Recursos Educativos na Internet Taís R. Giannella Miriam Struchiner As evidentes limitações do atual campo educacional, aliadas à crescente cultura da “virtualização”, trazem à tona uma importante reflexão sobre a transformação das relações com o saber (Lévy, 1998). Atualmente, o intervalo de tempo entre as transformações na sociedade é consideravelmente menor do que o tempo de vida dos indivíduos e, portanto, a maioria das competências construídas por uma pessoa no começo de sua vida profissional será obsoleta ao final de sua carreira. Uma outra importante constatação é a de que trabalhar equivale, cada vez mais, a aprender, construir e compartilhar conhecimentos. O novo profissional deve estar preparado para lidar com situações diversas em um panorama onde elementos como o conhecimento, a criatividade e a cooperação constituem-se em princípios de qualidade e inovação. A ênfase nas competências múltiplas do indivíduo, no trabalho em equipe e na capacidade de aprender a adaptar-se em situações novas passa lentamente a vigorar nas estratégias educacionais das sociedades contemporâneas. Finalmente, podemos dizer que com a emergência do ciberespaço e de suas tecnologias intelectuais (Lèvy, 1993) são ampliadas certas capacidades cognitivas humanas (memória, imaginação, percepção), permitindo uma redefinição de seu alcance, significado e, até mesmo, natureza. Com o uso da Internet são inúmeras as possibilidades de exploração do conhecimento e de criação coletiva distribuída. Assim, o potencial de articulação do saber transacional e da inteligência coletiva, das tecnologias de informação e de comunicação, está viabilizando um redirecionamento do processo educativo e de formação, onde as novas abordagens educativas passam a compreender o processo de aprendizagem como algo contínuo e renovável ao longo da vida do indivíduo, enfatizandose a importância da formação continuada e permanente. A utilização dos recursos oferecidos pela Internet pode “ In some respects these viabilizar um espaço potencial para a elaboração de educational communities ambientes de aprendizagem (Wilson, 1996) que atendam às may be more stimulating and novas perspectivas educacionais de construção do interesting for those involved conhecimento (Carmo 1997; Jonassen, 1998; Pallof & Pratt, with education because they 1999). Estes ambientes possibilitam a formação de bring together people with comunidades virtuais de aprendizagem, onde pode ocorrer, similar interests and não só um enorme fluxo de idéias e informações entre todos objectives, not just people os envolvidos no processo educativo, como a busca e who connect casually, as we construção do conhecimento pelos indivíduos, de acordo find in other areas of com seus próprios contextos, além de contribuírem para a cyberspace” organização de trabalhos colaborativos. Palloff & Pratt, 1999. De uma maneira geral, podemos dizer que o potencial educativo “Hipermídia é um da Internet está na oferta de uma imensa rede de informação sistema (hipertexto), em formatos diversos (hipermídia) e nas possibilidades de informatizado que interação e colaboração por meio das ferramentas comunicacionais. No agrega diversas entanto, vale lembrar que a contribuição efetiva deste potencial, assim mídias e que permite como da integração de qualquer recurso tecnológico, depende de uma a construção e o reflexão sobre os diversos elementos que envolvem a atividade acesso a informações organizadas de educativa. Assim, acreditamos que uma das grandes contribuições da forma não linear.” pesquisa e desenvolvimento sobre o uso das novas tecnologias da Struchiner,1999 informação e comunicação na educação é a possibilidade de repensar as práticas de ensino/aprendizagem, apontando novos caminhos e estratégias. Neste texto, apresentaremos os diferentes recursos e ferramentas da Internet, discutindo alguns de seus possíveis usos educativos. A rede de conhecimentos A forma não linear de apresentação da informação facilita ao “A inteligência aluno explorar o conteúdo de acordo com seu estilo de aprendizagem e coletiva é uma interesse, levando a uma desconstrução de uma estrutura/organização inteligência dos conhecimentos cristalizada em nossa cultura. Ao percorrer os distribuída por múltiplos caminhos possíveis no hipertexto digital seja online, na toda a parte, WWW, ou off-line, em CD-ROM, o usuário vai passando de um ponto incessantemente a outro, sem interromper o fluxo comunicativo, e instituindo uma ordem valorizada, lógica própria. coordenada em O ciberespaço nada mais é do que um imenso hipertexto tempo real, que planetário: além de permitir vários níveis de aprofundamento de um resulta em uma mesmo assunto, a Internet possibilita múltiplos pontos de vista e mobilização diferentes referenciais culturais. efetiva das No entanto, o hipertexto pode facilitar a dispersão e a sensação de competências”. Lévy, 1998 perda de controle por parte do leitor, que precisa criar habilidades de maneira a usufruir ao máximo o potencial desta linguagem. De uma maneira geral, podemos dizer que a Web abriga três grandes grupos de recursos que podem ser utilizados no processo educativo: recursos de conteúdo, ferramentas comunicacionais e ferramentas de gerência e autoria. Apresentaremos este último grupo no módulo construindo. Tanto o campo empresarial, quanto o educacional, com os diversos grupos acadêmicos de pesquisa, vêm ampliando seu enfoque no desenvolvimento de recursos educativos na Web. Recursos de Conteúdo Atualmente, presenciamos um processo acelerado de digitalização dos conteúdos informacionais. O universo digital expande-se a cada dia, aumentando as possibilidades de acesso e publicação dos mais variados conteúdos. No entanto, achar informação especializada na Web está cada vez mais difícil. Não bastasse o simples fato de o número de sites crescerem diariamente a uma taxa que as ferramentas de busca mal conseguem alcançar, existe ainda um enorme volume de informações ao qual a maioria dos usuários não tem acesso (Boletim Educare Online – dezembro, 2001). Estima-se que exista na Word Wide Web um espaço informacional 500 vezes maior do que aquele alcançado pelas ferramentas de busca mais populares como o Yahoo! ou o Google, por exemplo. Boa parte dessa informação está contida em bases de dados e, para ter acesso a tanta informação, um usuário precisaria aprender os comandos de busca específicos para cada base de dados - algo inviável. Disso resulta que existe uma verdadeira "Web Invisível", ou, segundo Araújo (2001), uma “Web Oculta” aos olhos dos usuários. Além disso, os leitores do ciberespaço devem aprender, não somente, a se orientarem diante de uma nova estrutura textual, como a selecionar os conteúdos navegados. Recursos de Conteúdo Em relação aos recursos de conteúdo, podemos dizer que a Web oferece: 1) Diferentes Formas de Representações da Informação Textos, gráficos, fotografias e ilustrações (Ex.: Educação e Cibercultura) ; Animações (Ex.: The Visual Human Project) Animações interativas (o usuário pode interagir) (Ex.: Construa uma Molécula de DNA); Audio e Video Clips (ex. Mecanismos celulares, Cinema Biológico, Bio Interactive); Simulações (ex.: Simulador neurológico) Realidade Virtual (ex.: Fósseis) 2) Diversas fontes de Informação Revistas, Jornais, Boletins (Journal of Interactive Media in Education, Boletim EAD/Unicamp); Bibliotecas virtuais (artigos, textos, apresentações, bancos de imagem, áudio, animações, softwares e materiais educativos, etc.) (Ex.: Elsevier, Biblioteca Virtual en Salud); Portais temáticos, páginas institucionais e pessoais (Eduweb, Biology Online) Cursos abertos e fechados (Eureka, Dermatologia) Ferramentas Comunicacionais As principais ferramentas comunicacionais oferecidas na Internet são: Ferramentas Correio eletrônico (e-mail) Listerv Newsgroups Fóruns Online Salas de Chat Videoconferência Descrição e exemplos Tanto o Netscape Navigator como o Internet Explorer incluem um recurso de correio eletrônico dentro de seus navegadores. No entanto, muitas pessoas preferem utilizar um pacote de correio separado do navegador. Alguns exemplos de programas de correios eletrônicos gratuitos são: BOL http://www.bol.com.br IG - http://www.ig.com.br Yahoo - http://yahoo.com.br Listas de discussão de interesse pessoal; os membros enviam mensagens (a partir de suas caixas de correio), e o software de listerv as redistribui para todos os membros de um dado grupo de discussão. Para uma extensa lista de listservers de educação confira em http://edweb.gsn.org/lists.html As mensagens de newsgroups não são enviadas diretamente para sua caixa de correio; ficam armazenadas nos sites gerenciadores. O Netscape e o Internet Explorer disponibilizam o “newsreader”, a partir do qual podem ser acessados os newsgroups. Discussões assíncronas; as mensagens ficam registradas nos fóruns, que devem ser acessado na Web. Alguns fóruns online: Teacher Talk, Educator`s Forum. “Bate papo” em tempo real (síncrono); O IRC (Internet Relay Chat) e o ICQ são as mais conhecidas; permitem o envio de imagem e som O CU-SeeMe é um programa gratuito para videoconferência; em algumas versões permite a troca de textos e slides. Porém, além do software é necessário um microfone, uma câmera de vídeo ou camcorder e um utilitário de captura de tela. Modalidades de Uso dos Recursos da Internet na Educação Em primeiro lugar, deve ficar claro que integrar os recursos da Internet no processo de ensino não significa, obrigatoriamente, a realização de uma atividade de educação a distância. Os recursos existentes na Internet podem ser utilizados em sala de aula, durante atividades presenciais, tanto com o uso de computadores conectados à rede (no caso da existência de laboratórios de informática), como a partir de sua projeção a partir de outros recursos (um projetor multimídia, ou até mesmo um retroprojetor, dependendo da natureza do recurso). Se houver condições de os alunos acessarem a Internet fora do ambiente de sala de aula, o professor pode pensar em como propor atividades a distância que possam contribuir para a dinâmica de sua disciplina. Assim, pode abrir uma lista de discussão para tutoria, ou debates diversos sobre os conteúdos da disciplina; pode indicar sites com referências bibliográficas e acima de tudo com recursos educativos que não são usualmente utilizados em aula (vídeos, animações, simulações) e etc. A integração de atividades educativas a distância, apoiadas pela Internet, às atividades presencias, pode ser um processo muito enriquecedor, pois, além de oferecer uma imensa fonte de recursos e possibilidades de comunicação, pode tornar o tempo em sala de aula mais produtivo. Andy Carvin, em seu hiperdocumento “Exploring Technology and School Reform” (1997) explora quatro diferentes possibilidades de uso da Internet na educação: a web como tutorial, a web como ambiente de publicação, a web como fórum e a web como navegador. A idéia da web como tutorial explora seu potencial hipertextual, o qual estimula o caráter exploratório no processo de aprendizagem e possibilita uma construção própria da leitura (sem início ou fim rigidamente estabelecidos). Explora também a possibilidade de integração de diferentes mídias, o que enriquece o processo de aprendizagem, oferecendo múltiplas formas de representação do conhecimento. A web como ambiente de publicação ressalta seu caráter “democrático”, já que “qualquer indivíduo” pode publicar em rede mundial suas obras. Os alunos podem, por exemplo, criar suas páginas pessoais e nelas publicar seus diversos trabalhos. Estes trabalhos poderão estar em formato hipertextual, levando a outras páginas, e apresentar diversos recursos midiáticos. Assim, mais do que publicar algo na Internet, o que por si só fortalece as relações de troca de informação, criam-se novas possibilidades de construção do conhecimento. A web como fórum explora as diversas possibilidades de comunicação/colaboração entre os indivíduos. Criam-se novas redes que não apenas enriquecem a comunicação entre os sujeitos de um determinado ambiente de aprendizagem, como também facilitam as oportunidades de intercâmbio externo (selecionados pelos próprios alunos de acordo com seus interesses e necessidades). Finalmente, a web como navegador abriga as diversas redes de conhecimento que para serem efetivamente exploradas exigem do leitor novas habilidades (que caminhos tomar? que informação selecionar (como selecionar)? como não perder o rumo da leitura, ou da navegação?). Habilidades que exigem uma apropriação do processo de aprendizagem, ou seja, uma atitude ativa e consciente. Considerações Finais A literatura sobre as vantagens do uso da Internet na educação enfatiza a oferta de novas possibilidades de interatividade, conceito que, assim como no meio cultural e comercial, é motivo de grande euforia e especulação. Assim, presenciamos um desenvolvimento intenso de programas educacionais informatizados que vêm explorando este conceito, aproveitando-se da visão de que a aprendizagem passiva deve dar lugar à aprendizagem ativa e interativa. No entanto, sabemos que a Internet e seus diversos recursos e ferramentas não garantem por si só uma atividade educacional interativa, realizada de forma consciente e crítica. No processo educativo, o conceito de interatividade deve vir acompanhado da necessidade de se estabelecer atividades que garantam engajamento, apropriação e autonomia por parte dos alunos. A interatividade, em um contexto educacional, se refere à aprendizagem ativa, quando o aluno reconstrói as novas informações de maneira a torná-las significativas. A construção de significados, portanto, é realizada mediante a consciência do processo de aprendizagem, seja por meio da resolução de problemas ou da aplicação do conhecimento elaborado a outras situações. Neste sentido, o processo de incorporação de TICs na educação deve estar vinculado a uma visão pedagógica inovadora, que explore a realização de atividades educativas autênticas, que ressaltem a busca de compreensão do conteúdo e não a sua distribuição. Ambientes que encorajem uma aprendizagem ativa devem estimular os aprendizes a tomar decisões sobre o conteúdo, as atividades e as formas de avaliação do aprendizado. Utilizam, em geral, várias estratégias cognitivas que possibilitam ao aluno elaborar, a partir de suas próprias estruturas conceituais, novas interpretações e conhecimentos. A partir das características definidas por diversos autores sobre ambientes construtivistas de aprendizagem (Cunningham et al., 1993; Jonassen, 1998; Schank, 1995), acreditamos que os recursos oferecidos pela Internet podem enriquecer o processo de aprendizagem na medida em que possibilitam: - oferecer múltiplas representações da realidade (p. ex.: a linguagem hipertextual possibilita integrar a visualização da informação sob diferentes pontos de vista); - apresentar tarefas autênticas que contextualizam a informação (ex.: utilização de simulações); - providenciar contextos reais, baseados em casos e não apenas seqüências instrucionais pré-estabelecidas (a construção de casos na Web pode ser enriquecida, p.ex., pelo uso de diferentes mídias, possibilidade de feedback automático a perguntas de múltipla escolha, possibilidade de colaboração entre os participantes e etc.); - estimular práticas reflexivas (ex: a possibilidade de registro dos diálogos nos fóruns de discussão permite a futura recuperação da informação e a reflexão sobre seu conteúdo); - facilitar a construção de conhecimento dependente de contexto e conteúdo (o ambiente de rede permite uma atividade educativa exploratória que pode ser guiada pelo aluno de acordo com seus conhecimentos prévios e objetivos de aprendizagem); - apoiar a construção colaborativa de conhecimento a partir da negociação social (ex: estimula o uso de ferramentas comunicacionais para desenvolver projetos em equipe). Assim, podemos perceber que existe uma enorme quantidade de estratégias a serem planejadas e desenvolvidas pelos professores, de maneira a integrar os recursos da Internet ao ambiente de aprendizagem, engajando os estudantes em atividades dinâmicas como a exploração, a pesquisa, o planejamento e a publicação de materiais. Referências Bibliográficas ARAÚJO, José Paulo de. Invisível, Oculta ou Profunda?: A Web que poucas ferramentas enxergam. Na Internet em: http://www.educarecursosonline.pro.br 2001. CARMO, H. D.A. Ensino Superior a Distância: Contexto Mundial. Lisboa: Universidade Aberta. 1997. CARVIN, Andy. Exploring Technology and School Reform. Disponível em: http://www.edwebproject.org/resource.cntnts.html 1997 CUNNINGHAM, Donald; DUFFY, Thomas M. & KNUTH, Randy A. The texbook of the future. In C. McKnight; A. Dillon & J. Richardson (Eds). Hypertext: a psychological perspective. New York: Ellis Horwood, 1993 JONASSEN, David H. Designing Constructivist Learning Environments. In REIGELUTH C.M. (Ed) Instructional Theories and Models. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1998 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1998. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993 SCHANK, Roger & CLEARY, Chip. Engines for Education. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1995. STRUCHINER, 1998. Hipermídia na Educação: princípios básicos para o desenvolvimento de material educativo. Rio de Janeiro: NUTES/UFRJ WILSON, B.G. What is Constructivist Learning Environment? In: WILSON, Brent G. (ed.). Constructivist Learning Environments: Case Studies in Instructional Design. Englewood Cliffs, NJ: Educational Technology Publications, 1996.