O PAPEL DA SINDROME DOLOROSA MIOFASCIAL NAS DOENÇAS OCUPACIONAIS. Marcelo Silva Resumo: A dor miofascial é uma condição comum, presente entre 55% e 90% dos pacientes com Ler/Dort, causando desconforto e incapacidade para o trabalho. Pode ter instalação gradual em decorrência de microtraumatismos repetitivos e ou pelo estresse emocional, manifestando-se nas cefaléias tensionais disordens visuais, tendinites, na dor na articulação temporo-mandibular e nas lombalgias 5. Podem acometer grupos musculares, ocasionando dor, diminuição da amplitude de movimento, fraqueza e fenômenos autonômicos 15. A sindrome dolorosa miofascial é caracterizada pela presença de pontos dolorosos denominados pontos gatilhos que reproduzem dor local ou a distância quando submetidos a digito pressão, banda tensa palpável com reação muscular contrátil, tornando assim o diagnóstico clínico, dependente inteiramente da história do paciente, exame físico e deve excluir outras afecções concomitantes. O tratamento deve ser multidisciplinar, realçando a inibição central com a farmacologia ou as técnicas psico-comportamentais e simultaneamente reduzir os estímulos periféricos com as terapias físicas incluindo exercícios e metodologias específicas para a inativação dos pontos-gatilho10. A orientação, correção e a educação dos pacientes em relação a suas atividades de vida diária ou profissional com o intuito de prevenir os fatores de geração ou perpetuação da dor são estratégias essenciais para o sucesso do tratamento6. Histórico: Floriep em 1843 foi o primeiro autor a descrever pontos dolorosos ou endurecidos em músculos de doentes com reumatismo. Adler, em 1900, utilizou o termo de reumatismo muscular e definiu o conceito de dor referida a partir dos pontos dolorosos. Em 1904, Gowers sugeriu a ocorrência de inflamação do tecido conectivo como causa do reumatismo muscular e introduziu o termo fibrosite. Müller,em 1912, descreveu a fibrosite em 3 fases: aguda, subaguda e a crônica. Llewellyn e Jones, em 1915, lançaram o livro intitulado fibrosite, onde distinguem a fibrosite articular, a neurofibrosite e a miofibrosite. Durante a Primeira Guerra Mundial, Schade propôs o termo de miogelose. Fritz e Lang sugeriram cinco causas de aumento da tensão muscular: solicitação exagerada, fadiga crônica, exposição ao frio, redução da circulação e alterações metabólicas. Max e Lang publicaram um livro onde descreveram a distribuição, origem e fisiopatologia dos nódulos musculares, sob o ponto de vista ortopédico. Sugeriram como tratamento os exercícios, auto-massagem, diatermia e atividades moderadas. Em meados do século XX, novas propostas de tratamento dos nódulos musculares foram sugeridas. Em 1936, Edeiken e Wolferth introduziram o termo zonas de gatilho para designar área em que a dor é referida durante a palpação dos pontos dolorosos. Em 1937, Kraus Hans introduziu conceito novo de tratamento, utilizou jato de cloreto de etila, dirigido paralelamente à área dolorosa e a injeção de novacaína nos músculos acometidos, visando a interromper o ciclo vicioso de dor – espasmo reflexo-dor, seguido de exercícios musculares. Desde então, o tratamento que consistiu do uso de gelo, compressão e elevação do segmento acometido. Em 1938, Kellgren sugeriu que, enquanto acometimento da fáscia muscular e da bainha tendínea origina dor localizada, o estímulo nociceptivo muscular origina dor difusa, sendo a zona de referência previsível. Sugeriu os termos reumatismo muscular, reumatismo não articular, pontos de mialgias, mialgia idiopática, fibrosite, mialgia reumática e miopatia reumática para descrever as dores provenientes da tensão muscular.. Kelley sugeriu que a fibrosite é uma disfunção neurológica funcional originada de lesão muscular devida a processo reumático localizado. Em 1952, Travell sugeriu a terminologia dor miofascial e síndrome dolorosa miofascial (SDM) para designar afecções de miofilamentos de contração de fibras vermelhas e brancas do músculo esquelético. Redefiniu os pontos gatilhos como sendo os pontos dolorosos profundos circunscritos, com resposta contrátil localizada ao ser pressionado ou agulhado e que quando estimulados, ocasionam dor referida. Em 1981, Smythe definiu a fibrosite como síndrome dolorosa músculoesquelética generalizada, caracterizada como dor difusa, durando mais de três meses, pontos dolorosos à palpação, dor ao rolamento da pele da região escapular, alteração do sono, fadiga e rigidez matinal. Em 1983, Travell & Simons publicaram um manual completo de todos os músculos da face, membros superiores, tronco e abdômen e seus pontos gatilhos miofasciais. Em 1992, publicaram livro Disfunção e Dor Miofascial, Manual de Pontos Gatilhos dos Membros Inferiores. Em 1999, a segunda edição do manual sobre os membros superiores foi reeditada. Atualmente ainda não estão claramente determinados quais os sinais e sintomas sugestivos de SDM que podem ser agrupados sob condição clínica particular 12. Dor, sinais flogísticos, limitação das amplitudes de movimentos, retrações tendíneas e articulares, déficits motores, representados por falta de força, fadiga, perda de destreza, fasciculações, amiotrofias e hiporreflexia são alterações comuns em doentes com DORT. Fatores biomecânicos são representados pelo uso excessivo de força, postura incorreta, vibração, falta de repouso e compressão mecânica de estruturas músculo-esquelético. Traumas, sobrecarga ou estresses de repetição localizados podem causar ruptura do retículo sarcoplasmático, liberação e acúmulo de Ca++ no sarcoplasma que resulta no espasmo ou hipertonia muscular localizada. A atividade contrátil não controlada aumenta o consumo energético e colapsa a microcirculação local (compressão mecânica dos capilares). O consumo energético aumentado sob condições de isquemia gera depleção localizada de ATP que resulta em comprometimento de recaptação ativa de Ca++ pela bomba do retículo sarcoplasmático13. O espasmo muscular, característica marcante da síndrome dolorosa miofascial, requer uma alta demanda energética para manter-se no estado de contração sustentada, desta maneira, pode danificar a perfusão arterial, e com ela a fonte do oxigênio, cálcio e outros nutrientes necessários para induzir o relaxamento muscular 2 . As dores miofasciais são provenientes de estruturas musculares, tendinosa e de fáscias que sofrem estiramentos, esforços excessivos em contratura, isquemia e hiperemia, assim como nos processos traumáticos ou de natureza inflamatória19. Introdução e fisiopatologia A síndrome dolorosa miofascial (SDM) caracteriza-se pela ocorrência de dor e aumento da tensão dos músculos afetados. É uma disfunção localizada, secundária à contração muscular isométrica prolongada, repetição de movimentos, posturas inadequadas e ou estresses psíquicos. Estas condições geram acúmulo de substâncias algiogênicas e anormalidades circulatórias, caracterizadas, fundamentalmente, pela isquemia nos músculos acometidos, parestesias, sensação de peso e fadiga nos membros superiores e região cervical, geralmente com instalação insidiosa. Não raramente, apresentam também dor na região cervical, membros superiores, dorso-lombar e nos membros inferiores 1. Outra hipótese para a formação dos pontos-gatilhos se da pelo aumento da concentração de acetil-colina em algumas placas terminais causando danos às fibras do músculo, podendo ser o ponto inicial para contrações regionais anormais, estudos enetromigráficos de pontos - gatilhos indicaram atividade elétrica espontânea dentro do ponto-gatilho, quando comparados aos tecidos adjacentes do músculo que foram eletricamente silenciosos (fig.1 e 2)11,17. Biopsias demonstram que a origem das bandas tensas provavelmente seja devido a um encurtamento dos sarcômeros das fibras musculares, ocasionando uma possível contratura20. Fig 1 Fig 2 Diagnóstico e Diagnóstico diferencial Cada músculo tem uma característica de dor referida padrão do ponto gatilho ativo, familiar para o paciente. Sem um teste laboratorial ou método de imagem o diagnóstico da dor miofascial depende inteiramente da história e do exame físico preciso na identificação dos pontos–gatilhos miofasciais ativos numa banda tensa e reprodução da dor18. Quadro 1: Critérios diagnósticos da SDM Critérios maiores Bandas de tensão muscular Dor intensa nos pontos-gatilhos em uma banda de tensão Reprodução da dor à pressão de nódulo doloroso Limitação da ADM decorrente da dor Critérios menores Reação contrátil visualmente ou à palpação Reação contrátil ao agulhamento dos pontos-gatilhos Demonstração eletromiografica de atividade elétrica característica de nódulo doloroso em banda tensa de tensão. Dor, anormalidade sensitiva na distribuição de um ponto-gatilho à compressão correspondente O diagnóstico de certeza é firmado quando quatro critérios maiores e um menor são evidenciados . Devem-se excluir as patologias concomitantes como a fibromialgia entre outras afecções funcionais, inflamatórias, infecciosas, degenerativas ou metabólicas 34. A Fibromialgia é uma síndrome de dor difusa e crônica, caracterizada pela presença de pelo menos 11 dos 18 pontos anatomicamente específicos chamados de tender pontis, dolorosos à palpacäo. A dor difusa é o sintoma principal, podendo estar associada à rigidez, fadiga, distúrbios do sono, ansiedade, depressäo, parestesia, dificuldade de memória, tontura, dor torácica, cefaléia crônica e dispnéia. Afeta significativamente a qualidade de vida dos pacientes, produzindo limitacäo das atividades ocupacionais, reducäo da atividade física, além de distúrbios psicológicos como depressäo e ansiedade. A maioria destes indivíduos apresenta-se descondicionados aerobicamente, com pouca força muscular e com flexibilidade limitada 11,23,27. Tratamento Métodos usualmente aplicados para a inativação dos pontos gatilhos miofasciais incluem alongamento, massagem, termoterapia, eletroterapia, laserterapia, injeção dos pontos gatilhos, agulhamento seco, e acupuntura 15. Terapias medicamentosas como os antiinflamatórios não hormonais ou analgésics orais, e antidepressivos tricíclicos 6. A infiltração dos pontos- gatilhos com anestésicos locais ou com toxina botulinica é eficaz no tratamento da síndrome dolorosa miofascial 5. A semelhança do efeito da ciclobenzaprina com o da infiltração de pontos-gatilho com xilocaína a 1% permite a indicação da primeira no tratamento de pacientes com síndrome dolorosa miofascial 10. Bibliografia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. ALVAREZ DJ; ROCKWELL PG - Trigger points: diagnosis and management. Am Fam Physician; 65(4):653-60, 2002 Feb 15. 2. ANTHONY H. WHEELER - Myofascial Pain Disorders.Theory to Therapy .Drugs 2004; 64 (1): 45-62 3. 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