A EMERGÊNCIA DO IDEALISMO ESPECULATIVO EM HEGEL E SUA NATUREZA CONSTITUTIVA NA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO DE 1807 Manuel Moreira da Silva (Depto de Filosofia/UNICENTRO), e-mail: [email protected] PALAVRAS-CHAVE: Hegel, Idealismo especulativo, Fenomenologia do Espírito RESUMO: Trata-se de uma consideração manente em torno do problema da fundação do Idealismo especulativo, melhor, de sua natureza constitutiva – tal como emersa nos §§ 17-25 da Fenomenologia do Espírito de Hegel –, de modo distinguir o ponto de vista idealístico-objetivo, ontológico-transcendental, e o henológico-especulativo propriamente dito; assim como demonstrar o caráter mais rigoroso e, portanto, mais elevado e mais abrangente do último. INTRODUÇÃO A discussão em torno dos paradigmas (APEL, 1993) e tipos de filosofia (HÖSLE, 1991) está na ordem do dia; quanto ao Sistema de Hegel, a opinião comum é que se trataria de um Idealismo objetivo (DILTHEY, 1992), concebido como ontologia transcendental (HÖSLE, 1987). Essa tese, embora respeitável e mesmo plausível, não se mostra adequada aos resultados explicitamente buscados e em grande medida alcançados pela investigação hegeliana; ao contrário, não só os deturpa, mas, sobretudo, deforma a referida investigação; isso porque, já mesmo em sua primeira tematização acerca de como ele concebe o Absoluto, o filósofo de Iena afirma expressamente que o que é em si e para si apresenta-se a nós em primeiro lugar, enquanto substância espiritual, apenas como em si, devendo pois tornar-se também para si mesmo (PhG, 1807, p. 19), isto é, Sujeito livre que se determina a si mesmo, em si e para si, dentro de si (WdL, I, 1832, p. 33-34). O que, como já o notara Auguste Véra (1864, p. 117), se funda nas determinações do Absoluto – as Idéias – não enquanto suas formas ou modos de ser, mas antes como a unidade de sua forma – o Conceito – e seu ser – a Realidade – em seu conjunto. Tal é o que, aqui, buscaremos demonstrar. MÉTODOS & MATERIAIS Trata-se de uma investigação rigorosamente especulativa, mais especificamente, lógico-efetiva. Ao nível exegético, bem como filológico e hermenêutico, a pesquisa se desenvolve sob a forma de uma leitura imanente ou interna do texto hegeliano, sobretudo dos §§ 17-25 da Fenomenologia do Espírito de 1807; ao nível de seu desenvolvimento metodológico-formal, aqui dialético-negativo, a investigação se articula e se desdobra mediante a problematização do conteúdo especulativo em jogo no contexto em foco, buscando trazer à luz os principais temas e problemas da argumentação de Hegel e seus intérpretes mais destacados no que tange ao interesse da pesquisa em tela. Ao nível propriamente teorético, à distinção do simplesmente teórico, portanto paradigmático e fundacional, a investigação levada a cabo retoma e desenvolve, a partir de um viés propriamente henológico, o ponto de vista idealístico-especulativo, em contraposição ao ponto de vista idealísticoobjetivo, que se auto-afirma ontológico-transcendental. RESULTADOS & DISCUSSÃO RESULTADOS [1] Para além da Idéia dos paradigmas da Filosofia primeira, tal como proposta por K.-O. Apel, (a) a constatação de paradigmas a um tempo ontológico-metafísicos e metodológico-especulativos; bem como, a partir em Hegel, (b) a emergência de um paradigma propriamente especulativo puro ou lógico-efetivo; [2] A delimitação preliminar de uma esfera propriamente lógico-efetiva ou racionalefetiva, concebida mediante o Conceito ele mesmo em sua atividade como espírito livre e a sua efetivação, a partir da qual se dão relações propriamente livres entre os sujeitos que a constituem em sua efetividade; [3] Para além da Tipologia dos Sistemas filosóficos sustentada por Vittorio Hösle, mediante a distinção do Idealismo objetivo e o Idealismo especulativo, assim como a delimitação e justificação do último, a retomada e o desenvolvimento manente do ponto de vista propriamente idealístico-especulativo; DISCUSSÃO Pode-se dizer que o grande mérito de Hegel – e que até hoje se constitui como algo exemplar – não foi senão o delineamento de uma nova esfera do real, à qual denominamos lógico-efetiva. Essa nova esfera se impõe a todos aqueles que de um modo ou de outro levam a sério a investigação do filósofo; se constituindo, por conseguinte, como o horizonte inevitável do fazer filosófico e do perfazer da Idéia filosófica desde então. Contudo, numa época que propositalmente se impõe a si mesma o velamento de sua consciência-de-si, o referido horizonte não só se nos mostra como algo extravagante – pois pervade os limites da consciência ordinária e os padrões representacionais do tempo presente – mas também, sobretudo, se nos apresenta como destituído de realidade, essa entendida como certo substrato empírico-sensível, típico dos pontos de vista limitados à representação ou que a rejeitam, mas que dessa permanecem aquém. Em vista disso, não há como não elogiar tentativas, como as de Vittorio Hösle, que se esforçam em explicitar o ponto de vista hegeliano como uma espécie de Idealismo objetivo, melhor, como uma Ontologia transcendental – segundo Hösle, “uma posição que, em primeiro lugar, admite categorias aprióricas e juízos sintéticos a priori e, em segundo lugar, lhes consigna uma dignidade ontológica” (HÖSLE, 1991, p. 45) –, mas essa, embora presente no chamado Sistema de Hegel, segundo o próprio Hegel, não é ainda a posição assumida e mantida como a mais rigorosa, a mais elevada e a mais abrangente no seio mesmo do Sistema. Ora, uma esfera a priori, ainda que objetiva ou concebida ontologicamente, justamente por ser apenas a priori, não é ainda efetiva; por isso, ao invés de se impor a si mesma como em si e para si, em si e para si mesma, se limita única e exclusivamente ao lógico-transcendental em oposição ao empírico-sensível – tido como a posteriori – reduzindo-se portanto a algo simplesmente para nós. Não é esse o caso do Especulativo puro ou, o que é o mesmo, da esfera lógico-efetiva ou racional-efetiva; o que está em jogo nessa esfera não são categorias, mas sim os próprios sujeitos, na medida em que os mesmos se reconhecem – subjetiva e intersubjetivamente – enquanto espíritos livres em si e para si; bem como, ao fim e ao cabo, como um só e mesmo Espírito que se sabe e se quer como livre (Enz., 1830, § 436 ad; § 482). Elemento fulcral do ponto de vista especulativo, a um só tempo em sua forma e em seu conteúdo, essa efetividade espiritual se nos impõe, primeira e decididamente – ainda que apenas em geral e tão só em relação ao verdadeiro como tal – nos §§ 17-25 da Fenomenologia do Espírito de 1807. CONCLUSÕES Se, de acordo com Hegel (PhG, 1807, p. 14), o verdadeiro não deve ser concebido apenas como substância, em si ou para nós, mas também como sujeito, portanto em si e para si mesmo; então há que se assumir e manter uma esfera do real própria do Sujeito que se determina livremente dentro de si, a qual não se reduz e não pode ser reduzida ao ontológico-transcendental ou ao empírico-sensível. Por isso, as determinações do Absoluto, enquanto postas, assumidas e mantidas pelo próprio Sujeito, não podem ser limitadas a simples formas ou modos de ser do mesmo, mas, em cada momento, como o próprio Absoluto em sua Verdade ou em sua Idéia enquanto unidade da forma e o conteúdo ou do Conceito e a Realidade. Idéia essa que é cada um de nós, que se concebe e se efetiva em nós mesmos como sujeitos livres, na qual cada um de nós se sabe e se quer em sua liberdade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APEL, Karl-Otto. Fundamentação última não-metafísica? In: STEIN, Ernildo e DE BONI, Luís Alberto (Org.). Dialética e liberdade. Petrópolis: Vozes, Porto alegre: Editora da UFRGS, 1993. (305-326). DILTHEY, Wilhelm. Os tipos de concepção do mundo e seu desenvolvimento nos sistemas metafísicos (1911). In: ___.Teoria das concepções do mundo. Lisboa: Edições 70, 1992. HEGEL, G. W. F. (Enz) – Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio (1830). III. A Filosofia do Espírito. São Paulo: Loyola, 1995. ___. (PhG) – Phänomenologie des Geistes (1807). Hamburg: Meiner, 1988. ___. (WdL, I) – Wissenschaft der Logik. Die Lehre vom Sein (1832). Hamburg: Meiner, 1985. HÖSLE, Vittorio. Questioni di fondazione dell’idealismo oggetivo (1987). In: ___.Hegel e La fondazione dell’idealismo oggetivo. Milano: Guerini e Associati, 1991. ___. Hegels System. Hamburg: Meiner, 1987. (2 vols.). VÉRA, Auguste. Introduction a la philosophie de Hegel. Paris: Ladrange, 1864.