Responsabilidade do banco pela Concessão do Crédito

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A RESPONSABILIDADE PELA CONCESSÃO DE CRÉDITO
DANO AMBIENTAL
(*) JOÃO ANTONIO CÉSAR DA MOTTA
Inicialmente, é importante observar que, derivado da doutrina de Saleilles (Les Accidents du Travail
et la Responsabilité Civile) e Josserand (La Responsabilité de Fait des Choses Inanimées), ampliouse no tema responsabilidade civil o conceito da culpa até chegar-se ao conceito de responsabilidade
objetiva, que se encontra positivamente consolidado no ordenamento jurídico.
Por isso, pode-se afirmar que, atualmente, o dano é pressuposto da responsabilidade civil, sendo
que a legislação tem assentado o risco objetivo do negócio como elemento gerador da obrigação
de indenizar, sendo o conceito de culpa apenas a exceção.
Tendo presente o conceito acima delineado, há de se observar que a efetiva popularização do
crédito, com abundância de oferta pelas instituições financeiras, ocorreu após o advento da Lei da
Reforma Bancária e com as demais leis que lhe seguiram, tais como as que versam sobre crédito
imobiliário, crédito rural, crédito industrial, alienação fiduciária, crédito à exportação, crédito
comercial, entre outras.
Em todas estas leis se assentam fundamentos que, sob a ótica do Sistema Financeiro, permitem a
mobilização e oferta do crédito (legalidade, contratualidade, etc.). Contudo, um aspecto emerge
como fundamental à popularização da oferta: A possibilidade de recuperação rápida em caso de
não pagamento.
No caso, os bancos à vista de um cadastro obrigatório da composição patrimonial de seus clientes
(MNI/BACEN - 16.7.2.2.'e') ditam as garantias à concessão do crédito, pois o banco "... na realização
de operações de crédito, deve exigir, do tomador de empréstimos, garantias adequadas e suficientes
..." (MNI/BACEN - 16.7.8.1). Isso conforma que, para deferimento de crédito, basta ao banco o
conhecimento da relação patrimonial de seu cliente, sendo irrelevante saber quanto ao uso que ele
fará dos valores alcançados.
Contudo, hoje, deve legalmente o banco ter um novo foco de visão quanto ao projeto que vier a ser
elaborado com o capital emprestado. Isso quer dizer examinar, participar, aconselhar quanto ao
destino do capital que está intermediando.
Infelizmente esta não é a prática do mercado financeiro, que se preocupa apenas em "garantir" o
retorno do crédito concedido, mediante as garantias exigidas, o que não atende os reclamos do
moderno conceito de empresa e, mais importante, não atende à Lei Federal.
É que, já em 1964, Clovis Veríssimo do Couto e Silva em sua tese de doutorado apontava que "Com
a aplicação do princípio da boa-fé, outros princípios havidos como absolutos serão relativados,
flexibilizados, ao contato com a regra ética" (A Obrigação como Processo, Ed. José Bushásky, p. 42,
1976).
Isso é a base do que modernamente vem sendo observado como "Boa-Fé Objetiva como Norma de
Conduta", um critério que segundo o Ministro Ruy Rosado veio a ser normatizado no país em 1850
pelo Código Comercial (art. 131) e '... que permaneceu letra morta por falta de inspiração na doutrina
e nenhuma aplicação pelos Tribunais' (in A Boa-Fé na Relação de Consumo, Rev. Direito do
Consumidor 14/20).
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Tal princípio de direito, segundo Judith Martins Costa "... quer significar - segundo a conotação que
adveio da interpretação conferida ao parágrafo 242 do Código Civil Alemão, de larga força
expansionista em outros ordenamentos e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da
common law, - modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico segundo o qual cada
pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto:
com honestidade, lealdade, probidade" (O Princípio da Boa Fé, Revista Ajuris, vol. 50, p. 207, Porto
Alegre, 1990).
Em decorrência, não basta que os bancos, para a concessão do crédito, se contentem com a
alienação fiduciária de maquinários, da hipoteca da terra agricultável, ou do penhor da safra
agrícola, pois desde a década de 60, quando se editaram as leis atinentes ao crédito rural, industrial
e comercial, houve nelas a imposição quanto a vinculação do crédito concedido a um orçamento de
aplicação, sendo que este orçamento, até os dias atuais, é considerado como peça decorativa.
Tal conceito deve ser repensado, pois deve o banco acautelar-se quanto sua inequívoca
responsabilidade, em especial pelo referido Princípio da Boa-Fé Objetiva que deve ter por norte em
suas operações.
É que, por exemplo, vindo a ser realizado o crédito rural para custeio de lavoura, constando no
orçamento que os valores servirão para compra de veneno que tenha sua utilização restrita e, ainda,
venha tal veneno contaminar o lençol freático ou o alimento produzido, entendo, sem dúvida alguma,
ser o banco responsável solidariamente pelo dano ambiental causado.
Aliás, dado o rigor do conteúdo da Lei n.º 9.605, de 12/02/1998, em especial de seu art. 2º; bem
como o teor da profilática Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24/07/1985), em especial seu
art. 13, quanto a constituição de fundo para a reconstituição de bens lesados, entendo que os
bancos devem ter muito cuidado quanto ao deferimento de créditos somente analisando as garantias
concedidas, visto que eles são, inegavelmente, solidários e com sólida capacidade econômica para
reparar os danos ambientais praticados pela concessão de créditos.
Notem que o entendimento de Pinto Ferreira (Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 1994,
p. 318), mencionando as conclusões do XI Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em
Hamburgo em 1979, bem observa ter sido reconhecido que os atentados mais danosos ao meio
ambiente são aqueles praticados por pessoas jurídicas, públicas ou privadas, devendo ser admitida
ou a responsabilidade penal, ou obrigá-las ao respeito ao meio ambiente por severas sanções civis e
administrativas.
No Brasil, tal orientação se encontra sedimentada no ordenamento jurídico desde a edição da Lei n.º
9.605/98, a qual dispõe que "Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos
nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, ..." (art. 2º); "As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, ..." (art. 3º).
Como está definido na Lei, a concessão do crédito pelo Banco ("... quem, de qualquer forma,
concorre ...") não pode mais ser realizada mediante simples conferência e aceitação das garantias à
operação visto que, segundo formatado na legislação, é ele penalmente co-responsável por um
crédito que vier a ser concedido sem análise adequada do impacto ambiental do projeto a que se
destina, bem como responsável solidário à indenização na esfera cível (Lei 9.605/98, arts. 12 e 20;
c/c, CCB, 1.553).
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Em conclusão, estando o banco em desconformidade com os modernos rumos do Direito das
Obrigações, que a ele determinam os deveres de vigilância e aconselhamento no deferimento do
crédito, estará assumindo o enorme risco (responsabilidade objetiva pelo risco do negócio) de ser
demandado civil e criminalmente pelo dano ambiental que algum de seus clientes, com o dinheiro a
ele emprestado, vier a causar.
(*) João Antonio César da Motta é advogado em São Paulo/SP, autor do livro Os Bancos no Banco dos Réus, da
Editora América Jurídica. Professor convidado junto ao Congresso de Direito Bancário na Comunidade Européia
(Lisboa-1997), ao 1º Simpósio Internacional de Direito Bancário (São Paulo-1998) e ao Encontro Nacional de
Responsabilidade Civil (Recife-2000).
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