PROPRIEDADE NO NOVO CÓDIGO CIVIL O Novo Código Civil conceitua propriedade no caput do art. 1.228, limitando-o, no § 1º, para adequá-lo aos problemas da contemporaneidade, fazendo referência a questões como o "equilíbrio ecológico" e a "poluição". Este parágrafo, que constitui uma inovação em relação do Código anterior, preceitua que o "direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas". Subordinar o exercício do direito de propriedade às suas finalidades econômicas e sociais significa limitar este direito, que deixa de ser visto como um direito absoluto, para ser compreendido a partir de sua função, à semelhança do contrato, cuja liberdade fica limitada em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421/NCC). É certo que a função social da propriedade já está prevista na CF/88 (arts. 5º, XXIII, e 170, III), mas a sua inserção no NCC é importante, com a finalidade de limitar o exercício do direito de propriedade, assumindo o papel de verdadeira cláusula geral. Em termos hermenêuticos, a função social implica a adaptação de sentidos e finalidades, a fim de que as regras jurídicas sejam interpretadas sociologicamente e teleologicamente. Deste modo, o NCC abandona definitivamente o paradigma do individualismo jurídico, permitindo que o magistrado concretize a conhecida regra de interpretação prevista no DL 4.657/42 (LICC): "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum" (art. 5º). A propriedade desempenha uma função social quando está voltada à realização de um fim economicamente útil, produtivo, em benefício do proprietário e de terceiros, especialmente quando se dá a interação entre o trabalho e os meios econômicos. Ao afirmar que o direito de propriedade deve desempenhar uma função social, o NCC também faz com que os interesses do proprietário e os da sociedade sejam conciliados, bem como reconhece o interesse que o Estado tem na propriedade, a fim de que, havendo conflito entre o interesse público e o particular, possa fazer prevalecer o primeiro, em razão da supremacia dos interesses públicos sobre os individuais, com intuito de buscar a proteção ambiental, que é um bem de uso comum do povo, pelo art. 225, caput, da CF, cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações, bem como para o exercício do poder de polícia como pode se dar na vistoria compulsória de imóvel para o combate do mosquito que transmite a dengue, mesmo contra a vontade do proprietário, precedida de autorização judicial; art. 5º, XI, CF). A CF serve de vetor hermenêutico do NCC. Pela premissa metodológica da filtragem constitucional do Direito Civil, pode se extrair da Lei Fundamental o verdadeiro norte do sentido jurídico da função social da propriedade. Assim, em relação à função social da propriedade urbana, é necessário verificar se ela atende ou não às exigências fundamentais expressas no plano diretor, podendo o Poder Público Municipal, mediante lei específica, nos termos da Lei nº 10.257/01. Já em relação à função social da propriedade rural, é indispensável verificar o seu aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das regras que disciplinam as relações de trabalho, além da forma de exploração, em benefício do bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186/CF). Caso contrário, a propriedade rural não poderá ser considerada produtiva, dando ensejo à desapropriação para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização, em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir da sua emissão (art. 184, caput, CF), exceto se a propriedade rural for pequena ou média, não possuindo o seu proprietário outro imóvel (art. 185/CF). Com efeito, a finalidade do NCC não é incentivar a intromissão do Estado na propriedade privada, mas apenas impor limites à ação do proprietário, quando ele extrapola a esfera de seu direito individual, exigindo a interferência do Poder Público. Já o § 1º do art. 1.228/NCC deve ser interpretado juntamente com o art. 187 do NCC, que, ao tratar do abuso do direito, afirma que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. O abuso do direito prescinde da idéia de culpa: o ato é ilícito, pois o agente, ao desconsiderar a finalidade social de seu direito subjetivo, causa dano a outrem. Dessa maneira, o exercício do direito de propriedade, dentro dos fins econômicos e sociais, é uma excludente de antijuridicidade e, conseqüentemente, do dever de indenizar. Ao contrário, o exercício abusivo do direito de propriedade pode ser considerado como fato gerador da responsabilidade civil. Por fim, tais aspectos inovadores começam a passar pelo crivo da doutrina e da jurisprudência, com vistas ao aprimoramento e melhor aplicação das regras referentes ao instituto da propriedade no NCC. Afinal, toda nova lei precisa ser bem compreendida, para promover o desenvolvimento social.