. Os outros três aguardavam vaga em CTI e semiintensivo. A Central Estadual de Regulação de leitos informa falta de vagas na rede pública.” (PA PCVT 387/2005) 15 Reiterado o pedido de informações pelo parquet, em 24 de julho a Direção Clínica do Pronto Atendimento Municipal de Vitória, prestou esclarecimentos, através do OFÍCIO 19/2007 Direção Clínica, e expôs os seguintes fatos: “O Serviço de Pronto Atendimento Médico segundo determinação própria do Ministério da Saúde não deve assumir papel de PRONTO SOCORRO, no que concerne ao atendimento médico de alta complexidade. Segundo Normativa do Ministério da Saúde o tempo máximo ideal de Observação em leito dos pacientes dentro de um Pronto Atendimento, até que seja definido sua destinação final com alta ou transferência é de 12 horas. O Pronto Atendimento funciona com sua capacidade seperestimada tanto no número de atendimentos/dia quanto no número de pacientes em observação ou aguardando vagas Hospitalares. A média de permanência de pacientes tem sido elevada o que propicia uma enorme chance de óbito por ineficácia terapêutica tratamentos de pois doenças os PA crônicas não objetivam e de alta complexidade. Os casos de transferência de pacientes emergenciais com elevado risco de vida depende de um trâmite burocrático imenso e quase sempre irresoluto levando muitas vezes a conseqüências desastrosas para o paciente. (...) No mês de julho de 2007 permaneceram em observação nesta Unidade 136 pacientes, sendo que 25 16 entram no contexto de longa permanência necessitando de vagas em Unidades Semi-Intensiva e/ou CTI. “ Em 27 de agosto de 2007, nova publicação de A TRIBUNA informando sobre a morte da paciente idosa Ana Aver Bosath, de 97 anos, que aguardava vaga de internação em um dos hospitais da Grande Vitória, na Policlínica de Itacibá, em Cariacica/ES. Conforme noticiado: “(...) O sub-secretário de saúde de Cariacica, Paulo Reblin, disse que a equipe da policlínica tentou, sem sucesso, a transferência da paciente Ana Aver Bosath, de 97 anos, por meio da Central de Vagas durante horas. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também foi chamado, mas segundo ele, não apareceu. (...) Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado da Saúde informou que o Samu recebeu uma ligação da policlínica por volta das 20h30 e chegou ao local às 21 horas (...) A assessoria informou, ainda, que o Samu tentou transferir a paciente, através da central de vagas, mas até o horário de sua morte, às 22h30, não obteve sucesso (...). Em 31 de agosto passado, o jornal CIDADE publica “FALTA DE VAGAS NOS HOSPITAIS – MORTE APÓS 11 DIAS DE ESPERA”. A reportagem conta a estória do paciente Geraldo Pedro Agostinho, 43 anos, que veio a óbito à espera de vaga em leito hospitalar: 17 O ajudante de cargas Geraldo Pedro Augustinho foi mais uma vítima da falta de vagas nos hospitais públicos do Estado. Ele morreu depois de esperar 11 dias por um leito. Ele estava internado no Hospital dos Ferroviários, mas precisava ser transferido para um hospital maior, com Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Casos como esse têm aparecido todos os dias na Grande Vitória. Somente ontem à tarde, no Pronto-Atendimento (PA) de Carapina, na Serra, havia sete pacientes à espera de vagas em UTI. Familiares de Geraldo estão revoltados. “Ele precisava ser operado. Lamentavelmente, não conseguimos. A Central de Vagas sempre falava que não tinha como transferi-lo. Tudo isso é uma vergonha”, desabafa o irmão da vítima, Celso Pedro Augustinho, 36 anos. Naquela mesma reportagem, foi entrevistado o Dr. João Chequer, médico que vinha atendendo o paciente Geraldo Pedro Augustinho, tendo às perguntas respondido: Quantos contatos foram feitos com a Central de Vagas? Fizemos vários contatos. Em um dia, passei mais de três fax para a Central. Mas sempre recebíamos a resposta de que não havia vagas. Como anda a saúde no Estado para você? A gente não tem condições mais de atender desse jeito. É complicado ver as pessoas morrendo à procura de 18 vagas. Os hospitais da Grande Vitória recebem demanda de todo o Estado. Porém, faltam leitos, profissionais. Consta, ainda, da publicação, a MEMÓRIA da morte do aposentado Renato Rodrigues Lessa, 61 anos, que morreu enquanto se submetia a uma cirurgia pela qual esperou durante seis meses. A TRIBUNA, ainda em de 31 de agosto, publicou reportagem, descrevendo os fatos envolvendo a morte do paciente Geraldo Agostinho, reafirmando que o paciente faleceu à espera da transferência para um hospital da rede estadual, o que teria sido tentado pelos médicos por 10 dias. Consta daquela publicação: A cunhada de Agostinho ficou revoltada com a morte do parente. Ela contou que os médicos do hospital recomendaram à família que procurasse ajuda de políticos para conseguir um leito em uma ou outra unidade. Enquanto Agostinho estava internado, a gente via que os médicos estavam tentando salvá-lo e pediram à Central de Vagas um leito, mas sempre recebiam uma resposta negativa. Não tinha nenhuma vaga em hospitais públicos e nem particulares. No dia 24, os médicos disseram que ele teria que ser transferido com urgência. Na madrugada de ontem, Agostinho morreu”. Disse a cunhada. A GAZETA, na mesma data, também publicou o caso de Geraldo Pedro Agostinho e acrescentou a notícia de que “PACIENTES DA SERRA PRECISAM DE UTI. A falta de leito nos hospitais tem comprometido os pronto-atendimentos da Grande Vitória.” 19 A resposta da SESA aos problemas publicados no jornal CIDADE foi reconhecimento da insuficiência dos leitos hospitalares para atender à população, já que informou a SESA que: A Central de Vagas está procurando, inclusive na iniciativa privada, leitos para internação, mas não há oferta para a compra. (A CIDADE) A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que tentou atender à solicitação do hospital para transferência do paciente através da compra de um leito, inclusive na iniciativa privada, mas não houve uma vaga disponível. (A TRIBUNA) Notificados os Secretários Municipais de Saúde a comparecerem na Promotoria de Justiça de Vitória, a fim de prestarem esclarecimentos sobre a situação ora narrada, assim de se manifestaram: Que o município de Vitória conta com o Pronto Atendimento da Praia do Suá (atendimento clinico, pediátrico, cirurgia geral e serviço odontológico 24 horas) e o Pronto Atendimento de São Pedro (atendimento clínico, pediátrico, cirurgia geral e serviço odontológico até as 19:00 horas) (...) que ambos os PAS atendem a população referenciada na rede básica nos casos de urgência e emergência; que para se ter como exemplo pode-se citar que de dez pacientes que necessitam ficar em observação nos PÁS, dois ou três necessitam de internação, a partir de então inicia-se o conflito em 20 busca de hospital; (...) que o tempo médio para se conseguir vagas em hospitais do SUS, dependendo do caso, por exemplo mais graves agudos, aguarda-se aproximadamente um dia; já o paciente cirúrgico (cirurgia geral) é de fácil transferência, com exceção dos cardíacos; já os pacientes crônicos estes aguarda-se aproximadamente três a quatro dias para remoção...” LUIZ CARLOS REBLIN – SECRETÁRIO MUNICIPAL DE VITÓRIA. “(...) que a central de vagas do Estado não supre a necessidade do município de Cariacica em tempo hábil, sendo necessário pressionar por maior de colegas médicos que possuem mais contato com o Estado objetivando garantir diariamente vidas; aproximadamente que a Policlínica quatrocentas atende pessoas, que desse total 350 de intercorrências clínicas que poderiam ser resolvidas na própria rede básica, do restante, isto é, cinqüenta pacientes, trinta desses casos necessitam ficar na Policlínica sob observação 12 horas, e os outros vinte pacientes são aqueles que realmente necessitam de internação, sendo que pelo sistema de vagas, apenas 50% obtêm vagas nos hospitais do SUS; que o tempo médio para conseguir vagas nos hospitais do SUS é três a quatro dias realidade, há aproximadamente; uma sobrecarga que de diante dessa pacientes na Policlínica..” ANSELMO DANTAS – SECRETÁRIO MUNICIPAL DE CARIACICA 21 Apenas para lembrar, foi em 08 de agosto de 2006 que a TRIBUNA publicou “A SESA GARANTIU QUE REFORMA DO PRONTO-SOCORRO ATÉ SETEMBRO E HOSPITAL CENTRAL ABRE ATÉ DEZEMBRO”. Não obstante, os 227 leitos prometidos com a inauguração do Hospital Central, até hoje não estão disponíveis à população do Estado. Recentemente, instada a responder sobre a situação calamitosa da saúde, a SESA anunciou formalmente o projeto de ampliação do Hospital São Lucas. Além disso, oficiado nos autos do PA n. 74/04, em busca de informações sobre as providências a serem adotadas, exsurge informação da Secretaria de Estado da Saúde, através do OF/SESA/GS/Nº 1583/07, de que os projetos arquitetônicos e complementares para reforma do Hospital São Lucas está concluídos e as obras serão contempladas no Plano Estadual de Saúde, ainda em fase de elaboração. Entretanto, a previsão para a contratação da empresa que realizará as referidas obras é dezembro/2007, estando o processo na fase de elaboração do edital licitatório. Ora, a medida se programa a longo prazo e, embora escorreita, pelo que ressai dos fatos relatados, não soluciona ou garante aos pacientes acessibilidade aos serviços de internação hospitalar, mantendo-se a omissão estatal quanto ao iminente risco à saúde das pessoas. Aliás, o próprio Sr. Secretário de Estado da Saúde, Dr. Anselmo Tose, reconhece publicamente que há falta geral de leitos (A GAZETA, 03 de julho de 2007), o que é, aliás, diante de todo quadro que, afora o exposto e comprovado nesses autos, fato notório. 22 Entretanto, o reconhecimento público da insuficiência do serviço de saúde para atender às necessidades da população é incompatível com a alegação daquele mesmo Secretário de Estado de que “a assistência aos pacientes está garantida”. Ademais, a referida assertiva, do Secretário Anselmo Tose, de que “ninguém defende que seja correto tratar pacientes no chão, mas a assistência está garantida”, ao olhar do Ministério Público e certamente também da população, não se coaduna com o princípio da dignidade humana, que deve ser sempre o norte a conduzir os posicionamentos de nossos atores políticos. Assim, Exa., até a presente data, ou seja, incontáveis anos após o início das notícias sobre a superlotação de hospitais públicos no Estado do Espírito Santo, estão os pacientes e cidadãos sem a adequada e integral assistência à sua saúde, omitindo-se o Estado em seu dever constitucional e causando, com tal conduta, o falecimento de seus governados. Ante tal quadro, não restou a essa Promotoria outra medida senão a presente ação, eis que a urgência e a gravidade da questão pontuada não confere arbítrio qualquer ao Ministério Público Estadual para concessão de prazos e ajustamentos extrajudiciais, sob pena de negar-se efetividade e integralidade ao direito à saúde. 23 2 – DO DIREITO: Relevante a transcrição das normas jurídicas que tratam do direito do cidadão à saúde, para que se tenha exata compreensão da efetiva proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso País, possibilitando-lhe, individual ou coletivamente, o exercício desse direito público subjetivo em face do Estado. 3 – DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: Constituição Federal: Art. 1º, incisos II e III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:... II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana”, Art. 3º “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; ... III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” ... 24 § 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Art. 23, inciso II: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ...II – cuidar da saúde e assistência pública...” Art. 37 caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...” Art. 196: “A vida é direito de todos e dever do Estado, garantido políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Art. 197: “As ações e os serviços de saúde têm relevância pública”. Art. 198: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais; ...” 25 Lei nº 8.080/90 Art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. §1º: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” Art. 4º: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS”. Art. 5º: “São objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS: ...III- a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.” Art. 6º: “Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde – SUS: I – a execução de ações: d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;” Art. 7º: “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS, são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: 26 I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; XXII- capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência”. Art. 8º: “As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.”. Art. 17: “À direção estadual do Sistema Único de Saúde – SUS compete: II – acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde – SUS; III – prestar apoio técnico o financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde; IX – identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional”; 27 Código de Defesa do Consumidor Art. 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.” Constituição do Estado do Espírito Santo Art. 159: “A saúde é dever do Estado e direito de todos, assegurado mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, prevenção, proteção e recuperação”. Art. l61: “As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público, nos termos da lei, dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de serviços de terceiros, e também por pessoa física ou jurídica de direito privado, devidamente qualificados para participar do sistema único de saúde” Art. 162: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: 28 I - descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de governo; II - integração das ações e serviços de saúde adequados às diversas realidades epidemiológicas; III - universalização de assistência de igual qualidade, com acesso a todos os níveis dos serviços de saúde, respeitadas as peculiaridades e necessidades básicas da população urbana e rural, atendendo, de forma integrada, às atividades preventivas e assistenciais; IV - participação, em nível de decisão de entidades representativas de usuários, prestadores de serviço e profissionais da área de saúde”. Art. 164: “No sistema único de saúde compete ao Estado, além das atribuições estabelecidas na Constituição Federal e na legislação complementar: II - responsabilizar-se pelos serviços de abrangência estadual ou regional, ou por programas, projetos ou atividades que não possam, por seu custo, especialização ou grau de complexidade, ser executados pelos Municípios; III - assegurar número de hospitais e postos de saúde suficientemente equipados com recursos humanos e materiais, para garantir o acesso de todos à assistência médica, psicológica, em todos os níveis; farmacêutica, odontológica e 29 4 – CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO: Depreende-se, de tudo quanto foi dito nesta inicial, que a atual prestação de serviços de internação hospitalar pela rede estadual é insuficiente para atender à demanda da população capixaba e a omissão estatal tem redundado em desassistência e risco à saúde das pessoas. Como amplamente relatado na descrição do suporte fático, lamentavelmente, a realidade da saúde no Estado do Espírito Santo é a negativa de acesso ao direito à vida e à saúde. Esta é a realidade no Estado do Espírito Santo: Pacientes com necessidade de internação hospitalar ou em UTI/CTI aguardando longos períodos, em situação não ideal, em prontoatendimentos, sem estrutura física e de pessoal adequada ao atendimento de alta complexidade. Pronto-atendimentos superlotados, com atenção desumana a seus usuários, porque suportam, na práxis, a demanda de internação que não lhes é destinada e, para tanto, utilizam recursos que, tanto não são aptos a solucionar as questões de gravidade, como são sonegados ao público alvo da unidade básica de saúde, que mais uma vez fica ao desamparo. Pacientes com necessidade de submissão a procedimentos cirúrgicos aguardando longos períodos, em pronto-socorros superlotados ou mesmo em suas residências, aguardando uma vaga de UTI/CTI ou leito e retaguarda. 30 Todavia, tal destino ocorre não mais por uma fatalidade, mas pela omissão do Governo Estadual. Omissão claramente ilegal, que desrespeita o direito público subjetivo que esses pacientes têm de receberem toda a atenção à saúde de que necessitam, na forma e grau de assistência indicada para seu tratamento. A legislação acima transcrita traz em suas linhas várias regras que podem assim ser resumidas. A primeira delas é que tais doentes, enquanto pessoas humanas, detentoras do direito fundamental à vida e à saúde, enquanto pacientes do SUS, têm direito ao tratamento integral. E tratamento integral, para os pacientes graves com indicação de internação hospitalar, seja ou não em UTI/CTI ou mesmo de procedimento cirúrgico é a internação hospitalar e o procedimento cirúrgico e não a espera em corredores de pronto-atendimentos ou pronto-socorros. Isso não é assistência à saúde. Se é, é apenas do ponto de vista da gestão estadual de saúde, mas não da Constituição Federal. As normas definidoras desse direito constitucional têm aplicação imediata, não se tratando de meras regras programáticas. O Governo Estadual não está obedecendo à Carta Magna e nem à lei e muito menos sendo eficaz, quando não disponibiliza o necessário aos usuários do SUS, violando manifestamente o disposto no artigo 37 da CF. É seu dever assegurar à ao paciente atendido pelo Sistema Único de Saúde, gratuitamente, o tratamento assistencial integral, o que não vem ocorrendo, por reiteradas vezes, até o presente momento por culpa exclusiva da Secretaria de Estado da Saúde. 31 Deveria ser diretriz do SUS, neste Estado, a eqüidade como meio para o tratamento desigual de casos desiguais. Se quadros de gravidade de alguns pacientes exigem procedimentos de alta complexidade, tal modalidade de assistência está plenamente garantida pela Lei, que garante o respeito às necessidades de todos os seguimentos da população. Outra regra salienta a responsabilidade da direção Estadual do SUS de identificar estabelecimentos de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência regional. É sua obrigação, portanto, prover serviços de internação hospitalar, inclusive de UTI e CTI, que atendam à demanda real da população, em quantidade e qualidade que garanta à vida e à saúde dos pacientes que necessitem do acesso, sob pena de responsabilização objetiva do Estado do Espírito Santo, enquanto pessoa jurídica de direito público. Não adianta garantir às pessoas tratamento limitado, insuficiente, que abreviará suas mortes, pois essa postura omissa desobedece a diretriz da “resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral, pois não resolve o problema do cidadão, e, pior, por vezes, antecipa sua morte ou gera seqüelas. A situação ilegal descrita no item “Dos Fatos” não pode ser justificada sob o argumento da discricionariedade administrativa. Este princípio, criado para garantir a agilidade exigida na administração da coisa pública, com vistas ao interesse público, não pode servir de justificativa para a omissão ilegal, violadora da Lei e dos princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da CF. Não tem a pessoa jurídica de direito público estadual o poder de decidir, em última análise, sobre onde e como negará ao 32 cidadão direitos públicos subjetivos. Afinal, saúde é direito fundamental social (art. 6º/CF), de aplicação imediata (art. 5º, § 1º/CF). Não se pode concluir, quando se sabe que alguns Estados brasileiros fornecem o tratamento integral, enquanto outros não, que estamos tratando de matéria sujeita à discricionariedade administrativa. Esse poder não pode servir como fundamento para decidir sobre a vida ou a morte de cidadãos atendidos pelo SUS, principalmente quando em estado grave. É preciso atentar para a seguinte conclusão, única possível diante da Lei: nos Estados onde não se dá o atendimento integral, a Constituição Federal e a Lei do SUS estão sendo descumpridos. Assim, não exorbita o Poder Judiciário quando, provocado pelo Ministério Público, interfere na Administração Pública para defender direitos dos cidadãos expressos na Legislação, contra omissão do Poder Público ensejadora de situação manifestamente ilegal. Fere o ordenamento jurídico permitir-se, com fundamento em supostas limitações administrativas, o Estado do Espírito Santo relegue pacientes em quadro grave de saúde, máxime quando de tal omissão podem decorrer sérios riscos à população. Não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A fixação de prioridades de governo é amplamente acobertada pela Lei, desde que, na sua execução, não se deixem direitos fundamentais e indisponíveis ao desamparo da atuação Estatal. Mesmo na área dos direitos sociais, como a saúde, pode-se estabelecer prioridades, no exercício da discricionariedade. Todavia, sua efetivação não pode ensejar situações ilegais, porque o atendimento à saúde é serviço de relevância pública, e o respeito ao ordenamento jurídico é dever fundamental de qualquer esfera de governo. 33 Não há que se falar em limites orçamentários ou em observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpa para a manutenção da situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população, o cidadão têm direitos aqui extraídos do ordenamento jurídico em vigor, identificados em normas jurídicas auto-aplicáveis. O direito à saúde representa prerrogativa constitucional indisponível do indivíduo. E, em situação similar, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que prerrogativas jurídicas dessa natureza impõem ao Estado, por meio da alta significação de que se reveste, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira correta, o atendimento integral à saúde do indivíduo/coletividade, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. Vale citar trecho da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, exemplificada no RE n. 436.996-Agr/SP: “EMBORA RESIDA, PRIMARIAMENTE, NOS PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO, A PRERROGATIVA DE FORMULAR E EXECUTAR POLÍTICAS PÚBLICAS, REVELA-SE POSSÍVEL, NO ENTANTO, AO PODER JUDICIÁRIO, DETERMINAR, AINDA QUE EM BASES EXCEPCIONAIS, ESPECIALMENTE NAS HIPÓTESES DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS NA CONSTITUIÇÃO, SEJAM ESTAS IMPLEMENTADAS PELOS ÓRGÃOS ESTATAIS INADIMPLENTES, DESCUMPRIMENTO CUJA DOS OMISSÃO – ENCARGOS POR IMPORTAR EM POLÍTICO-JURÍDICOS 34 QUE SOBRE ELES INCIDEM EM CARÁTER MANDATÓRIO – MOSTRA-SE A COMPROMETER A EFICÁCIA E A INTEGRIDADE DE DIREITOS SOCIAIS E CULTURAIS IMPREGNADOS DE ESTATURA CONSTITUCIONAL. A QUESTÃO PERTINENTE À RESERVA DO POSSÍVEL.” Nesses termos o voto do Ministro Celso de Mello, ao julgar o referido Rext 436.996-6, enfrentar a questão da teoria da RESERVA DO POSSÍVEL, bem esclarecendo: “Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado na Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele, a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou políticoadministrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo/STF nº 345/2004). 35 Cumpre advertir, desse modo, na linha de expressivo magistério doutrinário (OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT, “Os Direitos Sociais e Econômicos e a Discricionariedade da Administração Pública, p. 105/110, item n. 06, e p. 209/211, itens ns. 17-21, 2005, RCS Editora Ltda.), que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência do justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação, ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta observação de REGINA MARIA FONSECA MUNIZ (“O Direito à Educação”, p. 92, item n. 3, 2002, Renovar), cuja abordagem do tema – após qualificar a educação como um dos direitos fundamentais da pessoa humana – põe em destaque a imprescindibilidade de sua implementação, em ordem a promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos, notadamente das classes menos favorecidas, assinalando, com particular ênfase, a propósito de obstáculos governamentais que possam ser eventualmente opostos ao adimplemento dessa obrigação constitucional, que “o Estado não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade econômica ou de falta de normas de regulamentação.” O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0 (Julgado em 16.11.99), no voto do Relator Ministro Marco Aurélio, quando provocado a se 36 pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta de dispositivo legal para o custeio e distribuição de remédios para AIDS não impede que fique comprovada a responsabilidade do Estado, pois “decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei”. E, esclareça-se desde já, com base no art. 23 da CF/98, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos entes federados na busca da proteção de saúde: “SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER COMUM DOS ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES PRETORIANOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O CIDADÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. AS entidades federativas têm o dever ao cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência de saúde, a teor do disposto no art. 23 da Constituição Federal. Assim, não se pode prestar à fuga de responsabilidade a mera argüição de violação ao princípio do orçamento e das normas de realização de despesa pública, quando verificado que o Estado, na condição de instituição de tributo especial dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com competência devida”. (Agravo de Instr. Nº 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel.: Des. Marcus Tullius Alves, Julgado em 02.05.2000)”. Sobre a questão, em casos semelhantes, também já se manifestaram outros Tribunais: “O Judiciário não desconhece o rigorismo da Constituição ao vedar a realização de despesas pelos órgãos públicos além daquelas em que há previsão 37 orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente de sua importância como integrante de um dos Poderes do Estado, como pacificador dos conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem comum, tem agido com maior justeza optando pela defesa do bem maior, veementemente defendido pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei de acordo com as necessidades sociais imediatas que ela se propõe a satisfazer” (Apel. Cível nº 98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado, 08/09/98). Mais adiante, nessa mesma Decisão: “Com relação à previsão orçamentária para o custeio dos medicamentos específicos, basta relembrar que já há no orçamento do Estado, dotação apropriada; da mesma forma não pode o apelante pretender eximir-se de suas responsabilidades sob a alegação de que enfrenta sérios problemas financeiros, em face da escassez de recursos, o que soa falso em face dos gastos publicitários comunicação, que apregoando se vê obras nos e meios de realizações governamentais (...)”. Citando o Ministro Celso de Mello em caso também relativo à saúde: “A singularidade do caso (...), a imprescindibilidade da medida cautelar concedida pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (...) e a impostergalidade do cumprimento do dever político constitucional que se impõe ao Poder Público, em todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a 38 todos a proteção à saúde CF, art. 6º, c.c art. 227, Parágrafo 1º) constituem fatores que, associados a um imperativo de solidariedade humana, desautorizam o deferimento do pedido ora formulado pelo Estado de Santa Catarina (...). Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida”. “...Sendo a saúde direito e dever do Estado (CF, art. 196, CE, art. 153), torna-se o cidadão credor desse País para o tratamento reclamado. A existência de previsão orçamentária própria é irrelevante, não servindo tal pretexto como escusa, uma vez que o executivo pode socorrer-se de créditos adicionais. A vida, Dom maior, não tem preço, mesmo para uma sociedade que perdeu o sentido da solidariedade, num mundo marcado pelo egoísmo, hedonista e insensível. Contudo, o reconhecimento do direito á sua manutenção (...) não tem balizamento caritativo, posto que carrega em si mesmo, o selo da legitimidade constitucional e está ancorado em legislação obediente àquele comando”. (TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de Instr. Nº 96.012721-6). 39 Como se percebe, mostra-se irrelevante eventual falta de prévia dotação orçamentária prevendo o atendimento integral à saúde, ou seja, o cumprimento da Lei. Consoante enfatiza com lucidez João Angélico (contabilidade Pública , Ed. Atlas, pág. 35), “durante a execução orçamentária, o Poder Executivo pode solicitar ao Legislativo, e este conceder, novos créditos orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos que integram orçamento em vigor. Por essa razão, denominam-se créditos adicionais. Os créditos adicionais aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento”. Por fim, vale transcrever parte da obra de Germano Schwartz (Direito à Saúde – Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica, pág. 80/81, Ed. Livraria do Advogado): “...Não é por falta de aporte financeiro que o Estado poderá se eximir de seu dever. A saúde reclama prestação sanitária tão-somente. Sarlet (1998), a respeito da negação das prestações sanitárias com base na ausência orçamentária estatal, refere que: “em relação aos habituais argumentos da ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos, não nos parecer que esta solução possa prevalecer, ainda mais nas hipóteses em que está em jogo a preservação da vida humana” (p. 298). Ora, a hipótese de não-existência de previsão orçamentária não pode ser alegada pelo Estado, até porque não se pode antever com eficácia as necessidades da população, ou ainda, de outra banda, não se pode favorecer a omissão do ente responsável, premiando-o por sua negligência e/ou inércia. Ao se referir ao Sistema Único de Saúde e à sistemática sanitária brasileira instalada pela CF/88, Cláudio Barros Silva (1995) se posiciona expressamente quanto à impossibilidade de condicionantes para o exercício do direito à saúde: 40 “Como conseqüência do sistema, o acesso à assistência, à saúde, passou a ser universal e igualitário, não havendo, por ser direito subjetivo do cidadão, qualquer condicionante ao exercício. O papel do Estado é garantir a satisfação desse direito público subjetivo”. 5 - CONCLUSÃO: Diante do quadro apresentado e de todo o mais que foi exposto, estão evidenciadas as seguintes conclusões: A uma, que vem havendo reiterada omissão do Estado do Espírito Santo em atender à demanda de leitos hospitalares. A duas, que é inconteste a obrigação do Poder Público em garantir integral assistência à saúde aos seus cidadãos. Assentadas as conclusões, restam ainda, ao Ministério Público Estadual, algumas perguntas fundamentais, a serem respondidas: Se afinal uma gestão estadual do SUS deve executar política de saúde para atender às reais necessidades da população, ou simplesmente pretender que a população se adeque ou se satisfaça com as disponibilidades de uma rede desestruturada? Se a cidadania, ao se deparar com as mazelas da saúde, se contenta apenas com encaminhamentos de longo prazo, que não evitam e nem apagam as dores do hoje e do amanhã? A partir da leitura dos documentos acostados à presente, as respostas devem ser simples, porque os relatos falam por si, sem se fazerem necessárias quaisquer opiniões valorativas acerca do que acima se descreveu. 41 É de estarrecer a desumanidade que pode ser causada pela omissão. E Estarrece sempre pensar na conseqüência prática do que aqui se relata. O bom senso naturalmente repele toda sorte de abusos, e assim deve ser, em especial, quando tema é a negligência à vida das pessoas. Não se alegue que as dificuldades da saúde são globais. Seria frustrante se o provimento do justo fosse negado somente porque o seu sustentáculo normativo não tem a eficácia desejada pelo legislador. Agora, é tempo de se atentar para o fato de que o dever ser não é sempre um reflexo da práxis, por vezes, existe justamente para transformá-la. Por isso, a justiça está para fazer valer o direito inobservado, e somente dela se socorrem os que são privados do ideal no mundo dos fatos. Portanto, deficiência na prestação dos serviços que incumbem à Secretaria de Estado da Saúde não é tese de defesa; é fundamento jurídico do pedido. E ademais, ninguém desconhece a lei a ponto de ignorar o conceito do absurdo. Há vicissitudes nos textos legais, mas a noção do razoável é inerente ao homem, tanto que é nela fundada todo o conteúdo normativo de um Estado. Afinal, é preciso lembrar que a desesperança é um fardo grande para os pacientes que vivenciam a omissão estatal na saúde, porque leva a pecha de todas as carências possíveis ao homem. Essa desesperança só não é maior do que o próprio lastro de sua culpa, porque esta vai exatamente até o ponto onde ainda se podem vislumbrar as suas mazelas. A realidade da saúde no Estado do Espírito Santo não sugere dúvidas sobre a necessidade de adequações, porque para o descaso, não há escusas plausíveis. Aqui, sequer se discute o desrespeito; discute-se, talvez, a 42 medida de sua irreversibilidade na vida daqueles que o sofreram e, mais importante, o quanto urge fazê-lo cessar aos que ainda o sofram. Como prefaciou certa vez Doutor Frederico Mayor, à época em que era Diretor-Geral da UNESCO, “não podemos mais continuar a ser espectadores aterrorizados da barbárie. Em um mundo cada vez mais transparente, tornamo-nos cúmplices se pensamos que o inadmissível é irremediável. É necessário, portanto, agir, e agir rápido, antes que o círculo vicioso ação-reação se instale. Senão, qualquer intervenção será apenas a constatação do fracasso, já que posterior ao sofrimento, ao ferimento e à morte. Intervindo muito tarde somos, ao mesmo tempo, portadores e atores de métodos obsoletos...”1. A responsabilidade pública é grande. E vale lembrar que, onde há poder, há sempre culpa. Talvez a adoção das medidas judiciais cabíveis tenha delongado, a ponto de ser preciso encarar duramente algumas de suas conseqüências. Mas há ainda há espaço para a atuação de nossas consciências. Este o mister que se nos apresenta, e pelo seu resultado certamente responderemos ao final. Por isso, essa ação não é apenas um instrumento judicial, é também o resultado de um apelo que vem sendo feito diuturnamente pelos pacientes do SUS e seus familiares, em razão de todos os fatos que se passam na rede pública de saúde. A partir de agora, o apelo está posto como pleito de salvaguarda de direitos. MAYOR. Frederico apud SAÚDE: UM DIREITO INVIOLÁVEL À VIDA (CENTRO DE ESTUDOS E APREFEÇOAMENTO FUNCIONAL DO MPES), p. 19. 1 43 6 – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA: O atendimento de saúde, por guardar estreita relação com a manutenção da vida humana, é sempre relevante e urgente. Diante da urgência reclamada pela espécie, requer-se a concessão liminar da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do disposto nos artigos 273, inciso I, e 461 do CPC e artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do consumidor. Além de ser é a saúde direito fundamental social (art. 6º da CF/88), de aplicação imediata (art. 5º, § 1º da CF/88). O acolhimento liminar dos efeitos da tutela urge e impera, porquanto o provimento da pretensão, somente ao final, poderá ser inócuo para prevenir os danos à saúde dos pacientes com encaminhamento de internação hospitalar (inclusive em CTI/UTI), ou mesmo para evitar a morte de alguns deles. Esses doentes, na imensa maioria em estado grave, há muito vêm piorando seu estado, ou morrendo, devido à omissão do Poder Público Estadual, que lhes nega, sob argumentos ilegais, o atendimento integral e a que fazem jus por força de Lei. Relevante é o fundamento da lide, pois se pretende, em última análise, a manutenção da vida de pessoas neste Estado e presentes estão, por tudo quando foi demonstrado no procedimento administrativo em anexo, o fumus boni juris e o periculum in mora. E irreversibilidade nem do se cogite provimento de argumentar antecipado”, pois sobre que a o “perigo de dimensão da proporcionalidade entre o direito à vida e a eventual repercussão financeira da providência pleiteada aos cofres públicos indica indiscutivelmente para a adequação da medida. 44 É perfeitamente justificado o receio de ineficácia do provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo estabelecido na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade da concessão liminar dos efeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à saúde dos pacientes com indicação de internação hospitalar, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a atuar desde agora, com tempo razoável a evitar novas lesões à saúde pública. 7 – DOS PEDIDOS: Diante de todo o exposto, vem o autor requerer: 1) a concessão de antecipação da tutela, consoante requerimento formulado anteriormente, inaudita altera pars, consistente em determinação ao Estado do Espírito Santo, através da Secretaria de Estado da Saúde para que: a) A contar da ciência da decisão liminiar que se pleiteia, disponibilize, imediatamente, vagas em UTI/CTI para transferência de pacientes com encaminhamento de internação em UTI/CTI, com solicitação já realizada à Central de Regulação da SESA e ainda desatendida, quer se encontrem em pronto-atendimentos municipais, pronto-socorros (incluídos os do Hospital São Lucas e Dório Silva) ou qualquer unidade de saúde da rede. b) A contar da ciência da decisão liminiar que se pleiteia, disponibilize, no prazo de 48 horas, leitos hospitalares para transferência de pacientes com encaminhamento de internação hospitalar, com solicitação já realizada à Central de Regulação da SESA e ainda desatendida, quer se 45 encontrem em pronto-atendimentos municipais, pronto-socorros (incluídos os do Hospital São Lucas e Dório Silva) ou qualquer unidade de saúde da rede. c) A contar da ciência da decisão liminar que se pleiteia, passe a disponibilizar, imediatamente à solicitação realizada à Central de Regulação, leitos transferência de hospitalares pacientes e/ou com vagas de UTI/CTI encaminhamento de para a internação hospitalar e/ou internação em UTI/CTI que se encontrem em prontoatendimentos municipais ou sejam atendidos pelo serviço SAMU. d) A contar da ciência da decisão liminar que se pleiteia, passe a disponibilizar, imediatamente à solicitação realizada à Central de Regulação, leitos hospitalares e/ou vagas de UTI/CTI para transferência de pacientes com encaminhamento de internação hospitalar e/ou internação em UTI/CTI que se encontrem em pronto-socorros da rede municipal e estadual de saúde, aí incluídos os pronto-socorros dos Hospitais São Lucas e Dório Silva ou qualquer outra unidade de saúde/hospital da rede. 2) A condenação definitiva do Estado do Espírito Santo à obrigação de fazer consistente na ampliação do número de leitos hospitalares e leitos de UTI/CTI destinados a atender ao Sistema Único de Saúde, em quantitativo suficiente a garantir acessibilidade imediata de pacientes que necessitem desses serviços, com encaminhamento regular (através da Central de Regulação), respeitada a regra da complementariedade da iniciativa privada prevista no art. 199 da Constituição Federal. 3) visando a assegurar o resultado prático de eventual liminar concedida, a intimação do Secretário Estadual de Saúde, determinando-se o imediato cumprimento das medidas; 46 a) a fixação de multa no valor de R$ 5.000,00 (mil reais) por hora de atraso no atendimento de cada paciente, ou outra que vier a ser arbitrada por V.Exa., pelo descumprimento da determinação judicial, quer de natureza antecipatória, quer de natureza definitiva, ou de ambas, em favor dos pacientes que tenham sido desatendidos; b) a citação da pessoa jurídica de direito público interno requerida na PROCURADORIA GERAL DO ESTADO, com endereço na Avenida Governador Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 9º andar, Centro – Vitória/ES, CEP 29010-150, para que tome ciência dos termos da presente, contestando-a, se assim por bem houver, sob pena de revelia, prosseguindo-se no feito até final decisão, quando os pedidos deverão ser julgados procedentes. c) a produção de todas as provas em direito admitidas, sem exclusão. Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais). Termos em que, Pede deferimento. 47 ROL DE TESTEMUNHAS 1) ANSELMO TOSE, Secretário de Estado da Saúde, com endereço à Av. Marechal Mascarenhas de Morais, 2025, Bento Ferreira, Vitória – ES. 2) ANSELMO DANTAS, Secretário Municipal de Saúde de Cariacica, com endereço à BR 262 – Trevo de Alto Laje, Km 35, Cariacica/ES. 3) DANILO SÉRGIO ROSES TOLATO, Diretor Geral do Hospital São Lucas, com endereço à Av. Desembargador José Vicente, n. 1533, Forte São João, Vitória/ES 4) ELIZABETH HELENA MITLEG KUINIG, Subsecretária de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, com endereço à Av. Mal. Mascarenhas de Moraes, n. 1185, Forte São João, Vitória/ES. 5) EUMANN MATTOS REBOUÇAS, Diretor Clínico do Hospital Dr. Dório Silva, com endereço à Av. Eudes Scherrer de Souza, s/n, Parque Residencial de Laranjeiras, Serra/ES. 6) FABIANE LIMA SIMÕES, Secretária Municipal de Saúde Viana, com endereço à Av. Florentino Avidos, 01 – Centro, Viana/ES. 7) FERNANDO CEZAR MONTEBELLER, Diretor Clínico do Pronto Atendimento Municipal de Vitória, com endereço à Av. Mal. Mascarenhas de Moraes, n. 1927, Bento Ferreira, Vitória/ES. 8) FERNANDO RODRIGUES COSTA, Presidente do CRM, com endereço à Rua Professora Emília Franklin Mululo, 228, Bento Ferreira, Vitória, ES. 9) JAQUELINE MOFATI, Coordenadora da Gerência Estratégica de Regulação Assistencial – GERA, com endereço à Av. Marechal Mascarenhas de Morais, 2025, Bento Ferreira, Vitória – ES. 10) LUIZ CARLOS REBLIN, Secretário Municipal de Saúde de Vitória, com endereço à Av. Marechal Mascarenhas de Moraes, n. 1185 – Forte São João, Vitória/ES. 11) MÁRCIA CRUZ PEREIRA ANDRIOLO, Secretária Municipal de Vila Velha, com endereço à Rua D. Jorge de Menezes, 1226, Prainha, Vila Velha/ES. 48 12) MARIA CELESTE PUPPA, Coordenadora da Central de Regulação Estadual, com endereço à Rua Raimundo Nonato, n. 31 – Forte São João, Vitória/ES. 13) MARIA DA PENHA RODRIGUES D’AVILA, Diretora da Santa Casa de Misericórdia, com endereço à Rua Dr. João Santos Neves, n. 143, Vila Rubim, Vitória/ES. 14) MARIO CALMON CARVALHO JUNIOR, Diretor Clínico do Hospital São Lucas, com endereço à Av. Desembargador José Vicente, n. 1533, Forte São João, Vitória/ES. 15) NÉLIO ALMEIDA, ex-presidente do antigo IESP, com endereço a ser fornecido posterioremente. 16) OTTO FERNANDO BAPTISTA MOREIRA, Presidente do SIMES – Sindicato dos Médicos do Estado do Espírito Santo, com endereço à Av. Princesa Isabel, n. 599, Ed. Março, 8º andar, Centro, Vitória/ES 17) PAULA SILVA DE AQUINO SOUZA, Diretora Administrativa do Hospital Dr. Dório Silva, com endereço à Av. Eudes Scherrer de Souza, s/n, Parque Residencial de Laranjeiras, Serra. 18) ROSALIE DE RESENDE CÓ, Secretária Municipal de Saúde da Serra, com endereço à Rod. Norte Sul, S/N – Shopping do Povo – Módulo I e II – Civil II. 19) SÔNIA MARIA DALMOLIM, Diretora Geral do Hospital Dr. Dório Silva, com endereço à Av. Eudes Scherrer de Souza, s/n, Parque Residencial de Laranjeiras, Serra. 20) UIARA TEIXEIRA RIOS, Diretora Administrativa do Hospital São Lucas, com endereço à Av. Desembargador José Vicente, n. 1533, Forte São João, Vitória/ES. 21) VALÉRIA BAPTISTA CREMA, Diretora do Pronto Atendimento Municipal de Vitória – Praia do Suá, com endereço à Rua Almirante Tamandaré, s/n – Praia do Suá, Vitória/ES.