EXMO - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção

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EXMO. SR. DR. JUIZ DA
VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE
VITÓRIA/ES
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO,
através da 3ª Promotora de Justiça Cível de Vitória, da 5ª Promotoria Cível de
Vila Velha, da 1ª Promotoria de Justiça Cível de Cariacica, da 3ª Promotoria de
Justiça Cível da Serra, da 4ª Promotoria de Justiça Cumulativa de Viana e da
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim, todas com
atribuições judiciais e extrajudiciais nas ações e serviços públicos de saúde, em
atuação conjunta com o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO, e com fundamento na Constituição Federal (artigos
1º, incisos II e III; 3º, incisos I, III e IV; 5º caput e § 1º; 6º; 23, inciso II; 37
caput; 127 caput; 129, incisos II e III; 196 e 198; no Código de Defesa do
Consumidor (Lei Federal 8.078/90, artigos 22 e 81/100); na Lei da Ação Civil
Pública (Lei 7.347/85 – artigos 1º, inciso IV, 5º caput, 11, 12 caput e § 1º; 19
e 21); na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93, artigos 1º
caput; 25, inciso IV, alínea “a” e 27, incisos I e II) e na Lei do SUS (Lei Federal
8.080/90, artigos 2º , § 1º; 4º; 5º, inciso III; 6º, inciso I, letra “d”; 7º, incisos
I, II, IV e XII; 8º e 17, incisos II, III , IV e IX); vêm ajuizar a presente
2
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR
pelo rito ordinário comum, em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, que
deverá ser citado na pessoa de sua Excelentíssima Sra. Dra. Procuradora Geral
do Estado, em seu gabinete, com endereço na Avenida Governador Bley, n.
236, Ed. Fábio Ruschi, 9º andar, Centro – Vitória/ES, CEP 29010-150, pelos
fatos e fundamentos a seguir expostos.
1. DO SUPORTE FÁTICO:
Desde os idos de 2004, a Promotoria de Justiça Cível de Vitória
vem recebendo representações acerca da superlotação dos hospitais da rede
pública estadual e da conseqüente dificuldade em garantir a acessibilidade
imediata dos pacientes aos serviços de alta complexidade – especialmente as
internações hospitalares, o que resultou na instauração dos Procedimentos
Administrativos PCVT n.s 121/04, 130/04, 145/04, 74/04, 48/05, 196/06 e
289/06.
A notória superlotação de corredores dos hospitais da rede
pública estadual (especialmente São Lucas e Dório Silva) tornam evidente a
conclusão de que não tem sido garantidos, em quantidade suficiente a atender
a demanda da população capixada, leitos de retaguarda, seja de internação
hospitalar, seja em Unidades de Terapia Intensiva – UTIS.
Como referido, já em 2004, o Ministério Público Estadual havia
tido acesso a documentos que davam conta da mora na acessibilidade dos
pacientes a leitos de CTI/UTI.
3
O PA PCVT n. 074/04 contém ata de reunião realizada entre o
CRM-ES e o Corpo Clínico do Hospital São Lucas, em 02 de abril de 2004, na
qual foram elencados os seguintes problemas, entre outros:
*Pronto
socorro
sem
área
física
adequada,
dificuldade
constante de leitos de retaguarda, superlotação de pacientes,
com excedente diário de 100% (20 leitos instalados, mais 22
em média diária nos corredores) prejudicando a relação
médico/paciente.
*CTI adulto em número insuficiente de leitos (sete) para a
capacidade de leitos do Hospital (226) leitos quando no
mínimo necessitaria de 22 leitos, sem que leve em conta a
demanda do Pronto Socorro.
Constavam as seguintes sugestões dos médicos:
*Resolver a superlotação do hospital
*Aumento e definição de leitos de retaguarda
*Aumento de leitos de UTI
*Projeto de ampliação a médio prazo, do Hospital São Lucas
Consta, ainda, do PA n. 074/04, relatório de auditoria da
Secretaria de Estado da Saúde, no prontuário da paciente Ângela Maria
Machado, a qual veio a óbito em 29/05/03, após suposta mora na prestação de
atendimento de saúde de alta complexidade, dadas as seguintes informações,
in verbis:
4
... a paciente ficou internada aguardando a realização de
angiografia cerebral computadorizada, até o dia 08/04/03,
quando foi realizada e no laudo consta que foi observado a
presença de pequena formação Aneurismática na Comunicante
Anterior.
Verificamos
paciente
teve
a
que
cirurgia
conforme
marcada
prontuário,
várias
vezes
a
e
posteriormente adiada por falta de vagas no CTI para
pós-operatório. Em 19/05/03 com a remoção do paciente
Élson Sebastião para uma CTI particular, surgiu a vaga que
possibilitou que a paciente fosse operada no dia 20/05/03.
(...) (DOCUMENTO 01)
Ouvida a Direção Geral do Hospital São Lucas, Dra. Egle
Madeira Cristóvão, no referido procedimento administrativo, em outras
alegações, assim se manifestou:
(...) pacientes com diagnóstico de tumor encefálico e
aneurisma
cerebral
costumam
ficar
muito
tempo
internado à espera de vaga no CTI para que a cirurgia seja
realizada, visto que o pós-operatório desses pacientes é sempre
dentro do CTI.
Esta questão só poderá ser minimizada com a criação de mais
leitos de CTI dentro do hospital São Lucas, pois os outros
hospitais não têm condições de atender esses pacientes, cuja
referência estadual é o HSL.
Consideramos que não sabemos de nenhuma providência que
devesse ter sido tomada em relação ao caso e perguntamos,
que providências deveríamos tomar? (DOCUMENTO 01)
5
Em agosto de 2004, também foi encaminhado ao MPES, pela
Procuradoria da República no Estado do Espírito Santo, cópia de relatório de
visita técnica do DENASUS – Departamento Nacional de Auditoria do SUS, no
Hospital Doutor Dório Silva, realizada no período de 03/03/04 a 12/03/04
(visita técnica n. 843).
Já naquela ocasião, foi feita a seguinte recomendação pelos
auditores do SISAUD – Sistema de auditoria:
Promova a especialização da Unidade com investimentos em
seu PS, ampliação do Centro Cirúrgico, aumento do número
de leitos em sua UTI e compra de equipamentos para
realização de cirurgias de grande porte.
Vale informar que as recomendações objeto da referida
atividade de visita técnica repisavam encaminhamentos de correção necessária
já propostos através do Relatório de Auditoria n. DENASUS n. 103, ainda não
efetivadas.
Em 31 de março de 2005, em atenção à solicitação da então
Dirigente do Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de
Saúde – MPES, foi encaminhado, através do OFÍCIO/IESP/GDP/Nº 29/05, cópia
do relatório de auditorias realizadas nos Hospitais São Lucas e Dório Silva,
conforme Portaria nº 057-S, de 02/02/05 e 03/02/05.
No relatório de auditoria os auditores da Secretaria de Estado
da Saúde reconhecem, in verbis:
6
A falta de atendimento digno é extremamente humilhante para
a população e é de responsabilidade do Estado. É a população
pobre
a
mais
penalizada.
Superlotação,
falta
de
medicamentos, manutenção inadequada dos equipamentos e
falta de educação continuada para todos que atendem a
população são os fatores mais diretos que podem ser atacados
de imediato.
Essas
foram
algumas
das
constatações
efetuadas
pelos
auditores:
Obs: CTI com todos os leitos ocupados
Obs: Sala de pequena cirurgia do PS, sendo utilizada como
CTI, inadequadamente.
Obs: Corredores sendo utilizados como PS.
Obs: Corredor do PS com acúmulo de pacientes. Pacientes em
atendimento no corredor: 42 pacientes.
Obs: Sala de auto risco do PS: pacientes em maca e não em
leitos.
Obs: Atendimento no corredor do PS.
E elaboram quadro de diagnóstico dos Hospitais São Lucas e
Dório Silva, com as seguintes conclusões (entre outras), ao focar como ponto
de atenção o serviço de pronto socorro e o centro cirúrgico:
7
HOSPITAL SÃO LUCAS
PROBLEMAS
POSSÍVEIS CAUSAS
Longa permanência
* Falta de leito de Retaguarda
Acúmulo de pacientes no corredor
* Ao longo do tempo, as enfermarias
de observação do hospital passaram a
ser
utilizadas
como
leitos
de
retaguarda, bem como as salas de
pequenas cirurgias e de emergência.
Falta de leitos de retaguarda e UTI.
HOSPITAL DÓRIO SILVA
PROBLEMAS
POSSÍVEIS CAUSAS
Longa permanência
* Falta de leitos de retaguarda.
RPA virou CTI
* Falta vagas de CTI pós cirurgias.
Em 25 de novembro de 2005, o corpo clínico do Hospital Dr.
Dório Silva comunicava formalmente à Direção daquele Hospital, ao Conselho
Regional de Medicina e ao Secretário de Estado da Saúde as irregularidades
que, segundo os médicos plantonistas, estariam colocando em risco o exercício
8
da atividade profissional dos médicos, bem como a vida dos pacientes
atendidos pela referida instituição. Assim relatavam os fatos:
É público e notório que o Hospital Estadual Dr. Dório Silva vem
funcionando
acima
de
sua
capacidade
de
diária
de
atendimento à população, há alguns anos. Os pacientes
permanecem “internados” em macas de ambulâncias pelos
corredores do pronto socorro, por períodos superiores a 24
horas, sendo que alguns ficam nessas condições durante dias
seguidos. Cumpre ressaltar que NÃO há diferenciação entre
pacientes jovens, idosos, homens ou mulheres, sendo que
todos permanecem nessas condições, inclusive os portadores
de doenças infecto contagiosas e acidentados em estado
grave. Os pacientes que necessitam de cuidados intensivos
permanecem dentro da sala de emergência aguardando leito
em UTI, por dias consecutivos, sendo que vários vão a óbito
antes do surgimento da vaga na UTI.
(...) É importante salientar que o número de atendimentos no
pronto socorro em 24 horas de palntão, normalmente é de 250
pessoas, sendo que o número de leitos do pornto socorro é de
44.
Em 03 de agosto de 2006, nova carta do corpo clínico do Dório
Silva foi protocolizada (Protocolo n. 29665/2006) no MPES, contendo a
reiteração das queixas formuladas no comunicado anterior, sob o argumento
de que não foram adotadas providências para a solução das irregularidades,
nos seguintes termos:
9
Hoje estamos numa situação pior do que a anterior:
08 meses se passaram
As condições de trabalho são as mesmas.
Pacientes que necessitam de UTI continuam na sala de
emergência sem nem previsão de vaga, sem monitoração
cardíaca, sem oximetria de pulso, sem leito, etc.
Pacientes pelos corredores.
Média de 95 pacientes “internados” no Pronto Socorro e
corredores do hospital, sendo a capacidade máxima de 44.
Via de mão única, em 90% dos casos, entre a CRL/SAMU e o
hospital.
Envio quase diário de informes ao SAMU e a CRL, sobre
impossibilidade
total
de
atendimento
de
urgência
e
emergência, que muitas vezes é ignorado.
Humilhação, descrédito, derrota...
Agressões físicas e morais aos profissionais a todo momento,
por usuários e acompanhantes.
Necessidade de triagem na porta por não haver mais as
mínimas condições de acolher o usuário.
Acompanhantes sentados em macas dos pacientes, por não
haver nem cadeiras.
Índice de infecção hospitalar absurdo
Nós estamos recebendo uma carga de estresse muito grande,
pois temos um referencial de “vaga zero”, mas não temos
retaguarda para isso. Quando passamos pelo corredor somos a
todo tempo parados por acompanhantes de pacientes que
querem uma solução. Mas que solução????? Nos sentimos
incapazes, vazios, desarmados...”
10
Em 08 de agosto daquele ano, o jornal A TRIBUNA publicou
reportagem sobre o manifesto do corpo clínico do Hospital Dório Silva,
informando que o Conselho Regional de Medicina chegou a cogitar, à época, a
possibilidade de uma interdição ética no Hospital Dório Silva.
Paralelamente, em 09 de maio de 2006, a imprensa havia
novamente noticiado “SUPERLOTAÇÃO E DEMORA NO ATENDIMENTO DO
HOSPITAL SÃO LUCAS, EM VITÓRIA”, em reportagem de Álvaro Zanotti
(Redação Gazeta Rádios e Internet), em que constava:
Superlotação
e
demora
no
atendimento.
As
histórias
relacionadas aos problemas na saúde pública capixaba, se
repetem diariamente. Mudam apenas os personagens.
A estudante Izabel Gomes, de 22 anos, retornou ao hospital
São Lucas, em Vitória, na manhã desta terça-feira para visitar
a avó de 81 anos que sofreu, em dois dias, dois derrames
cerebrais. Os médicos constataram um coágulo que precisa ser
retirado imediatamente. Ela está na fila de espera das cirurgias
neurológicas. Segundo Izabel, não há previsão de quando ela
será atendida.
“Ela está numa sala de espera com mais pessoas esperando
vaga UTI. Ela precisa de cirurgia com neurocirurgião e tem
quatro pessoas na fila. Pelo que o médico diz, ela não vai
resistir. Ninguém sabe quando vai ser a vez dela. Quem
precisa morre. Vi passando um cadáver aqui. É chocante”,
relatou.
(...) Listas de espera, dificuldades para conseguir vagas na
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e superlotação. Somente
11
no corredor estão acomodadas 24 pessoas. Algumas em
macas, outras deitadas em colchonetes colocados no chão.
A mãe da costureira Mariuza Soares, de 35 anos, é diabética e
na quinta-feira foi internada com um hematoma no pé. Passou
o dia no corredor da unidade e depois da cirurgia a que foi
submetida, teve que aguardar uma vaga nos quartos, que
estavam todos ocupados.
“Primeiro ela esteve no corredor e ficou deitada no mármore.
Depois disso, uma enfermeira viu a gravidade da situação e
conseguiu uma maca sem colchão. Quando chegou a noite,
conseguiu o colchão. O corredor é muito ruim. É muita gente.
O banheiro é um só para várias pessoas”, disse.
A despeito do decurso do tempo, ainda perdura a situação de
superlotação, recentes noticiamentos dão conta do agravamento cada vez
maior da desassistência.
Em 30 de junho de 2007, o jornal A GAZETA publicou notícia
intitulada “SERVIÇOS DE SAÚDE DO ESTADO NÃO FUNCIONAM”, contendo
informações sobre a situação da doméstica Maria dos Anjos Barcelos, 53 anos,
que morreu à espera de atendimento no Pronto-Atendimento de Carapina, na
Serra, no dia 29 de junho do corrente.
Na mesma data, A GAZETA publicou decisão do CRM –
Conselho Regional de Medicina de realizar vistoria no Hospital São Lucas,
diante de denúncias de médicos que trabalham naquele serviço de saúde e
relatou alguns dos problemas do HSL constatados em visita do SIMES –
Sindicato dos Médicos do Estado, realizada em 25 de abril deste ano, entre os
quais vale mencionar os seguintes:
12

A média dos pacientes internados nos corredores varia
entre 100 a 120 pessoas. No dia da vistoria, havia 102
pacientes no corredor.

A Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) não consegue
atender a demanda e não há boxes individualizados.

Cirurgias são adiadas por falta de leitos de apoio ou
Centro de Tratamento Intensivo (CTI).
Em 01 e 02 de julho do corrente, o jornal A TRIBUNA também
publicou reportagens que relatavam a previsão de fiscalização do Conselho
Regional de Medicina nas dependências do Hospital São Lucas de Vitória, a fim
de verificar as condições de superlotação daquele nosocômio. A medida partiu
de boletim de ocorrência, registrado no DPJ de Vitória por dois médicos que
trabalham no local, contendo afirmações de que “há risco dos pacientes
morrerem, 62 estavam no corredor.”
Na seqüência, em 03 de julho, a imprensa novamente traz á
baila à questão da saúde, informando à população capixaba sobre as
conclusões do CRM na vistoria realizada aos hospitais públicos, valendo citar:
Noventa e sete pacientes deitados no corredor, sendo 52 deles
à espera de cirurgias; dois doentes sendo atendidos nas
escadas e bandidos algemados entre os demais internados.
Esta era a situação do Hospital São Lucas, na tarde de ontem.
Os dados são da vistoria do Conselho Regional de Medicina
(CRM-ES).
(...) O Presidente do CRM-ES disse estar indignado com as
cenas que viu. “Medicina não pode ser exercida no chão. A
situação é deprimente. Faço uma apelo ao Governador Paulo
13
Hartung para que venha e veja a situação com seus próprios
olhos. – A TRIBUNA -.
(...) “A situação é bem mais crítica do que se pensava, disse o
presidente do CRM, Fernando Costa. (...) “Há pacientes
espalhados até pelas escadas e rampas. Muitos estão deitados
até no chão, sem direito sequer a uma maca”, relatou. – A
GAZETA.
Em 04 de julho de 2007, A GAZETA novamente publica:
“Hospitais abarrotados, médicos abrindo boletins de ocorrência
por conta do caos no atendimento, morte por mora no socorro.
A crise da saúde no Estado parece ter chegado ao seu ponto
mais crítico. A maioria das ações apresentadas pela Secretaria
de Estado da Saúde, como a duplicação do Hospital São Lucas
e a contrução do Hospital Central só vai surtir efeito a partir do
próximo ano”.
A mesma reportagem cita, sobre o tema, a manifestação da
Secretária de Saúde da Serra, Rosalie Có, para quem o problema esbarra na
falta de leitos, e acrescenta:
“Há quantos anos ouvimos falar na ampliação do Dório Silva e
do São Lucas?”
Em 07 de julho do corrente, o MPES recebeu denúncia (DISCK
MP-ES), de que o Pronto Atendimento de Vitória estaria funcionando além de
sua capacidade, com dificuldade de encaminhar pacientes que chegam ao local
14
e necessitam ser removidos para hospitais. Por conta disso, a enfermaria do PA
estaria lotada de pacientes internados, sendo três deles com problemas de
coração, precisando urgentemente de internação hospitalar.
Em resposta à solicitação de informações, a Subsecretária
Municipal
de
Atenção
à
Saúde
de
Vitória,
através
dos
Ofícios
n.º
723/01/SEMUS/GAB, posicionou-se no sentido de reiterar “preocupação com a
gravidade dos pacientes do Pronto Atendimento Municipal da Praia do Suá que
aguardam leitos de internação de emergência”.
Posteriormente, a mesma Subsecretária Municipal de Atenção
à Saúde de Vitória, no Ofício n.º 723/07/SEMUS, informou:
“(...) a gravidade dos pacientes que se encontram na sala do
Pronto Atendimento da Praia do Suá.
Nesta manhã, contávamos com 05 pacientes na sala de
emergência,
quando
a
mesma
comporta
apenas
dois
pacientes, além de uma ambulância do SAMU que aguardava
com mais um paciente que teve que ser redirecionado a outro
serviço.
Dos cinco pacientes um foi a óbito e outro foi internado no
HPM. Os outros três aguardavam vaga em CTI e semiintensivo.
A Central Estadual de Regulação de leitos informa falta de
vagas na rede pública.”
(PA PCVT 387/2005)
15
Reiterado o pedido de informações pelo parquet, em 24 de
julho a Direção Clínica do Pronto Atendimento Municipal de Vitória, prestou
esclarecimentos, através do OFÍCIO 19/2007 Direção Clínica, e expôs os
seguintes fatos:
“O
Serviço
de
Pronto
Atendimento
Médico
segundo
determinação própria do Ministério da Saúde não deve assumir
papel de PRONTO SOCORRO, no que concerne ao atendimento
médico de alta complexidade.
Segundo Normativa do Ministério da Saúde o tempo máximo
ideal de Observação em leito dos pacientes dentro de um
Pronto Atendimento, até que seja definido sua destinação final
com alta ou transferência é de 12 horas.
O Pronto Atendimento funciona com sua capacidade
seperestimada tanto no número de atendimentos/dia
quanto no número de pacientes em observação ou
aguardando vagas Hospitalares.
A média de permanência de pacientes tem sido elevada
o que propicia uma enorme chance de óbito por
ineficácia
terapêutica
tratamentos
de
pois
doenças
os
PA
crônicas
não
objetivam
e
de
alta
complexidade.
Os casos de transferência de pacientes emergenciais
com elevado risco de vida depende de um trâmite
burocrático imenso e quase sempre irresoluto levando
muitas
vezes
a
conseqüências
desastrosas
para
o
paciente.
(...) No mês de julho de 2007 permaneceram em
observação nesta Unidade 136 pacientes, sendo que 25
16
entram no contexto de longa permanência necessitando
de vagas em Unidades Semi-Intensiva e/ou CTI. “
Em 27 de agosto de 2007, nova publicação de A TRIBUNA
informando sobre a morte da paciente idosa Ana Aver Bosath, de 97 anos, que
aguardava vaga de internação em um dos hospitais da Grande Vitória, na
Policlínica de Itacibá, em Cariacica/ES. Conforme noticiado:
“(...) O sub-secretário de saúde de Cariacica, Paulo Reblin,
disse que a equipe da policlínica tentou, sem sucesso, a
transferência da paciente Ana Aver Bosath, de 97 anos,
por meio da Central de Vagas durante horas. O Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também foi chamado,
mas segundo ele, não apareceu.
(...) Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de
Estado da Saúde informou que o Samu recebeu uma ligação
da policlínica por volta das 20h30 e chegou ao local às 21
horas (...) A assessoria informou, ainda, que o Samu
tentou transferir a paciente, através da central de
vagas, mas até o horário de sua morte, às 22h30, não
obteve sucesso (...).
Em 31 de agosto passado, o jornal CIDADE publica “FALTA DE
VAGAS NOS HOSPITAIS – MORTE APÓS 11 DIAS DE ESPERA”. A reportagem
conta a estória do paciente Geraldo Pedro Agostinho, 43 anos, que veio a óbito
à espera de vaga em leito hospitalar:
17
O ajudante de cargas Geraldo Pedro Augustinho foi mais uma
vítima da falta de vagas nos hospitais públicos do Estado. Ele
morreu depois de esperar 11 dias por um leito.
Ele estava internado no Hospital dos Ferroviários, mas
precisava ser transferido para um hospital maior, com
Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Casos como esse têm aparecido todos os dias na Grande
Vitória. Somente ontem à tarde, no Pronto-Atendimento
(PA) de Carapina, na Serra, havia sete pacientes à
espera de vagas em UTI.
Familiares de Geraldo estão revoltados. “Ele precisava
ser operado. Lamentavelmente, não conseguimos. A
Central de Vagas sempre falava que não tinha como
transferi-lo. Tudo isso é uma vergonha”, desabafa o
irmão da vítima, Celso Pedro Augustinho, 36 anos.
Naquela mesma reportagem, foi entrevistado o Dr. João
Chequer, médico que vinha atendendo o paciente Geraldo Pedro Augustinho,
tendo às perguntas respondido:
Quantos contatos foram feitos com a Central de Vagas?
Fizemos vários contatos. Em um dia, passei mais de três
fax para a Central. Mas sempre recebíamos a resposta
de que não havia vagas.
Como anda a saúde no Estado para você?
A gente não tem condições mais de atender desse jeito.
É complicado ver as pessoas morrendo à procura de
18
vagas. Os hospitais da Grande Vitória recebem demanda
de todo o Estado. Porém, faltam leitos, profissionais.
Consta, ainda, da publicação, a MEMÓRIA da morte do
aposentado Renato Rodrigues Lessa, 61 anos, que morreu enquanto se
submetia a uma cirurgia pela qual esperou durante seis meses.
A TRIBUNA, ainda em de 31 de agosto, publicou reportagem,
descrevendo os fatos envolvendo a morte do paciente Geraldo Agostinho,
reafirmando que o paciente faleceu à espera da transferência para um hospital
da rede estadual, o que teria sido tentado pelos médicos por 10 dias. Consta
daquela publicação:
A cunhada de Agostinho ficou revoltada com a morte do
parente. Ela contou que os médicos do hospital recomendaram
à família que procurasse ajuda de políticos para conseguir um
leito em uma ou outra unidade.
Enquanto Agostinho estava internado, a gente via que os
médicos estavam tentando salvá-lo e pediram à Central de
Vagas um leito, mas sempre recebiam uma resposta negativa.
Não tinha nenhuma vaga em hospitais públicos e nem
particulares. No dia 24, os médicos disseram que ele teria que
ser transferido com urgência. Na madrugada de ontem,
Agostinho morreu”. Disse a cunhada.
A GAZETA, na mesma data, também publicou o caso de
Geraldo Pedro Agostinho e acrescentou a notícia de que “PACIENTES DA
SERRA PRECISAM DE UTI. A falta de leito nos hospitais tem comprometido os
pronto-atendimentos da Grande Vitória.”
19
A resposta da SESA aos problemas publicados no jornal
CIDADE foi reconhecimento da insuficiência dos leitos hospitalares para
atender à população, já que informou a SESA que:
A Central de Vagas está procurando, inclusive na iniciativa
privada, leitos para internação, mas não há oferta para a
compra. (A CIDADE)
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que tentou
atender à solicitação do hospital para transferência do paciente
através da compra de um leito, inclusive na iniciativa privada,
mas não houve uma vaga disponível. (A TRIBUNA)
Notificados
os
Secretários
Municipais
de
Saúde
a
comparecerem na Promotoria de Justiça de Vitória, a fim de prestarem
esclarecimentos sobre a situação ora narrada, assim de se manifestaram:
Que o município de Vitória conta com o Pronto Atendimento da
Praia do Suá (atendimento clinico, pediátrico, cirurgia geral e
serviço odontológico 24 horas) e o Pronto Atendimento de São
Pedro (atendimento clínico, pediátrico, cirurgia geral e serviço
odontológico até as 19:00 horas) (...) que ambos os PAS
atendem a população referenciada na rede básica nos casos de
urgência e emergência; que para se ter como exemplo
pode-se citar que de dez pacientes que necessitam ficar
em observação nos PÁS, dois ou três necessitam de
internação, a partir de então inicia-se o conflito em
20
busca de hospital; (...) que o tempo médio para se
conseguir vagas em hospitais do SUS, dependendo do caso,
por
exemplo
mais
graves
agudos,
aguarda-se
aproximadamente um dia; já o paciente cirúrgico (cirurgia
geral) é de fácil transferência, com exceção dos cardíacos;
já
os
pacientes
crônicos
estes
aguarda-se
aproximadamente três a quatro dias para remoção...”
LUIZ CARLOS REBLIN – SECRETÁRIO MUNICIPAL DE VITÓRIA.
“(...) que a central de vagas do Estado não supre a
necessidade do município de Cariacica em tempo hábil,
sendo necessário pressionar por maior de colegas
médicos que possuem mais contato com o Estado
objetivando
garantir
diariamente
vidas;
aproximadamente
que
a
Policlínica
quatrocentas
atende
pessoas,
que
desse total 350 de intercorrências clínicas que poderiam ser
resolvidas na própria rede básica, do restante, isto é,
cinqüenta pacientes, trinta desses casos necessitam ficar na
Policlínica sob observação 12 horas, e os outros vinte
pacientes
são
aqueles
que
realmente
necessitam
de
internação, sendo que pelo sistema de vagas, apenas 50%
obtêm vagas nos hospitais do SUS; que o tempo médio
para conseguir vagas nos hospitais do SUS é três a
quatro
dias
realidade,
há
aproximadamente;
uma
sobrecarga
que
de
diante
dessa
pacientes
na
Policlínica..”
ANSELMO DANTAS – SECRETÁRIO MUNICIPAL DE CARIACICA
21
Apenas para lembrar, foi em 08 de agosto de 2006 que a
TRIBUNA publicou “A SESA GARANTIU QUE REFORMA DO PRONTO-SOCORRO
ATÉ SETEMBRO E HOSPITAL CENTRAL ABRE ATÉ DEZEMBRO”. Não obstante,
os 227 leitos prometidos com a inauguração do Hospital Central, até hoje não
estão disponíveis à população do Estado.
Recentemente,
instada
a
responder
sobre
a
situação
calamitosa da saúde, a SESA anunciou formalmente o projeto de ampliação do
Hospital São Lucas. Além disso, oficiado nos autos do PA n. 74/04, em busca
de informações sobre as providências a serem adotadas, exsurge informação
da Secretaria de Estado da Saúde, através do OF/SESA/GS/Nº 1583/07, de
que os projetos arquitetônicos e complementares para reforma do Hospital São
Lucas está concluídos e as obras serão contempladas no Plano Estadual de
Saúde, ainda em fase de elaboração.
Entretanto, a previsão para a contratação da empresa que
realizará as referidas obras é dezembro/2007, estando o processo na fase de
elaboração do edital licitatório.
Ora, a medida se programa a longo prazo e, embora
escorreita, pelo que ressai dos fatos relatados, não soluciona ou garante aos
pacientes acessibilidade aos serviços de internação hospitalar, mantendo-se a
omissão estatal quanto ao iminente risco à saúde das pessoas.
Aliás, o próprio Sr. Secretário de Estado da Saúde, Dr.
Anselmo Tose, reconhece publicamente que há falta geral de leitos (A GAZETA,
03 de julho de 2007), o que é, aliás, diante de todo quadro que, afora o
exposto e comprovado nesses autos, fato notório.
22
Entretanto, o reconhecimento público da insuficiência do
serviço de saúde para atender às necessidades da população é incompatível
com a alegação daquele mesmo Secretário de Estado de que “a assistência aos
pacientes está garantida”.
Ademais, a referida assertiva, do Secretário Anselmo Tose, de
que “ninguém defende que seja correto tratar pacientes no chão, mas a
assistência está garantida”, ao olhar do Ministério Público e certamente
também da população, não se coaduna com o princípio da dignidade humana,
que deve ser sempre o norte a conduzir os posicionamentos de nossos atores
políticos.
Assim, Exa., até a presente data, ou seja, incontáveis anos
após o início das notícias sobre a superlotação de hospitais públicos no Estado
do Espírito Santo, estão os pacientes e cidadãos sem a adequada e integral
assistência à sua saúde, omitindo-se o Estado em seu dever constitucional e
causando, com tal conduta, o falecimento de seus governados.
Ante tal quadro, não restou a essa Promotoria outra medida
senão a presente ação, eis que a urgência e a gravidade da questão pontuada
não confere arbítrio qualquer ao Ministério Público Estadual para concessão de
prazos e ajustamentos extrajudiciais, sob pena de negar-se efetividade e
integralidade ao direito à saúde.
23
2 – DO DIREITO:
Relevante a transcrição das normas jurídicas que tratam do
direito do cidadão à saúde, para que se tenha exata compreensão da efetiva
proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso País, possibilitando-lhe,
individual ou coletivamente, o exercício desse direito público subjetivo em face
do Estado.
3 – DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL:
Constituição Federal:
Art. 1º, incisos II e III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:... II- a cidadania;
III- a dignidade da pessoa humana”,
Art. 3º “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; ... III – erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV –
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação”.
Art. 5º
caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:”
...
24
§ 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata”.
Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Art. 23, inciso II: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: ...II – cuidar da saúde e assistência pública...”
Art. 37 caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá
aos
princípios
de
legalidade,
impessoalidade,
moralidade,
publicidade e eficiência...”
Art. 196: “A vida é direito de todos e dever do Estado, garantido políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.
Art. 197: “As ações e os serviços de saúde têm relevância pública”.
Art. 198: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em
cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais; ...”
25
Lei nº 8.080/90
Art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§1º: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e
execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de
doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para
a sua promoção, proteção e recuperação.”
Art. 4º: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta
e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema
Único de Saúde – SUS”.
Art. 5º: “São objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS: ...III- a
assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção
e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações
assistenciais e das atividades preventivas.”
Art. 6º: “Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único
de Saúde – SUS: I – a execução de ações: d) de assistência terapêutica
integral, inclusive farmacêutica;”
Art. 7º: “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS,
são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
26
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade
do sistema;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie;
XXII- capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de
assistência”.
Art. 8º: “As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de
Saúde – SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da
iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada
em níveis de complexidade crescente.”.
Art. 17: “À direção estadual do Sistema Único de Saúde – SUS
compete:
II – acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único
de Saúde – SUS;
III
–
prestar
apoio
técnico
o
financeiro
aos
Municípios
e
executar
supletivamente ações e serviços de saúde;
IX – identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir
sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e
regional”;
27
Código de Defesa do Consumidor
Art. 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto
aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das
obrigações
referidas
neste
artigo,
serão
as
pessoas
jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma
prevista neste Código.”
Constituição do Estado do Espírito Santo
Art. 159:
“A saúde é dever do Estado e direito de todos, assegurado
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a sua promoção, prevenção, proteção e recuperação”.
Art. l61: “As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao
Poder Público, nos termos da lei, dispor sobre sua regulamentação, fiscalização
e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de serviços
de terceiros, e também por pessoa física ou jurídica de direito privado,
devidamente qualificados para participar do sistema único de saúde”
Art. 162: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
28
I - descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera
de governo;
II - integração das ações e serviços de saúde adequados às diversas realidades
epidemiológicas;
III - universalização de assistência de igual qualidade, com acesso a
todos os níveis dos serviços de saúde, respeitadas as peculiaridades e
necessidades básicas da população urbana e rural, atendendo, de
forma integrada, às atividades preventivas e assistenciais;
IV - participação, em nível de decisão de entidades representativas de
usuários, prestadores de serviço e profissionais da área de saúde”.
Art. 164: “No sistema único de saúde compete ao Estado, além das
atribuições estabelecidas na Constituição Federal e na legislação
complementar:
II - responsabilizar-se pelos serviços de abrangência estadual ou
regional, ou por programas, projetos ou atividades que não possam,
por seu custo, especialização ou grau de complexidade, ser executados
pelos Municípios;
III - assegurar número de hospitais e postos de saúde suficientemente
equipados com recursos humanos e materiais, para garantir o acesso
de
todos
à
assistência
médica,
psicológica, em todos os níveis;
farmacêutica,
odontológica
e
29
4 – CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO:
Depreende-se, de tudo quanto foi dito nesta inicial, que a atual
prestação de serviços de internação hospitalar pela rede estadual é insuficiente
para atender à demanda da população capixaba e a omissão estatal tem
redundado em desassistência e risco à saúde das pessoas.
Como amplamente relatado na descrição do suporte fático,
lamentavelmente, a realidade da saúde no Estado do Espírito Santo é a
negativa de acesso ao direito à vida e à saúde.
Esta é a realidade no Estado do Espírito Santo:
Pacientes com necessidade de internação hospitalar ou em
UTI/CTI aguardando longos períodos, em situação não ideal, em prontoatendimentos, sem estrutura física e de pessoal adequada ao atendimento de
alta complexidade.
Pronto-atendimentos superlotados, com atenção desumana a
seus usuários, porque suportam, na práxis, a demanda de internação que não
lhes é destinada e, para tanto, utilizam recursos que, tanto não são aptos a
solucionar as questões de gravidade, como são sonegados ao público alvo da
unidade básica de saúde, que mais uma vez fica ao desamparo.
Pacientes com necessidade de submissão a procedimentos
cirúrgicos aguardando longos períodos, em pronto-socorros superlotados ou
mesmo em suas residências, aguardando uma vaga de UTI/CTI ou leito e
retaguarda.
30
Todavia, tal destino ocorre não mais por uma fatalidade, mas
pela omissão do Governo Estadual. Omissão claramente ilegal, que desrespeita
o direito público subjetivo que esses pacientes têm de receberem toda a
atenção à saúde de que necessitam, na forma e grau de assistência indicada
para seu tratamento.
A legislação acima transcrita traz em suas linhas várias regras
que podem assim ser resumidas.
A primeira delas é que tais doentes, enquanto pessoas
humanas, detentoras do direito fundamental à vida e à saúde, enquanto
pacientes do SUS, têm direito ao tratamento integral. E tratamento integral,
para os pacientes graves com indicação de internação hospitalar, seja ou não
em UTI/CTI ou mesmo de procedimento cirúrgico é a internação hospitalar e o
procedimento cirúrgico e não a espera em corredores de pronto-atendimentos
ou pronto-socorros. Isso não é assistência à saúde. Se é, é apenas do ponto de
vista da gestão estadual de saúde, mas não da Constituição Federal.
As
normas
definidoras
desse
direito
constitucional
têm
aplicação imediata, não se tratando de meras regras programáticas.
O Governo Estadual não está obedecendo à Carta Magna e
nem à lei e muito menos sendo eficaz, quando não disponibiliza o necessário
aos usuários do SUS, violando manifestamente o disposto no artigo 37 da CF.
É seu dever assegurar à ao paciente atendido pelo Sistema Único de Saúde,
gratuitamente, o tratamento assistencial integral, o que não vem ocorrendo,
por reiteradas vezes, até o presente momento por culpa exclusiva da
Secretaria de Estado da Saúde.
31
Deveria ser diretriz do SUS, neste Estado, a eqüidade como
meio para o tratamento desigual de casos desiguais. Se quadros de gravidade
de
alguns
pacientes
exigem
procedimentos
de
alta
complexidade,
tal
modalidade de assistência está plenamente garantida pela Lei, que garante o
respeito às necessidades de todos os seguimentos da população.
Outra regra salienta a responsabilidade da direção Estadual do
SUS de identificar estabelecimentos de referência e gerir sistemas públicos de
alta complexidade, de referência regional.
É sua obrigação, portanto, prover serviços de internação
hospitalar, inclusive de UTI e CTI, que atendam à demanda real da população,
em quantidade e qualidade que garanta à vida e à saúde dos pacientes que
necessitem do acesso, sob pena de responsabilização objetiva do Estado do
Espírito Santo, enquanto pessoa jurídica de direito público.
Não
adianta
garantir
às
pessoas
tratamento
limitado,
insuficiente, que abreviará suas mortes, pois essa postura omissa desobedece
a diretriz da “resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral,
pois não resolve o problema do cidadão, e, pior, por vezes, antecipa sua morte
ou gera seqüelas.
A situação ilegal descrita no item “Dos Fatos” não pode ser
justificada
sob
o
argumento
da
discricionariedade
administrativa.
Este
princípio, criado para garantir a agilidade exigida na administração da coisa
pública, com vistas ao interesse público, não pode servir de justificativa para a
omissão ilegal, violadora da Lei e dos princípios da Administração Pública,
previstos no artigo 37 da CF. Não tem a pessoa jurídica de direito público
estadual o poder de decidir, em última análise, sobre onde e como negará ao
32
cidadão direitos públicos subjetivos. Afinal, saúde é direito fundamental social
(art. 6º/CF), de aplicação imediata (art. 5º, § 1º/CF).
Não se pode concluir, quando se sabe que alguns Estados
brasileiros fornecem o tratamento integral, enquanto outros não, que estamos
tratando de matéria sujeita à discricionariedade administrativa. Esse poder não
pode servir como fundamento para decidir sobre a vida ou a morte de cidadãos
atendidos pelo SUS, principalmente quando em estado grave. É preciso atentar
para a seguinte conclusão, única possível diante da Lei: nos Estados onde não
se dá o atendimento integral, a Constituição Federal e a Lei do SUS estão
sendo descumpridos.
Assim, não exorbita o Poder Judiciário quando, provocado pelo
Ministério Público, interfere na Administração Pública para defender direitos
dos cidadãos expressos na Legislação, contra omissão do Poder Público
ensejadora de situação manifestamente ilegal. Fere o ordenamento jurídico
permitir-se, com fundamento em supostas limitações administrativas, o Estado
do Espírito Santo relegue pacientes em quadro grave de saúde, máxime
quando de tal omissão podem decorrer sérios riscos à população.
Não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da
administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A
fixação de prioridades de governo é amplamente acobertada pela Lei, desde
que, na sua execução, não se deixem direitos fundamentais e indisponíveis ao
desamparo da atuação Estatal. Mesmo na área dos direitos sociais, como a
saúde, pode-se estabelecer prioridades, no exercício da discricionariedade.
Todavia, sua efetivação não pode ensejar situações ilegais, porque o
atendimento à saúde é serviço de relevância pública, e o respeito ao
ordenamento jurídico é dever fundamental de qualquer esfera de governo.
33
Não há que se falar em limites orçamentários ou em
observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpa para a
manutenção da situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população,
o cidadão têm direitos aqui extraídos do ordenamento jurídico em vigor,
identificados em normas jurídicas auto-aplicáveis.
O direito à saúde representa prerrogativa constitucional
indisponível do indivíduo. E, em situação similar, o Supremo Tribunal Federal
já decidiu que prerrogativas jurídicas dessa natureza impõem ao Estado, por
meio da alta significação de que se reveste, a obrigação constitucional de criar
condições objetivas que possibilitem, de maneira correta, o atendimento
integral
à
saúde
do
indivíduo/coletividade,
sob
pena
de
configurar-se
inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia,
o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe
impôs o próprio texto da Constituição Federal.
Vale citar trecho da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, exemplificada no RE n. 436.996-Agr/SP:
“EMBORA
RESIDA,
PRIMARIAMENTE,
NOS
PODERES
LEGISLATIVO E EXECUTIVO, A PRERROGATIVA DE FORMULAR
E EXECUTAR POLÍTICAS PÚBLICAS, REVELA-SE POSSÍVEL, NO
ENTANTO, AO PODER JUDICIÁRIO, DETERMINAR, AINDA QUE
EM BASES EXCEPCIONAIS, ESPECIALMENTE NAS HIPÓTESES
DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS NA CONSTITUIÇÃO,
SEJAM ESTAS IMPLEMENTADAS PELOS ÓRGÃOS ESTATAIS
INADIMPLENTES,
DESCUMPRIMENTO
CUJA
DOS
OMISSÃO
–
ENCARGOS
POR
IMPORTAR
EM
POLÍTICO-JURÍDICOS
34
QUE SOBRE ELES INCIDEM EM CARÁTER MANDATÓRIO –
MOSTRA-SE A COMPROMETER A EFICÁCIA E A INTEGRIDADE
DE DIREITOS SOCIAIS E CULTURAIS IMPREGNADOS DE
ESTATURA CONSTITUCIONAL. A QUESTÃO PERTINENTE À
RESERVA DO POSSÍVEL.”
Nesses termos o voto do Ministro Celso de Mello, ao julgar o
referido Rext 436.996-6, enfrentar a questão da teoria da RESERVA DO
POSSÍVEL, bem esclarecendo:
“Não se ignora que a realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade
de seu processo de concretização – depende, em grande
medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada,
objetivamente,
a
alegação
de
incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá
razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material
referida, a imediata efetivação do comando fundado na Carta
Política.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal
hipótese, criar obstáculo artificial que revele, a partir de
indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou políticoadministrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito
de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a
preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições
materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. Celso
de Mello, Informativo/STF nº 345/2004).
35
Cumpre
advertir,
desse
modo,
na
linha
de
expressivo
magistério doutrinário (OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT,
“Os Direitos Sociais e Econômicos e a Discricionariedade da
Administração Pública, p. 105/110, item n. 06, e p. 209/211,
itens ns. 17-21, 2005, RCS Editora Ltda.), que a cláusula da
“reserva do possível” – ressalvada a ocorrência do justo
motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo
Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do
cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente
quando,
dessa
conduta
governamental
negativa,
puder
resultar nulificação, ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade.
Daí a correta observação de REGINA MARIA FONSECA MUNIZ
(“O Direito à Educação”, p. 92, item n. 3, 2002, Renovar), cuja
abordagem do tema – após qualificar a educação como um dos
direitos fundamentais da pessoa humana – põe em destaque a
imprescindibilidade
de sua implementação, em ordem a
promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida
de
todos,
notadamente
das
classes
menos
favorecidas,
assinalando, com particular ênfase, a propósito de obstáculos
governamentais que possam ser eventualmente opostos ao
adimplemento dessa obrigação constitucional, que “o Estado
não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade
econômica ou de falta de normas de regulamentação.”
O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão nos autos do
Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0 (Julgado em
16.11.99), no voto do Relator Ministro Marco Aurélio, quando provocado a se
36
pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta de dispositivo legal para o
custeio e distribuição de remédios para AIDS não impede que fique
comprovada a responsabilidade do Estado, pois “decreto visando-a não poderá
reduzir, em si, o direito assegurado em lei”. E, esclareça-se desde já, com
base no art. 23 da CF/98, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos
entes federados na busca da proteção de saúde: “SAÚDE PÚBLICA.
FORNECIMENTO
GRATUITO
DE
MEDICAMENTOS
POR
ENTIDADE
PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS. CONCESSÃO DE TUTELA
ANTECIPADA EM PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER COMUM
DOS
ENTES
FEDERADOS.
ARTS.
196
E
198
DA
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PRECEDENTES PRETORIANOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO
ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O CIDADÃO. AGRAVO NÃO
PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. AS entidades federativas têm o
dever ao cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência de saúde, a teor do
disposto no art. 23 da Constituição Federal. Assim, não se pode prestar
à fuga de responsabilidade a mera argüição de violação ao princípio do
orçamento e das normas de realização de despesa pública, quando
verificado que o Estado, na condição de instituição de tributo especial
dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com competência
devida”. (Agravo
de Instr. Nº 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ,
Rel.: Des. Marcus Tullius Alves, Julgado em 02.05.2000)”.
Sobre a questão, em casos semelhantes, também já se
manifestaram outros Tribunais:
“O
Judiciário
não
desconhece
o
rigorismo
da
Constituição ao vedar a realização de despesas pelos
órgãos públicos além daquelas em que há previsão
37
orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente
de sua importância como integrante de um dos Poderes
do Estado, como pacificador dos conflitos sociais e
defensor da Justiça e do bem comum, tem agido com
maior justeza optando pela defesa do bem maior,
veementemente defendido pela Constituição – A VIDA –
interpretando a lei de acordo com as necessidades
sociais imediatas que ela se propõe a satisfazer” (Apel.
Cível nº 98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo
Machado, 08/09/98).
Mais adiante, nessa mesma Decisão:
“Com relação à previsão orçamentária para o custeio
dos medicamentos específicos, basta relembrar que já
há no orçamento do Estado, dotação apropriada; da
mesma forma não pode o apelante pretender eximir-se
de suas responsabilidades sob a alegação de que
enfrenta sérios problemas financeiros, em face da
escassez de recursos, o que soa falso em face dos
gastos
publicitários
comunicação,
que
apregoando
se
vê
obras
nos
e
meios
de
realizações
governamentais (...)”. Citando o Ministro Celso de Mello em
caso também relativo à saúde: “A singularidade do caso
(...), a imprescindibilidade da medida cautelar concedida
pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (...) e
a impostergalidade do cumprimento do dever político
constitucional que se impõe ao Poder Público, em todas
as dimensões da organização federativa, de assegurar a
38
todos a proteção à saúde CF, art. 6º, c.c art. 227,
Parágrafo 1º) constituem fatores que, associados a um
imperativo de solidariedade humana, desautorizam o
deferimento do pedido
ora formulado pelo Estado de
Santa Catarina (...). Entre proteger a inviolabilidade do
direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo
inalienável assegurado pela própria
Constituição da
República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra
essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro
e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado
esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica
impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito
indeclinável à vida”.
“...Sendo a saúde direito e dever do Estado (CF, art.
196, CE, art. 153), torna-se o cidadão credor desse País
para o tratamento reclamado. A existência de previsão
orçamentária própria é irrelevante, não servindo tal
pretexto como escusa, uma vez que o executivo pode
socorrer-se de créditos adicionais. A vida, Dom maior,
não tem preço, mesmo para uma sociedade que perdeu
o sentido da solidariedade, num mundo marcado pelo
egoísmo,
hedonista
e
insensível.
Contudo,
o
reconhecimento do direito á sua manutenção (...) não
tem balizamento caritativo, posto que carrega em si
mesmo, o selo da legitimidade constitucional e está
ancorado em legislação obediente àquele comando”.
(TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de Instr. Nº 96.012721-6).
39
Como se percebe, mostra-se irrelevante eventual falta de
prévia dotação orçamentária prevendo o atendimento integral à saúde, ou
seja, o cumprimento da Lei. Consoante enfatiza com lucidez João Angélico
(contabilidade Pública , Ed. Atlas, pág. 35), “durante a execução orçamentária,
o Poder Executivo pode solicitar ao Legislativo, e este conceder, novos créditos
orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos que integram orçamento
em vigor. Por essa razão, denominam-se créditos adicionais. Os créditos
adicionais aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento”.
Por fim, vale transcrever parte da obra de Germano Schwartz
(Direito à Saúde – Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica, pág. 80/81, Ed.
Livraria do Advogado):
“...Não é por falta de aporte financeiro que o Estado poderá se
eximir de seu dever. A saúde reclama prestação sanitária tão-somente. Sarlet
(1998), a respeito da negação das prestações sanitárias com base na ausência
orçamentária estatal, refere que: “em relação aos habituais argumentos
da ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários
para decidirem sobre
a alocação e destinação de recursos públicos,
não nos parecer que esta solução possa prevalecer, ainda mais nas
hipóteses em que está em jogo a preservação da vida humana” (p.
298). Ora, a hipótese de não-existência de previsão orçamentária não pode
ser alegada pelo Estado, até porque não se pode antever com eficácia as
necessidades da população, ou ainda, de outra banda, não se pode favorecer a
omissão do ente responsável, premiando-o por sua negligência e/ou inércia. Ao
se referir ao Sistema Único de Saúde e à sistemática sanitária brasileira
instalada pela CF/88, Cláudio Barros Silva (1995) se posiciona expressamente
quanto à impossibilidade de condicionantes para o exercício do direito à saúde:
40
“Como conseqüência do sistema, o acesso à assistência, à saúde,
passou a ser universal e igualitário, não havendo, por ser direito
subjetivo do cidadão, qualquer condicionante ao exercício. O papel do
Estado é garantir a satisfação desse direito público subjetivo”.
5 - CONCLUSÃO:
Diante do quadro apresentado e de todo o mais que foi
exposto, estão evidenciadas as seguintes conclusões: A uma, que vem
havendo reiterada omissão do Estado do Espírito Santo em atender à demanda
de leitos hospitalares. A duas, que é inconteste a obrigação do Poder Público
em garantir integral assistência à saúde aos seus cidadãos.
Assentadas as conclusões, restam ainda, ao Ministério Público
Estadual, algumas perguntas fundamentais, a serem respondidas:
Se afinal uma gestão estadual do SUS deve executar política
de saúde para atender às reais necessidades da população, ou simplesmente
pretender que a população se adeque ou se satisfaça com as disponibilidades
de uma rede desestruturada?
Se a cidadania, ao se deparar com as mazelas da saúde, se
contenta apenas com encaminhamentos de longo prazo, que não evitam e nem
apagam as dores do hoje e do amanhã?
A partir da leitura dos documentos acostados à presente, as
respostas devem ser simples, porque os relatos falam por si, sem se fazerem
necessárias quaisquer opiniões valorativas acerca do que acima se descreveu.
41
É de estarrecer a desumanidade que pode ser causada pela omissão. E
Estarrece sempre pensar na conseqüência prática do que aqui se relata. O bom
senso naturalmente repele toda sorte de abusos, e assim deve ser, em
especial, quando tema é a negligência à vida das pessoas.
Não se alegue que as dificuldades da saúde são globais.
Seria frustrante se o provimento do justo fosse negado somente porque o
seu sustentáculo normativo não tem a eficácia desejada pelo legislador.
Agora, é tempo de se atentar para o fato de que o dever ser não é sempre
um reflexo da práxis, por vezes, existe justamente para transformá-la. Por
isso, a justiça está para fazer valer o direito inobservado, e somente dela se
socorrem os que são privados do ideal no mundo dos fatos.
Portanto, deficiência na prestação dos serviços que incumbem
à Secretaria de Estado da Saúde não é tese de defesa; é fundamento jurídico
do pedido. E ademais, ninguém desconhece a lei a ponto de ignorar o conceito
do absurdo. Há vicissitudes nos textos legais, mas a noção do razoável é
inerente ao homem, tanto que é nela fundada todo o conteúdo normativo de
um Estado.
Afinal, é preciso lembrar que a desesperança é um fardo
grande para os pacientes que vivenciam a omissão estatal na saúde, porque
leva a pecha de todas as carências possíveis ao homem. Essa desesperança só
não é maior do que o próprio lastro de sua culpa, porque esta vai exatamente
até o ponto onde ainda se podem vislumbrar as suas mazelas.
A realidade da saúde no Estado do Espírito Santo não sugere
dúvidas sobre a necessidade de adequações, porque para o descaso, não há
escusas plausíveis. Aqui, sequer se discute o desrespeito; discute-se, talvez, a
42
medida de sua irreversibilidade na vida daqueles que o sofreram e, mais
importante, o quanto urge fazê-lo cessar aos que ainda o sofram.
Como prefaciou certa vez Doutor Frederico Mayor, à época em
que era Diretor-Geral da UNESCO, “não podemos mais continuar a ser
espectadores aterrorizados da barbárie. Em um mundo cada vez mais
transparente, tornamo-nos cúmplices se pensamos que o inadmissível é
irremediável. É necessário, portanto, agir, e agir rápido, antes que o círculo
vicioso ação-reação se instale. Senão, qualquer intervenção será apenas a
constatação do fracasso, já que posterior ao sofrimento, ao ferimento e à
morte. Intervindo muito tarde somos, ao mesmo tempo, portadores e atores
de métodos obsoletos...”1.
A responsabilidade pública é grande. E vale lembrar que, onde
há poder, há sempre culpa. Talvez a adoção das medidas judiciais cabíveis
tenha delongado, a ponto de ser preciso encarar duramente algumas de suas
conseqüências.
Mas
há
ainda
há
espaço
para
a
atuação
de
nossas
consciências. Este o mister que se nos apresenta, e pelo seu resultado
certamente responderemos ao final.
Por isso, essa ação não é apenas um instrumento judicial, é
também o resultado de um apelo que vem sendo feito diuturnamente pelos
pacientes do SUS e seus familiares, em razão de todos os fatos que se passam
na rede pública de saúde. A partir de agora, o apelo está posto como pleito de
salvaguarda de direitos.
MAYOR. Frederico apud SAÚDE: UM DIREITO INVIOLÁVEL À VIDA (CENTRO DE
ESTUDOS E APREFEÇOAMENTO FUNCIONAL DO MPES), p. 19.
1
43
6 – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA:
O atendimento de saúde, por guardar estreita relação com a
manutenção da vida humana, é sempre relevante e urgente. Diante da
urgência
reclamada
pela
espécie,
requer-se
a
concessão
liminar
da
antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do disposto nos
artigos 273, inciso I, e 461 do CPC e artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do
consumidor. Além de ser é a saúde direito fundamental social (art. 6º da
CF/88), de aplicação imediata (art. 5º, § 1º da CF/88).
O acolhimento liminar dos efeitos da tutela urge e impera,
porquanto o provimento da pretensão, somente ao final, poderá ser inócuo
para prevenir os danos à saúde dos pacientes com encaminhamento de
internação hospitalar (inclusive em CTI/UTI), ou mesmo para evitar a morte de
alguns deles. Esses doentes, na imensa maioria em estado grave, há muito
vêm piorando seu estado, ou morrendo, devido à omissão do Poder Público
Estadual, que lhes nega, sob argumentos ilegais, o atendimento integral e a
que fazem jus por força de Lei.
Relevante é o fundamento da lide, pois se pretende, em última
análise, a manutenção da vida de pessoas neste Estado e presentes estão, por
tudo quando foi demonstrado no procedimento administrativo em anexo, o
fumus boni juris e o periculum in mora.
E
irreversibilidade
nem
do
se
cogite
provimento
de
argumentar
antecipado”,
pois
sobre
que
a
o
“perigo
de
dimensão
da
proporcionalidade entre o direito à vida e a eventual repercussão financeira da
providência pleiteada aos cofres públicos indica indiscutivelmente para a
adequação da medida.
44
É
perfeitamente
justificado
o
receio
de
ineficácia
do
provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as
providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo
estabelecido na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade da concessão
liminar dos efeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à saúde dos pacientes
com indicação de internação hospitalar, facilmente evitável se o Poder Público
Estadual for compelido a atuar desde agora, com tempo razoável a evitar
novas lesões à saúde pública.
7 – DOS PEDIDOS:
Diante de todo o exposto, vem o autor requerer:
1) a concessão de antecipação da tutela, consoante requerimento formulado
anteriormente, inaudita altera pars, consistente em determinação ao Estado do
Espírito Santo, através da Secretaria de Estado da Saúde para que:
a) A contar da ciência da decisão liminiar que se pleiteia, disponibilize,
imediatamente, vagas em UTI/CTI para transferência de pacientes com
encaminhamento de internação em UTI/CTI, com solicitação já realizada
à Central de Regulação da SESA e ainda desatendida, quer se
encontrem
em
pronto-atendimentos
municipais,
pronto-socorros
(incluídos os do Hospital São Lucas e Dório Silva) ou qualquer unidade
de saúde da rede.
b) A contar da ciência da decisão liminiar que se pleiteia, disponibilize, no
prazo de 48 horas, leitos hospitalares para transferência de pacientes
com encaminhamento de internação hospitalar, com solicitação já
realizada à Central de Regulação da SESA e ainda desatendida, quer se
45
encontrem
em
pronto-atendimentos
municipais,
pronto-socorros
(incluídos os do Hospital São Lucas e Dório Silva) ou qualquer unidade
de saúde da rede.
c) A contar da ciência da decisão liminar que se pleiteia, passe a
disponibilizar, imediatamente à solicitação realizada à Central de
Regulação,
leitos
transferência
de
hospitalares
pacientes
e/ou
com
vagas
de
UTI/CTI
encaminhamento
de
para
a
internação
hospitalar e/ou internação em UTI/CTI que se encontrem em prontoatendimentos municipais ou sejam atendidos pelo serviço SAMU.
d) A contar da ciência da decisão liminar que se pleiteia, passe a
disponibilizar, imediatamente à solicitação realizada à Central de
Regulação, leitos hospitalares e/ou vagas de UTI/CTI para transferência
de pacientes com encaminhamento de internação hospitalar e/ou
internação em UTI/CTI que se encontrem em pronto-socorros da rede
municipal e estadual de saúde, aí incluídos os pronto-socorros dos
Hospitais São Lucas e Dório Silva ou qualquer outra unidade de
saúde/hospital da rede.
2) A condenação definitiva do Estado do Espírito Santo à obrigação de fazer
consistente na ampliação do número de leitos hospitalares e leitos de UTI/CTI
destinados a atender ao Sistema Único de Saúde, em quantitativo suficiente a
garantir acessibilidade imediata de pacientes que necessitem desses serviços,
com encaminhamento regular (através da Central de Regulação), respeitada a
regra da complementariedade da iniciativa privada prevista no art. 199 da
Constituição Federal.
3) visando a assegurar o resultado prático de eventual liminar concedida, a
intimação do Secretário Estadual de Saúde, determinando-se o imediato
cumprimento das medidas;
46
a) a fixação de multa no valor de R$ 5.000,00 (mil reais) por hora de atraso
no atendimento de cada paciente, ou outra que vier a ser arbitrada por V.Exa.,
pelo descumprimento da determinação judicial, quer de natureza antecipatória,
quer de natureza definitiva, ou de ambas, em favor dos pacientes que tenham
sido desatendidos;
b) a citação da pessoa jurídica de direito público interno requerida na
PROCURADORIA GERAL DO ESTADO,
com endereço na Avenida Governador
Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 9º andar, Centro – Vitória/ES, CEP 29010-150,
para que tome ciência dos termos da presente, contestando-a, se assim por
bem houver, sob pena de revelia, prosseguindo-se no feito até final decisão,
quando os pedidos deverão ser julgados procedentes.
c) a produção de todas as provas em direito admitidas, sem exclusão.
Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 1.000.000,00
(hum milhão de reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
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ROL DE TESTEMUNHAS
1) ANSELMO TOSE, Secretário de Estado da Saúde, com endereço à Av.
Marechal Mascarenhas de Morais, 2025, Bento Ferreira, Vitória – ES.
2) ANSELMO DANTAS, Secretário Municipal de Saúde de Cariacica, com
endereço à BR 262 – Trevo de Alto Laje, Km 35, Cariacica/ES.
3) DANILO SÉRGIO ROSES TOLATO, Diretor Geral do Hospital São Lucas,
com endereço à Av. Desembargador José Vicente, n. 1533, Forte São João,
Vitória/ES
4) ELIZABETH HELENA MITLEG KUINIG, Subsecretária de Atenção à Saúde
da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, com endereço à Av. Mal.
Mascarenhas de Moraes, n. 1185, Forte São João, Vitória/ES.
5) EUMANN MATTOS REBOUÇAS, Diretor Clínico do Hospital Dr. Dório Silva,
com endereço à Av. Eudes Scherrer de Souza, s/n, Parque Residencial de
Laranjeiras, Serra/ES.
6) FABIANE LIMA SIMÕES, Secretária Municipal de Saúde Viana, com
endereço à Av. Florentino Avidos, 01 – Centro, Viana/ES.
7) FERNANDO CEZAR MONTEBELLER, Diretor Clínico do Pronto Atendimento
Municipal de Vitória, com endereço à Av. Mal. Mascarenhas de Moraes, n.
1927, Bento Ferreira, Vitória/ES.
8) FERNANDO RODRIGUES COSTA, Presidente do CRM, com endereço à Rua
Professora Emília Franklin Mululo, 228, Bento Ferreira, Vitória, ES.
9) JAQUELINE MOFATI, Coordenadora da Gerência Estratégica de Regulação
Assistencial – GERA, com endereço à Av. Marechal Mascarenhas de Morais,
2025, Bento Ferreira, Vitória – ES.
10) LUIZ CARLOS REBLIN, Secretário Municipal de Saúde de Vitória, com
endereço à Av. Marechal Mascarenhas de Moraes, n. 1185 – Forte São João,
Vitória/ES.
11) MÁRCIA CRUZ PEREIRA ANDRIOLO, Secretária Municipal de Vila Velha,
com endereço à Rua D. Jorge de Menezes, 1226, Prainha, Vila Velha/ES.
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12) MARIA CELESTE PUPPA, Coordenadora da Central de Regulação
Estadual, com endereço à Rua Raimundo Nonato, n. 31 – Forte São João,
Vitória/ES.
13) MARIA DA PENHA RODRIGUES D’AVILA, Diretora da Santa Casa de
Misericórdia, com endereço à Rua Dr. João Santos Neves, n. 143, Vila
Rubim, Vitória/ES.
14) MARIO CALMON CARVALHO JUNIOR, Diretor Clínico do Hospital São
Lucas, com endereço à Av. Desembargador José Vicente, n. 1533, Forte São
João, Vitória/ES.
15) NÉLIO ALMEIDA, ex-presidente do antigo IESP, com endereço a ser
fornecido posterioremente.
16) OTTO FERNANDO BAPTISTA MOREIRA, Presidente do SIMES – Sindicato
dos Médicos do Estado do Espírito Santo, com endereço à Av. Princesa
Isabel, n. 599, Ed. Março, 8º andar, Centro, Vitória/ES
17) PAULA SILVA DE AQUINO SOUZA, Diretora Administrativa do Hospital
Dr. Dório Silva, com endereço à Av. Eudes Scherrer de Souza, s/n, Parque
Residencial de Laranjeiras, Serra.
18) ROSALIE DE RESENDE CÓ, Secretária Municipal de Saúde da Serra, com
endereço à Rod. Norte Sul, S/N – Shopping do Povo – Módulo I e II – Civil II.
19) SÔNIA MARIA DALMOLIM, Diretora Geral do Hospital Dr. Dório Silva,
com endereço à Av. Eudes Scherrer de Souza, s/n, Parque Residencial de
Laranjeiras, Serra.
20) UIARA TEIXEIRA RIOS, Diretora Administrativa do Hospital São Lucas,
com endereço à Av. Desembargador José Vicente, n. 1533, Forte São João,
Vitória/ES.
21) VALÉRIA BAPTISTA CREMA, Diretora do Pronto Atendimento Municipal de
Vitória – Praia do Suá, com endereço à Rua Almirante Tamandaré, s/n –
Praia do Suá, Vitória/ES.
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