ID: 43222382 10-08-2012 Tiragem: 18000 Pág: 41 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 10,75 x 32,74 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 1 DIOGO SERRAS LOPES Direcção de Investimentos Banco Best Torre de Babel Tal como na narrativa bíblica, são muitas as línguas que se falam na Europa. E se a existência de tradução simultânea deve garantir que nos entendemos, isso não tem sido demonstrado na gestão da crise de dívida soberana na Europa. No entanto, a razão não estará tanto nas diferentes línguas que falamos, mas sim numa visão radicalmente diferente sobre as causas da crise actual. E, naturalmente, dado que não conseguimos concordar no diagnóstico, as soluções apresentadas não são apenas diferentes, mas muitas vezes, vão mesmo em direções radicalmente opostas. A criação da moeda única obedeceu à história da criação da própria União Europeia. Sabíamos, quando foi criada, que a arquitectura europeia ainda estava incompleta e que isso conferia fragilidade ao projecto. No entanto, a lógica foi a de sempre: aumentar a integração do espaço económico europeu até apenas ser possível avançar e nunca recuar quando, perante uma crise, é necessário dar novos passos. No jogo de cedências necessário à criação de algo novo, foi dado ao BCE um papel muito menor do que à generalidade dos modernos bancos centrais, como é o caso da Reserva Federal, do Banco de Inglaterra ou do Banco do Japão. Embora a autolimitação imposta ao BCE fosse uma fragilidade, esta foi considerada necessária para obter o “sim” da Alemanha (em especial do Bundesbank) ao projecto da moeda única. A criação de uma política monetária única para a Zona Euro e o eliminar, de forma considerada na altura definitiva do risco cambial, fez com que os países periféricos não só beneficiassem de uma taxa de juro artificialmente baixa durante um longo período de tempo, como recebessem ainda fluxos monetários muito significativos dos países do centro europeu. Conjugado com a integração total do setor financeiro, estes factos levaram a um aumento muito significativo da dívida privada até à crise financeira global de 2008. A dívida pública e a “prodigalidade” dos estados periféricos surge, essencialmente a partir do momento em que, pós-falência do Lehman Brothers, em 2008, os governos decidem, de uma forma coordenada a nível global, aumentar a despesa pública de maneira a compensar a retracção provocada pela desalavancagem do sector privado e evitar uma depressão económica como a sentida na década de trinta do século passado. A posição de fragilidade dos diferentes países intervencionados ou em risco de intervenção tem diferentes explicações ou matizes dos mesmos problemas. A Irlanda é um claro caso de excesso de peso do sector financeiro, face ao PIB. A Grécia sofre de problemas estruturais na capacidade de recolher impostos na economia (e também da falta de confiança que derivou de se ter descoberto que manipulou de forma grosseira as contas públicas durante anos). Portugal é um caso menos claro em termos de identificação de uma causa principal. Mas uma coisa em comum que todos estes países tinham era um claro desequilíbrio das contas externas que deriva, em muito, da incompleta arquitectura do euro e da crença que num espaço monetário único era possível incorrer em défices externos de forma quase permanente. A crise financeira global de 2008 e o impacto que esta teve nas contas públicas dos diversos estados fez com que os mercados de dívida questionassem a diferente capacidade de cada país em servir a respectiva dívida, algo que não tinha sido posto em causa até então. Antes de 2008, não existia praticamente prémio de risco entre uma obrigação governamental alemã e as obrigações governamentais dos restantes países. As diferenças estruturais entre países, que até aqui tinham sido ignoradas, passaram para as primeiras páginas das análises. A resposta que foi dada, baseada exclusivamente em austeridade e reformas estruturais para os países da periferia, resulta muito mais de um enviesamento ideológico do que da racionalidade do descontrolo das contas públicas ser o único, ou até mesmo o principal problema, da actual crise. Uma solução tem de partir não apenas de reformas estruturais em algumas das economias, algumas das quais efetivamente necessárias, mas principalmente de alterações estruturais que dotem a actual União da capacidade de alinhar a política monetária com a política fiscal. Sem essa visão, apenas continuaremos a adiar e a aumentar o problema, contribuindo para que uma solução seja cada vez mais difícil.