Os estudos recentes sobre o sistema escolar e as políticas educacionais têm se centrado na escola como unidade básica e espaço de realização dos objetivos e metas do sistema educativo. O realce da escola corno objeto de estudo não se explica apenas pela sua importância cultural mas, também, pelas estratégias de modernização e de busca de eficácia do sistema educativo. Uma dessas estratégias diz respeito à descentralização do ensino, atribuindo às escolas maior poder de decisão e maior autonomia. É por essa razão que as reformas educativas de vários países, as propostas curriculares, as leis e resoluções sobre o ensino, os projetos de investigação pedagógica. recorrem hoje, cada vez mais, a termos como autonomia, projeto pedagógico, gestão centrada na escola, avaliação institucional. O pedagogo português Antônio Nóvoa conta que nos anos de 1960-70 as pesquisas em educação se destacaram pela constatação da relação entre o funcionamento dos sistemas escolares e as desigualdades sociais. Foram feitos vários estudos mostrando os mecanismos pelos quais as escolas produziam desigualdades nas aprendizagens escolares. Após esse período, já por volta dos anos 80, a escola voltou a ter sua importância social reconhecida. Se, por um lado, ela poderia ser culpabilizada pela discriminação e exclusão de alunos provenientes das camadas populares. por outro, ela poderia ser um meio indispensável de elevação do nível cultural, de formação para a cidadania e de desenvolvimento de conhecimentos e capacidades para enfrentamento das condições adversas de vida. Com base nesse entendimento, passou-se a valorizar o estudo da escola como ponto de confluência entre as análises sócio-políticas mais g1obais e as abordagens centradas na sala de aula. Ou seja, pensa-se hoje que uma visão globalizada que não chega à escola ou uma visão de sala de aula sem referência à estrutura social mais ampla resultam de análises incompletas e parcializadas. É assim que as escolas, enquanto organizações educativas, ganham dimensão própria como um lugar onde também se tomam importantes decisões educativas, curriculares e pedagógicas (Cf. Nóvoa, 1995). Há pelo menos duas maneiras de ver a gestão centrada na escola. Conforme o ideário neoliberal, colocar a escola como centro das políticas significa liberar boa parte das responsabilidades do Estado, dentro da lógica do mercado, deixando às comunidades e as escolas a iniciativa de planejar, organizar e avaliar os serviço educacionais. Na perspectiva sócio-crítica significa valorizar as ações concretas dos profissionais na escola, decorrentes de sua iniciativa, de seus interesses, de suas interações (autonomia e participação) em função do interesse público dos serviços educacionais prestados sem, com isso, desobrigar o Estado de suas responsabilidades. Nessa segunda perspectiva, a escola é vista como um ambiente educativo, como espaço de formação, construído pelos seus componentes, um lugar em que os profissionais podem decidir sobre seu trabalho e aprender mais sobre sua profissão. Todas as pessoas que trabalham na escola participam de tarefas educativas, embora não deforma igual. Há muitos exemplos de que a organização da escola funciona como prática educativa. • O estilo de gestão expressa o tipo de objetivos e de relações humanas que vigoram na instituição. • ( ) atendimento que a secretaria da escola dá às mães e aos co os p( ode ser atencioso ou mal-educado, grosseiro ou o respeitoso ou desrespeitoso. • A preparação e distribuição da merenda pelas merendeiras envolvem atitudes e modos de agir que pode influenciar a educação das crianças de forma positiva ou negativa. • As reuniões pedagógicas coordenadas pelo diretor ou pelo coordenador pedagógico podem ser um espaço de participação de professores e pedagogos ou de manifestação do poder pessoal do diretor ou coordenador. • A escola pode ser organizada para funcionar “cada um por si”, estimulando o isolamento, a solidão e a falta de comunicação ou pode estimular o trabalho coletivo, solidário, negociado, compartilhado. • O funcionamento da escola como organização, as relações humanas que vigoram nela, as decisões dos professores em suas reuniões, a cultura que se desenvolve no cotidiano entre professores, alunos e funcionários, os valores e atitudes que os professores expressam como grupo, tudo isso afeta o trabalho na sala de aula. • A percepção e as atitudes da direção e dos professores em relação aos alunos sao importantes fatores de sucesso ou insucesso escolar dos alunos. • O comportamento dos alunos, suas atitudes, seus modos de agir dependem, em boa parte, daquilo que presenciam e vivenciam no dia-a-dia da escola. Parece claro, portanto, que as características organizaciotiais das escolas — tais como o estilo de direção, o grau de responsabilidade dos seus profissionais, a liderança organizacional compartilhada, a participação coletiva, o currículo, a estabilidade profissional, o nível de preparo profissional dos professores etc. — são determinantes da sua eficácia e do aproveitamento escolar dos alunos. Há, no entanto, uma caracteríi1ca das organizações escolares sumamente relevante para as práticas de gestão: a cultura organizacional. ou cultura da escola. Não se compreende o funcionamento da escola apenas pelo que vemos, pelo que aparece mais diretamente à nossa observação (as formas de gestão, as reuniões, a elaboração do projeto pedagógico e do currículo, as relações sociais entre os integrantes da escola etc.). Há todo um mundo de significados, valores, atitudes, modos de convivência, formas de agir e resolver problemas, que vão definindo uma cultura própria de cada escola, e que tende a permanecer oculta, invisível. A pergunta é: haverá uma relação entre a organização da escola, a cultura organizacional e a sala de aula? A resposta é sim, as práticas e os comportamentos das pessoas na convivência diária de uma organização influem nas práticas e comportamentos dos professores nas salas de aula. Ou seja, a cultura organizacional influencia o pensar e o modo de agir das pessoas que trabalham na escola. Mas, o que faz gerar a cultura organizacional? E claro que há nela um papel acentuado do sistema de ensino, da estrutura hierárquica e das várias instâncias e formas de exercício do poder, das normas oficiais, dos regulamentos, dos costumes já consolidados etc. Mas há, também, o papel da subjetividade das pessoas, dos modos como as pessoas pensam e agem, das crenças e valores elas vão formando ao longo de suas vidas, na família, nas relações sociais, na formação escolar. Ou seja, também as pessoas constroem uma cultura organizacional. Há, portanto, uma trama de relações implicadas na escola. Por um lado, a organização educa os indivíduos que a compõem; por outro, os próprios indivíduos educam a organização, à medida que são eles que a constituem e, no final de contas, a definem com base nos seus valores, práticas, procedimentos, usos e costumes. “Os indivíduos e os grupos mudam mudando o próprio contexto em que trabalham” Amiguinho e Canário, 1994). É importante compreender que por detrás do estilo e das políticas de organização e gestão, está uma cultura organizacional, seja, há uma dimensão cultural que caracteriza cada escola, para além das prescrições administrativas e das rotinas burocráticas. Portanto, para compreendermos as mútuas interferências entre organização da escola e organização da sala de aula, é preciso considerarmos conjuntamente, dois aspectos: a dinâmica organizacional e a cultura da organização escolar. E se estamos convictos de que a organizações educam, as formas de organização e gestão têm dimensão fortemente pedagógica, de modo que se pode dizer que os profissionais e usuários da escola aprendem com a organização e as próprias organizações aprendem, mudando Junto com seu profissionais. A participação do professor na organização e gestão da escola Pela participação na organização e gestão do trabalho escolar, os professores podem aprender várias coisas: tomar decisões coletivamente, formular o projeto pedagógico, dividir com os colegas as preocupações, desenvolver o espírito de solidariedade, assumir coletivamente a responsabilidade pela escola, investir no seu desenvolvimento profissional. Mas, principalmente, aprendem sua profissão. É claro que os professores desenvolvem sua profissionalidade primeiro no curso de formação inicial, na sua história pessoal como aluno, nos estágios etc. Mas é imprescindível ter-se clareza hoje de que os professores aprendem muito compartilhando sua profissão, seus problemas, no contexto de trabalho. É no exercício do trabalho que, de fato, o professor produz sua profissionalidade. Esta é hoje a idéia-chave do conceito de formação continuada. Colocar a escola como local de aprendizagem da profissão de professor significa entender que é na escola que o professor desenvolve os saberes e as competências do ensinar, mediante um processo ao mesmo tempo individual e coletivo. Internalizar saberes e competências significa “saber encontrar e pôr em prática respostas apropriadas ao contexto na realização de atividades de um projeto”. Falar de “competências” não é a mesma coisa que falar de “qualificações”. As qualificações referem-se à aquisição de saberes requeridos para o exercício de uma profissão e à confirmação legal dessa aquisição mediante diplomas, certificados etc. As competências referem-se a conhecimentos, habilidades e atitudes obtidas nas situações de trabalho, no confronto de experiências, no contexto do exercício profissional. A competência profissional é a qualificação cm ação, são formas de desempenho profissional em que a qualificação se torna eficiente e atualizada nas situações concretas de trabalho (Canário, 1997). O sentido de saberes e competências profissionais não pode ser reduzido a habilidades e destrezas técnicas, isto é, ao saber fazer. Não se quer um professor-técnico cujo conhecimento se restrinja ao domínio das aplicações do conhecimento cientifico e a regras de atuação. Se a formação de professores se restringisse ao domínio de técnicas formuladas por especialistas e à sua aplicação, não haveria necessidade de um currículo teoricamente consistente e nem preparação em nível universitário. A internalização de saberes e competências profissionais supõe conhecimentos científicos e uma valorização de elementos criativos voltados para a arte do ensino, dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva. A docência não estará reduzida a uma atividade meramente técnica, mas considerada uma prática intelectual e autônoma, baseada na compreensão da prática e na transformação dessa prática. Essa é a razão pela qual as escolas se constituem em locais de aprendizagem dos professores e de desenvolvimento profissional. Essa constatação entre a prática e os conhecimentos teóricos aparece já na formação inicial de professores, através do estágio supervisionado mas ocorrerá, efetivamente, com no exercício profissional, pela ação e pela reflexão com seus pares no e sobre seu trabalho cotidiano. É na escola que o professor coloca em prática suas convicções, seu conhecimento da realidade, suas competências pessoais e profissionais. O professor participa ativamente da graduação do trabalho escolar formando com os demais colegas a equipe dc trabalho, aprendendo coletivamente novos saberes e competências assim como um modo de agir coletivo, O professor é um ativo participante de uma comunidade profissional dc aprendizagem atuando no seu funcionamento, na sua animação e no seu desenvolvimento. Por outro lado, a estrutura e a dinâmica organizacional atuam na produção de suas práticas profissionais. Há uma concomitância entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento organizacional. Uma das funções profissionais básicas do professor é participar ativamente na gestão e organização da escola contribuindo nas decisões de cunho organizativo, administrativo e pedagógico- didático. Para isso, ele precisa conhecer bem os objetivos e o funcionamento de uma escola, dominar e exercer competentemente sua profissão de professor, trabalhar em equipe e cooperar com os outros profissionais. Conhecendo as condições sociais, organizacionais, administrativas e pedagógico-didáticas da escola, o professor estará capacitado a tirar proveito das condições já existentes e aprimorá-las, ou transformar ou criar outras pela sua iniciativa e iniciativa dos demais membros da escola. Dessa forma, pelo conhecimento teórico e pela aquisição de competências operativas, práticas, pode instrumentalizar-se para influir nas formas de organização e gestão na escola e em outras instâncias da sociedade das quais participa (por exemplo, organizações sindicais, científicas, culturais, comunitárias). O desenvolvimento pessoal e profissional do professor para participar da gestão da escola requer os seguintes saberes, entre outros: • Elaboração e execução do planejamento escolar: projeto pedagógico-curricular, planos de ensino, planos de aula. • Organização e distribuição do espaço físico, qualidade do equipamento físico das escolas e das condições materiais. • Estrutura organizacional e normas regimentais e disciplinares. • Habilidades de participação e intervenção em reuniões de professores, conselho de classe, encontros, e em outras ações de formação continuada no trabalho. • Atitudes necessárias à participação solidária e responsável na gestão da escola como cooperação, solidariedade, responsabilidade, respeito mútuo, diálogo. • Habilidades para obter informação em várias fontes, inclusive nos meios de comunicação e informática. • Elaboração e desenvolvimento de projetos de investigação. • Princípios e práticas de avaliação institucional e avaliação da aprendizagem dos alunos. • Noções sobre financiamento da educação e controles contábeis, assim como formas de participação na utilização e controle dos recursos financeiros recebidos pela escola. Enfrentando a mudança O que é a mudança? Mudança significa transformação, alteração de uma situação, passagem de um estado a outro. Os educadores enfrentam hoje mudanças profundas nos campos econômico, político, cultural, educacional, geográfico. O ensino tem sido afetado por uma série de fatores: mudanças nos currículos, na organização das escolas (formas de gestão, ciclos de escolarização, concepção de avaliação etc.), introdução de novos recursos didáticos (televisão, vídeo, computador, Internet), desvalorização da profissão docente. Isso leva a mudanças na organização escolar e na identidade Profissional de professor, que é o conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores que definem a especificidade do trabalho de professor. Na verdade, em toda a nossa vida passamos por mudanças, Ias sempre estão acontecendo ao nosso redor — nossa própria vida muda a cada dia, mudam nossos filhos, nossos amigos, muda a sociedade, mudam os costumes... As escolas precisam organizar- se para promover a mudança na compreensão, atitudes, valores e práticas das pessoas. Precisamos, pois, ter uma atitude positiva frente à mudança reconhecendo que ela faz parte da nossa vida e das instituições, que ela não é uma ameaça mas uma oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional. Uma das formas mais eficazes de aprender a enfrentar as mudanças e ir construindo uma nova identidade profissional é c desenvolvimento de uma atitude crítico-reflexiva, isto é, c desenvolvimento da capacidade reflexiva com base na própria prática, de modo a associar o próprio fazer e o processo do pensar. É freqüente a discussão sobre o que vem primeiro, se i reflexão ou a ação. Os professores modificam suas práticas profissionais porque mudam suas opiniões, suas percepções, valores ou só modificam suas opiniões e valores após terem sido bem sucedidos numa técnica ou procedimento? A questão não inútil, tanto é que as duas idéias têm adeptos. tem muitos cursos de formação de professores vigora a idéia de que uma boa teoria garantirá por si só a prática. Mas é muito comum, também, pensai que é somente na prática que as pessoas aprendem, sem necessidade de teoria. De fato, não é verdade que basta uma boa teoria para que um profissional tenha êxito na prática. Mas, também, não é verdade que a prática se basta por si mesma. Nem toda prática pode sei justificada como adequada, assim como não é possível qualquer reflexão sobre a prática se não há da parte do professor um domínio sólido dos saberes profissionais, incluída aí uma boa cultura geral E, mais importante que isso, não haverá muito avanço na competência profissional do professor se ele apenas pensar na prática corrente sem recorrer a um modo de pensar obtido sistematicamente, a partir do estudo teórico das disciplinas pedagógicas e da disciplina em que é especialista. Sem teoria, sem desenvolvimento sistemático de processos de pensamento, sem competência cognitiva, sem o desenvolvimento de habilidades profissionais, o professor permanecerá atrelado ao seu cotidiano, encerrado em seu pequeno mundo pessoal e profissional. Seria uma má estratégia de formação de quadros docentes reservar a capacidade de pensar de forma mais elaborada, a aquisição de uma sólida formação científica, a capacidade de abstração, apenas aos pesquisadores e docentes das universidades. A busca da profissionalidade docente não pode transformar-se em mais uma forma de exclusão do professorado. Pensamos que, para enfrentar as mudanças, a ação e a reflexão atuam simultaneamente, porque elas estão sempre entrelaçadas. Podemos refletir sobre nossa ação, transformando nossa ação em pensamento. Ao mesmo tempo, podemos traduzir idéias em ações. Propõese, assim, uma formação profissional — tanto a inicial como a continuada — baseada na articulação entre a prática e a reflexão sobre a prática, de modo que o professor vá se transformando em um profissional crítico-reflexivo, isto é, um profissional que domina uma prática refletida. A pesquisadora Selma Pimenta tem ressaltado em seus escritos que o trabalho de professor é um trabalho intelectual e não um trabalho de técnico executor. O trabalho de professor implica compreender criticamente o funcionamento da realidade e associar essa compreensão com o seu papel de educador, de modo a aplicar sua visão crítica ao trabalho concreto nos contextos específicos em que ele acontece. Para isso, recomenda “valorizar os processos de reflexão na ação e de reflexão sobre a reflexão na ação, como processos de construção da identidade dos professores” (1997). Escreve ainda Pimenta: A formação de professores na tendência reflexiva se configura como uma política de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das instituições escolares, uma vez que supõe condições de trabalho propiciadoras da formação contínua dos professores, nos locais de trabalho, em redes de autoformação, e em parceria com outras instituições de formação (1999). Nas escolas, portanto, a construção tia identidade profissional de professor depende em boa parte das formas de organização do trabalho escolar. Em especial, depende de urna boa estrutura de coordenação pedagógica que faça funcionar uma escola de qualidade, propondo e gerindo o projeto pedagógico, articulando o trabalho de vários profissionais, liderando a inovação e favorecendo a constante reflexão na prática e sobre a prática. () pedagogo escolar deverá ser o agente articulador das ações pedagógico-didáticas e curriculares, assegurando que a organização escolar vá se tornando um ambiente de aprendizagem, um espaço de formação contínua onde os professores refletem, pensam, analisam, criam novas práticas, como sujeitos pensantes e não como meros executores de decisões burocráticas. Uma coisa é certa: as pessoas arrumam tempo para as coisas que compreendem, que valoram e nas quais acreditam. Os dirigentes da escola precisam, então, ajudar os professores, a partir da reflexão sobre a prática, a examinar suas opiniões atuais e os valores que as sustentam, a colaborar na modificação dessas opiniões e valores tendo como referência as necessidades dos alunos e da sociedade e os processos de ensino e aprendizagem. O desenvolvimento profissional e a conquista da identidade profissional dependem de uma união entre os pedagogos especialistas e os professores, assumindo Juntos a gestão do cotidiano da escola, articulando num todo o projeto pedagógico, o sistema de gestão, o processo de ensino e aprendizagem, a avaliação. Fazendo assim, ter-se-á uma organização preocupada com a formação continuada, com a discussão conjunta dos problemas da escola, discussão que é de natureza organizacional, mas principalmente pedagógica e didática. CAPITULOI ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO E LUGAR DE APRENDIZAGEM DO PROFESSOR