RESILIÊNCIA NO TRATAMENTO DA HANSENÍASE. RESILIENCE IN THE TREATMENT OF LEPROSY Cristiane Oliveira Zanqui – [email protected] Priscila Aparecida Emilio – [email protected] Graduandos do UNISALESIANO Prof. Dr. José Ricardo Lopes Garcia – [email protected] RESUMO A hanseníase é uma doença que apesar de ser considerada do passado faz parte da realidade de muitas pessoas. Entendemos a resiliência como a capacidade de transformar as situações adversas dando uma ressignificação a mesma. A pesquisa teve como objetivo analisar a capacidade de resiliência em pessoas atingidas pela hanseníase durante o tratamento. Para a realização foram entrevistados 13 pacientes que se utilizam do serviço de saúde público, no Núcleo de Gestão Assistencial – NGA 27. Partindo de uma perspectiva quantitativa, utilizamos dois instrumentos para a coleta de dados um questionário para obter informações sobre o tratamento de pacientes com hanseníase e a escala de resiliência Wagnild GM & Young HM (1993) traduzido para português por Pesce RP et al. (2005).A hanseníase deixa marcas profundas no ser humano e lidar com o que foi vivenciado ou permaneceu, será uma reconstrução que a resiliência potencializará no decorrer de suas vidas. Palavras-chave: Resiliência. Hanseníase. Tratamento ABSTRACT Leprosy is a disease that despite being considered the last part of the reality of many people. We understand resilience as the ability to turn adverse situations giving a new meaning to it. The research aimed to analyze the resilience in people affected by leprosy during treatment. To achieve interviewed 13 patients who use the public health service, the Center for Healthcare Management - NGA 27. From a quantitative perspective, we use two instruments for data collection a questionnaire to obtain information on the treatment of patients with leprosy and scale resilience Wagnild GM & Young HM (1993) translated into Portuguese by Pesce PR et al. (2005). Leprosy leaves deep scars in humans and deal with what was experienced or remained, a reconstruction that will empower resilience throughout their lives. Key Words: Resilience. Leprosy. Treatment Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 INTRODUÇÃO O Brasil é o segundo país em números de casos de hanseníase no mundo, sendo considerado no continente americano o maior responsável pela endemia, o que se pode observar no número de casos em diversas regiões do país, trata-se de um grande problema de saúde pública. Considerando este cenário preocupante atribui-se a necessidade de estudos que visem auxiliar na qualidade de vida e compreensão das experiências vividas por uma população estigmatizada, devido à própria doença, as incapacidades produzidas, ao preconceito e a discriminação. Este estudo pretende analisar a capacidade de resiliência em pessoas atingidas pela hanseníase durante processo de tratamento. Atualmente, embora com os significativos progressos, a hanseníase continua sendo uma doença estigmatizante, que ocasiona transtornos físicos, psicológicos às pessoas em tratamento. Desta forma, nos motivamos a estudar a hanseníase, com o objetivo de avaliar a capacidade do paciente de suportar as dificuldades durante o tratamento da hanseníase e deste modo verificar a vivência de um sofrimento comum entre os pacientes hansenianos desde o diagnóstico e durante o tratamento, portanto, podermos identificar as possíveis contribuições da resiliência. O presente estudo será realizado no Núcleo de Gestão Assistencial (NGA-27), no município de Lins, que atende aos portadores de hanseníase em tratamento poliquimioterápico, objetivando averiguar a problemática: A resiliência influencia no processo de tratamento da hanseníase? Adotaremos uma pesquisa quantitativa, utilizaremos dois instrumentos que deverão ser analisados estatisticamente: 1 questionário e a Escala de Resiliência Wagnild GM & Young HM (1993) traduzido para português por Pesce RP et al. (2005), com a finalidade de avaliar o potencial individual de resiliência 1. RESILIÊNCIA COMPREENDENDO O CONCEITO E SEUS EFEITOS NO CAMPO DA PSICOLOGIA. Segundo Yunes e Szymansky (2001), discorrer sobre resiliência, um constructo novo, ainda sendo desenvolvido e conquistando espaço nos estudos e meios acadêmicos, em especial nos últimos 20 anos, na Psicologia, remete a preocupação Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 com a definição do termo, principalmente com a exatidão dos conceitos, uma vez que neste contexto deve-se observar a riqueza, a complexidade e a multiplicidade de fatores e variáveis que precisam ser levados em conta no estudo dos fenômenos humanos. Pode-se definir a resiliência como a capacidade que alguns indivíduos desenvolvem e os ajudam a passar por situações adversas na vida, a superá-las e saírem mais fortes ou transformados, ou seja, a capacidade que um ser humano tem de se recuperar quando enfrentam adversidades, violências, doenças ou outro tipo de catástrofes. Quando se fala sobre resiliência, fala-se sobre a capacidade do ser humano de enfrentar situações adversas, de encontrar recursos e ainda sair fortalecido destas experiências, talvez a definição mais simples de resiliência seja recuperar-se. O grande número de pesquisas sobre resiliência nos últimos anos trouxe a necessidade de operacionalizar o constructo resiliência. A resiliência é definida como um processo dinâmico, no qual os indivíduos mostram adaptação positiva apesar de experiências de adversidades ou tramas significantes. Tem-se um constructo bidimensional, que implica a exposição à adversidade e a manifestação de uma evolução de ajustamento positivo. (GROTBERG; 2005, p.10) A resiliência sofre grande influencia do meio em que o indivíduo esta inserido, ou seja, da família, dos relacionamentos e do contexto cultural de cada comunidade. Atualmente a resiliência não pode ser definida apenas como uma capacidade individual uma vez que envolve diversos processos individual, ambiental e social. O conceito de resiliência pode ser considerado como uma resposta complementar á abordagem da vulnerabilidade, mas não corresponde por isso á idéia de invencibilidade ou sensibilidade, remete, pelo contrario, para idéia de flexibilidade e de adaptação. Se considerarmos que a resiliência se baseia nas experiências relacionais precoces, e na possibilidade de estabelecer laços sociais posteriores, isso confere-lhe um caráter variável, no mesmo individuo, ao longo do seu desenvolvimento ( LARANJEIRA; 2007, p.330) A resiliência é um potencial positivo presente em todas as pessoas, na cultura e em todas as ocasiões, que se atualiza de acordo com esses fatores e ultrapassa o superar-se e passa a existir a ação de reconstrução de si mesmo percebendo que há fatores internos e externos que admitem a potencialização das capacidades. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Resiliência não é caráter que se encontre ou exclua, a priori, em um individuo. Tampouco manifesta-se como atributo fixo, imutável ou perene, ao contrario, revela-se uma potencialidade no desenvolvimento humano. É mutável, podendo mostrar-se mais efetiva ou menos presente em dadas circunstancias ou situações.·(MENEGATTI-CHEQUINI,2007 p.91) É importante ressaltar que a resiliência não pode ser vista como um escudo protetor no qual a pessoa estará imune à adversidade e que nenhum problema a atingirá. Segundo Godas (2010), a Psicologia não deve se restringir apenas a reparar o que está "errado ou ruim" no comportamento humano, indo de encontro à díade médica saúde-doença, mas propiciar entendimento do que adoeceu, e (re)construir qualidades positivas que possam ser fonte de enfrentamento pessoal diante das adversidades. Diversas circunstâncias relacionadas ao desenvolver-se do sujeito podem ser consideradas risco ou proteção no processo da resiliência e esses precisam ser avaliados levando em consideração os aspectos biopsicossociais (dimensão física, psíquica, social e espiritual) do sujeito em questão. Rutter (1983) alerta para o fato de que os riscos devem ser pensados sempre como um processo e não como uma variável isolada, pois os riscos não são estáticos mudam de acordo com as situações da vida. Os fatores de risco estão relacionados a todos os eventos adversos da vida, mas sabe-se que a proporção do risco é extremamente variável de individuo, de grupo para grupo. (ARAUJO, 2010). De forma geral, os fatores de risco são de caráter pessoal, ambiental, social que podem influenciar a maneira como o indivíduo age diante das situações adversas. Desta forma, a maneira como cada um visualiza, caracteriza se um evento negativo pode ser considerado fator de risco. O tempo e o contexto que esse indivíduo esteve exposto ao risco devem ser também levados em consideração. Algumas variáveis podem ser classificadas como fatores de risco: a pobreza e o empobrecimento, as rupturas familiares, as doenças, a perdas de outros significativos, a violência física e psicológica. (Rutter, 1987). Ações discriminatórias e preconceituosas também têm sido apontadas como aspectos negativos que geram risco ao desenvolvimento. Agindo mutuamente aos fatores de risco, estão os fatores de proteção em que são analisados atributos potenciais na promoção da resiliência e que propicia alternativas na decisão de dificuldades vivenciada na rotina perante o risco. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Segundo Grotberg (2005), os fatores de proteção que funcionam para neutralizar o risco são identificados como imunidade ao perigo. Um indivíduo protegido em uma determinada situação seria imune ao risco. Em vários estudos foram confundidos o conceito de fatores de resiliência com fatores de proteção, diante disso surge a necessidade de uma definição para o termo. Rutter (1987) definiu fatores de proteção como influências que modificam, melhoram ou alteram respostas pessoais a determinados riscos de desadaptação. Neste sentido, a proteção aborda a maneira como o sujeito vai lidar com a situação adversa, o sentido que o mesmo vai dar a esta situação, o modo como ele lida com as modificações e age. Rutter (1993) alerta que o importante para se compreender a resiliência é tentar compreender como as características protetoras se desenvolveram e de que modo modificaram o percurso pessoal do indivíduo. Assim, pode-se dizer que “o conceito de coping permeia os estudos de fatores de risco e proteção e mecanismos de vulnerabilidade e resiliência” (ZANINI; FORNS, 2005, p.72), pois para que haja coping, é necessária a vivência de uma situação potencialmente difícil ou estressora que coloque o bem-estar do indivíduo em risco de tal forma que, dependendo dos recursos disponíveis para este indivíduo ou fatores de proteção que este possua, apresentará um enfrentamento mais adaptativo e, portanto, resiliente, ou menos adaptativo e, consequentemente desenvolverá uma psicopatologia (ZANINI; FORNS, 2005). Em Psicologia, o estudo do coping é especialmente feito nas relações com o estresse, eventos estressantes da vida que sempre ocorrem na vida das pessoas, entre elas, congestionamentos, demora em atendimentos, porém também ocorrem situações de estresse positivo, por exemplo: elogio, aprovação em concurso, um encontro especial. Os conceitos de resiliência e coping estão relacionados, porque a resiliência refere-se à capacidade das pessoas se adaptarem e superarem as adversidades e coping refere-se às estratégias empregadas pelos indivíduos frente às adversidades. Atualmente a sociedade passa por várias alterações sociais e econômicas, entre outras, afetando diretamente os indivíduos que nela estão inseridos em seu desenvolvimento e em suas relações. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Ao longo de sua vida o indivíduo pode deparar-se com inúmeras situações que podem influenciar sua vida de forma negativa ou positiva, mas o que tem chamado a atenção é que embora grande parte das pessoas que se encontram nesta situação não apresenta sequelas ou danos graves. São pessoas que demonstram uma capacidade extraordinária de produzir saúde, mesmo em ambientes adversos, evidenciando desta forma, a complexidade de seu viver. (SILVA, et al, 2005). Devido às mudanças que a sociedade sofre na atualidade percebe-se uma nova visão do conceito de saúde onde existe uma construção de forma coletiva. De acordo com a Carta de Ottawa (1986), a saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global. (WORLD HEALTH ORGANIZATION-WHO, 1986) A maneira como cada sujeito lida com as situações adversas está de acordo com sua subjetividade, com o contexto no qual está inserido e com o potencial para ressignificar ou transformar o que está vivenciando. Segundo Bianchini e Dell’ Aglio (2006), o sujeito passa por diversas situações na vida em que se deve apresentar a resiliência, mas a principal delas é a situação de doença. No caso da enfermidade, a resiliência seria a forma como esse indivíduo lida com a doença, aceita o tratamento e as limitações de forma positiva. Partindo deste princípio, percebe-se o individuo como ser único no sentido de que sua trajetória de vida irá determinar a forma como ele enfrentará a doença. Desta forma, é possível compreender que nenhuma doença é a mesma para diferentes pessoas, ou seja, as reações vão depender da singularidade de cada um. 2. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA HANSENÍASE E OS ASPECTOS PSICOSSOCIAIS A trajetória histórica que acompanha a hanseníase traz consigo questões polêmicas a serem discutidas, pois ao seu redor permeiam valores socioculturais contraditórios. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Para Garcia et.al. (2003): A hanseníase é uma patologia que ultrapassa a necessidade de um olha apenas médico ou biológico sobre ela. As consequências sociais e psicológicas as quais todo esse processo se remete, a expõe à necessidade de uma atenção que possa abrangê-la de maneira mais global, de forma não unilateral. Não podemos mais entender a hanseníase apenas como um bacilo, mesmo sabendo que os conhecimentos de microbiologia sejam de extrema importância, porém a compreensão do ser humano como um todo se faz necessária. ( p.25) O contexto da hanseníase aborda questões relacionadas ao estigma, a segregação, o isolamento e muitas vezes até o medo, dizer que esses fatores podem ser ignorados, seria um erro, diante deste cenário ocorre a necessidade de uma mudança de olhar, no sentido de ver esse sujeito nas diversas dimensões, em que o mesmo se insere. As reações ao falar em hanseníase podem ser diferentes, por um lado o desconhecimento e por outro a associação com a lepra e o contexto sociocultural. Os pacientes portadores de hanseníase têm a necessidade de entender as perdas que ocorrem em sua vida, podendo ser elas físicas, sociais, psicológicas, fazendo assim com que os indivíduos vivenciem uma situação de insegurança, que pode torná-los fragilizados ou rígidos. Além do fato que o tratamento de hanseníase faz com que o sujeito tenha uma série de mudanças em sua rotina, o que muitas vezes é uma condição para a qual o mesmo não está preparado. Muitos pacientes podem considerar a doença como uma frustração, impotência, pois dificulta a satisfação de suas necessidades, fantasias e desejos. Segundo Garcia et al. (2003), torna-se importante que o paciente possa desenvolver atitudes positivas no enfrentamento de seus problemas, buscando áreas de satisfação e interesse Ao tentarmos buscar o que significa a doença para o paciente, qual o seu sentido ou até mesmo a compreensão do que ele está tendo no momento poderemos ajudá-lo, muitas vezes, a restabelecer seu plano de vida. É nosso papel, estimular, dialogar, colocar-se e participar de seu tratamento. Essas atitudes nunca são inúteis.. (Garcia et al., 2003, p . 27). A pessoa atingida pela hanseníase vivencia uma doença carregada de forte estigma e preconceito, devido ao histórico desta doença milenar que é relacionada a Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 preceitos bíblicos, ainda hoje é contemplada pelo desconhecimento e ignorância quanto à sintomatologia e o tratamento pessoal. A hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, causada pelo Mycobacterium leprae, um bacilo álcool-acido, foi descoberto em 1873 pelo médico norueguês Amaneur Hansen e em sua homenagem o bacilo é chamado de Hansen. A hanseníase apresenta sinais e sintomas neurológicos e dermatológicos que atingem a pele, os nervos periféricos (facial, auricular, radial, ulnar, mediano, fibular comum e tibial), os olhos, a mucosa do trato respiratório superior. Com todos os avanços no tratamento da hanseníase percebe-se que ainda grande parte da população portadora encontra-se ocultada, optando por não procurar os serviços de saúde. O diagnóstico da hanseníase é clinico baseado em lesões na pele compatíveis com uma das formas da hanseníase, sendo elas: Tuberculóide (MHT), Indeterminada (MHI), Dimorfa (MHD) ou Virchowiana (MHV), com alteração da sensibilidade com comprometimento do sistema nervoso periférico. O tratamento da hanseníase é feito nos serviços públicos de saúde por meio de poliquimioterapia (PQT), conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS) utiliza a combinação de três medicamentos. Segundo Ministério da Saúde (2012), os medicamentos utilizados consistem na associação de antibióticos, conforme a classificação operacional, sendo: Paucibacilares: rifampicina, dapsona - 6 doses em até 9 meses; Multibacilares: rifampicina, dapsona e clofazimina – 12 doses em até 18 meses. Dentre os estudos relacionados à resiliência, a hanseníase ou uma doença crônica, poucos são os que procuram entender a experiência a partir da sua história da doença. O paciente é capaz de descrever sua situação, como lida com a doença, suas dificuldades, o preço para sua família e para si diante de uma situação desgastante, mas também como alguns aspectos desta experiência sejam enfrentados e tragam fortalecimento da pessoa. Segundo Damião e Pinto (2007), o sofrimento para a pessoa resiliente não a torna um ser humano cheio de autocomiseração, com pena de si mesmo, ou revoltado contra tudo e contra todos porque as coisas não saíram como esperado. Falar sobre a resiliência na hanseníase não é uma tarefa fácil uma vez que são poucos os trabalhos desenvolvidos sobre estes conceitos. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Segundo Godas (2010), em sua pesquisa sobre a possível relação entre resiliência e comportamento de autocuidado em hanseníase a mesma constata uma possível relação visto que a resiliência é um processo complexo e dinâmico, não apresentando um resultado estático. Partindo deste pensamento, a resiliência poderia vincular os indivíduos com seu mais profundo sentido de ser e relacionar-se seja consigo, com sua história, valores, ética, possibilitando, assim, o lidar e adaptar-se as adversidades com que se depara. Segundo Safra (2004), o ser humano adoece na medida em que perde sua referência e contato com a natureza e com a sua história. A resiliência pensada nesta dimensão inclui a reflexão sobre a corporeidade e a necessidade de uma ancoragem do processo em nossa natureza mais profunda. 3. A PESQUISA O presente estudo foi realizado no Núcleo de Gestão Assistencial (NGA-27), no município de Lins, que atende aos portadores de hanseníase em tratamento poliquimioterápico. Os sujeitos da pesquisa foram 13 pacientes, usuários do Núcleo de Gestão Assistencial (NGA-27), na faixa etária dos 26 aos 69 anos, atingidos pela hanseníase e que se encontram em tratamento nesta instituição. Na sequencia, os pacientes deste serviço foram convidados a participar, iniciando-se através do esclarecimento dos objetivos e da importância da pesquisa para a área da saúde e dos procedimentos da coleta das informações, foi solicitado o consentimento, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantido aos mesmos o anonimato e o sigilo sobre as informações pessoais coletadas. A aplicação do questionário e da escala foi realizada individualmente, numa sala reservada, A coleta dos dados foi realizado no período de Julho a Agosto de 2012, no Núcleo de Gestão Assistencial (NGA-27), na cidade de Lins, as entrevistas tiveram duração média de 1 e 50 minutos, uma vez por semana. Houve a necessidade de leitura e explicação com relação aos questionários para melhor entendimento dos pacientes. Destes pacientes 8 tinham a hanseníase classificada como virchoviana (MHV), 3 paciente com a forma multibacilar (MB) e 2 pacientes com a forma tuberculóide (MHT). Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Posteriormente todas as informações coletadas, os dados foram examinados e transcritos para uma base de dados no Microsoft Excel e em seguida SSPS (Statistical Package for the Social Sciences) 15,0, for Windows e após realizou-se a análise estatista a fim de obter os resultados do estudo. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Podemos ressaltar que os fatores I (resoluções de ações e valores que dão sentido a vida) e III (competência pessoal) apresentam valores superiores ao fator II (aceitação de si e da vida). Segundo Godas (2010, p.30) ao analisar os fatores da resiliência pode-se observar quais estarão com escores fortes ou fracos, e avaliar quais necessitam investir na sua vida pessoal. Com isto é possível potencializar suas posições de "excelência" e, minimizar suas áreas de "vulnerabilidades” (fracas) no que se refere à resiliência. Esses resultados comparam-se à literatura consultada, em que vários autores identificam como características individuais dos resilientes a capacidade de resoluções de problemas, no sentido de uma atitude positiva diante as dificuldades e por outro lado autodeterminação e perseverança perante a adversidade. (Masten, Coasworth, 1998; Pesce et al, 2004; Werner, 2005; Bonano, 2007) Essas características potencializam a tomada de decisão nas situações adversas favorecendo a capacidade de enfrentamento e superação frente adversidades. Com relação ao Fator II - aceitação de si e da vida, observa-se certa fragilidade dos sujeitos da pesquisa perante este fator. Neste sentido Angst (2009, p.255), ao fazer referência à (PINHEIRO, 2004; ASSIS, PESCE & AVANCI, 2006) diz que nenhuma pessoa é permanentemente resiliente, mas sim que se está, naquele momento, resiliente, evidenciando assim, que a resiliência é dependente de uma relação dinâmica entre o meio e o indivíduo, e é esse processo que determina a posição do ser em dada situação. Comparando o fator I - resoluções de ações e valores que dão sentido a vida, da escala de resiliência com o questionário observa-se a correlação de equivalência da resiliência apontada no mesmo com as respostas encontradas no questionário, nas categorias mostrando a significativa relação de ambos os instrumentos. Já no fator II - aceitação de si e da vida, percebe-se certa fragilidade, o que pode ser relacionado com as categorias mudanças na vida após o diagnóstico, no qual se Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 percebe uma parcela significativa com dificuldades de aceitação devido à conotação negativa da hanseníase, aos efeitos do tratamento medicamentoso ou a própria situação que retira o indivíduo de sua zona de conforto e o remete ao desconhecido. Pode-se correlacionar ainda com a categoria sentimentos presentes, que apresenta um valor relevante com relação à forma com que o sujeito lida com seus conteúdos internos no sentido de utilizar alguns mecanismos de defesa para não lidar com os sentimentos emergentes que o levam a situações que o deixam vulnerável. A categoria crenças sociais tem também valores negativos significativos que podem ser relacionados com o fator II - aceitação de si e da vida, no sentido que o outro tem certa influência no modo de agir e pensar das pessoas, colocando os pacientes em situações nas quais as crenças e toda a história da hanseníase ainda permeiam o imaginário destes indivíduos contribuindo para a criação de fantasias e sentimentos e medos na maioria das vezes inexistentes. E por último, a categoria apoio de outras pessoas, também pode ser comparada ao fator II -aceitação de si e da vida, onde as crenças, os sentimentos presentes e as mudanças fazem com que o indivíduo se isole com medo, seja do preconceito ou mesmo contaminar os familiares, não querer vivenciar o depender do outro. Partindo destes dados podemos nos reportar a resiliência com relação às influências do ambiente em que o indivíduo está inserido, ou seja, da família, dos relacionamentos e do contexto cultural de cada comunidade. Segundo Yunes (2002), a resiliência é um fenômeno que procura explicar os processos de superação de adversidades, mas não se confunde com invulnerabilidade, porque não se trata de resistência absoluta às adversidades. “A questão não é ser ou não ser, mais ou menos resiliente”. Diante disso, podemos perceber que em certos momentos de sua vida, o indivíduo pode desenvolver sentimentos de insegurança em relação a algumas situações, o que pode fazer com que se torne uma pessoa frágil ou rígida. Já o fator III - competência pessoal, pode-se relacioná-lo com a categoria 5: enfrentamento e aceitação e perspectiva de futuro, nos quais os pacientes mostram a sua capacidade encarar a vida de uma forma positiva apesar das dificuldades com que se depara e tem que enfrentar perante as sequelas e incapacidades que os acompanham. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 CONCLUSÃO A partir do estudo da resiliência no tratamento da hanseniase concluiu-se que o ser humano ao olhar as situações com que se depara focando os aspectos positivos dando um novo significado a sua história passa a ver o processo saúde/ doença como uma forma de superação utilizando-se de suas potencialidades neste contexto para produzir saude. Confirma-se a hipótese de que a resiliência enquanto um potencial positivo para a melhora na qualidade de vida e das condições de enfrentamento dos vários fatores que implicam no tratamento, traz importante condição favorável no caso da hanseníase. A pesquisa constatou a importância da resiliência na hanseniase auxiliando os pacientes a ressignificarem suas vidas dando um novo sentido as situações adversas com as quais se deparam. Os objetivos deste trabalho foram atendidos e obteve-se bons resultados com relação a temática pesquisada no sentido de enaltecer sua relevância na área da saúde como forma de potencializar as vivências dos sujeito em situação de doenças. Quando nos deparamos com um tema como a hanseníase e a resiliência temos a necessidade de parar e refletir sobre, pois estamos diante de um ser humano que precisa estar se construido ao longo deste processo no sentido de se aceitar e ser aceito pelo mundo que o cerca As pesquisas sobre resiliência e hanseníase são de grande importância para a área da psicologia, bem como, na interface com outras áreas da saúde, pois permite o conhecimento sobre ambos os temas e nos mostram as adversidades vivenciadas por estes sujeitos e a forma de enfrentamento utilizados pelos mesmos para seguir em frente em suas vidas. Os resultados desta pesquisa nos mostram que o sofrimento faz parte do desenvolvimento humano, mas o que vamos fazer com ele é que vai ter um grande significado em nossas vidas. A resiliência surge como uma forma de potencializar as pessoas no sentido de ser desenvolvida atraves de estrátegias de coping para dar um sentido diferente na vida das pessoas que a desconhecem e não sabem de sua presença em suas vidas. No contexto da hanseníase, a resiliência permite um novo olhar sobre o humano e capacidade de produzir saúde no lugar da doença, voltando-se para os aspectos positivos e contando com o apoio das pessoas que nos cercam. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 Fato este que nos faz vislumbrar a necessidade de uma maior atenção nos programas de saúde no sentido de encontrar estratégias promotoras das condições que façam emergir possibilidades de vida mais favoráveis às pessoas envolvidas. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 3., n.7, jul/dez de 2012 REFERÊNCIAS ARAUJO. C.A. A resiliência. In SPINELLI, M. R. (org). Introdução à Psicossomática. São Paulo: Atheneu, 2010. 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