Considerações sobre a Construção de Ambientes Educativos na Internet Taís Rabetti Giannella Miriam Struchiner Introdução Atualmente, temos observado que um grande número de instituições de ensino tem implantado sistemas de Educação a Distância, para atender as demandas de um novo mercado educacional. Estas iniciativas, no entanto, surgem como uma modalidade independente e desvinculada sem estabelecer qualquer diálogo com o cotidiano da prática de ensino presencial destas instituições. Em geral, quando se fala no potencial que a Internet pode oferecer para o processo de ensino, as discussões enfocam a modalidade de educação a distância (EAD). É enorme a bibliografia referente ao “quarto momento da EAD”, que se caracteriza pelos “institutos” virtuais, ou melhor definindo, os ambientes virtuais de aprendizagem, onde a Internet, a Web e as redes locais potencializam a interatividade e a autonomia do aluno no processo de ensino-aprendizagem (Struchiner, 2001). A Internet e seus diversos recursos representam um campo muito fértil para o desenvolvimento da EAD; no entanto, também devem ser exploradas possibilidades de integração destes recursos às atividades presenciais, que representam ainda o eixo central do processo de ensino. Ao falarmos sobre EAD, estamos falando de educação, ou seja, do processo de transmissão, construção e reconstrução do conhecimento e da formação de cidadãos competentes e conscientes de seu papel em nossa sociedade, capazes de atuarem produtivamente e de forma comprometida em seus ambientes sociais e em suas atividades profissionais. Portanto, a EAD não difere da educação presencial em sua essência, mas em aspectos pontuais; a educação a distância pressupõe a distância física entre professores e alunos e entre alunos e seus colegas, nunca a distância de uma relação construtiva e dialógica entre atores envolvidos no processo educativo (Struchiner, 2000). Estas discussões estão cada vez mais em pauta na Educação e em especial na Ensino Superior, que começa a procurar caminhos para atender às novas exigências dos sistemas de ensino. Foi aprovada, recentemente, uma nova lei que permite que uma carga horária equivalente a 20% do total de um curso de graduação seja oferecida a distância (MEC, 2001). Estas transformações lançam desafios aos professores que se vêem em um cenário novo, onde as metodologias tradicionais de ensino são questionadas e a integração das novas tecnologias é fortemente requisitada. A seguir discutimos alguns importantes conceitos e elementos que devem ser considerados no desenvolvimento de ambientes de aprendizagem. A metáfora do ambiente de aprendizagem Considerando o conhecimento como algo a ser ativamente construído pelo indivíduo de acordo com suas experiências anteriores, Wilson (1995) desenvolve a metáfora de ambiente de aprendizagem, enfatizando o caráter transacional e dinâmico da atividade educativa. Assim, o ambiente de aprendizagem é um espaço onde os indivíduos constróem seus significados e resolvem problemas, a partir da utilização de diversos recursos e, muitas vezes, interagindo com outras pessoas A metáfora de “espaço” é especialmente interessante, pois traz a idéia de um lugar aberto, onde os alunos podem explorar e definir suas próprias metas de aprendizagem, exercendo autonomia e responsabilidade na atividade educativa. Desta forma, a partir da oferta de uma variedade de recursos informacionais – livros, vídeos, sites etc. – e ferramentas – editores gráficos e de texto, ferramentas comunicacionais etc. - há um grande enfoque na aprendizagem ativa que deve ser acompanhada e orientada pelo professor. Mais tarde, analisando a metáfora do ambiente de aprendizagem, Wilson (1996) alerta para a sua conotação individualista, por enfocar a idéia do “indivíduo em um determinado ambiente”. Propõe, então, a idéia da comunidade de aprendizagem, enfatizando o caráter social do processo educativo, quando o conhecimento é compartilhado e negociado. A construção de uma comunidade de aprendizagem, no entanto, não é uma tarefa trivial. Ao mesmo tempo em que exige um processo de planejamento minucioso, que integre todos os elementos do processo de aprendizagem, o ambiente não pode ser inteiramente pré-concebido ou definido, de maneira a garantir uma flexibilidade à atividade educativa. De acordo com suas características particulares e experiências prévias, os estudantes poderão ter uma certa liberdade de escolha dentre as possibilidades de recursos e ferramentas a serem utilizadas, assim como em relação às estratégias de aprendizagem. Esta situação é, ainda, algo novo tanto para os professores, como para os alunos, ambos acostumados a um sistema básico de ensino/aprendizagem de transmissão/recepção do conhecimento. Muitas vezes, esta liberdade conferida aos alunos é considerada como símbolo de descontrole e falta de organização do processo educativo, o que por um lado demonstra o estado natural de renovação e, por outro, representa a tentativa de sobrepor novos conceitos a modelos antigos. Elementos dos Ambientes de Aprendizagem Perkins (1991) elabora uma interessante análise sobre os elementos que constituem os ambientes de aprendizagem, discutindo como as diferentes formas de integração podem compor variados modelos de ensino/aprendizagem. Segundo Perkins, estes elementos podem ser diferenciados em cinco categorias: Recurso Descrição Bancos de Informação Information Banks recursos ou repositórios de informação Exemplos livros, apostilas, vídeos, bancos de dados informatizados, professores Blocos de Símbolos Symbol Pads superfícies para a manipulação e construção de símbolos e linguagem bloco de notas, editores de texto Kits de Construção Construction Kits coleções de materiais, ou unidades de conteúdo a serem manipulados e construídos Lego, softwares de manipulação, ferramentas de autoria Phenomenaria exemplos de fenômenos a serem observados, demonstrações em diferentes meios manipulados e estudados Gerenciadores de Tarefas organizam as tarefas, monitoram o progresso e instrumentos de avaliação, professores Task Managers avaliam os resultados da aprendizagem e alunos Quadro 1: Categorias de Elementos dos Ambientes de Aprendizagem (adaptado de Perkins, 1991.) A integração destas diferentes categorias pode representar a composição de diferentes ambientes de aprendizagem que, de uma maneira geral, podem ser classificados como (Perkins, 1991; Wilson, 1995): - Ambientes minimalistas: Neste caso, o processo de ensino está na transmissão de informações (ênfase no banco de informação - especialmente o professor e um livro texto - e não nos elementos de phenomenaria); estas informações são incorporadas e não construídas pelos alunos (ênfase nos blocos de símbolo e não nos kits de construção); os alunos não tem muita autonomia e controle sobre o processo de aprendizagem (os gerenciadores de tarefas estão nas mãos dos professores); - Ambientes progressistas: Neste caso, há uma ênfase na phenomenaria e nos kits de construção; os alunos estão engajados na realização de tarefas autênticas, a partir da visualização e manipulação de problemas/situações, sendo orientados pelos professores/facilitadores. Estes ambientes são, muitas vezes, denominados construtivistas. Construindo atividades e materiais na Internet A partir dos conceitos desenvolvidos acima, acreditamos que o grande potencial da Internet esteja na oferta de recursos e possibilidades que propiciem o desenvolvimento de “ambientes progressistas”. Assim, ao desenvolver algum material para a Web o professor deve ter em mente o seu real objetivo, atentando para o perigo de reproduzir para o ambiente virtual, estratégias e metodologias do ensino tradicional, como a construção de imensos livros eletrônicos. Deve-se refletir sobre as peculiaridades dos meios utilizados e sobre como aliar atividades presenciais e a distância, de maneira que se explore ao máximo as vantagens de cada uma. Inicialmente, aqueles professores que desejassem implementar materiais na Web teriam que dominar alguma linguagem de programação, ou algum editor de HTML, para criar suas páginas eletrônicas e integrar ferramentas comunicacionais, de maneira a criar um ambiente de aprendizagem dinâmico. Este processo requeria uma série de habilidades, o que dificultava muito a integração de recursos da Web nas atividades de ensino. Atualmente, com a utilização, em escala cada vez maior, da Internet como ambiente de oferta de cursos a distância, cresce o desenvolvimento de ferramentas que têm como objetivo facilitar o trabalho do professor em organizar e disponibilizar seus cursos na Web. Estas ferramentas são comumente denominadas “Plataformas de Autoria/Gerenciamento de Cursos na Web” (exemplos: WebCT, LearningSpace e AulaNet) e, de uma maneira geral, incluem recursos de manipulação de textos e gráficos, formulários para transferência de arquivos para o servidor do ambiente, além de recursos comunicacionais, administrativos e para o acompanhamento do desenvolvimento dos alunos (testes e avaliações). Além disso, em geral, estas ferramentas possuem um modelo padrão de curso, com uma estrutura de páginas definida e com um conjunto fixo de outros recursos que podem ser acrescentados. Estas ferramentas podem ser utilizadas tanto para a oferta de cursos totalmente a distância, como para cursos semi-presenciais. O que deve ser ressaltado é que a simples utilização destas ferramentas não garante o sucesso da atividade educativa. O mais importante está na maneira como o professor explorará seus recursos e conduzirá o ambiente de aprendizagem. Além da utilização destas ferramentas, temos alternativas mais simples, que por um lado podem ser mais limitadas, mas por outro oferecem mais liberdade aos professores, como a existência de alguns sites que facilitam a construção e publicação de página educativas simples, como o Filamentality, o Trripod e o HpG. Em relação à utilização da Web na oferta de cursos, podemos encontrar, na literatura, quatro diferentes modelos (Pallof & Pratt, 1999): (1) Curso na Web propriamente dito (WebCourse); É aquele que ocorre totalmente online, podendo realmente ser acessado a qualquer momento e de qualquer lugar a partir de uma conexão com a Internet. As atividades de interação são geralmente assíncronas. (2) Curso centrado na Web (WebCentric course); Como o WebCourse, o curso centrado na Web geralmente tem seu início e fim no ambiente virtual, explorando as diversas possibilidades interativas da Internet. No entanto, o curso WebCentric apresenta algumas atividades presenciais que são bastante diferentes das aulas tradicionais, visando explorar ao máximo a riqueza dos encontros, de forma a potencializar o processo educativo. (3) Curso enriquecido pela Web (WebEnhanced course); Neste caso o ambiente virtual serve de suporte às atividades presenciais. Os recursos da Internet são utilizados de maneira a enriquecer o processo educativo que é norteado pelas atividades de aula presenciais. Assim, o ambiente virtual pode ser utilizado para potencializar a comunicação entre os participantes do curso, podendo hospedar os inúmeros recursos bibliográficos e os materiais construídos pelos alunos. Atualmente, vem sendo explorada uma nova abordagem de construção e disponibilização de recursos educacionais na Internet que prioriza a visão de conhecimento compartilhado e de aprendizagem flexível. Assim, ao invés da elaboração de cursos online (seja WebCourse, WebCentric ou WebEnhanced), valoriza-se a seleção, construção e disponibilização de objetos/materiais de aprendizagem (learning objects) que possam ser compartilhados e reutilizados, em diferentes contextos, pelos diversos atores do processo educativo (Downes, 2000; Logmire, 2000; Shepherd, 2000). Acreditamos que a oportunidade de criar novos ambientes de aprendizagem, diferentes das habituais salas de aula, traz uma série de questionamentos e reflexões para o processo de ensino. Não que um ambiente de aprendizagem na rede, por si só, garanta uma maior eficiência do processo educativo, mas a atitude de pensar e construir novos espaços e estratégias alternativas de ensino/aprendizagem, motivados e enriquecidos pelos recursos da Internet cria possibilidades novas para a educação. Referências Bibliográficas DOWNES, S. Learning Objects. 2000. 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