Krugman, Paul. “Não conte com isso”. São Paulo: Valor Econômico, 6 de setembro de 2001. Jel: F Não conte com isso Paul Krugman Nas décadas de 1970 e 1980, falava-se de remotos vilarejos, onde as pessoas permaneciam saudáveis até os 90 anos. Como é que as pessoas, nessas sociedades simples e tradicionais, viviam tanto? A resposta é que nessas sociedades simples e tradicionais as pessoas não são muito boas em aritmética. Havia algumas pessoas de idade bem avançada naqueles vilarejos, mas elas não eram tão velhas quanto pensavam ser. Uma das razões para que as pessoas fossem vagas sobre suas idades é que, em suas sociedades, nada de importante dependia da precisão desses números. De certa forma, a história de nossa badalada "nova economia" é semelhante. Nos últimos anos da década de 1990, as estatísticas não paravam de melhorar, culminando em uma taxa de crescimento estimada em 5% do PIB real em 2000 - o que é uma taxa de crescimento típica para um país pobre tentando sair de seu atraso, ou para uma economia recuperando-se de uma recessão, mas surpreendente para uma economia madura. Como os EUA conseguiram tal proeza? A resposta é que não somos muito bons em matemática. A revisão divulgada em agosto pelos estatísticos do governo apresenta valores menores para as taxas de crescimento dos EUA em cada um dos últimos três anos, sendo que a maior revisão para menor diz respeito a 2000. Com um crescimento de 4%, o desempenho da economia foi bom, mas não tão bom assim. Mas há uma diferença entre nós e os aldeões que vivem nas montanhas: para nós os números são muito importantes, e contas mal feitas podem ter conseqüências desagradáveis. Agora está claro, retrospectivamente, que nós não deveríamos ter levado as estimativas iniciais do crescimento econômico tão a sério. Qualquer pessoa que tenha analisado como são calculadas as estatísticas econômicas sabe que elas se baseiam tanto em "chutes ponderados" como em fatos concretos. E os chutes ficam cada vez mais especulativos à medida que o centro de gravidade da economia se afasta de produtos físicos, concretos, e se aproxima de coisas mais etéreas; o item de maior peso na revisão divulgada no mês passado envolveu uma redução nas estimativas de investimento empresarial em software. Apesar disso, as pessoas que deveriam encarar os números com cautela assumiram que as taxas de crescimento estimadas eram dados confiáveis e aceitaram que o melhor ainda estava por vir. De acordo com esses números, a economia americana não estava apenas crescendo rapidamente, mas crescendo a um ritmo acelerado. E se isso continuasse, todas as nossas preocupações em relação ao longo prazo sobre o ônus do pagamento de pensões e da prestação de serviços de saúde a uma população em envelhecimento - simplesmente se dissolveriam em face de uma economia superaquecida. O nome mais importante entre os que se mostravam superotimistas com o desempenho da economia era nada mais, nada menos, do que Alan Greenspan. O depoimento crucial de Greenspan, em janeiro, a favor de grandes cortes de impostos não poupou elogios à revolução na produtividade, que nas palavras do presidente do Fed teria sido "o principal fator que motivou as cumulativas revisões para cima no quadro orçamentário", e citou com aprovação projeções de longo prazo apontando para um "superávit no orçamento baseado no cenário mais pessimista até bem depois de 2030". Sete meses mais tarde, as estimativas de produtividade foram revisadas para baixo, e o superávit orçamentário sumiu. Greenspan ainda está otimista em relação ao crescimento no longo prazo, assim como muitas pessoas; eles argumentam que uma revolução na produtividade alavancada pela tecnologia da informação tem gás suficiente para várias décadas. Eu, porém, postularia que esses otimistas não têm a menor idéia do que estão falando. Não quero dizer que eles estejam, necessariamente, errados; o que quero dizer é que, repetidas vezes, a história fez de tolos as pessoas que tentaram prever o futuro dos desenvolvimentos tecnológicos, que dirá das conseqüências desses avanços no crescimento econômico de longo prazo. E a maioria dos enganos deu-se na mesma direção. A partir da década de 1960, os futurólogos sistematicamente superestimaram a taxa futura de progresso tecnológico e de crescimento econômico. (Apanhe o filme "2001: Uma Odisséia no Espaço" em sua locadora ou leia "O Ano 2000", de Herman Kahn, se não acreditar no que digo.) A única importante surpresa positiva foi o surto de produtividade de 1995 a 2000 - e isso, acabamos descobrindo, foi em parte uma fabricação de nossa imaginação estatística. Diante disso, como deveria a nossa sociedade se conduzir, agora que aquele passado recente não é mais o que parecia ter sido? Qualquer aldeão das montanhas tem essa resposta: torça para que as notícias sejam boas, mas não conte com elas. Ou seja, não se comprometa com cortes de impostos e promessas de gastos que você poderá não ter condições de cumprir. Mas, naturalmente, nós já assumimos esses compromissos. Assim a questão passa a ser: será que nossos líderes algum dia admitirão que cometeram um erro, que nós, no fim das contas, poderemos não dispor dos recursos suficientes para bancar o corte nos impostos? E a resposta é óbvia: precisaremos viver muito, para ver esse dia chegar.