neuromarketing – comportamento do consumidor

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Paulo Vieira de Castro
O Neuromarketing e as mil faces do inconsciente humano
Por Paulo Vieira de Castro*
Ultrapassada a fase do encantamento pelo Neuromarketing, de muitos livros escritos sobre o tema, impõem-se desde logo a reflexão a propósito da
possibilidade de novos limites estarem agora em jogo. Sobressai a possibilidade da origem das necessidades e dos desejos humanos estarem para além, e
porque não dizê-lo aquém, da mera excitação visível no cérebro humano.
Relembro que a ferramenta sugere o scanner do cérebro como indicador de research para um certo conhecer do ser humano nos momentos de consumo. Tal
constatação realça a urgência de um novel universo de possibilidades para o Marketing, todavia levanta igual número de dúvidas.
Consciente vs Inconsciente
Pierre Buser fala-nos das mil faces do inconsciente, afirmando que o cérebro funciona no modo involuntário. Estas circunstâncias, ao se afigurarem como não
exclusivas da área comportamental, radicam-se, necessariamente, ao nível das mais subtis competências, ou seja, para além da simples condição físicoquímica do ser humano, levantando a questão do impulso originário/ancestral por traz de toda a motivação humana.
O diálogo mente-cérebro, de que muito fala António Damásio, é um entre os muitos níveis da dimensão humana, que eu acredito interferir na tomada de
decisão nos momentos de consumo. Mas falta responder ao mais velho desafio lançado à ciência: onde encontrar a mente humana? Quem sabe onde ela
está?! Para isso nos alertam os cientistas do Mind and Life Institute. Analisar este intervalo de campo será um dos futuros desafios do marketing research.
Mas, quanto vale a consciência humana nas tomadas de decisão? Alain Berthoz afirma que a maioria das nossas ações não são um reflexo da consciência,
sejam elas ligadas à percepção, aos movimentos ou à memória, implicando processos cerebrais em dimensões desconhecidas. Pensar o contrário, será
quanto a mim, pura ilusão.
Ora, ao imaginarmos um Homem que é mais do que fluxo sanguíneo, ou impulsos elétricos, o Neuromarketing apresenta-se como uma ferramenta falha, não
de atributos ou argumentos, mas de completude. Desde o seu aparecimento que partilho das mais elevadas expectativas no que ao Neuromarketing diz
respeito, contudo, vejo novos desafios e limitações, bem mais do que novas certezas.
Ray Jackendorf vai mais longe ainda ao afirmar que o essencial da nossa inteligência não está associada à consciência. Mais: o prémio Nobel Gerald
Edelman realça o fato de não existirem neuromecanismos com uma linguagem que consiga explicar o que é uma experiência consciente, indo mesmo mais
longe ao asseverar que a capacidade da consciência não tem de ter vida, pelo que existe mesmo a possibilidade de futuramente se poder criar uma
consciência artificial (1). Para a maioria de nós, entender esta nova conceituação do mundo afigura-se difícil.
Para aqueles que colocam a condição “maquínica”/racional à frente de qualquer outro fundamento, deixo uma especial chamada de atenção para o lugar que
terá de ser reservado ao inconsciente nas tomadas de decisão de consumo. Isso significa que não poderemos ignorar os limites do Neuromarketing, uma vez
que esta técnica se centra, tantas vezes exclusivamente, no exercício daqui resultante, assombrando erradamente modelos de representação da existência
humana com a própria vida, confundindo ser humano com tecnologia.
Quanto vale o diálogo mente cérebro?
Refletindo sobre este assunto desde 2004, acredito agora haver dois campos de especialização no tocante a esta temática. Por um lado, as neurociências, as
técnicas de ressonância magnética e outras da imagiologia cerebral aplicada. Por outro lado, os grandes peritos da mente: os budistas através da
contemplação meditativa e dos estudos de Abhidharma, ou seja a ciência/psicologia budista da mente.
Mas onde é que budismo e Marketing se podem encontrar, perguntarão. Se considerarmos o Marketing como a ciência da satisfação e o budismo como a
ciência da felicidade, poderemos compreender porque cientistas e contemplativos têm trabalhado em conjunto há dezenas de anos. Esta é uma leitura pessoal
e inédita, que tenho vindo a desenvolver no projeto Dharma Marketing, o Marketing de proximidade real (www.dharmamarketing.org).
A aproximação entre neurocientistas e budistas dá-se, pelo menos, desde o ano de 1978, através do encontro de vontades de neurocientistas, como Francisco
Varela, e do líder espiritual dos budistas (Dalai-Lama), destacando-se neste particular o trabalho do Instituto de Imagiologia Cerebral e Comportamento, da
Universidade de Winsconsin, Madison, sendo de salientar a este respeito os trabalhos de Richard Davinson, dentre muitos outros.
As neurociências vêm contando há muito com a preciosa ajuda dos estudos realizados pelo Mind and life Institute. Aliás, bastará para isso ver a qualidade dos
cientistas implicados no estudo da mente no site do instituto (www.mindandlife.org). Relembro que o Neuromarketing estuda o cérebro, enquanto o Mind and
Life Inst. se debruça sobre o diálogo entre a mente e os seres humanos. Sobre a relação entre cientistas e contemplativos no que ao estudo da satisfação diz
respeito falarei num próximo artigo.
O quadro referencial que assiste ao Neuromarketing faz todo o sentido, contudo a estreiteza da tecnologia usada atualmente levanta dificuldades operacionais,
pelo que no futuro seremos certamente forçados a procurar novas técnicas de análise mais abrangentes. Relembro que o Homem não é resultado exclusivo
do que se passa no seu cérebro, existindo, como facilmente se compreenderá, vida para além dos impulsos biológicos.
Aqui faço referência a uma leitura, igualmente complementar, através de uma perspectiva mais biométrica/holística, isto no pressuposto que urge definir
padrões para além dos convencionais sexo, idade, etc. Tais afirmações poderão levar-nos a pensar que estamos ainda muito longe de compreender quem
comanda as decisões de consumo, tornando-se evidente a necessidade de repensarmos o Neuromarketing, enquanto ferramenta de aplicação prática,
alargando o nosso universo de análise assistidas pela tecnologia.
Por si só, o Neuromarketing terá, obrigatoriamente, que assumir outros vínculos com o desígnio de permitir a expressão da intencionalidade e propósitos da
existência humana. Para isso, talvez seja necessário - em parte - abrir mão de antigos valores e expectativas.
Conforme amplamente referido, enquanto ferramenta de research, as tradicionais técnicas de inquérito apresentam algumas dificuldades em especial no
tocante ao entendimento comunicacional, isto porque os limites das técnicas clássicas de análise de mercado se prendem com o fato da linguagem se
desenvolver a partir de si mesma, ou seja, aquilo que se fala funciona muitas vezes ao revés do que se pensa.
Ao acreditar no que as neurociências afirmam, em especial na importância do inconsciente sobre as decisões do ser humano, os clássicos métodos de estudo
de mercado poderão estar em parte comprometidos. Relembro que, pensar que será possível encontrar no cérebro humano um “buy button” tem-se
manifestado um esforço inconclusivo, atirando-nos para a necessidade de uma abordagem mais holística/integral quando pensamos o comportamento do
consumidor. Ante uma mecânica, uma tensão biológica e impulsos físico-químicos, necessidades e desejos, o Neuromarketing dá-nos, simplesmente, a ínfima
parte do resultado de um jogo de que desconhece as regras.
Tenho partido nas minhas últimas análises de um desafio lançado por Schopenhauer, ao assumir que o Homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode
querer o que quer, obrigando-me deste modo à reflexão a propósito das circunstâncias que se afiguraram para além da simples condição físico-química do
cérebro. Em conclusão: poderemos dizer que o diagnóstico resultante do Neuromarketing se inscreve no âmbito de aplicação do “fazer o que quer” do Homem
de que nos falava Schopenhauer, mas muito dificilmente poderá o Neuromarketing certificar maior conhecimento sobre um Homem incapaz de “querer o que
quer”.
Nesta perspectiva, o Neuromarketing poderá ganhar um novo ânimo. Contudo, resta a dúvida: quão inconsciente será a decisão de consumo. Isso revela
novos desafios, em especial para os publicitários, já que o mundo em que vivemos é - em grande medida - resultado da construção inconsciente que dele
temos, tendo-se tornado - nos últimos anos - o desejo pelo consumo o mais complexo paradigma do comportamento humano.
Sabe-se que o Neuromarketing é uma ferramenta com amplas potencialidades, porém, exige orçamentos demasiado generosos, isto para resultados que não
são, ao contrário do que se imaginava há alguns anos atrás, a solução para todos os problemas do Marketing Research. Assim sendo, as empresas que
poderão estar interessadas neste tipo de análise de mercado serão aquelas as que participam no jogo da influência global.
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Paulo Vieira de Castro é consultor de empresas e diretor do Centro de Estudos Aplicados em Marketing, do Instituto Superior de Administração e
Gestão, Porto - Portugal. [email protected]
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