livro didático de português para estrangeiros e a teoria de gêneros

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O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS E A TEORIA DE
GÊNEROS.
Dayane Cortez
Universidade Federal de Santa Catarina
CCE – Centro de Comunicação e Expressão
[email protected]
Resumo: O crescente aumento do interesse pelo aprendizado do Português como língua
estrangeira tem resultado em uma expansão do mercado de material didático destinado a
esse fim. Diante dessa constatação, este artigo visa analisar um exemplar de livro
didático de Português L.E., livro do aluno, bastante divulgado nos centros de ensino de
idiomas no Brasil. A partir da perspectiva bakhtiniana para o ensino de línguas,
objetiva-se, com este trabalho, observar o uso dos gêneros nas seguintes práticas: i) de
leitura e de escuta; ii) de produção textual (oral e escrita); iii) de análise lingüística.
Considerando que nenhum discurso é construído no vácuo, conforme os preceitos do
Círculo de Bakhtin, este trabalho parte de um método sociológico de análise, isto é, leva
em conta não apenas o produto (neste caso, o livro didático), mas também elementos
que só aparentemente lhe são exteriores, tais como: momento sócio-histórico, condições
mercadológicas (editoras, público alvo), aspectos políticos, etc. Na conclusão deste
artigo, apresenta-se a contribuição trazida pela teoria de gênero à produção de material
didático e ao ensino de Português como segunda língua.
Resunen: El creciente aumento del interés por el aprendizaje del Portugués como
lengua extranjera tiene resultado em uma expansión del mercado del material didáctico
vuelto hacia este objetivo. Frente esta constatación, el presente artículo pretende analisar
un ejemplar de libro didáctico de Portugués Lengua Extranjera – PLE, libro del alumno,
bastante divulgado en los centros de enseñanza de idiomas en Brasil. Partiendo de la
perscpectiva bakhtiniana para la enseñanza de lenguas objetívase, con este análisis
observar el uso de los géneros en las siguientes prácticas: i) de lectura y de escucha; ii)
de producción textual (oral y escrita); iii) de análisis linguística. Considerando que
ningún discurso es construido en el vacio de acuerdo a los preceptos del Círculo de
Bakhtin, este articulo parte de un método sociológico de análisis, así siendo lleva en
cuenta no solamente el producto (en este caso, el libro didáctico), pero tanbién
1
elementos que solo aparentemente le son exteriores, tales como: momento
sociohistórico, condiciones de mercados (editoras, público direccionado), aspectos
políticos, etc. En la conclusión de este artículo, presentáse la contribución traida por la
teoria de género a la producción de material didáctico y a la enseñanza de Portugués
como segunda lengua.
Introdução
O crescente aumento de interesse pelo aprendizado do Português como língua
estrangeira tem resultado em uma expansão do mercado de material didático destinado a
esse fim. Nos últimos anos, o número de interessados pelo português do Brasil tem
crescido vertiginosamente, basta observar o número de escolas privadas se espalhando pelo
mundo - principalmente nos países de fronteira, hispano-falantes - e dentro do próprio
Brasil, que estão oferecendo e se especializando no ensino de Português como língua
estrangeira, doravante chamado de PLE. Outro dado importante é o aumento de candidatos
à procura do exame CELPE-Bras - único certificado brasileiro de proficiência em
português como língua estrangeira reconhecido oficialmente – que em 1998, contou com
27 instituições participantes (14 no Brasil e 13 no exterior) e com 141 inscritos; e em 2001,
já contava com 1.520 candidatos inscritos1. Fica evidente um crescimento significativo em
busca do Português como língua estrangeira. Além da possibilidade de expansão do
mercado editorial de livros didáticos com o estreitamento das relações políticas e
econômicas dos países do Mercosul, onde se propõe o ensino recíproco do português e
espanhol.
O que acontece com o ensino de português é que, diferentemente de idiomas
como o inglês, não há uma gama tão grande de materiais didáticos disponíveis para o
ensino de PLE. É fato que esse fenômeno, que se passa com o inglês, relaciona-se com a
importância histórica econômica primeiramente da Inglaterra, e atualmente dos Estados
Unidos, por ser a língua do comércio através da expansão do mercado e do domínio inglês
e americano, fazendo que o inglês ocupe o status de língua da globalização. É sabido,
também, que os países de língua portuguesa, através da CPLP (Comunidade dos Países de
MEC – Ministério da Educação e Cultura. SESu – Secretária de Educação Superior.
http://portal.mec.gov.br/sesu. Acesso em, 10 de janeiro de 2008.
1
2
Língua Portuguesa) têm unido esforços para buscar um espaço geopolítico, tentando ganhar
evidência internacional.
A problemática está em os profissionais do ensino de PLE não contarem
atualmente com uma quantidade expressiva de material didático disponível no mercado,
onde grande parte dessa realidade tem raízes no fato de que, até a década de noventa, nunca
havíamos olhado para o ensino do português a partir da ótica do ensino de uma língua
estrangeira. A prova mais real disso é a de não contarmos, ainda, grande especialização na
área de PLE. A maior parte dos cursos de Letras no Brasil não forma professores de língua
portuguesa com direcionamento para o ensino do idioma como língua estrangeira, e as
pesquisas nesta área estão apenas engatinhando.
Pensando em tudo isso, este artigo tenta trazer algumas questões para colaborar
com as discussões na área, a partir da perspectiva bakhtiniana2 para o ensino de línguas. De
acordo com a teoria dos gêneros do discurso, objetiva-se, com este trabalho, observar o uso
dos gêneros nas seguintes práticas: i) de leitura e de escuta; ii) de produção textual (oral e
escrita); iii) de análise lingüística.
1.0) A teoria de gêneros e o material didático selecionado
O material didático selecionado foi o livro-texto Bem-Vindo. A Língua Portuguesa
no Mundo da Comunicação, das autoras: Maria Harumi de Ponce, Silvia Andrade Burim, e
Susana Florissi e publicado pela editora SBS. O exemplar utilizado trata-se de uma 7ª
edição, de 2007. Vale ressaltar que o jogo do material didático pode ser adquirido em
conjunto com CDs de áudio, que são complementares às aulas presenciais, já que o livro é
baseado na metodologia de ensino orientada; caderno de exercícios que traz as respostas,
podendo ser feitos sem a supervisão do professor, para complementar as horas de estudos
fora da sala de aula e livro do professor, que traz esclarecimentos e orientações de como
utilizar o material, e traz ainda sugestões de como o professor pode desfrutar mais do
material didático, criando situações de comunicação. Porém, neste artigo, analisaremos o
Quando nos referirmos à corrente Bakhtiniana, estaremos na verdade tratando ao “Círculo de Bakhtin”, já
que a autoria das obras até hoje é tema de pesquisas e discussões, uma vez que M. Bakhtin, Voloshinov e
Medvedev produziram, na ex-União Soviética, até 1974, vasta obra a respeito de diversos aspectos do
mecanismo da linguagem, onde poderia ter M. Bakhtin, subscrito a autoria de suas obras a outros. Diante
dessas controversas, não nos caberá aqui entrarmos nesta discussão.
2
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livro-texto individualmente, uma vez que é claro que, a grande parte dos estudantes ou
instituições de ensino de PLE, ao optaram pelo Bem-Vindo, como material didático, não
adquirem o jogo completo de materiais e o livro-texto serve como o principal material de
apoio.
Já a teoria de gênero vem sendo aplicada por muitos estudiosos atualmente,
principalmente nos materiais didáticos de ensino de Língua Portuguesa para o ensino
fundamental e ensino médio no Brasil, onde há uma tentativa de conciliar a funcionalidade
e os objetivos dos materiais com os PCNs – Parâmetro Curriculares de Ensino. Com o
presente artigo, pretendemos mostrar como a teoria de gênero pode contribuir também no
desenvolvimento do material didático para o ensino de PLE, expondo os primeiros esboços
dessa investigação – baseados essencialmente na noção de gênero. Nosso interesse não é
classificar materiais em bons ou ruins ou discutir seus resultados, passa muito longe disso,
uma vez que através da prática de ensino e do eterno somar de conhecimento, construído
através dessa prática e dos “acertos e erros”, sabemos de antemão que não existem
materiais perfeitos, prontos ou acabados e que ensinar língua é sempre uma “arte
inacabada”; mas pretendemos mostrar que há uma coerência entre a teoria de gênero que
vai ao encontro de uma concepção didática.
Partimos do pressuposto teórico que nenhum discurso é construído no vácuo.
Conforme os preceitos do Círculo de Bakhtin, qualquer que seja a expressão-enunciação de
cada indivíduo é construída tendo em foco um auditório social3 próprio bem estabelecido.
Não importa qual seja o aspecto do enunciado criado, todo enunciado tem estabelecido suas
motivações, desejos, de acordo com o interlocutor previamente idealizado, que é
determinado pela situação social mais imediata, ou seja, pelas condições reais de
enunciação4. A situação social mais imediata colocará o enunciado num contexto
apreciativo, que por sua vez determina: para quem estou falando, sobre o que estou falando,
quais implicações terão esse discurso? Toda a palavra (o discurso) é dirigida a um
interlocutor, de acordo com um horizonte social5.
3
O auditório social é estabelecido dentro de uma esfera social, que determina a criação ideológica de grupo
de acordo com a época à qual o individuo pertence.
4
Enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, e mesmo que não haja
nenhum interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence
o locutor. p. 116.
5
Interação Social é a criação ideológica estabelecida pelo grupo social ao qual pertencemos pó um horizonte
contemporâneo.
4
“A situação social mais imediata e o meio social mais amplo
determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu
próprio interior, a estrutura da enunciação”. (Bakhtin, 2006, p.
117)
Para a criação de um discurso para ser produzido em sala de aula, seja ele em língua
estrangeira ou não, necessitamos de dados que nos coloquem a par de qual posição o aluno
estará ocupando ao produzir esse discurso, para quem esse discurso se dirige, quais
questões de historicidade da linguagem deve-se levar em conta, e dentro de que contexto de
interação social estamos falando; pois do contrário a produção discursiva não passará de
um instrumento de acesso a apropriação de um conhecimento através de atividades
estruturais, que leva em consideração as posições de fala de um aluno, avaliado por um
professor que serão na verdade o tema desta interação.
Para o Círculo de Bakhtin, a linguagem é vista como uma enunciação, não se trata
de uma expressão monológica, todo discurso tem uma intencionalidade, não se espera que
o enunciado, seja entendido, mas espera-se uma resposta, uma adesão, provocando um
movimento de “reação-resposta”, onde o interlocutor, por sua vez, uma nova resposta do
enunciador, a situação social dará forma à enunciação, numa espécie de ressonância dos
discursos, constituindo-se a partir de outros enunciados já-ditos e previstos, pois todo
enunciado é bifocal, porque pressupõe a relação do eu e do outro. Todos esses discursos
estão relacionados a diferentes vozes sócio-constituídadas (da igreja, da economia, da
educação) com as quais dialogam.
São essas interações sociais que produzem os gêneros discurso. Os gêneros nada
mais são do que discursos relativamente estáveis, embora não imutáveis. Assim, para
compreender a língua como discurso, é preciso considerar também os falantes, as esferas
sociais e os valores ideológicos. Deste modo, a linguagem é entendida como uma prática
social. Os gêneros são construídos dentro dessas práticas de interações, dentro das esferas
típicas sociais, como a literatura, a religião, a esfera jornalística, etc. Existe uma grande
variedade de gêneros do discurso assim como existe uma grande variedade de atividades
humanas. Os gêneros mudam com o passar do tempo, conforme mudam as atividades
humanas, uma vez que se os mesmos se constroem dentro de uma esfera social. Um
exemplo clássico é o e-mail, um gênero construído a partir das relações humanas
contemporâneas, até então impensado.
5
“A verdadeira substância da língua não é constituída por um
sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação
monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção,
mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua”. (Bakhtin, 2006, p. 127).
Assim podemos concluir que aprender um determinado idioma não é apenas
apreender suas estruturas e formas gramaticais, mas conseguir se movimentar
adequadamente dentro dos gêneros, situações de discursos distintas, ou seja, dominar
determinada interação social, pois são os gêneros que regulam, organizam e significam a
interação. Assim, considerar a linguagem do ponto de vista da teoria de gênero requer que
o material didático contemple uma gama de gêneros variados, para que o estudante possa
ter uma idéia global do uso da língua em diferentes esferas sociais.
2.0) Análise do material didático a parir da teoria de gêneros
O livro-texto conta com 220 páginas, distribuindo o conteúdo em 20 capítulos e
trazendo ainda três apêndices, com seguintes temas: i) O Alfabeto; ii) Gramática; iii)
Vocabulário. No índice é possível observar que o material se divide em grupos temáticos.
Por exemplo, o Grupo 1 traz o tema Eu e Você. Introduzindo o aluno à língua e fazendo
com que se apresente e conheça o seu colega e todas as informações básicas para poder
fazer com que o aluno fale sobre ele e seu colega em um nível inicial. O Grupo 2, traz o
tema o Brasil e sua língua, apresentando informações sobre o país e a relação das línguas.
Outra curiosidade sobre a estrutura do livro é que ele apresenta antes do primeiro capítulo
uma tabela de consulta de verbos regulares, com um resumo dos tempos verbais mais
usados. Para cada, tempo verbal o livro traz uma cor, para que o aluno relacione seu uso e
sua conjugação ao tempo e modo ao qual o verbo pertence.
A apresentação do livro não traz nenhuma instrução para o uso do aluno, já que a
proposta é de um uso orientado pelo professor, porém, o aluno e o professor não têm claro
6
em nenhum momento quais as metas e objetivos a cumprir. O livro é direcionado a alunos
de nível inicial até nível pós-intermediario. Não deixando explícito, como dever ser a
progressão do ensino, nenhuma orientação temporal do ensino, onde se espera que o aluno
esteja ao cumprir às seis primeiras unidades, por exemplo, ou que gêneros que se espera
que o aluno já esteja dominando e a partir daí decidir que tipos de atividades e que tipos de
avanços se pretende fazer. Esses aspectos, obviamente, podem causar certa dificuldade para
perceber os objetivos das atividades e os resultados que se esperam, para um professor que
nunca tenha tido contato com o livro.
O livro selecionado (livro-texto) intercala atividades de prática de leitura e escuta
produção textual (raríssimas vezes), gramática e análise lingüística. As atividades mais
recorrentes abordam prática de tópicos gramaticais e vocabulário. E as atividades estão
voltadas à exposição, assimilação e manipulação de regras.
2.1) Práticas de leitura e de escuta.
As práticas de leitura e de escuta vão se modificando ao longo do livro. O primeiro
contato com as práticas de leitura é através de diálogos curtos, como de cumprimentos e de
apresentação (como haveria de ser em grande parte dos livros de ensino de língua
estrangeira), sempre seguidos de áudio. Ao longo do livro, os textos e os áudios têm
extensões maiores e um vocabulário um pouco mais rebuscado a cada unidade que se
avança. Porém, não ficam esclarecidas, quais são as situações de interação social em que se
produzem esses discursos.
Por exemplo, na unidade 2 (ver página 18), encontramos um exercício que trata de
um dos tópicos gramaticais da unidade: conjunções. O exercício solicita que o aluno
preencha as lacunas em branco com as conjunções apresentadas. A questão é que se trata
de um exercício completamente estrutural. Apresenta-se na forma de um pequeno texto,
escrito de forma narrativa, sobre uma situação cotidiana, mas que não exprime nenhuma
informação sobre o locutor, o interlocutor desse discurso ou o lugar de fala do autor do
texto.
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Mais a frente, teremos fragmentos textuais (ver página 46, por exemplo), que não
apresentam nem sequer enunciados ou instruções, são apenas atividades de escuta, seguidas
de perguntas como disparadores para um diálogo em sala de aula, porém, novamente não
temos nenhum colocação a respeito do interlocutor e do locutor. Ora, segundo Bakhtin,
nenhum discurso é produzido no vácuo. Sempre que produzimos uma enunciação temos
um interlocutor em vista, neste caso, para o aluno, seu interlocutor não passa do professor
que estará avaliando alguns aspectos (a fonética ou a ordem das estruturas sintáticas, por
exemplo). Ou seja, as autoras deixam de lado boas oportunidades para possíveis criações de
atividades que exponham o aluno em contato com algum novo gênero, por exemplo. Que
por sua vez, poderia formar relação com uma cadeia de acréscimos de novos
conhecimentos, aplicações gramaticais, análises de expressões idiomáticas, etc. Além do
mais, muitas vezes os fragmentos textuais aparentemente não parecem ter relação com as
atividades ou conteúdos propostos naquele capítulo, estão desvinculado de qualquer
atividade.
Além disso, quando estamos falando do ensino de língua estrangeira, algumas
regras sociais não são tão evidentes para os estudantes estrangeiros. Como por exemplo:
“De que maneira devo escrever um e-mail para um amigo. Utilizando ou não próclise?
Como devo me dirigir ao meu chefe no primeiro dia de trabalho em um novo país?”,
questões como essas são levantadas frequentemente pelos alunos em sala de aula, pois
entender essas situações de uso faz parte do domínio completo de uma língua, levando em
conta os falantes dessa língua, as suas esferas sociais e os valores ideológicos.
Apesar de os diálogos aparecerem em grande parte do material, os gêneros textuais
mais recorrentes são fragmentos texto de – os quais acreditamos terem sido produzidos
pelas próprias autoras, alguns poucos recortes de jornais on-line ou impressos, anúncios.
Ou seja, há uma gama imensa de possibilidades de uso de gêneros deixados de lado como:
tiras, letras de música, cartas pessoais, profissionais, artigos assinados, gêneros literários. E
apesar de ter várias re-edições, o livro não traz referências aos chamados gêneros textuais
modernos, como os blogs, mensagens de texto, propagandas publicitárias que circulam
abundantemente em várias esferas sociais. Indispensáveis na cotidiana vida moderna.
Normalmente, os textos utilizados foram extraídos do seu suporte original, não há uma
tentativa de reprodução (um fac-símile, uma imagem), por exemplo, dos anúncios de
jornais ou textos extraídos de revistas de grande circulação (ver página153), o que não dá
ao aluno nem mesmo uma idéia visual da apresentação estrutural do texto.
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2.2) Práticas de produção textual (oral e escrita)
Nestes aspectos está um dos pontos em que o professor que utiliza o Bem-Vindo,
como material de apoio principal, deve prestar bem atenção. As práticas de produção oral
são bem abundantes, vários exercícios trazem oportunidades para o professor desenvolver
uma boa aula de práticas orais. Porém, as práticas de produção escrita, são muito escassas.
Quanto às práticas de produção oral, as oportunidades para desenvolvê-las, criando
uma relação do conteúdo aplicado e das atividades propostas pelo material didático, são
muitas. Contudo, voltamos mais uma vez a cair na questão da falta de referência a qualquer
gênero; inexistentes informações básicas para que os alunos produzam seus textos; as
interações não se dão fora de um contexto histórico-social amplo. Nas últimas unidades é
que iremos encontrar referencias às situações de interação, como uma entrevista de
emprego, por exemplo, ou a criação de um diálogo a partir de uma situação de trabalho (ver
página 133). Mas, ver essas oportunidades de colocar o aluno em contato com esses tipos
de interações, cabe mais ao professor do que a proposta do Bem-Vindo.
Já as práticas de produções escritas, quase nunca aparecem. Se o livro é destinado
até o nível pós-intermediario, imagina-se que, ao atingir 60% do conteúdo do Bem-Vindo,
nesse momento o aluno já seja capaz de produzir diversos textos, pertencentes a diversos
gêneros, com certa fluidez. Isto não nos parece possível, uma vez que o material didático
não traz propostas para estas práticas. Todos os exercícios na forma escrita tratam-se de
lacunas para serem completas a partir da reflexão gramatical daquela unidade. O uso da
gramática fica fora de qualquer situação social existente. Temos a gramática apenas como a
gramática por ela mesma.
2.3) Práticas de análise lingüística
As práticas de análise lingüística remetem apenas ao reconhecimento da teoria
gramatical e a memorização dos conceitos gramaticais, a forma de aplicação desse
conteúdo está completamente desagregada de qualquer função social. O conteúdo da teoria
gramatical aparece de forma expositiva e as atividades apenas auxiliam na memorização
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desses conceitos e treinam o aluno de forma mecânica para identificar essas estruturas,
muitas vezes, em fragmentos textuais. Como se pode observar na unidade 7 (ver página 67)
- entre outras tantas atividades -, em que há a reprodução de uma conversa telefônica entre
um possível hóspede e um hotel e, cujo objetivo do exercício é o de que o aluno identifique
as palavras sublinhadas que estão no plural e as transforme para a sua forma singular. Mais
uma vez, as autoras deixam de lado uma ótima oportunidade de trabalhar as questões de
interação e suas implicações para preocupar-se apenas com as questões gramaticais,
desvinculadas de qualquer uso.
Em alguns momentos, transparece a idéia de que o domínio da gramática da língua,
ou seja, o domínio sobre o conhecimento do sistema da língua, é muito mais valorizado do
que o domínio da língua. Então, devemos voltar e rever os objetivos e os interlocutores
para os quais o Bem-Vindo está destinado. Em sua maioria, são pessoas que buscam o
domínio da língua portuguesa com o intuito de interagir com brasileiros, seja de forma
verbal ou escrita. O objetivo não é que os alunos dominem o sistema lingüístico, mas que
saibam usufruir dele adequando-se a diferentes contextos sociais de interação.
Não há qualquer referência no material às reflexões epilingüísticas produzidas pela
enunciação que, no caso do aprendizado de línguas estrangeiras, é duplamente rico, pois
faz com que o aluno descubra estruturas de sua própria língua através da língua estrangeira
que está aprendendo. Porém, como a amplitude do livro-texto do Bem-Vindo é genérica,
está aberta ao nativo de qualquer idioma, torna-se difícil levantar essas possibilidades.
Talvez, a proposta de criar um livro direcionado a falantes específicos (como já existe os
Bem-Vindo nos formatos de cadernos de exercícios, para anglo-saxônicos, orientais e
latinos) possa facilitar esta situação para o aproveitamento de debates sobre questões
epilingüísticas que podem surgir durante o aprendizado, para as quais também o professor
deve estar preparado.
Considerações Finais
Esta análise teve como principal objetivo mostrar que, entender a linguagem como
um fenômeno social, implica em perceber que o ensino de língua estrangeira vai além do
ensino de estruturas gramaticais. A noção de gênero do discurso vai ao encontro da idéia. É
necessário fazer com que o aluno de língua estrangeira compreenda o universo em que este
10
idioma está inserido e as várias facetas que esta língua pode ter, de acordo com o contexto
social de uso.
Levar noções como a de teoria de gênero, no momento da produção de um material
didático, pode colaborar para um aprendizado mais próximo da realidade lingüística dos
falantes nativos. Pois, um aluno além de saber a gramática da língua que está aprendendo,
necessita usá-la em seu beneficio para poder interagir com outros falantes; precisa,
principalmente, dominar alguns gêneros discursivos para poder locomover-se dentro do
idioma, realizando bem todas as competências lingüísticas sem nenhum “escorregão”.
Conclui-se que, desde a produção do material didático até a sua aplicação, é
relevante a observação de alguns preceitos da teoria de gêneros do discurso, como definida
pelo Círculo de Bakhtin, tais como: as formas e tipos de interação verbal e suas relações em
seu contexto histórico-social de uso (preceitos ideológicos e lugares de fala), e as análises
epilingüísticas, realizadas pelos falantes da língua no uso diário da linguagem, de cunho
reflexivo e operacional.
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