HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO Denise de B. Franco Paulo R. Margotto/Raulê de Almeida Capítulo dol ivro Assistência ao Recém-Nascoido de Risco, editado por Paulo R. Margotto, 2a Edição, 2004 CONCEITO E GENERALIDADES O hipotireoidismo congênito (HC) é uma síndrome clínica causada por deficiência de hormônios tireóideos, resultando em redução generalizada de processos metabólicos. Como consequência, aparecem alterações do crescimento e do desenvolvimento, levando a seqüelas permanentes tais como retardo mental e retardo do crescimento. É mais freqüente no sexo feminino. O diagnóstico e tratamento precoces são necessários, uma vez que as alterações podem ser reversíveis. Quanto mais cedo for diagnosticado e iniciado o tratamento, melhor será o prognóstico. As manifestações clínicas da doença são raras e/ ou escassas ao nascimento, surgindo gradativamente ao longo do tempo. Por essa razão e por ser uma patologia freqüente (1/4000) nas áreas suficientes de iodo e de população de cor branca, recomenda-se a triagem neonatal. CAUSAS - Disgenesias: ectopia, agenesia e hipoplasia (75% - 80%). A ectopia é a causa mais frequente de disgenesias. Defeitos da síntese de hormônios tireoideanos (10% - 15%). Hipotireoidismo transitório (5%). Hipotireoidismo central (2%). ETIOLOGIA: - Disgenesias surgem a partir de mutações de genes que codificam fatores de transcrição tireoideanos: FAX – 8, TTF – 1, TTF – 2, assim como de mutações inativadoras do gene do receptor do TSH. - Defeitos de síntese hormonal: Defeito de transporte de iodeto Defeitos de organificação e oxidação Defeitos da Tireoglobulina Defeitos na deiodinase - Hipotireoidismo transitório O hipotireoidismo transitório pode ocorrer em crianças cujas mães são portadoras de tireoidite autoimune, exposição do feto ou RN a excesso ou a deficiência de iodeto, prematuridade e menos freqüentemente, devido a tratamento de mães durante a gravidez com drogas bloqueadoras de tireóide. - Hipotireoidismo central O hipotireoidismo central pode ser devido à deficiência isolada de TSH ou associado a outras deficiências hormonais. DESENVOLVIMENTO DA TIREÓIDE: - Início do desenvolvimento: 1º mês - Primeira evidência da atividade tireoidana (síntese de tireoglobulina): 8ª semana fetal - Captação de iodo seguida de iodização de tirosina: 29º dia da gestação, 10ª semana fetal. - Formação histológica (73º ao 80º dia) do colóide na tireóide e secreção do TSH pela hipófise fetal: 10ª a 12ª semana. - Funcionamento do eixo hipotálamo - hipófise - tireóide: 20ª , 30ª e 40ª semana. Os hormônios tireoidianos maternos passam a barreira placentária em pequena quantidade, não sendo suficientes para influenciar o eixo hipotálamo - hipófise - tireóide fetal. Portanto os hormônios tireoidianos maternos protegem apenas em parte o hipotireoidismo congênito. DISFUNÇÕES TIREOIDEANAS RELACIONADAS A PREMATURIDADE - Hipotiroxinemia transitória Essa alteração pode estar presente em RN pré-termos pequenos (25 a 29 semanas de idade gestacional) submetidas ao estresse da transição extra- uterina e tireóide imatura. A produção e a secreção do TRH hipotalâmico são reduzidas, assim como a resposta da tireóide ao TSH, além da baixa incapacidade de converter a Tiroxina (T4) em Triiodotironina (T3). Os níveis de tiroxina ligado a TBG estão baixos. Assim, estes pré-termos são relativamente hipotiroxinêmicos com níveis séricos normais a baixos de TSH e T3, apresentando baixos níveis de tiroxina livre. Tem sido descrito uma incidência de 85% nos RN de muito baixo peso (a incidência varia de acordo com o nível de T4 usado para o diagnósticomenor que 3 mcg/dl a 6.5 % mcg/dl). Nos RN de 27-28 semanas, importante hipotiroxinemia pode refletir um hipotireoidismo transitório hipotalâmico - hipofisário, não requerendo tratamento, a menos que o TSH esteja elevado (20 mui/l). Tem sido relatado aumento do risco de hemorragia peri/intraventricular (OR: 1.2 95% IC : 1.05-1.4) nestes RN de muito baixo peso, provavelmente devido a um maior grau de não resposta hipotalâmica à injúria cerebral neonatal adquirida. Não há dados consistentes na literatura que nos autorize administrar T4 aos RN com hipotiroxinemia transitória com TSH normal, apesar de relatos de que severa hipotiroxinemia transitória nos RN possa estar associada com paralisia cerebral e retardo mental. Pesquisa recente relata que aproximadamente 1/3 dos neonatologistas americanos usam hormônio tireoidiano no tratamento de RN com HTTP e 20% destes parece fazê-lo com um certa regularidade. A variação na prática neonatal, no entanto, sugere a necessidade de um ensaio controlado e randomizado de suplementação de hormônio tireoidiano aos RN com HTTP, ensaio este com poder suficiente para a analisar se o tratamento pode reduzir o risco de disabilidades neurocomportamentais tardias. FUNÇÃO DOS HORMÔNIOS TIREOIDIANOS: Os hormônios tireoideanos regulam o metabolismo orgânico, aumentando o consumo de O2, a síntese protéica, o crescimento e a diferenciação dos tecidos. É importante na regulação da temperatura corporal, função cardiovascular, motilidade intestinal e reflexos neurológicos. Durante a vida fetal e nos dois primeiros anos, são essenciais para o crescimento e desenvolvimento do sistema nervoso e esquelético. CLASSIFICAÇÃO DO HIPOTIREOIDISMO: Primário - ocorre deficiência de hormônios na glândula tireóide. Secundário - ocorre deficiência do TSH na hipófise. Terciário - ocorre deficiência do TRH no hipotálamo. Resistência periférica à ação dos hormônios tireoideanos. GENÉTICA - - São raros os relatos de irmãos com disgenesia. Pode haver predisposição genética, com mecanismo de desenvolvimento ambiental intraútero. Há uma associação significativa com S. de Down (com anomalias gastrointestinais) : OR: 8.59 com IC a 95% de 2.4 –31. Hipotireoidismo adquirido devido à tireoidite auto-imune, parece também ser um distúrbio com predisposição genética, acrescido de desencadeamento ambiental (infecção, trauma, radioatividade e outros). É comumente, observada na S. Down, S. Turner , S. Klinefelter. Associa- se com Diabetes Melitus, Doença de Adison, Rubéola congênita, toxoplasmose e incide mais no sexo feminino. Há uma prevalência de 20% de tireoidite auto-imune nas mães do RN com hipotireoidismo congênito transitório, nos quais em 77% foram demonstrados a presença de anticorpos antimicrossomiais. Deficiência de TBG (TSH normal e baixos níveis de T4 total , T4 livre, T4 normal. DIAGNÓSTICO CLÍNICO As manifestações clínicas do HC são geralmente escassas ou ausentes, estando presente em apenas 5% dos RN. Surgem gradativamente ao longo dos primeiros meses de vida, quando não tratados precocemente. Assim, o quadro clínico pode se instalar ao final do 1º mês de vida em 10% dos casos, ao final do 3º mês em 35% dos casos e ao final de 12 meses em 75% dos casos. SINAIS CLÍNICOS - Icterícia prolongada (37 dias) Fontanela anterior alargada (> 1 cm) Macroglossia Distensão abdominal Hérnia umbilical Hipotonia Choro rouco Perfusão periférica inadequada Bradicardia Diminuição de pressão arterial Derrame pericárdico Facies mixedematosa Bócio Retardo na maturação óssea Retardo do crescimento Deficiência mental RN com hipotireoidismo-TSH: 50,7Mcui/ml LABORATORIAL - Exames de Triagem Neonatal: ALTERNATIVA 1 TSH em amostras de sangue colhidas do calcanhar em papel de filtro específico durante os primeiros sete dias de vida, em geral do 2º ou 3º ao 7º dia de vida. ALTERNATIVA 2 T4 total em amostras de sangue colhidas do calcanhar em papel de filtro específico, seguida de dosagem de TSH na mesma amostra quando o T4 é menor que o percentil 10. As amostras são também colhidas durante os primeiros sete dias de vida, em geral do 2º ou 3º ao 7º dia. Qualquer que seja a estratégia escolhida, a triagem pode perder casos raros de Hipotireoidismo Congênito, tais como: hipotireoidismo pituitário hipotalâmico, doença compensada (T4 normal, TSH elevado) e aumento de TSH tardio. VALORES DE REFERÊNCIA: TSH Neonatal: ≥ 10 mcUI/ml T4 Neonatal: ≥ 6 ng/dl T4 Livre: normal CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS: Os resultados encontrados podem variar de forma combinada com: TSH normal, alto (positivo) ou levemente elevado – boderline; T4 normal ou baixo. A detecção dos pacientes não depende de fatores nutricionais; A ocorrência de transfusão pode mascarar os resultados de amostras obtidas após transfusão. A maioria das crianças com Hipotireoidismo Congênito pode ser detectada numa primeira amostra, mesmo que ela tenha sido coletada após algumas horas do nascimento. Nas primeiras 24 horas de vida, os níveis de TSH podem estar transitoriamente elevados. Em crianças prematuras, parece haver uma redução fisiológica nos níveis de T4. Isso não é devido à deficiência de TBG e os níveis de TSH geralmente não são elevados. Numa amostra de repetição, os níveis alcançam a variação normal esperada para crianças maduras. Uma pequena porcentagem de casos de crianças com Hipotireoidismo Congênito podem não apresentar resultados alterados, mesmo após a primeira semana de vida. Portanto, na presença de sinais clínicos, nova avaliação laboratorial deve ser realizada. EXAMES CONFIRMATÓRIOS: TSH e T4 livre em amostra de sangue venoso, obtida o mais cedo possível após os resultados positivos da triagem. EXAMES PARA DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO: Cintilografia de Tireóide ( em I¹³¹) Ultra-sonografia da Tireóide Tireoglobulina Anticorpos Antitireoidianos: Anti-Tg e AntiTPO Anticorpo Anti receptor de TSH Teste de Estímulo em TRH EXAMES COMPLEMENTARES: Avaliação de maturação óssea Raio X de joelhos Raio X de femur distal e tíbia proximal Avaliação neuropsicomotora ALTERAÇÕES ÓSSEAS NO HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO NÃO TRATADO - maturação epifisária retardada: ausência de ossificação das epífises do fêmur distal, tíbia proximal e osso cubóide do pé, em RN de termo - disgenesia epifisária: (epífises pontilhadas): epífises irregulares com focos esparsos de ossificação - retardamento de formação dos germes dentários (radiografia); - diferenciação retardada ou incompleta das lâminas díploes do crânio e sela túrcica aumentada. GRUPO DE RISCO: - RN com bócio ou irmão de pacientes com bócio - RN de mães que usam medicamentos com iodo, anti-tiroidianos - RN de mães com doença tiroidiana - Uso de medicamentos contendo iodo (xaropes, iodo na anti-sepsia) - RN de áreas de deficiência de iodo TRATAMENTO: - Levotiroxina : via oral Inicia-se o tratamento calculando doses de 10 a 15 Ug /Kg/ dia, para o RN a termo. Em seguida a dose é recalculada conforme o ganho ponderal da criança e os níveis de TSH e T4 livre observados nos controles laboratoriais. A meia vida da levotiroxina é de sete dias, sendo administrada somente uma vez ao dia, pela manhã. REAÇÕES ADVERSAS: Superdosagem – observa-se sinais e sintomas de hipertireoidismo. Craniosinostose. Subdosagem – observa-se sinais e sintomas do hipotireoidismo. DOSES DE REPOSIÇÃO DE LEVOTIROXINA IDADE 8 a 28 dias 1 a 6 meses 7 a 11 meses 1 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 20 anos Adultos DOSE (Ug)/Kg/dia 10 a 15 8 a 10 6a8 5a6 3a4 2a3 1a2 AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DO TRATAMENTO: Avaliação clínica e dosagem períodicas de TSH e T4 livre ou T4 total devem ser realizadas de acordo com a tabela abaixo: 1º - Avaliação clínica: ganho pôndero-estatural, desenvolvimento neuropsicomotor 2º - Dosagem periódica do TSH (o ajuste da dose está diretamente ligado ao nível do TSH, observando-se um TSH normal. Se o hipotireoidismo for central, o controle será feito pela dosagem de T4 livres . 3º - Idade óssea anual e observação de sinais e sintomas de disfunção tireoidiana Idade 0-6 meses 6-8 meses após 18 meses Consulta Cada 4-6 mensais Cada 2 meses Cada 6 meses Controle hormonal Cada consulta Cada consulta Cada consulta A amamentação no seio melhora o prognóstico, pois o hormônio tireoidiano passa pelo leite materno. Duração do tratamento: - Forma Permanente: durante toda a vida; - Forma Transitória: durante o período necessário. Valores alvos após 4 semanas de tratamento: TSH < 10 mcUI/ml T4 livre: normal T4 total: 10 – 18 ng/dl PROGNÓSTICO E IMPORTÂNCIA DA TRIAGEM: - - - Pacientes submetidos à Triagem Neonatal com diagnóstico e tratamento precoces apresentam prevenção da deficiência mental e demais danos provocados pela doença. Crianças com T4 livre ≤ 2 Mg/dl. Tratamento com doses baixas levotiroxiana tem QI menor que com doses adequada. Crianças com diagnóstico e tratamento tardios apresentam: recuperação do ritmo de ganho pôndero- estatural melhoria do desenvolvimento psicomotor normalização dos parâmetros metabólicos alterados 40% dos indivíduos afetados têm QI < 55. A média geral do QI é cerca de 80. O prejuízo intelectual é recuperado mas nunca é restabelecido em níveis normais. Algumas crianças podem não recuperar com tratamento pós-natal. Podem ocorrer lesões irreversíveis no SNC antes das manifestações clínicas; Apenas 5% dos casos detectados pela triagem, têm suspeita clínica. Quanto mais precoce o diagnóstico e tratamento, melhor o prognóstico do ponto de vista intelectual e neurológico. Tratamento iniciado: - 3 meses: QI médio = 89 3 - 6 meses: QI médio = 70 7 meses: QI médio = 54 BIBLIOGRAFIA 1. Dubus JM, Glorieux J, Richer F et al. Outcome of severe congenital hypothyroidism : closing the developmental gap with early high dose levothyroxine treatment. J Clin Endocrinol Metabol 81: 222, 1996 2. Kurtoglu S, Tutus A, Aydink et al. Persistent neonatal hypoglycemia: an unusual finding of congenital hypothyroidism. J Pediatr Endocrinol Metabol 11: 277, 1998 3. Fisher DA. Editorial: The hypothyroxinemia of prematurity. J Clin Endocrinol Metabol 82: 1701, 1997 4. Paul DA, Leef KH, Stefano JL, Bartossheskyl. 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