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EIXO TEMÁTICO 2: Relações entre Educação, Ciências, Biologias e Culturas.
MODALIDADE: PÔSTER – PO.05
PISTAS DA DIVERSIDADE SEXUAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
BIOLOGIA: UM JEITO QUEER DE CURRICULO
Priscila Correia Fernandes, Departamento de Ciências Naturais, UFSJ, [email protected]
Camilo de Lelis Moraes, Licenciatura em Ciências Biológicas, UFSJ, [email protected]
Resumo
No intuito de encontrar referências à diversidade sexual no currículo do curso de ciências
biológicas encontramos um vasto e silencioso vazio nas normas, nas experiências em sala de
aula, nas atividades e no conteúdo das disciplinas. Certos de que esse silêncio dizia muito, nos
dedicamos a encontrar outras pistas que compunham a formação do professor de biologia,
numa perspectiva pós-estruturalista de currículo. Passamos a registrar em fotografia imagens
texto que trazem narrativas sobre gênero e sexualidade fora desses documentos e currículo.
Ao analisar as imagens construímos sentidos de formação para a diversidade. Identificamos
uma composição de engajamento político coletivo e subjetivo, narrativas de lutas contra
preconceitos e narrativas didáticas, sentidos das discussões sobre gênero e sexualidade na
formação de professores.
Palavras-chave: gênero e sexualidade, formação de professores, currículo
Abstract
In order to find references to sexual diversity in the biological sciences course curriculum
found a vast and empty silent. This void was present in the standards, the experiences in the
classroom, activities and content of disciplines. Certain that this silence spoke volumes,
dedicated to find other tracks that made the formation biology teacher, a curriculum of poststructuralist perspective. We spent registering in photography images text that bring narratives
about sexual diversity expressed in other spaces on campus Don Bosco place which houses
most of the undergraduate campuses UFSJ. We started an analysis of these images, a
movement of colleage in order to construct meaning that training for diversity composed of
collected images-text. We identified a composition of collective and subjective political
engagement, narratives of struggle against prejudice and narratives that call teaching, which
seemed enlighten us about diversity. Thus, we intend to create a sense of presence of the
discussions on sexual diversity in teacher education.
Key words: sexual diversity, teacher education, curriculum.
Partida – das perguntas da pesquisa
“E todo silêncio é música em estado de gravidez.”
Mia Couto. Antes de nascer o mundo.
Nosso grupo de pesquisa tem um forte vínculo com a escola básica. Temos nos dedicado a
pesquisar, com professores, sentidos da prática pedagógica. Recentemente desenvolvemos
uma pesquisa que investigava percepções de sucesso e fracasso de aprendizagem de ciências e
nos demos conta que esses conceitos instáveis ganham nuances complexas nas práticas
pedagógicas de cada professor, no nível microcontextual. No ano de 2014, em nossas
atividades nas escolas básicas – atividades de pesquisa, orientação de estágios
supervisionados, participação no PIBID - presenciamos iniciativas voltadas à formação
continuada de professores sobre o tema Diversidade Sexual, e identificamos um esforço da
gestão educacional pública que nos fez refletir sobre a formação inicial de professores em
nossa instituição. Iniciamos então nossa pesquisa mobilizados pelo interesse em compreender
quais sentidos estão sendo construídos pelo curso de licenciatura em ciências biológicas
acerca da diversidade sexual. O presente trabalho é o resultado de um primeiro movimento de
investigação, uma cartografia dos discursos sobre gênero e sexualidade que constroem
cotidianos aos alunos do curso de licenciatura em ciências biológicas. Essa cartografia então
identifica pistas que partem de um aparente silêncio do Projeto Político Pedagógico, PPC,
sobre o tema e nossa trajetória que encontra outros espaços que constroem um mapa da
diversidade sexual como lugar de engajamento político, de transgressão, de resistência, de
estética e de formação.
O currículo
‘O objeto que a teoria supostamente descreve é,
efetivamente,
um produto de sua criação”
(Silva, 1999, p11.)
Tomás Tadeu Silva (1999) nos ensina em seu texto que na perspectiva pós-estruturalista de
currículo, ao estudar o currículo, nós o inventamos. Entretanto, é comum ainda hoje a
concepção de currículo como documento, como texto, como listagem de disciplinas e dentro
dessas, listagem de conteúdo. Tomamos o documento como ponto de partida de nossa
trajetória de pesquisa.
Ao iniciarmos nossa investigação, visitamos os documentos oficiais para a educação básica:
Parâmetros Curriculares Nacionais e os Parâmetros Curriculares Estaduais (Conteúdo Básico
Comum, CBCs). Nesses documentos a gênero e sexualidade aparece como conteúdo
transversal (Brasil, 1998; Minas Gerais, 2005). Visitamos então o Projeto Político Pedagógico
do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da nossa universidade (COBIO UFSJ
2012). Não encontramos nenhuma referência oficial à diversidade sexual no currículo de
formação de professores de biologia. Onde está esse conteúdo então? Um primeiro
movimento foi o de produzir uma pesquisa denúncia: a formação de professores carece de
mais esse conteúdo, não há referência no currículo, é necessário inserir isso, dessa forma...
Entretanto, entendemos o currículo de forma mais ampla. Atentamos para os discursos das
políticas públicas, atentamos para a autoridade micro, das ações locais, das negociações
subjetivas com os documentos oficiais.
“Na investigação das políticas de currículo, cabe entender os processos
materiais e discursivos que favorecem tais consensos e finalidades, bem
como as zonas de escape que são favorecidas. Do ponto de vista material, há
investimentos em certas linhas e não em outras, discursivamente há a
legitimação de certos discursos e não outros, muitas vezes favorecida pela
associação desses textos com matrizes de pensamento que circulam em
diferentes grupos sociais e mesmo nos meios educacionais. Assim como é
necessário considerar como as dimensões discursiva e material também se
associam.” Lopes, 2005
E como colecionar esses elementos constitutivos da formação de professores sobre
diversidade sexual? Como inventar a existência desse tema com os elementos que
encontrávamos? Será que essa ausência total nos documentos faria esse tema um ausente
irreversível? Intuímos que não. Mas precisávamos de uma pista para nos levar a esse
encontro.
Da cartografia e metodologia
Como sentir-se contador do que não se tem,
e que ainda não existe?
Mas por qual outra coisa sentir-se responsável
se não pelo que não nos pertence? (Jacques Derridá)
A presente pesquisa orienta-se pela perspectiva da cartografia. A cartografia (Paraíso, 2012;
Kastrupp, 2014) orienta-se no pensamento do filósofo francês Gilles Deleuze,
substancialmente no conceito deleuziano de rizoma. O rizoma não tem entradas ou saídas
determinadas; o rizoma não é hierárquico.
“Fazer o mapa, não o decalque... Se o mapa se opõe ao decalque é por estar
inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real. O mapa
não reproduz o inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói.”
(Deleuze e Guattari, 2011, p30)
Nosso mapa, nossa cartografia, foi composta de pistas (Passos, Kastrup e Escóssia, 2010), e
oportunizou um atravessamento das fronteiras do lugar do curso de licenciatura: a sala de
aula. O atravessamento para a compreensão que a formação não esteve contida no momento
das aulas, no conteúdo do projeto pedagógico. Ao intencionarmos a construção do mapa,
partimos para olhar outras informações, imagens disponíveis, narrativas e textos que
compõem o cotidiano da universidade, e que é invisível aos métodos que ignoram o território,
que circunscrevem o momento da aula, que hierarquizam os conhecimentos.
Passamos a colecionar referências à diversidade sexual nos corredores do campus: cartazes,
informativos, folders, pichações, e registramos essas ocorrências em fotografia. Após esse
colecionamento, criamos uma leitura dessas imagens como estratégia de análise. Uma leitura
cartográfica produziu perguntas: onde estão essas imagens, de onde vieram, como elas são...
Imagens
Cartazes chamam para a festa, cartazes chamam para a parada gay. Cartazes chamam para
palestras sobre diversidade sexual. Vêm do Departamento de Medicina. Sexo é coisa de saúde
também. A Folha da Diversidade aplaude as políticas afirmativas da universidade, cotas
raciais, cotas sociais. A Folha da Diversidade é política, e chama para a festa: “Parada Gay é
15 de setembro e quer avanços na saúde e direitos humanos”. As repúblicas são masculinas
ou femininas, e têm vagas. E na festa, mulher entra de graça, bebe de graça.
Transgressão, resistência, mobilização, didática, publicidade
“A teoria queer começa por problematizar a identidade sexual considerada
normal, ou seja, a heterossexualidade. ... A heterossexualidade é a norma
invisível relativamente à qual as outras formas de sexualidade, sobretudo a
homossexualidade, é vista como um desvio, como anormalidade.” (Silva,
2009)
Encontramos existências nem tanto silenciosas. A presença de uma militância do movimento
gay é inconteste. O engajamento nas causas sociais, o engajamento nas questões políticas, são
um convite presente, sensível. Não deixamos de indentificar a hegemonia heteronormativa, o
poder dos discursos da heterossexualidade, mas também não encontramos o vazio tão vasto
quanto às questões da diversidade naquilo que entendemos por currículo. Foi no estranho, na
transgressão, na existência menos prestigiada - e portanto menos controlada - que as rupturas
se construíram. Sentimos um trabalho sendo feito, uma existência sendo criada. Sim, há
outras possibilidades além do hegemônico, e ele está aí, estranhamente...
Intimidade e delicadeza
No banheiro feminino, um convite a questões femininas: “Vamos falar sobre o aborto?”. O
que será que escrevem no banheiro masculino? “Vamos falar sobre o aborto?”
A transgressão feminista revisitada. Um pertencimento crítico, um modo de fazer política.
Transgressão e agressão. Mas há uma delicadeza. As palavras de ordem estão ausentes,
amaciadas por um convite: vamos falar sobre o aborto? Amaciamento dos tempos,
amaciamento do alargamento das frestas, da frouxidão das normas. Ou ampliação do controle,
da disciplinarização? (Foucault, 2015)... Pistas
“Tal como a teoria queer, de forma mais geral, a pedagogia queer também
pretende estender sua compreensão e sua análise da identidade sexual e da
sexualidade para uma questão mais ampla do conhecimento. O currículo
tem sido tradicionalmente concebido como um espaço onde se ensina a
pensar, onde se transmite o pensamento... (...) a questão não é mais “como
pensar?”, mas “o que torna algo pensável?”. (Silva, 2005).
A existência sentida pelas nossas andanças no campus torna “algo pensável” distinto do que o
PPC nos faz pensar? Seria queer se a diversidade sexual fosse conteúdo oficial, normativo,
regulamentado?
O presente trabalho inicia a construção de uma cartografia das questões de gênero e
sexualidade na formação de professores de ciências biológicas. Ele extravasa o currículo e
busca outras formas de construir o conhecimento sobre a diversidade sexual. Embora
reconheçamos, não nos interessamos em aprofundar o significado desse pertencimento fora do
currículo oficial do tema. Nos interessamos mais na invenção de um outro lugar onde esses
temas existem, falam. Nos interessa também identificar onde são inventados, que imagens os
inventa, como articulam-se nesse lugar Campus Universitário. É um início de trajetória, com
bons ares ao nosso grupo iniciante.
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais.
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
COBIO UFSJ 2012. Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas.
Acessado
em
24
de
fevereiro
de
2015.
Disponível
em:
http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/cobio/PPC-%20Licenciatura%20-1202012.pdf
Foucault, Michel. Vigiar e Punir. O nascimento das prisões. São Paulo: Vozes. 2015.
Lopes, Alice Casimiro, 2005. POLÍTICA DE CURRÍCULO: Recontextualização e
Hibridismo Currículo sem Fronteiras, v.5, n.2, pp.50-64, Jul/Dez 2005
Minas Gerais. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Conteúdo Básico Comum
(2005). Educação Básica - Ensino Fundamental (5ª a 8aséries).
Passos,E.; Kastrup, V. e Escóssia, L.; Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e
produção de subjetividade. – Porto Alegre: Sulina, 2010.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 156 p.
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