Barros, Luiz Carlos Mendonça de. “Responsabilidade cambial”. São Paulo: Folha de São Paulo, 26 de outubro de 2001. Jel: E, F. Responsabilidade cambial. Luiz Carlos Mendonça de Barros. As declarações do ministro da Saúde, José Serra, em seminário sobre a Alca realizado no Congresso tiveram grande repercussão na opinião pública. Foram vistas como o início de sua campanha à Presidência da República, nas eleições do ano que vem. O tom de crítica forte à política econômica do presidente FHC ficou claro nas palavras do ministro. Pelo menos para quem o conhece bem e sabe quais são suas principais diferenças em relação ao chamado malanismo. Foram palavras e imagens duras! Pena que a imprensa não tenha percebido isso. Ficou correndo atrás do texto da lei que não existe. O único a reagir de maneira dura foi o presidente da República. Sentiu a crítica. Os principais analistas da cena política brasileira, por desconhecer as coisas da economia, perderam uma oportunidade de ouro de entender o porquê da enorme resistência a Serra dentro da coalizão PSDB e PFL. Ao falar de uma possível Lei de Responsabilidade Cambial, ele deu um sinal claro de seu afastamento de um dos valores mais importantes do pensamento econômico dos anos FHC no campo da economia: o fluxo de recursos externos como principal mola propulsora da economia. Mas suas declarações foram duras demais, na medida em que acusou a equipe econômica de irresponsabilidade na condução da política cambial. Senão por que uma lei de responsabilidade cambial? O ministro da Saúde é um conhecido duro nas questões de equilíbrio orçamentário. Não podemos nos esquecer do trabalho extraordinário que ele realizou no governo de Franco Montoro, em São Paulo. Outro detalhe importante ligando Serra à Lei de Responsabilidade Fiscal, e sinal claro de seu apoio a esse instrumento legal, é sua relação íntima com o economista José Roberto Affonso, do BNDES, autor na prática dessa lei. O que Serra quis dizer com sua imagem é muito claro: se a Lei de Responsabilidade Fiscal, que até prevê a pena de prisão para os infratores, é necessária para limitar a ação ilegítima de políticos na administração do dinheiro público, precisamos também de algum instrumento para defender a sociedade das experiências cambiais malucas de economistas brilhantes, mas na sua puberdade profissional. Está explícita também uma correlação entre os prejuízos causados na sociedade por administradores públicos irresponsáveis e as perdas geradas pela administração da taxa de câmbio no período entre 1996 e janeiro de 1999. Essas perdas são incalculáveis quando comparadas ao custo da dívida pública e à perda de crescimento econômico. Para o ministro, a grande fragilidade do Brasil hoje é a dependência da entrada de recursos externos de natureza financeira. Nesse ponto concordamos em número, gênero e grau. Aliás, nosso grupo recebeu ontem o apoio formal de um nome de peso no cenário das finanças internacionais: o presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Alan Greenspan. Em declarações no importante Institute for International Economics, de Washington, comparou as crises das dívidas enfrentadas por alguns países emergentes ao longo das últimas décadas como uma corrida aos bancos e alertou que esses países precisam construir um colchão de reservas para estimular a confiança na sua situação financeira. Foi ainda mais longe ao dizer que excessivos empréstimos de curto prazo financiaram suas necessidades de longo prazo e representam hoje "um pavio aguardando a detonação". Na boca de Greenspan essa comparação corresponde a um atestado de morte para a política de déficits crescentes na conta corrente do balanço de pagamento de países emergentes e endividados como o Brasil. E, portanto, do chamado malanismo. O mercado externo, depois de anos de adulação de nossa política de endividamento externo, vira as costas para o país. Esse comportamento só surpreende quem não conhece a forma como esses mercados funcionam ao longo dos ciclos econômicos no Primeiro Mundo e no mundo emergente. Mas o ministro da Saúde travestido de candidato cometeu um erro de grandes proporções, ao defender a necessidade de zerar o déficit em conta corrente de nossa balança de pagamentos. Isso é um absurdo, na medida em que o Brasil tem necessidade de importar poupança externa para financiar parte dos investimentos na nossa economia e o mercado está disposto a financiar parte desses gastos. Mantido dentro de limites responsáveis, esse fluxo externo será estável e a custos bastante favoráveis para a sociedade, ajudando o país a encontrar o caminho de desenvolvimento sustentado. Com esse seu erro teórico Serra deu espaço para que economistas que deveriam estar ajoelhados no milho para purgar seus erros passados viessem a público atacá-lo. Foi o que aconteceu com o ex-presidente do Banco Central e pai do desastre cambial do primeiro mandato do presidente FHC. Mas a vitória do grupo dos chamados desenvolvimentistas é hoje definitiva, pois as palavras de Greenspan são mais fortes e ouvidas mais longe do que as do ministro da Saúde. Até o PFL, partido da direita liberal, está vindo a público com um discurso próximo a nossas posições. Interessante, voltamos a ser corrente majoritária na aliança do governo!